Estrela da Tarde escrita por Ametista


Capítulo 27
Nirvana


Notas iniciais do capítulo

Eae, gente lindaaaa o/
Eu tinha prometido capítulo rápido, né? Eu sei, tô pior que político, porque prometi, demorei e aqui estou com essa mesma cara de pau deslavada de novo. Maaaas, antes de qualquer coisa, vamos às ressalvas.
EU NÃO TENHO TALENTO NENHUM PRA ESCREVER HOTS. Sem brincadeira. Sem falsa modéstia ou o caralho a quatro. Nunca sai com a expressividade necessária e esse capítulo eu tive que reescrever umas quatro vezes até que saísse ok.
Segundo: esse era outro caso de capítulo que ia ser mais comprido, mas que por ideias que surgiram de última hora, foi fragmentado para que personagens secundários tivessem mais destaque no próximo (lide Kurt e Teresa aparecendo mais)
Terceiro: graças ao serviço lixo de internet da minha região, que me deixou à merce de 3G por uma semana, demorei ainda mais que o previsto.
Mas enfim, aí está
Aproveitem
E eu quero surra de reviews!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/387155/chapter/27

Arranquei a camisa de qualquer jeito e a joguei sobre o ombro sem nem ver aonde caiu – não me afastei um instante que fosse. Minha boca descreveu uma trilha de beijos ao subir de volta para os lábios dela; queria sentir no sabor de seu hálito todo novo ofegar que viesse a provocar. Minha mão escorregou pela lateral do seu corpo até a panturrilha, acariciando a pele fina detrás da coxa conforme fazia o caminho inverso e levantando a barra do vestido com o movimento, vagarosamente. Anna gemeu alto quando a apertei mais forte na coxa e estremeceu no que meus dedos repuxaram, testando a elasticidade de sua calcinha. Suas unhas se cravaram nos meus ombros, enviando cargas de eletricidade que reverberaram por todo meu corpo e me deixaram mais teso e mais sedento do que jamais estive.

Um som indistinto e profundo emergiu do meu peito em resposta à rigidez. Aquilo era demais – mais do que eu poderia aguentar, mais do que eu poderia conter. Ergui-a nos braços, carregando-a em direção à escada sem deixar de beijá-la, meu sangue martelando nos ouvidos. A cada degrau que ficava para trás, mais quente eu ficava – suas mãos estavam em qualquer parte que alcançasse; tocavam meu rosto, arranhavam a nuca de caminho ao pescoço, apertavam meus braços com avidez, puxavam meu cabelo com posse, me deixando maluco. Quando cruzei a porta do quarto dela, eu não era mais eu. Havia fogo correndo minhas artérias, meu coração acelerado não bombeava nada além de chamas. Virei refém dos instintos. Repentinamente, senti que era mais animal que humano.

O que me trouxe de volta à razão foi o nervosismo que percebi na musculatura de Anna. Desci-a no tapete, descansando minha testa na sua à medida que tentava clarear a mente e abrandar o calor que subia em espasmos.

— Anna, se quiser parar... – comecei. Não era o que eu queria. Que droga, meu corpo estava tão tensionado que eu estava quase explodindo. Mas pararia, se assim ela me pedisse. Mesmo que isso me matasse, eu a respeitaria. Meu lado animal tremeu, rebelando-se contra a ideia.

— Não ouse terminar essa frase, Seth – ameaçou em tom divertido, embora a voz não passasse de um suspiro. – E só que... – Olhou para a cama pelo canto do olho, mordendo o lábio.

Sorri feito idiota. Eu a compreendia tão bem que apenas essas palavras me bastaram.

— Eu sei. Eu sinto a mesma coisa. – Trouxe sua mão para junto dos batimentos inquietos do meu coração. Debaixo de todas as emoções que fervilhavam na superfície, havia o medo. Medo de fazer algo errado, de acabar machucando ela, de que ela não gostasse... Engoli em seco. Será que ela me amaria menos se aquela noite não atendesse às expectativas?

— Jamais. – Anna negou com a cabeça, sorrindo também. – Eu já disse que amo você?

Soltei o ar pela boca.

— Hoje, ainda não – brinquei.

