Estrela da Tarde escrita por Ametista


Capítulo 5
Os Cullen




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É estranho se acostumar com a dor. De início você a repele, mas depois a aceita como parte inevitável da realidade. Quando ela se esvai e vem o alívio, fica o receio natural de que ela retorne, desta vez mais forte, feito a calmaria que precede a tempestade, ou o mar silencioso antes do tsunami. Eu sabia, que no meu caso, isso era uma tendência quase que científica, tão precisa quanto a rotação da Terra.

Não consegui me importar com isso ali, porém. Fiquei extasiada por poder sentir meu coração bater no peito outra vez, rápido e furioso. Ele, o coração que há anos só batia de modo mecânico, tal como um relógio apático, um órgão morto sendo mantido vivo por aparelhos. Fiquei quieta, escutando os batimentos ferozes pulsarem em meus ouvidos. Eu me sentia inteira de novo, desprendida de amarras.

Edward. Meu irmão. Aquele que me ergueu dentre os mortos só com um abraço. Pensei em todas as coisas que podia dizer para agradece-lo por isso, mas não eu não tinha palavras o suficiente que pudessem expressar minha gratidão. Só pude esperar que ele ouvisse isso e entendesse. Afundei-me mais sobre seu casaco, desfrutando da gloriosa sensação de liberdade.

— Oh, Edward, meu irmão! – As lágrimas, previsíveis, se acumularam nos cantos de meus olhos, descrevendo uma linha ao correrem por meu rosto. – Senti tanto sua falta!

— Irmãzinha – sussurrou, o queixo apoiado no alto de minha cabeça. Em seguida se afastou, me segurando pelos ombros. – Você está aqui! Como, me diga? Eu vi os cartazes, Anneliese! Os Van der Haar já tinham encerrado as buscas!

Não o Hans, pensei de automático, o que fez Edward arquear uma sobrancelha. Contraí o maxilar, empenhada em controlar minhas lembranças. Isso o deixou desconfiado.

— Não segui seu cheiro porque já se havia passado muito tempo e a chuva lavou seu rastro, mas acompanhei as investigações de longe quando retornei a Chicago alguns meses depois – insistiu ele, ferrenho. – As equipes seguiram seus passos pela floresta e...

— ... encontraram apenas uma garrafa de conhaque quebrada, um isqueiro, cinzas e a carcaça de Apolo, provavelmente – interrompi, complementando a informação. Ele assentiu. – É, eu sei. A conclusão à que chegaram foi a de que fui atacada por algum animal selvagem, o que não é bem um equívoco. Entenderam que “a fogueira que eu acendi” – fiz as aspas com os dedos – o atraiu. Bem, é uma longa história.

— Não importa – retrucou e, antes que eu pudesse impedi-lo, pegou meus dedos com os seus. – Quero saber de cada detalhe e... — Edward parou, surpreso. Minha mão refulgia, luminosa e cintilante como uma estrela, em contato com a pele dele.

Eu estava preparada para isso, para o formigamento que eu sentiria, para a leve sensação de repuxo que vinha com o brilho, como se eu tivesse ventosas nas palmas. Mas Edward e os outros não.

Atrás dele todos os Cullen se retesaram, com a exceção de Alice, que sabia não haver ameaça alguma. Bella passou Renesmee para suas costas e me empurrou para longe de Edward, sibilando e soltando um rosnado gutural. Cambaleei, completamente aturdida, conforme meu corpo se acostumava com o novo poder. Apoiei as mãos nos joelhos, tentando me manter firme. Houve um milésimo de segundo de silêncio em minha cabeça e então o jorro ininterrupto de vozes começou; cada pensamento sussurrante em um raio de três quilômetros foi sintonizado. Cada pensamento deles.

...se parece tanto com ele... Tanto com Elizabeth, refletia Carlisle; meus olhos lampejaram no seu rosto ao escutar nome de minha mãe.

