Give Me Love – Novatos escrita por Giulia Bap


Capítulo 15
Capítulo 14 – Pássaros – ANTES




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As solas do par de tênis surrados vão espalhando marcas pelo corredor conforme eu corro, mas não tenho tempo para isso agora. Não sou a única por aqui que pode deixar pegadas, mas, se um daqueles seguranças me pegar, eu serei a única garota viva com esses cabelos loiros e traços de raposa. Bem, se me pegarem, eu estarei viva por pouco tempo.

Eu sou rápida. Muito rápida, na verdade. O problema é que os tênis molhados me fazem escorregar com uma frequência absurda e eu mal tenho tempo de respirar entre um tombo e outro. Quando finalmente eu chego à saída do edifício, tenho uma surpresa. Está trancada. Nunca está, por que hoje? Aposto que notaram minha presença. Procuro por outra saída no meu campo de visão, mas parece que se eu quiser encontrar outra porta, terei que voltar. Terei que afrontar aqueles arcanjos. Então, só me resta tentar abrir a que eu tenho. Pego as chaves no bolso da calça jeans e testo uma por uma, pulando, é claro, ômega. Os arcanjos ainda não chegaram. Minhas mãos tremem, assim como todo o resto de meu corpo. Aquele lugar é um labirinto, espero que eles estejam procurando por mim em outro lugar.

Todas as chaves se vão. Nenhuma delas sequer encaixa na fechadura. Encaro o desenho em rubi de uma em especial enquanto me pergunto umas zilhares de vezes por um décimo de segundo. “Será?” Não posso hesitar. Encaixo a dita cuja na porta, que se destranca no primeiro giro. Por que diabos ômega serve para ambas as portas? Sem tempo para pensar, saio voando na chuva. Não quero voltar para casa.

Seguro a chave com tanta força que o metal arranha minha mão, mas nem por isso abro uma brecha. Penso bem no rosto da mulher, seu vestido de noiva estampado com várias daquela enigmática letra grega. Aquelas feições doces que remetem a Pocahontas. Será que a roupa de Laura também tinha os bordados vermelhos? Não descobri seu corpo, não pude ver o que vestia. De qualquer jeito, saber onde Laura está me tranquilizou. Ver o que havia dentro da estufa. Agora, porém, eu sei que preciso descobrir quem é a mulher, e só o que eu consigo pensar é em ver a amiga com olhar selvagem de minha irmã.

Pouco, melhor que nada. O desespero é saber que eu nem ao menos tomei conhecimento de seu nome. Dificilmente a encontraria.

E pra quem eu conto tudo isso? Conselheiro é a pessoa menos confiável com quem alguém já conversou em séculos. Meus pais? Bem, eles não sabem nem que Laura deixou para trás um corpo. Eu não tenho amigos. Bem, eu tenho afeto por algumas pessoas daqui. Abigail, por exemplo, uma baixinha morena de olhos tão negros como o cabelo, pode ser considerada minha amiga. Assim como eu, ela tinha a esperança de ficar na ala dos Escritores. Provavelmente, está por lá agora, afinal ela não tem uma irmã cupido que morreu e deixou para trás um legado inteiro de problemas. Não, não consigo confiar em Abigail. Só me resta Gaia. Minha antipatia inicial pela branca-de-neve converteu-se num carinho engraçado, onde uma acaba apoiando a outra numa antipatia comum pelo Conselheiro.

Vôo até a ala dos anjos de guarda. Eu poderia andar, mas me sinto inapta a correr no escuro, na calçada cheia de poças d’água. O lugar é asséptico, todo branco, com casinhas todas iguais, e todas elas com pinturas intactas. A única casa diferente é a de Gaia. Logo acima da porta há um passarinho de madeira em cores quentes. “Pássaros são os animais mais distantes de nós.” Ela disse uma vez conforme nos locomovíamos para a varanda. Naturalmente, encarei seus olhos pretos e grandes demais sem entender nada. “Eles são livres, enquanto nós estamos aqui presos por uma linha imaginária.” Ironizou. Lembro-me de que a frase conseguira desenhar um sorriso em meus lábios.

Bato na porta. Estou ensopada, mas não sinto frio. Aliás, frio é uma das poucas sensações humanas que pudemos “herdar”. Calor, no entanto, é uma sensação pouco provável. Não ouço passos, de forma que me surpreendo quando a porta se abre segundos depois. Sinto-me estúpida. Anjos como Gaia raramente se dão ao trabalho de andar, quando podem flutuar. “Harriet?!” Ela parece ter acordado agora, mas não está mal-humorada. Os pijamas estampados de bichinhos fariam-me rir em qualquer outra situação, mas nesse momento estou tão aflita que só posso pensar em despejar tudo o que vi encima da baixinha. Ela faz sinal para que eu entre. Estou um pouco receosa de molhar o carpete tão bem cuidado, mas não posso conversar com ela do lado de fora da casa.

“Você não devia estar em casa? Dormindo?” Pergunta, mas não em tom de repreensão. Parece apenas desconfiada. Cala-se assim que abro minha mão direita e estendo-a em sua direção. A chave. Sua boca se metamorfoseia num “o” e ela pega o objeto de minha mão num salto. “Você… Ah Deus! Não me diga que… Mas é claro que sim.” Balança a cabeça freneticamente enquanto examina o rubi. “Quem é ela?” Respondo a todas as suas perguntas com uma única. “Toma. Eu não posso dar nomes. Isso seria errado.” Joga a chave de volta em minha mão, desconcertada. “Sobre a mulher… Não revire o passado. Não agora. Mas quanto à ômega… Guarde-a. Ela abrirá a porta para todos os finais, até mesmo os abstratos. Mas apenas os finais.”


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Notas finais do capítulo

IT'S TIME - IMAGINE DRAGONS
http://www.youtube.com/watch?v=W9ktZpfquAE