Estrela da Tarde escrita por Ametista


Capítulo 26
Trégua


Notas iniciais do capítulo

OLAAAR, PESSOAL o/
Adivinha quem está atrasada de novo?
Pois é, fim de semestre, vontade de cortar os pulsos.. Enfim, tô há três dias tentando terminar esse capítulo enoooorme e finalmente, finalmente ficou do jeito que eu queria.
Segue aí esse capítulo com algumas surpresinhas, e vamos logo, que eu quero ver todo mundo infartando
Bjos



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Eu estava furioso. E sabia que tinha todo o direito de estar furioso. Fuzilei com o olhar aqueles olhos verde-esmeralda que me fitavam de volta, olhos lindos e audaciosamente sedutores que tinham a capacidade de me arrancar o ar em segundos, e esmurrei o batente da porta, sentindo a parede toda tremer com o golpe. Sim, eu tinha todo o direito. Só não queria me sentir tão mal por fazê-lo valer.

Encostei a testa no batente, respirando fundo até a veia parar de saltar na carótida. Maldição. Fazia dias que eu não via Anna. Recusei-me a encontrá-la desde a reunião do Conselho, na qual ela manipulara os alfas da forma mais baixa e mesquinha possível, e a única coisa que me restara dela foi o seu retrato já finalizado. Corri com os dedos pelo verde e pelo vermelho escuro da tela, que se intercalavam em um padrão sem igual, praguejando alto por fim. Como eu ainda podia sentir tanto a falta dela depois da humilhação a que fui rendido?

Saí do meu quarto tremendo, os músculos queimando na expectativa de descarregar a agressividade em alguma coisa. Queria me transformar, explodir no lobo cor caramelo e correr até as patas cederem de cansaço, mas não queria correr o risco de ter mais alguém na minha cabeça se intrometendo nos meus pensamentos. Estava com raiva dos meus irmãos também – eles concordavam com Anna e foram unânimes em apoiá-la. Era melhor ficar longe deles por um tempo, e até ali, estava tendo sucesso em evitá-los.

Acabei confinado ao quintal de casa e sem muitas opções, decidi cortar lenha. Era verão e não iríamos precisar dos tocos na lareira tão cedo, mas a outra alternativa era sair socando o tronco dos carvalhos até meus punhos sangrarem e eu não queria parecer infantil caso alguém me flagrasse. Já estavam um saco sem isso. Desci com o machado na madeira violentamente, que se partiu ao meio no ato. Posicionei outro toco, repetindo o movimento conciso. Esperei, a cada machadada, meu ódio diminuir, mas ele só inflava. Quando comecei a enxergar vermelho, desisti do machado e espatifei um dos tocos com as mãos, ainda sem derramar uma gota de suor.

Eu estava, acima de tudo, com ódio daquele vampiro desgraçado, por ele ter um dom que me impedia de acabar com ele assim como fazia com aquele toco de madeira. Por culpa dele, além da minha namorada estar sendo obrigada a testemunhar um massacre em primeira mão por dia, fui rebaixado de lobo a cordeirinho indefeso, e por consequência, todos os papéis estavam invertidos – em vez de lutador, eu virei a donzela em perigo.

Por todos os espíritos, como aquilo era insultante.

Pouco me importava se Anna era mais forte que eu, que toda a matilha ou que qualquer vampiro que já conheci – na verdade, havia até algo de excitante nisso. Eu respeitava sua independência e me dava paz interior ter a certeza que ela estaria relativamente segura aonde quer que fosse, mas seria bom se ela aprendesse a respeitar a minha independência, para variar. Que droga, eu tive que aguentar mais responsabilidades do que a maioria das pessoas da minha idade e até gente mais velha conseguiria suportar. Não foi algo que conquistei do nada.

Um ruído na floresta me chamou a atenção, alguns passos se aproximando a noroeste. Resmunguei entredentes; eu conhecia bem aquele jeito ritmado de andar. Não demorou muito para que Jacob aparecesse nas margens do terreno, o maxilar duro me indicando para segui-lo. Assenti e fiquei satisfeito por estar só de bermuda enquanto marchava rumo à floresta na retaguarda dele – pressentia que estava próximo de me transformar, e já estava ficando sem roupas no armário. 