Os olhos faiscaram com malícia no quarto escuro.

— Então me obrigue a dizer.

Todas as ideias que eu lutei para clarear se obscureceram prontamente, com a mesma facilidade e rapidez que um sopro apaga uma vela. Senti um sorriso safado esticar no meu rosto. Senti a fome na ponta da língua. Senti vontade de rasgar aquele vestido com os dentes. Precisava dela, e precisava naquele instante. Mas eu havia fantasiado demais com aquele momento para fazer tudo às pressas. Queria desfrutar de cada segundo, de cada suspiro, de cada gemido.

Andei devagar até suas costas, deliciado com a respiração irregular que se evadia dela, e comecei a abrir os botões mínimos do vestido, um de cada vez com uma lentidão calculada. Ela se arrepiou à proporção que os nós dos meus dedos roçavam na pele nua se desvelando pouco a pouco e prendeu o ar quando deslizei um dedo pela linha lisa da coluna antes de desabotoar o último botão.  

— Onde está o resto da parte de baixo? – sussurrei na sua orelha ao reparar que estava sem sutiã ou espartilho. Eu sabia que ela continuava a usá-los com frequência, apesar da moda ultrapassada. 

Anna não se virou, como se esperasse demonstrar total segurança sobre si.

— O... – Sua voz a traiu ao falhar. Ela pigarreou. – O desenho do vestido atrapalhava.

— Deveria usar vestidos assim com mais frequência – murmurei contra sua nuca, curvando-me para empurrar o vestido até que ele se amontoasse aos seus pés em uma poça de tecido. Pensei em dar um passo para trás, apreciar a beleza perfeita demais para olhos humanos, mas algo quase escondido perto da beirada de sua calcinha me distraiu – algo que me passou despercebido da última vez em que tirei suas roupas.

Como se não fosse suficiente Anna ter uma covinha fascinante e adorável na bochecha, ela tinha outras duas diabólicas covinhas nas costas. Maldição.

Meu autocontrole, minha intenção de ir devagar, se esvaiu. Incapaz de me segurar, fiquei de joelhos e a prendi pelos quadris enquanto a beijava bem ali, naquelas covinhas tentadoras. Ela arfou e praguejou alguma coisa que sem dúvida não era uma reclamação, os joelhos bambeando no que comecei a seguir o desenho da coluna com a língua, do pescoço até a base. Pensava que não poderia haver nada mais enlouquecedor que seu perfume, ainda mais forte e sedutor naquele quarto, mas havia me enganado. O sabor agridoce seria a minha ruína.

— Seth... – ela gemeu, as pernas fracas. – Eu não vou aguentar...

— Aguenta sim – rouquejei, teimoso, puxando a calcinha de renda para junto do vestido emaranhado. – Não se mexa.

Ela não respondeu, apenas arquejou quando meus dedos subiram sem pressa por suas pernas, seus braços e a acariciaram a curva de seus seios para então tomá-los nas palmas. Reprimi um palavrão enquanto trincava os dentes; a sensação era tão boa que uma onda bestial me consumiu dos pés à cabeça e se acumulou entre minhas pernas com tanto ímpeto que pensei que quebraria ao meio se não a aliviasse. Anna estava completamente nua, entretanto eu queria prolongar o momento antes de olhá-la, torturá-la e me torturar enquanto testava meus próprios limites. Rolei o mamilo entre os dedos suavemente e ela se deixou cair nos meus braços, apoiada contra mim ao suspirar baixinho e pressionando minha ereção por cima da calça. Mordisquei seu ombro talvez com mais fúria do que pretendia – o sentimento de posse que me dominou obrigou que eu a marcasse como minha de alguma forma. Deixei um beijo abaixo da orelha e me afastei para soltar seu cabelo; os cachos cascatearam feito um rio escuro e silencioso acima do quadril, as pontas roçando nas covinhas. Minha boca secou de vontade de beijar ali outra vez, mas eu estava desesperado para vê-la. Necessitava daquilo tanto quanto necessitava do ar.

Meu coração tropeçou em uma batida e retornou à vida duas vezes mais frenético quando parei diante dela – o que eu não imaginava ser possível. Por um segundo, achei que ele não suportaria. Percebi ali que minha imaginação era extremamente limitada, porque nenhuma das tentativas de adivinhar a nudez de Anna fez qualquer justiça à realidade. Branca como a luz do luar, sua pele aveludada se delineava em curvas firmes e exuberantes; os seios fartos de mamilos rosados, a cintura anormalmente fina, o quadril estreito de formas impecavelmente redondas. Era a beldade que Bernini procurava ao esculpir o mármore, a inspiração que faltou a Botticelli quando pintou Vênus – algo que nenhuma palavra nesse mundo poderia descrever.

Anna ficou vermelha de vergonha sobre o meu olhar faminto, mas não se encolheu nem desviou o olhar. Permaneceu com os olhos de esmeralda presos nos meus, provocante e atrevida, e foi isso o que me despertou do encanto. Diminuí a distância entre nós para um beijo quase selvagem, louco de desejo de provar cada detalhe daquele corpo maravilhoso à medida que a conduzia para a cama, as mãos puxando as coxas para cima na tentativa de tirá-la do chão. Ela não reclamou da violência com que a exigi para mim. Muito pelo contrário; suas pernas me prenderam com um único impulso ao mesmo tempo em que os dedos se afundaram nos meus cabelos, os braços em torno do meu pescoço me levando mais e mais para perto.

E mesmo assim não era perto o bastante, constatei ao deitá-la nos lençóis de seda negra. Não havia um centímetro meu que não estivesse grudado a Anna e a tensão que vibrava por cada uma das minhas terminações nervosas deixava evidente que eu estava bem longe de me dar por satisfeito. Odiava estar de calças e não via a hora de arrancar e atirá-la em qualquer canto, mas não enquanto Anna não estivesse gemendo e se contorcendo a ponto de bater os dentes – não enquanto não causasse nela uma pontinha da excitação que ela causava em mim.

Não dei tempo para que se preparasse para a ideia; tomei seu mamilo entre os dentes, rodeando com a língua, soprando com o hálito para enfim sugá-lo. Anna sufocou um grito mordendo o lábio inferior, os dedos nos meus cabelos se enroscando com mais força ao que ela arqueava mais, entregando-se inteiramente. O animal impaciente dentro de mim abriu um sorriso obsceno em antecipação e mordeu de leve o outro seio como castigo por ela segurar os gritos – o barulho de objetos caindo, de coisas se quebrando parecia distante, ocorridos em outra dimensão. Minha atenção estava totalmente focada nas reações dela às carícias e não perdi nenhum pormenor no instante em que esgueirei com minha mão para o meio de suas pernas e a toquei.

Ela gritou meu nome e enterrou as unhas nos meus ombros, as pernas se abrindo mais. Movimentei os dedos e ela engasgou, os olhos se revirando de prazer. A pressão dentro da minha calça se tornou excruciante, no entanto não me detive; continuei a explorar, ousando, me orientando pelos gemidos que ficavam mais altos e mais descontrolados ao menor dos estímulos.

— Vai dizer que me ama agora? – indaguei com o rosto enfiado entre seus seios, descarado.

Sem condições de replicar à altura, ela fixou os olhos com as pupilas dilatadas em mim, que ardiam, queimavam. Fiquei sem fôlego – não havia nada mais lindo que aquela expressão. Então seu corpo se retesou e o ar fugiu de seus pulmões, urgente na promessa do ápice; ela se inclinou para trás, se preparando para o êxtase, só que no último segundo eu fiquei imóvel. Surpresa, ela exclamou e se sustentou debilmente nos cotovelos, de cenho franzido e expressão furiosa. Devolvi um meio sorriso malicioso ao ficar de pé do lado da cama.

— Por que... parou?

Bufei.

— Dedos, Anna? Sério? – Livrei-me dos tênis e das calças em velocidade recorde. – Assim você me ofende.

O rosto dela se esticou em assombro enquanto me avaliava de cima a baixo. Outros, em meu lugar, poderiam ter achado sua atitude bastante lisonjeira, já eu só queria me socar por ter esquecido de que Anna jamais vira nenhum homem nu por si mesma e, portanto, ficaria nervosa. Cobri seu corpo suado com o meu, separando suas pernas com o quadril à medida que a beijava com calma na testa, na boca, no pescoço, nos ombros, dando todo o tempo que ela precisava para relaxar e eu para esquecer o meu próprio nervosismo. Era desse modo que funcionava a magia do imprinting— era saber o que o outro precisava, conhecer tão bem suas necessidades que seus próprios anseios se completavam. Esperei até que ela tivesse arquejante novamente para começar a penetrá-la; em vez de recuar, Anna se arqueou, cálida e úmida para me receber. Congelei ao perceber a cor deixar suas bochechas, mas quando tentei me afastar, ela me puxou de volta, me abraçando até que eu afundasse por inteiro nela.

Toda e qualquer linha de raciocínio se apagou da minha cabeça. Estar dentro dela era quente, apertado e delicioso – uma sensação tão indomável e intensa que não consegui me manter parado conforme ela se acostumava ao encaixe, nem mesmo para perguntar se não a tinha ferido. Os instintos falaram mais alto e minha maior sorte foi que ela estava tão extasiada, tão embevecida no próprio prazer que não pode fazer outra coisa senão acompanhar o ritmo rápido e urgente que impus.

Nossas respirações se misturavam, nossos beijos se perdiam um no outro, os gemidos ecoavam pelo quarto. Toda vez que escutava meu nome entre eles, meu corpo se incendiava e eu reagia com uma mordida, uma pegada mais firme, às vezes apenas reduzindo a velocidade, para que ela sentisse cada centímetro meu deslizando lentamente. Quando um grito mudo a consumiu e senti seus músculos contraindo enquanto ela atingia o orgasmo, não aguentei mais. Explodi segurando a cabeceira da cama ao tremer, meu grunhido abafado entre seus cabelos.

Não sei quanto tempo ficamos abraçados um ao outro, tentando recobrar o ar perdido, mas quando me apoiei nos cotovelos e tirei uma mecha suada da testa dela, foi com um sorriso maravilhado que ela me cumprimentou. Um sorriso que disse tudo o que eu queria dizer a ela.

Havíamos encontrado nosso próprio nirvana.

 

O lado bom de Anna ser meia-vampira e eu lobisomem, era que nos recuperávamos relativamente depressa. E, como eu estava descobrindo com muita satisfação, tínhamos um apetite similar. Acabei cochilando com ela nos meus braços depois da quarta ou quinta vez – sinceramente, perdi as contas – e acordei com o som irritante do despertador do meu celular no bolso da calça, pouco antes de amanhecer. Levantei-me com cuidado para não despertá-la, estranhando o fato da cama parecer muito mais baixa do que eu me lembrava. Ao ficar de pé foi que entendi o motivo; os pés de madeira da cama estavam quebrados, dobrados em nacos pontiagudos sob as beiradas. Tentei me recordar quando aquilo havia acontecido, mas era inútil, porque era Anna quem prevalecia nas minhas memórias da noite anterior. Desviei os olhos para ela, que dormia profundamente entre os lençóis negros e acabei focando em um detalhe acima, na cabeceira, onde havia uma mão desenhada em baixo-relevo muito parecida com a minha.

Senti o rosto esquentar. Disso eu me lembrava.

Desliguei o alarme do telefone e fui direto para o chuveiro. Abri um sorriso triste conforme a água batia em meus ombros; não queria me livrar do perfume dela grudado na minha pele, porém eu sabia que não acordaria sem um banho e teria um dia cheio pela frente. Saí em poucos minutos e vesti a calça antes de descer as escadas até a cozinha dos Cullen; apesar de estar com o horário reduzido, tinha a pretensão de deixar o café da manhã pronto e apenas então retornar à La Push.

Preparei algumas panquecas, bacon, ovos, torradas, suco de laranja e coloquei tudo em uma bandeja junto com uma tigela de cereais, iogurte e algumas frutas cortadas que encontrei na geladeira. Tirei proveito de que não estava chovendo – pelo menos, não entorno da casa – para colher algumas flores silvestres às margens do rio Sol Duc e fazer um improvisado buquê. Fiz uma escala até a sala para pegar e vestir minha camisa – ignorei as marcas de dedos denunciadoras sobre o piano, mas fiz nota mental de alertar Anna sobre elas mais tarde –, outra escala até o carro para buscar o quadro e deixá-lo silenciosamente aos pés da cama, e quando voltei ao quarto carregando a bandeja, flagrei o exato instante em que ela se espreguiçava, bocejando alto antes de sentar, a seda do lençol fluindo como líquido pelo corpo dela.

— Bom dia. – Abri um sorriso estupidamente largo.

— Bom dia. – O brilho com que seus olhos encontraram os meus fez com que eu me sentisse amado. Em contrapartida, o sorriso radiante e travesso reavivaram sentimentos não tão inocentes. Senti um arrepio me subir das pernas à nuca.

Balancei a cabeça para manter o foco e me acomodei perto dela, deixando a bandeja entre nós.

— Café da manhã na cama, como prometido. – Beijei-a na têmpora.

Anna apanhou o buquê de flores brancas, azuis e lilases – que na falta de um objeto melhor eu havia enfiado em uma jarra de calda enchida com água –, e escondeu o nariz entre as pétalas delicadas, o sangue ardendo nas bochechas.

— Obrigada. – Seus olhos, já livres da influência do sono, escrutinaram o quarto com perspicácia, passando pelos livros e CDs jogados no tapete, pelas paredes de vidro trincadas até se deter na cama destruída. – Quando foi que isso aconteceu? – E fechou os olhos, ficando mais corada. – Que pergunta estúpida.

Ri baixinho da sua timidez, um tanto presunçoso.

— Eu sabia que você iria agir assim, pimentinha.

— Não pode me recriminar por isso, é difícil se acostumar. – Puxou o lençol mais para cima do colo, evitando me encarar ao beber um gole do suco de laranja.

— Em que está pensando? – indaguei, ligeiramente desconfortável e inseguro. Odiava ficar remoendo a possibilidade de que ela tivesse se arrependido.

Sua sobrancelha fez um arco perfeito. Deduzi que ela deveria estar sentindo as emoções conflituosas emanarem de mim.

— Sinceramente? – Ela fez uma careta. – Em como vou substituir essa cama sem que o Reverendo Eddie perceba.

Relaxei de imediato, tentando abafar uma gargalhada.

— Se quer minha opinião, substitua sem ligar para o julgamento dele. E, de preferência, por alguma mais resistente. – A indireta fez com que desta vez ela enrubescesse até a raiz dos cabelos ruivos, mas não pude aproveitar o efeito. Tinha outra inquietação maior em mente. Hesitei um pouco. – Eu a machuquei?

O sorriso que cresceu no rosto dela não poderia ser especificado como outra coisa senão lascivo. Tive um vago lampejo do dia do casamento de Sam, quando eu a vi brigar com o irmão e teimar que era uma pessoa sombria e libertina. Na época, parte de mim queria contestar que ela não era nada daquilo, mas se ela tivesse dado aquele sorriso imoral... bom, teria ficado impossível desmenti-la. Meu corpo protestou, ficando febril.

— Muito – respondeu e mordeu o lábio, mas então ela reparou nas minhas roupas e o sorriso desapareceu. – Está indo embora? – A dor na voz dela foi quase substancial.

Fiz que sim, aborrecido. Não queria deixá-la.

— Ainda é sexta, eu tenho que ir à aula. Se eu tiver mais uma falta, vão reportar ao Conselho.

Ela se afastou como se tivesse levado um choque, estremecendo.

— Neste caso – anunciou de um jeito desgostoso –, não se atrase, porque Sue vai acabar colocando a culpa em mim.

— Mas a culpa é sua. – Sorrateiramente, passei o braço em volta de sua cintura, trazendo-a para um abraço. – Se pudesse escolher, passaria o dia ao seu lado. Agora, coma logo, porque quero que abra o seu presente antes de ir. – Apontei o embrulho na beira da cama.

— O quadro! – arfou, levitando-o até suas mãos. O pacote prateado partiu ao meio e Anna suspirou, os olhos ficando marejados à medida que os dedos dançavam pelas cores que replicavam seu rosto entre recortes de floresta, o verde-esmeralda inundando a tela. Sorri, porque embora eu não tenha conseguido captar a profundidade ou o mistério de seu olhar, havia alcançado a faceta exata de sua personalidade: selvagem e doce. – Oh, Seth, é tão lindo! Não poderia ter me dado nada que eu amasse mais! – Ela limpou uma lágrima. – Vou pendurá-lo agora mesmo.

Assisti quieto ela ficar em pé sobre a cama, enrolando-se no lençol como se fosse uma toga e brandir a mão para o antigo quadro à tinta a óleo exposto no topo da parede. Francamente, eu não tinha nada contra aquele quadro – a imagem nele apenas não parecia com a minha Anna. Não tinha a leveza, não tinha a expressividade da original, e além disso eu não conseguiria imaginá-la usando de verdade aquele vestido de renda branca e o chapéu imenso sem parecer fantasiada.

— O que vai fazer com esse aí? – Indiquei com o maxilar a tela que saía do lugar para ceder espaço à nova pintura, flutuando pelo quarto até se escorar na parede de vidro.

— Imagino que Esme me dará alguma sugestão brilhante. Gosto dele, me faz pensar em quem fui para me tornar quem sou hoje. Sem contar que esse cãozinho salvou a minha vida. Apolo merece todo o meu respeito.  

Enviesei um sorriso torto.

— Um cachorro de pelo cor de areia. – Cruzei os braços. – Só eu que pesquei a ironia?

Ela deu de ombros.

 — Desde o início, sempre senti algo familiar em você – admitiu, mas sua expressão esmoreceu pouco a pouco depois de acertar a moldura na parede. – Já acabou nossa trégua? – sondou, ainda sem me olhar.

Permaneci com as feições neutras.

— Acho que sim.

Anna assentiu em resignação.

— Fale. – Encarou-me com intensidade, pousando graciosamente entre os travesseiros. – Sei que tem represado muita coisa.

— Não quer tentar se defender primeiro?

— Não tenho mais nada a argumentar. – Então fez um gesto desolado com as mãos. – Todos os motivos que eu tenho para querê-lo bem longe de David, eu despejei ontem. Não são muito nobres, nem tampouco muito corretos, mas são os mais sinceros.

Soltei uma praga entredentes. Ali estava, a tendência manipuladora em apelar para os sentimentos no intuito de virar o jogo a seu favor. Decidi partir para outros pressupostos – senão, iríamos somente acabar andando em círculos de novo. E eu estava sem paciência para outro impasse.

— Vamos ignorar só por um momento a parte que é meu direito e obrigação estar lá. Você está preocupada com a minha segurança, certo? – Fiz uma pausa, ciente de que isso aguçaria sua curiosidade. – E se eu mostrar que poderei não estar tão seguro quanto você supõe?

Os olhos dela se entrecerraram em perigosas fendas.

— O que está insinuando?

— Leah nos deu sua própria versão ontem. – Peguei uma tira de bacon e a mordi, degustando o sabor da vitória.

Identifiquei cada abalo em sua fisionomia descrente e boquiaberta à proporção que ela recapitulava a reunião a partir dos meus pensamentos.

— Ah, Leah... O que seria de mim sem você? – Bateu na testa, imersa em devaneios. – Ela está certa. Não estou enxergando além das decisões de David. – Os olhos ficaram desfocados, mergulhando no tempo de algum lugar além. – Está se tornando mais claro. Apesar da pressão que Aro tem exercido sobre eles, Alec e Jane já foram convencidos a vir. Isso é incontestável. Mas pode ser... – E de repente me fitou, aturdida.

— Pode ser...? – encorajei.

Ela empurrou a bandeja para o fim da cama com azedume, provavelmente para se impedir de destruí-la no mais ínfimo dos impulsos.

— Agora que estou parando para analisar, David seguramente deve estar tomando cuidado com as decisões que assume, porque sabe que estou monitorando. Não, ele não deve estar intimidando outro vampiro a vir, mas deve estar induzindo Alec ou Jane a fazê-lo por ele. Assim como Leah deduziu, eu acabaria não prevendo isso. E intimidando, fazendo o ameaçado tomar a decisão por si só, Alice também não conseguirá ver. – Ela expirou e resmungou uma sequência de palavrões em algum idioma indeterminável. – Ah, droga, com certeza é a Jane... Todos na Guarda se borram de medo dela.

Procurei não deixar em evidência que era exatamente aquilo que eu esperava ouvir. Distraída da forma adequada, Anna tinha uma grande inclinação em negligenciar de seus poderes e parar de ler mentes. Mas bastava a mais pequena das desconfianças para que ela se reabilitasse.  

— Sendo assim, não há outra saída. Como Jasper assinalou, a melhor defesa é o ataque. Você me quer protegido... – Elaborei o ardil um passo de cada vez, consciente de que no primeiro escorregão, tudo iria pelos ares. – Que melhor lugar para estar senão entre duas matilhas fortemente organizadas e com você? Entre meus irmãos, eu ficaria quase camuflado. Além do mais, ficaria mais fácil para você manter o olho em mim.

Não funcionou.

— Não, de jeito nenhum. Todos os três Volturi que realmente poderiam me colocar algum medo estarão mais próximos de mim que de você. – Ela bufou. – E camuflado, uma ova. David guardou seu cheiro com a mesma facilidade que guardou o meu, isso sem mencionar que ele viu você se transformar enquanto espionava, ele conhece a sua forma de lobo. – Sua postura ficou reta, impassível. – Se haverá um quarto ou talvez até um quinto vampiro, não importa. A diferença será que você estará lutando afastado de nós.

Meu queixo caiu.

— Não estou acreditando que você...

— Seth, você queria lutar, você vai lutar – interrompeu-me no mesmo tom sereno. – Estou errada em presumir que você conseguiria dar conta de um vampiro sozinho, ou talvez com Quil ou Embry do seu lado?

 — É claro que não! – esbravejei. – Mas...

— Então não há mais nada a discutir. Sei de suas habilidades. Você é forte, rápido, tem a melhor audição da matilha, qualquer adversário que eles enviem, sei que consegue derrotar. Se David o subestima, eu não.

Fiquei paralisado, incrédulo de que ela acabara de me sobrepujar no meu próprio argumento. Por todos os infernos, ela era ainda pior, mais voluntariosa que a minha mãe. Quando foi que eu perdi o controle da situação?

— Anna...

— Você queria que eu confiasse em você. – Aproximou-se aos sussurros para tocar meu rosto, a voz carregada de emoção. – E eu estou confiando, Seth. Agora seria bom se você confiasse um pouquinho em mim.

Meu telefone disparou o último alarme justamente quando eu me preparava para redarguir, o que me fez chegar ao entendimento de que até o universo estava conspirando contra mim. Sem outra alternativa a não ser a aceitação, desliguei o sinal e guardei o celular no bolso.

— O dever me chama – lamentei, saindo da cama para calçar os tênis.

— Eu sei, você tem que ir. – Ela bocejou, caindo teatralmente deitada sobre o colchão. – Se não se importa, vou dormir mais um pouco. Stu Bennett tinha razão, estou esgotada.

Tossi para disfarçar que estava ficando roxo do pescoço para cima.

— Engraçadinha.

Terminei de me aprontar e depois concluí que estava apresentável – ou tão apresentável quanto seria possível ficar, naquelas circunstâncias –, inclinei-me para dar um beijo de despedida em Anna. Entretanto, ela foi mais engenhosa do que eu; enganchou o braço na minha nuca com um movimento preciso que me compeliu a girar por cima dela para não acabar acertando a bandeja cheia de comida.

— Ei – chamou, buscando meus olhos. – Eu amo você.

— Não faça isso comigo. – Prendi seus pulsos no alto, impedindo os dedos de avançar nos botões da minha camisa. – Vamos acabar o fim de semana todo enrolados aqui.

— Talvez ainda possamos. – Ela umedeceu os lábios. – Venha me ver depois da aula. Estarei esperando.

— Depende. – Fingi pensar. – Que roupas você vai usar?

Um sorriso maquiavélico armou-se em desafio.

— Se você for rápido o suficiente, nenhuma.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Tá lendo aqui? Surra de reviews!
Beijos ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Estrela da Tarde" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.