...emoções não indicam que ela pretende atacar, entretanto..., Jasper ponderava, solícito.

... reação exagerada, ela é uma garota tão doce..., Esme espiou, meio escondida no ombro de Carlisle.

... coração batendo como o de Nessie, teria que ter nascido assim, então como poderia ser irmã..., conjecturava Rosalie.

... será tão forte mesmo para ter lutado com toda a alcateia ou será que aqueles fracotes..., Emmett questionava, quase brincalhão.

...não queria machucar o papai..., Renesmee me observava, preocupada com a tensão que se instalara.

... não vejo perigo algum..., Alice informou para Edward em um tom que sugeria que esse tipo de conversa unilateral era comum entre eles.

E Edward lia meus pensamentos lendo os dos outros, incrédulo.

— Não... – Ofeguei, desorientada com as vozes, sentindo uma vertigem na força que fiz para bloqueá-las. – Não se preocupem. É apenas o meu poder.

Nenhum deles baixou a guarda, apreensivos com a rigidez de Edward, pois pensavam que eu o havia machucado. Bella não desviou os olhos de mim. Percebi que eu demoraria a conseguir gostar dela; como aquela idiota poderia sequer cogitar que eu faria algum mal a meu irmão? Edward reagiu a esse pensamento com uma careta. Saia da minha cabeça, se não gosta do que tem nela, retruquei.

 — Seu poder? – Bella interrogou, ríspida. – E o que o seu poder faz?

Um assovio de choque se evadiu de Edward no instante em que ele leu a resposta. Quando falei, tinha os olhos pregados no braço de Bella, a três passos de distância:

— Reconhece características excepcionais de outros vampiros... suas habilidades específicas... e se adapta a elas, copiando-as. Assim. – E apanhei seu braço.

A luminosidade surgiu em minha mão como se eu tivesse ligado uma lanterna. Bella arquejou, estupefata, à medida em que eu sentia meus dedos esfervilharem e repuxo se intensificando. O escudo se instalou pouco a pouco, distendendo-se feito uma película sobre meus pensamentos e me blindando contra intrusões. Quando Bella me afastou com um movimento brusco e eu fui de encontro a uma árvore – arrancando até um naco pegajoso do tronco –, encarei Edward, investigando se ele ainda podia me ouvir.

Sorri ao perceber que ele encontrava apenas o nada ao tentar invadir minha cabeça. Bella recuou, conturbada.

— E agora eu tenho o seu escudo. E foi assim que me tornei híbrida, na ocasião em que conheci Nahuel, há uma década. Meu talento entendeu a genética dele como algo excepcional e transferiu isso para mim. – Esclareci, olhando diretamente Rosalie. – E foi através de Nahuel e Huilen que descobri sobre vocês. 

Edward ainda não havia se recuperado:

— Pode ter qualquer dom de qualquer vampiro?

Fiz que sim, para o espanto de todos.

— Somente se tocar com as mãos. Igual a Renesmee. – Gesticulei e pisquei para pequenina, que buscou o olhar da mãe, confusa. – Não precisam fazer esse estardalhaço todo. Sou inofensiva.

Emmett tossiu para disfarçar uma risada. É, bando de fracotes, pensou.

— Nem tanto, Emmett – respondi, o que fez seus olhos estalarem. Por alguma razão, senti uma necessidade estranha de argumentar a favor dos vira-latas. – Aqueles bastardos fedorentos são hábeis, tenho que admitir. Reuni muitos dons ao longo deste século e precisei usá-los para me defender. – Minha voz de súbito assumiu um tom áspero. – Afinal, não sei se eles falaram tudo, mas me atacaram primeiro.

O relance de uma memória roubada passou pela mente de Edward: eu contendo os lobisomens sem nem precisar tocá-los. Dei um sorriso torto diante da pergunta implícita – sorriso que pareceu desnortear Bella, apesar de eu não entender o porquê.

 — Explicarei qualquer dúvida que tenham, se pudemos conversar como vampiros civilizados. Ou preferem acender a fogueira para me atirar nela? E, Edward, por que não me apresenta à sua família adequadamente? Vovó ficaria horrorizada com sua falta de modos.

A expressão assombrada em seu semblante se atenuou a proporção que eu erguia a mão com delicadeza, o gesto típico de uma dama do século passado que espera os cumprimentos de um cavalheiro. Edward ignorou as advertências de Bella e se adiantou para mim, tomando meus dedos com um suave beijo. Percebi que todos estavam em alertas, esperando outra vez o brilho que eu sabia que não viria – aquele dom eu já tinha.

— Assim está bem melhor – elogiei.

Ele sorriu, um sorriso que não chegou nos olhos. Ainda estava perturbado.

— Família – chamou, não se dando ao trabalho de se dirigir a ninguém em particular; já sabia que eu conhecia bem demais todos eles. – Esta é minha irmã, Anneliese.

Fechei a cara no ato.

Anna, Eddie – corrigi enfaticamente. – Anna. Anneliese é uma velha centenária que morreu rodeada de gatos.

Os Cullen riram – Emmett, em especial – e Edward gargalhou. A alegria, desta vez, chegou ao seu olhar.

— Não acredito, é mesmo você. Só a Anna que eu conheço seria tão geniosa.

Revirei os olhos, mas fitei todos com um sorriso tranquilo, tentando ser simpática.

— É um prazer conhecer a todos de verdade. – Ninguém deixou a colocação passar em branco. – Temo ter causado uma péssima impressão... Por favor, confiem quando digo que não pretendo causar-lhes qualquer dano.

Houve um momento de silêncio enquanto eles mostravam se acostumar com a minha presença; não foi uma surpresa tão grande ser Carlisle ao avançar primeiro, afinal, ele era o diplomata da família.

— Muito prazer em conhecê-la, Anna. – Ele me estendeu a mão, que apertei sem hesitar. – Desculpe-nos pela recepção pouco climática... fomos pegos desprevenidos com a sua chegada.

— Ora, não se desculpe, Dr. Cullen. Eu compreendo perfeitamente. Não sou o que se chamaria de espectro amigável...pelo menos não à primeira vista.

Carlisle franziu o cenho, no entanto mostrava-se incapaz de parar de sorrir.

— Você tem um senso de humor interessante. E não precisa me chamar de Dr. Cullen. Carlisle está ótimo.

Fiz que sim, e pela sua mente vi que ele estava fazendo comparações de mim com o que vira de minha mãe, Elizabeth. O mesmo cabelo ruivo, os mesmos olhos verdes, a mesma obstinação. Se questionou por que ela se mostrara tão preocupada com o filho... mas em nenhum momento mencionara sequer que tinha uma filha também. Isso talvez pudesse ter interferido em sua decisão em transformar Ed...

Somente me dei conta de que estava trincando os dentes porque Edward me acotovelou nas costelas. Baixei o olhar, certa de que minhas bochechas estavam em chamas.

— Perdão, acho que me perdi em devaneios.

Edward afagou minhas costas, compreensivo.

— Deve ser algo de família – sugeriu Alice, tomando o lugar de Carlisle e, em vez de apenas cumprimentar, já me fechando entre seus bracinhos. – Mas, por favor, não seja tão desagradável quanto Edward.

Dei de ombros.

— Não penso que isso não seja fisicamente possível – respondi, as mãos tocando seus pulsos, o formigamento subindo pelas palmas outra vez.

Alice não se abalou como os demais perante o brilho errante de minhas mãos, e na realidade, nem havia o porquê. Meu poder não os afetava em nada. Afetava a mim e exclusivamente a mim. Às vezes era fácil se adaptar, como foi com o de Bella, pois aquele tipo de dom não exigia muito do meu corpo, apenas acrescentavam detalhes que o tornavam mais resistente. Mas havia habilidades, como as de Edward e Nahuel, que exigiam mais que o normal. A leitura de mentes exigia atenção, foco, espaço para comportar tantas vozes. A meia-humanidade de Nahuel exigiu que eu me alterasse, fazendo o veneno que me transformara em imortal retroceder, adequando o gene vampírico ao meu DNA. Apaguei por cinco dias até o fim da mudança e só depois que acabou foi que entendi o motivo de meu dom ter interpretado a hibridez como destreza. Era mais fácil se camuflar entre os humanos e era mais fácil eu me alimentar. Se a finalidade daquele dom era me dar mais chances de sobrevivência, aquelas eram habilidades crucias.

O dom de Alice se catalogava no tipo de habilidade que exigia muito foco, atenção, espaço e era um acréscimo formidável ao meu conjunto de cópias, mas ficou claro de início que seria o tipo de irritação incessante de que eu não precisava. A primeira visão que tive – logo que a precognição se organizou em algum espaço vago e eu sufocava com o esforço – foi a de eu sendo beijada por aquele garoto-lobo, aquele insolente imprinted Seth Clearwater.

Cerrei os punhos, segurando um violento acesso de ira. Como ele ousava?! Apertei os olhos em perigosas fendas, assistindo o quadro se pintando por completo; um ambiente escuro, luzes coloridas e psicodélicas, música lenta ruim, roupas de gala, eu usando um vestido verde-esmeralda que deixava meus seios à mostra demais...

Um baile? Sério mesmo? Que clichê horrendo.

Fiquei rígida feito uma escultura de bronze. Eu nunca iria deixar isso acontecer.

Bastou tomar essa decisão simples que a visão se alterou. O escuro foi substituído por um belíssimo pôr do Sol e a decoração chinfrim por árvores esbeltas e vegetação rasteira florida, feito um tapete multicolor. Eu usava jeans, tênis All Star e uma justa camiseta do Metallica— algo bem plausível – e Seth só um short surrado. Minhas unhas compridas se afundavam em seus ombros e ele me apertava forte entre seus braços, as mãos passeando no contorno de minhas curvas. Suspirei, arfante, quando ele mordiscou meu lábio inferior e...

Senti-me deplorável com a visão. O ar me faltou e minha mão voou para o peito, como se assim pudesse afastar a dor; a dor antiga de lembrar que a última pessoa que me beijara fora Hans Van der Haar, meu noivo em 1918. Foi automático: meus olhos se entupiram de lágrimas com a lembrança de seu rosto – lindo, bondoso e enigmático –, o que se sobressaiu muito benéfico, pois as visões pararam de vir.

— Não gosto do seu dom – acabei falando para Alice antes que pudesse morder a língua. – Ele me mostra coisas que não quero ver.

Para a minha sorte, Alice riu:

— Bem-vinda ao clube, então.

— Por que diabos eu consigo ver os lobisomens? – sibilei, aborrecida. – Pensei que a clarividência não se aplicava a eles.

Uma ruga se vincou entre as sobrancelhas de Alice e ela voltou para o lado de Jasper sem dizer nada. Ao que indicava, acidentalmente toquei em um ponto sensível. Edward, por sua vez, ergueu um imenso sorriso sardônico; vi em seus pensamentos – embora ele tentasse escondê-los, ato ao qual não estava acostumado – que ele estava ciente daquela maldição quileute e, que o pior, tampouco se importava com isso. Aliás, a ideia quase o agradava; o garoto índio era um grande amigo seu. 

— O que você viu? – quis saber, ainda que estivesse convicto de que tinha a ver com Seth.

Fuzilei-o com os olhos:

— Não vêm ao caso. Quero saber como você não está indignado com essa bobagem de imprinting.

Os demais Cullen pensaram que eu estava me referindo à situação de Jacob e Renesmee – outro caso absurdo e igualmente repugnante, em meu julgamento –, no entanto, o meu tom de voz zangado trouxe às claras o real assunto. Surpreendeu-o que eu estivesse a par de tudo.

— Você...? – ele deixou a pergunta no ar.

— Claro que sei – redargui de supetão. – Estive na mente de um deles e vi por exato o que esse disparate significa.

— Então já deve saber que não precisa se preocupar. A propósito, o que quer dizer com “estive na mente de um deles”? Você duplicou o meu talento agora.

Engoli em seco, cuidadosamente procurando manter a expressão neutra.

— Creio que é melhor falar disso mais tarde – sussurrei, ignorando-o quando Esme veio na minha direção com uma vivacidade radiante no rosto de coração. No seu abraço, tive a impressão clara de que ela já me via como outro de seus filhos. Meu rosto esquentou por reflexo.

— Você é adorável – disse ela, tocando meu cabelo e apertando uma de minhas bochechas enrubescidas. – Acho que já sabemos com quem Nessie vai se parecer quando estiver mais velha.

— Pelos nervos de Edward, espero que esteja errada – admiti, constrangida com a ternura de Esme. – Em geral, não sou a pessoa mais fácil de lidar.

— Edward também não é. – Ela sorriu para o filho.

Nossa. Esme conseguiu ser mais gentil comigo em trinta segundos do que minha mãe biológica em dezesseis anos. Quando ela afastou e Rosalie veio me saudar, me senti um pouco triste.

Rosalie, a beleza em mármore, não gostou muito da minha permanência junto à sua família. A seus olhos, por mais que fosse irrefutável a minha natureza vampírica, eu era alguém de fora, uma intrusa, uma estranha que deveria ser evitada como uma praga. Edward grunhiu baixinho para ela, mas eu não a culpei por ser tão retraída. Usualmente, eu apresentava um comportamento semelhante.

Emmett simpatizou comigo logo de cara. A despeito dos pensamentos otimistas, ele me ergueu pela cintura e me girou no abraço.

— Bem-vinda, irmãzinha! Finalmente alguém aqui que parece aceitar uma boa briga sem choramingar.

— Quem aqui choraminga? – provocou Jasper, no flanco direito dele. – Até onde eu me lembro foi você quem perdeu uma queda de braço para Bella.

A expressão de Emmett foi impagável, só que não consegui achar graça em qualquer coisa no segundo em que pousei os olhos em Jasper. Céus, ele tinha cicatrizes de mordidas por toda parte. Braços, maxilar, pescoço. Por mais eu que soubesse que ele não faria nada que me pudesse me ferir, meus músculos endureceram instintivamente – o que pareceu diverti-lo. Demorei para apertar seus dedos quando ele os me ofereceu, mas não demorou nada para eu plagiar seu controle sobre as emoções.

A nova aquisição assentou de modo quase natural em meu corpo; como o de Bella, se harmonizou ao restante sem dificuldade. A habilidade definia-se basicamente em uma névoa de cores que se ampliava pelo entorno e que cada cor representava uma emoção diferente; as cores vergáveis de acordo com o que eu queria. Usei isso para apaziguar Bella e Renesmee, que se aproximaram com muita hesitação. Reparei que Jasper apertou a boca em uma linha fina, quase intrigado, notando como foi fácil para mim manipulá-las, mas eu apenas ignorei essa observação; estava concentrada demais no que diria para agradá-las.

— Então... – comecei, resolvendo apelar para o humor. – Deixe-me congratula-la por conseguir chegar ao coração de gelo do Reverendo Eddie. Pelo que eu me lembro, muitas morreram escalando esse Everest.

O apelido teve mais efeito sobre Bella do que a brincadeira:

— Reverendo Eddie? – indagou, os olhos presos nele; a mão, ao menos, se voltou para apertar a minha. Respondi o gesto disfarçando o alívio e Edward me chutou na canela.

— É. As garotas do bairro o apelidaram assim. Sabe, não cortejava ninguém, não tinha amigos e a única vez que falou com rapazes da idade dele, o esmurrou por dizer que eu tinha belos olhos.

— Aquele desprezível não estava falando dos seus olhos, Anna – objetou ele.

— Eu sei que não – funguei, indiferente.

Os olhos de topázio dele agora me censuravam:

— Bom que ainda se lembra disso, Anna-Cabeça-de-Vento. Espero que a idade tenha lhe trazido mais juízo.

— Não muito – confessei, os olhos fixos na pequena ruivinha meio escondida debaixo do abraço de Bella. – E você, suponho, deve ser minha encantadora sobrinha. – Curvei-me um pouco, para ficar na altura dela. – Santo Deus, como você é linda. Muito prazer, Renesmee.

A garotinha continuou imóvel. Percebi que, para ela, eu era uma figura assustadora e, infelizmente, eu não tinha argumentos para discordar. Apesar disso, busquei algo em sua mente que pudesse me ajudar a conquista-la.

— Ah! – Estalei os dedos. – Soube que gosta de coisas brilhantes, não é mesmo?

Ela concordou uma única vez, rápido demais para olhos humanos.

­— Então veja. – Levantei meu braço levemente na direção do rio, a mão aberta procurando por sinais de minérios por debaixo da terra. Encontrei apenas um vestígio do magnésio de uma granada, mas já servia. Remexei-o nas profundezas, forçando suas células a se reproduzir, e quando subiu a superfície direto para minha palma, a pedra vermelho-sangue já tinha o tamanho de uma maçã. – Esta é uma granada bruta. Considerada uma pedra preciosa, mas é relativamente barata. – Deslizei o indicador na face irregular da pedra, obrigando-a se lapidar ao meu toque. Renesmee espreitava atentamente detrás de uma grossa cortina de cabelos, absorta na gema que assumia um molde específico à medida em que eu falava. – Na antiguidade, era tida como “a pedra de luz”, pois muitos acreditavam que ela tinha uma capacidade energizante que promovia a autoestima e autoconfiança. Eu, particularmente, só acho ela bonita. Se me der um abraço, pode ficar com ela e amanhã, dou-lhe um rubi. – Estendi a pedra para ela, que já estava alinhada e polida com esmero, refletindo qualquer mínimo facho de luz que a tocasse.

Renesmee pegou a pedra devagar e a examinou com curiosidade; quando me pagou o preço da barganha, tinha um sorriso que me mostrava cada um dos seus dentes de pérola. Ela nem mesmo se deu ao trabalho de olhar para o esperado fulgor de minhas mãos em contato com sua pele quente, mas me fitou nos olhos quando mostrei a ela uma memória do rosto de Edward de quando ele ainda era humano.

— Você e papai são bem parecidos – constatou, maravilhada.

— Não, não, princesinha. Sou bem mais esperta que ele. Sempre soube onde nossos pais escondiam os doces. – Virei-me para ele, irônica. – Tábua oca do lado esquerdo do armário, para o caso de você ainda se perguntar.

Renesmee riu, mas ninguém além dela estava rindo. Estavam todos encarando a pedra que dei à menina como se fosse granada, a arma militar. Pior, estavam todos olhando como se eu tivesse acabado de puxar o pino. Carlisle tinha uma expressão especulativa quando me apontou:

— Você é a filha talentosa de Joseph Dalaker – concluiu.

Franzi a testa, ficando de pé com Renesmee ainda nos braços:

— Conheceu Joe? – Mal percebi a dor corroendo algum lugar obscuro no meu peito; o choque sobrepujou todo o restante.

Carlisle aquiesceu:

— Ainda na Itália, junto aos Volturi. Um homem muito civilizado e talentoso, preciso salientar. Prezava muito minha filosofia de vida; não sabia que era possível viver desta forma. Pertencia à Guarda principal, mas não era a espécie de talento que entusiasmava Aro. Joseph podia controlar metais e minerais, o que se mostrava útil em determinadas situações, entretanto não mantinha muito além do poderio econômico dos Volturi. E, bom – ele endireitou a postura, desconfortável –, nós sabemos que Aro é suscetível a outro exemplo de poder. Quando voltei a encontrar Joseph, na Bélgica há mais de setenta anos, ele estava com olhos amarelos. Contou-me que havia abandonado a Guarda e tinha dois filhos, mas se recusou terminantemente a me deixar conhece-los. Deduzi que, como Amun, estava decidido a esconder suas habilidades de Aro.

Perdi o fôlego.

— Então... foi por sua causa que mudamos de Bruxelas. Joseph murmurou alguma coisa sobre temer que alguém nos visse...

— Desde então, nunca mais o vi. Tentei procura-lo pela região e fomos até à Noruega quando tivemos um, hã, contratempo com os Volturi há algumas semanas atrás, mas só encontrei uma casa vazia.

Senti que cada músculo do meu rosto foi paralisado em uma máscara de pedra, mais dura que a pedra que Renesmee tinha entre os dedos. Devolvi a menina ao chão e desviei os olhos para a floresta, sentindo-os queimarem.

— Não me surpreende – murmurei, um tanto ácida. – As cinzas dele alimentam aquelas árvores de Bergen faz quinze anos.

Nenhum deles conseguiu me olhar nos olhos quando entenderam que, pela segunda vez, eu estava órfã. Jasper conjecturou mentalmente sobre o “outro filho”, mas não se atreveu a perguntar. Senti os braços de Edward me envolvendo tarde demais; eu já estava chorando e todos podiam ver. Eu estava com o rosto enterrado no peito de Edward quando sintonizei mais cinco pensamentos, os quais me fizeram secar as lágrimas e ficar de frente para a floresta em posição de ataque. Grunhi, o choro completamente esquecido, ao ver Jacob saindo de trás das folhagens sendo ladeado por sua matilha particular: Embry, Quil, Leah e Seth. Meus dedos se resvalaram por instinto do lado do corpo, inconscientemente acordando a gravidade, quando a visão do beijo se repetiu, o cenário dessa vez se alterando para o que reconheci como sendo La Push.

— Ei, garota Jedi. Sua TPM já está no controle? – atiçou Quil.

— O que fazem aqui? – retorqui, irritada. – Vão embora, pulguentos, antes que eu chame a carrocinha.

Renesmee saltitou até Jacob, parando com um pulo no colo dele.

— Meu Jacob! Olhe só o que minha nova tia me deu! – Ela exibiu a granada ordinária como se fosse um tesouro inestimável. – Não é lindo?

Os olhos de Jacob reluziram ao mesmo tempo em que ele sorriu para a garotinha – o resplendor de uma faísca involuntária que suscitava um arco-íris de emoções em volta dele, a mesma reação de júbilo e bem-estar que Seth teve quando me viu. Ignorei-o.

— Claro, Nessie. Mas eu não tocaria em nada que viesse dessa sua “tia”.

— Como se atreve, cão? – rosnei com ultraje. – Vocês devem me temer, não eles.

— Anna, acalme-se. – A mão de Edward tocou meu ombro, me refreando. Estreitei os olhos para Jasper quando senti uma onda de paz me invadir, mas não o detive. – Venha, vamos todos entrar. Há muito a ser discutido, e aqui fora não é o ambiente mais adequado e nem mais agradável para isso.

Meu queixo caiu.

Eles também? – questionei, incrédula. A onda de paz recuou na hora.

— Sim, Anneliese, eles também. – E o tom de sua voz continha aquela mesma reprovação com que Elizabeth Masen, nossa mãe, usava até para pronunciar meu nome. – Pois você querendo ou não, eles fazem parte da nossa existência agora.

 


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Notas finais do capítulo

Quero agradecer aos leitores que têm acompanhado a história (mesmo que no modo fantasma) e gostaria de pedir que, por favor, comentem; preciso de vocês para saber o que precisa ser melhorado



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