Quil e Embry nos aguardavam de braços cruzados em uma das poucas áreas intactas daquela mesma campina onde encontramos o vampiro – nem perdi tempo com eles, passei reto e me controlei até que Jacob se virasse para acertar o primeiro murro. Mal ele caiu de costas contra a terra castigada, eu já tinha partido para cima preparado para o segundo e o terceiro, mas meus irmãos me seguraram antes de conseguir fazer algum estrago relevante.

— Me soltem! – rosnei, acertando uma cabeçada no nariz de Quil e um chute na perna de Embry, que torceu meu braço para me imobilizar. – Seu filho da mãe! Você jurou! Jurou nunca abusar da sua autoridade!

Jacob se sentou com calma, sem parecer particularmente surpreso. Aquilo me irritou mais.

— Já acabou? – Ele cuspiu sangue na grama antes de ficar de pé, coçando o queixo. – Diabos, garoto, quando foi que aprendeu a bater feito um cavalo?

Ignorei-o, torcendo o pulso para me livrar do aperto de Embry, empurrando-o para o lado junto com Quil.

— Tirem as mãos de mim, os dois! – Fuzilei-os com os olhos, tal como fizera com o quadro. – Como puderam? Meus próprios irmãos, me apunhalando pelas costas...

Quil revirou os olhos e correu com as mãos pelo rosto até a pele se esticar, assumindo uma careta disforme.

— Seth, por todos os espíritos, cale a boca e nos deixe explicar!

— Você não está enxergando a situação sob todos os ângulos – interpelou Embry.

Encarei-o, cético.

— E eu tenho como ver de outro ângulo? – Bufei, sem qualquer resquício de humor. – Não sou nenhum covarde e vocês estão me forçando a agir como um!

Os três ficaram quietos e se entreolharam, envergonhados. Pelo menos tinham a decência em não tentar negar o óbvio e além de incapaz, me taxarem também de estúpido. Analisei-os se encolher, entrevendo nessa brecha uma possível vantagem a ser explorada – eu sabia que não chegaria a lugar algum sem um aliado.

— O que faria se estivesse em meu lugar, Jacob? – sibilei, tirando proveito do silêncio deles. – E se fosse Renesmee?

Jacob apertou a ponte do nariz – se pelo soco ou pelo cansaço, eu não saberia afirmar.

— Veja lá o absurdo que está dizendo. Anna e Nessie são criaturas completamente diferentes. – Ele expirou alto, os músculos dos ombros murchando. – Não queríamos que fosse assim, Seth, mas Anna está com a razão.

— Seu imbecil, ela manipulou você! – Meu Deus, eu era o único a enxergar isso?! – Assustou minha mãe, que é o ser mais superprotetor na face da Terra, deu um jeito de alfinetar a mentalidade fechada e paranoica de Sam, mostrou os argumentos certos para favorecer a perspectiva dela e você caiu feito um maldito pato!

— Talvez, mas Anna não usou nenhuma mentira. – A expressão dele não se alterou. – Conversei com ela ainda ontem. Sabia que o líder italiano está proibindo os outros dois de virem ao ataque?

Isso me desarmou um pouco. Senti o tremor no corpo diminuir junto com a tensão e a respiração desacelerar, como se tivesse tomado um banho de água fria – e infelizmente, naqueles últimos tempos, eu vinha conhecendo e muito essa sensação.

— Então o problema diminuiu. Será somente o louro canalha.

— Não, não mudou em nada. Eles ainda virão. – O cenho de Jacob se uniu feito uma profusão de nuvens carregadas tomando o céu, escurecendo seus olhos. – Os poderes que Anna detém representam uma ameaça porque colocam os Cullen em posição superior aos italianos. Com a ajuda do louro, eles esperam igualar o campo de batalha para ter chance de derrotá-la e dar um fim a essa diferença. O vampiro está se certificando de alimentar essa ideia porque precisa de uma distração significativa que possa segurar os Cullen. A questão é que o líder deles sabe que o louro não tem a menor intenção de sair vivo dessa briga e teme perder suas armas mais preciosas, porque a última coisa que o vampiro planeja é matar Anna. – Ele se aproximou, e minha postura deve ter vacilado, pois ele sentiu segurança o bastante para tocar meu ombro. – Seth, é uma missão suicida. Ele pretende abrir caminho entre nós até matar você e literalmente logo em seguida se atirar aos pés de Anna para que ela o destrua.

Apertei os olhos em uma linha estreita. Eu não me deixaria influenciar.

— Se estaremos em vantagem numérica, isso dificilmente aconteceria.

— Não se Anna vira uma completa idiota em combate quando você está por perto – rebateu. – Quer saber o me convenceu? Não foi sua mãe me atazanando e muito menos Anna com aquele show de horrores. Foi o que vi com meus próprios olhos nessa droga de campina. Anna é poderosa o suficiente para lidar com todos os três de uma só vez, mas fica incapaz de proteger a própria pele quando está concentrada em mantê-lo a salvo. Não quero nem imaginar como seria ter os dois no meio de uma luta grande e não vou pagar para ver. – Seu tom estava ríspido no final e somente percebi que ele estava falando com a voz dual do alfa porque senti os joelhos bambos, como se eles estivessem prestes a dobrar. Jacob deu um passo para trás, engolindo em seco. – Outras vidas estão comprometidas e eu tenho obrigações como alfa.

Em outro contexto, eu poderia até ter me sensibilizado com as palavras de Jacob, afinal, não era segredo para ninguém que eu tinha uma admiração e respeito muito grande por ele, mas as cordinhas que repuxavam em mim diante da autoridade do alfa jogaram tudo às traças. Diminuí a distância dele com um movimento pouco amistoso.

— Isso inclui obrigações com a sua matilha. Confiamos em você como líder, e é seu dever fazer bom uso desse comando. – Ergui a mandíbula, demonstrando uma dignidade que não sentia, mas era a única coisa em que podia me agarrar. – Esse édito sujo passa longe de ser um exemplo de liderança. Nem tenho como esfregar na sua cara que foi pior que Sam, porque até ele está dentro do conluio, mas você fez algo que Sam jamais fez, você me envergonhou na frente de todo o Conselho e me tornou uma piada para a tribo!

Quil se enfiou entre nós com as mãos espalmadas no alto.

— Não vamos nos esquecer de que orgulho ferido é o motivo de estarmos nessa confusão, está bem?

Lancei um olhar gélido a ele.

— Não se atreva a me comparar com aquele psicopata.

Jacob levantou os olhos para o céu e praguejou algo ininteligível.

— Eu realmente não queria ter que fazer isso, Seth. – Então começou a tirar a bermuda. – Vamos, se transforme.

— O quê?

— Agora – grunhiu, atirando uma ordem muda a Quil e Embry, que suspiraram, entretanto se puseram a se despir também.

Cruzei os braços e os observei assumir suas respectivas formas de lobo sem muito entusiasmo. Não queria me juntar a eles. O problema não era a nudez – isso havia deixado de ser um inconveniente desde que voltara a ter somente integrantes masculinos presentes na alcateia – e sim a telepatia em si. Tinha medo de compartilhar os pensamentos com eles e acabar concordando com qualquer pretexto miserável que me enfiassem goela abaixo.

Jacob esticou o dorso e se acomodou sobre as patas traseiras, perfeitamente confortável enquanto aguardava eu me decidir e Quil me cutucou no peito com o focinho, impaciente. Por fim, chegando à conclusão ímpia de que não tinha como tudo piorar, arranquei minha bermuda conforme trazia toda a raiva à tona, uma labareda de puro calor que arriava pela coluna e atravessava meus membros, e com ela, a minha forma animal.

A mudança não durou um segundo. Cambaleei sobre as quatro patas e me engasguei com um ganido de choque ao me dar conta do inconfundível.

Havia uma quinta mente sintonizada conosco.

E aí, maninho?, brincou ela.  

Inconscientemente, deixei-me cair sobre as patas traseiras, estupefato. Leah?!

Eu mesma. Em pêlos, presas e sarcasmo. Senti um sorriso largo se estendendo por parte dela, um bom humor tão esquecido que, se não estivéssemos psiquicamente vinculados, eu duvidaria de se tratar da minha amarga irmã. Senti sua falta também, ironizou para a linha de raciocínio, mas a saudade, absolutamente verdadeira, me envolveu como um abraço apertado.

Talvez por essa razão eu estivesse com dificuldades em raciocinar. Por que... Quando... Sacudi o corpo em uma tentativa de recobrar a inteligência. Onde você está?

Isso não vem ao caso, o foco aqui não sou eu, depreciou com uma praticidade que era muito típica dela, mas percebi que se eriçou inteira quando Embry e Quil se embrenharam por sua mente à procura da resposta. Ah, francamente, parem de tentar invadir meus pensamentos! Se mais algum de vocês bancar o abelhudo, juro que não terão notícias de mim até a virada do século!

Quil soltou um lamento, deitando sobre a grama. Não pode nos culpar por tentar.

A tentação é grande demais, concordou Embry.

Leah revirou os olhos. Esqueci o quanto vocês podem ser insuportáveis. Então ela se voltou para mim, e natureza maternal que assumiu seus sentimentos não era novidade para ninguém. Enfim, soube que tem dado trabalho.

Meu focinho recuou sobre as presas. É assim que eles lhe contaram?

Não, é assim que eu vi, devolveu em tom áspero e eu já antecipei o que viria a seguir. Condenei com os olhos os três lobos defronte a mim. Devia ter deduzido que eles recorreriam a Leah, pois quem melhor para me passar um sabão do que a minha temível irmã mais velha? Seth, se quiser que o considerem como adulto, experimente agir como um. Já parou para pensar que a sua presença nessa batalha pode colocar todos em risco? Os Cullen, as matilhas, a própria Anna... Ela é volátil como um campo minado, pode acabar matando alguém inocente ou se matando para poupá-lo. É o que quer, ter que lidar com a dor da morte de um de nossos irmãos? Ter que olhar nos olhos dela e ver o remorso por ter sido a responsável? Não vou nem dizer para imaginá-la morta nos seus braços porque você não teria tempo de ver isso, o Backstreet Boy acabaria com a sua raça muito antes disso acontecer.

O restante do bando se retraiu com a imagem que ela desenhou, mas eu não me abalei; Leah havia herdado de nossa mãe o dom da chantagem emocional e eu já tinha idade o suficiente para estar imune a esse truque barato – tanto que era essa prerrogativa que me permitia identificar a mesma tendência manipuladora em Anna. O que quer que eu faça, Leah? Que me esconda debaixo da cama e junte as patas sobre o focinho?, retruquei, ainda firme.

Quero que pense. O vampiro não é burro, ele sabe que Anna vai tentar afastá-lo dele. Ela hesitou e de súbito seus pensamentos inquietos estavam sendo direcionados para a matilha. Fiquem alerta, porque assim como vocês estão preparando uma armadilha para eles, os bastardos podem preparar uma para vocês.

No que está pensando, Leah?, Jacob quis saber com desconfiança, as orelhas se achatando contra o crânio.

Que talvez não sejam apenas três vampiros que estejam se preparando para o ataque. Os gêmeos assustadores são uma distração para os Cullen. Os Cullen não vão se separar e nem tentar separá-los porque é perigoso demais. Bella pode incapacitar os dois, mas Bella é uma só. Ela suspirou pesadamente. E se o louro estiver fazendo papel de distração para Anna?

Um momento de silêncio cortante se seguiu conforme suas palavras recaíam sobre nós. Aquilo era tão evidente que fiquei perplexo de não ter enxergado essa possibilidade antes. Inferno, os dois viveram juntos por quase setenta anos... O vampiro podia não conhecer Anna com a mesma profundidade que eu, mas certamente sabia o bastante para tirar vantagem de suas fraquezas. 

Meus músculos começaram a formigar. De um segundo para o outro, eu já não tinha dúvidas de que seria precisamente assim. Meus irmãos, em contrapartida, não concordaram – ou não queriam aceitar. Essa probabilidade desmembrava toda a estratégia arquitetada na reunião.

Anna estava segura ao afirmar que seriam somente três, Embry enfatizou, no entanto a surpresa em sua mente apenas fazia com que ele soasse automático.

Exatamente, Leah confirmou, sombria. Anna está tão focada no centro que é possível que não esteja vendo as arestas. O meu palpite é que ele vai tentar segurá-la ao máximo e mandar um quarto elemento para arrastar Seth de La Push. Longe daqui, o louro vai poder saciar lentamente a sua fúria de rejeitado, já que duvido muito que ele iria gostar de fazer tudo às pressas.

E como pode estar tão convicta de que é desse jeito que vai ser?, inquiriu Jacob, trincando os dentes. Não havia como contestar os fatos.

Porque a rejeitada que há em mim reconhece o rejeitado que há nele, admitiu com uma suavidade indiferente, para o nosso completo espanto. Sem dor, mágoas ou ressentimentos, apenas com uma teimosia arrogante de alguém que tem certeza de ser o dono da verdade. Caso não se lembrem, eu já assisti a quem amava escolher outra pessoa bem debaixo do meu nariz. