Give Me Love – Novatos escrita por Giulia Bap


Capítulo 1
Capítulo 1 – Províncias


Notas iniciais do capítulo

É uma introdução, nada acontece por enquanto porque eu precisava explicar o sistema de províncias, etc.



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O fim de tarde pigmenta o céu em laranja e vermelho. Sinto o vento bagunçando meus cabelos e amarrotando minhas roupas conforme voo pela Linha de Caça. Ela é uma barreira feita de nuvens, completamente ultrapassável, mas o medo que a cerca é intransponível. O castigo para os que a cruzam sem permissão divina é cruel, e acredite, somos tão vigiados como cobaias de laboratório. Do outro lado estão os humanos. Pouco sei sobre eles; são insensatos, não voam e a pele que guarda seus músculos é fina como seda. Mas eu posso vê-los daqui. Onde vivemos, as ruelas, esquinas, estradas asfaltadas, lojas, casas, tudo idêntico, tirando o fato de que nosso lar flutua por sobre suas cabeças. Debruço-me sobre uma nuvem, meu corpo leve fazendo-a chacoalhar como se fosse sólida, e observo aqueles olhos perdidos andando na calçada da cidade grande. Atrás da Linha de Caça somos invisíveis para eles. É como um reino perdido que eles buscam desde pequenos. Empinam papéis coloridos agarrados firmemente a estacas e observam estes enquanto somem em nosso território. São as pipas. Constroem arranha-céus cada vez mais altos e nos obrigam a encolher cada vez mais a Linha. Eles querem nos encontrar, é possível que nos matem se acontecer. Já disse, são insensatos. Trocar o futuro humanamente possível pelo poder momentâneo, pela sabedoria ilimitada, pela fortuna? Ah, bem típico.

Prefiro pensar que esse é o mais perto deles que sempre estarei. Parada aqui, protegida por nuvens e arcanjos. Minha irmã, porém, não se satisfaz com a visão e as informações escassas que são concedidas a nós, uma espécie bem sucedida de híbridos. Quando fazemos dezesseis anos há um teste que define o nosso cargo celestial. Esse cargo nos designa a uma província e lá devemos formar um lar. Não há preconceito, portanto, para onde quer que eu vá, eu posso levar minha família – com a condição de que eles continuem mantendo a casa em suas províncias originais. São sete províncias (há uma simbologia muito forte envolvendo esse número). A primeira é composta pelos anjos de guarda que zelam pela boa consciência dos mortais. Eles não têm asas, mas flutuam, seus corpos esguios mergulham nas nuvens como se elas não existissem. Na segunda ficam os arcanjos, protetores do céu; são fortes, têm asas gigantes e negras que se empoleiram em seus ombros. Eu os chamo de corvos elegantes. A terceira é a de criaturas historiadoras: elas são eruditas, descendentes espirituais da mais pura linhagem de anjos – quase não podem ser chamadas de híbridas. Criaram os livros sagrados e inventaram as lendas humanas a mando de Deus. Na quarta província estão as Potestades, uma mistura de sensatez divina e carisma humano, são as mais poderosas criaturas a habitarem o Céu. Elas decidem tudo por aqui. Sim, elas, são todas mulheres e extremamente bonitas. Na quinta estão os "marqueteiros". Não brinco, é marketing mesmo, como se fosse uma agência de publicidade aos avessos: é composta por filhos de arcanjos com historiadoras e vice-versa, eles fazem de tudo para não deixar que os humanos tenham conhecimento de nós. A sexta é uma espécie de guardiã de valores; são quase todos homens e mulheres anciões, os únicos de nós cujas aparências atingem estágios tão avançados. Minha avó, mulher corada de cabelos brancos como a neve, pele enrugada pela sabedoria, pertence à sexta província. Uma vez me disse que desde pequena sempre soube que iria para lá. É um dom, um instinto – que eu não tenho. A invejo por sempre ter compreendido seu lugar.

A sétima província traça destinos. Não guia nem alerta, simplesmente cega os humanos. São os cupidos. Nunca vi um de perto. Eles vivem com os humanos, como se fizessem parte daquilo. Não há nem mesmo uma “província física” para os sétimos no Céu, já que todos que já existiram passaram suas vidas inteiras no plano terrestre. O amor que sempre pareceu algo tão instantâneo e independente para nós, que só temos direito ao amor fraterno, é um jogo de gato e rato para eles. Se você estiver se perguntando, respondo logo: não há amor entre sexos opostos por aqui, não existem amantes. Há reprodução. Somos serviçais. Devemos procriar. Junto com nosso novo endereço e nova carreira, vem um novo casamento. Não sei se conseguimos sentir esse tipo de amor proibido, mas no caso de acontecer, acho seguro que escondamos o dito cujo. Para os humanos, porém, é intenso. Eles escrevem, cantam e são criados para sonhar sobre o amor. E quando um cupido decide que chegou a hora, a paixão surge. Se prevalecer, é amor. Se não, deixa cicatriz. Às vezes mata. E é assim, superficialmente, que aprendemos sobre essa vereda.

Espero ser uma historiadora. Não tenho toda a inteligência dos anjos amadurecidos, mas acho que serve o pouco que posso oferecer. Gosto de imaginar, escrever histórias e traçar os fios finos e coloridos da criatividade. Minha família me apoia, mas não minha irmã; voltando ao assunto primário. Ela me confidenciou que quer pertencer à sétima província. Disse que, assim como nossa avó, ela tem certeza mais que absoluta de seu dom. Tenho medo de perdê-la para o mundo humano, mas mesmo assim não a reprimo. Se eu tivesse um sonho, uma vocação da qual eu tivesse certeza mais que absoluta, não ia gostar de ser contrariada. Mas não tenho, e isso faz de mim uma completa dependente da sabedoria das Potestades: elas vão decidir minha província, minha carreira e meu casamento. Meu casamento! Consegue entender? Desprezo a ideia, mas as chances de escapar dela são utopia.

Perdida em pensamentos, sou despertada por uma névoa negra que ronda um garoto de cabelos ruivos. Essa névoa é a aura dos humanos que desistiram do amor. São imunes aos cupidos e aos anjos da primeira província. São chamados “ovelhas desgarradas”, mas eu prefiro dizer que são independentes. Porque é cruel o modo como uma flecha disparada por anjos imprudentes pode quebrar corações como o desse ruivo de novo e de novo até que ele se apaixone ou se revolte.

Faltam apenas sete dias para meu aniversário de dezesseis anos e, consequentemente, o aniversário de minha irmã Laura. Somos gêmeas, seus traços quase idênticos aos meus se diferem apenas por serem mais delicados, o corpo mais delgado. Já meu rosto carrega características ferozes que me fazem parecer uma raposa loira – palavras de Chris, um amigo historiador com talento nato para descrições – e meu corpo igualmente esguio e flexível é, porém, mais ágil e forte. Ainda não temos asas, só flutuamos e andamos. Talvez nunca tenhamos (anjos da guarda apenas flutuam, como nós novatos, e Potestades nunca revelam seus pares de asas que, segundo boatos, parecem enormes chamas que começam em amarelo, ficam laranjas, vermelhas e finalmente lilases). Eu até consigo levantar vôo depois de vários tombos, e deve ser por isso que me confundem com os ensaiados – adultos que já têm província. E enfim serei uma. Não estou animada, nem curiosa, nem pessimista. Em uma semana estarei em uma outra casa. Se realmente for uma historiadora, provavelmente irão casar-me com um arcanjo numa cerimônia privada, onde todos se vestem de branco e invocam a presença de Deus, depois terei vários filhos, uma prole de protetores do Céu – a equipe de marketing ao contrário. Eu nunca vou envelhecer, mas chegará o dia em que Deus entenderá minha missão como cumprida, e eu partirei. História serena, pré-escrita por mãos de uma conformada.


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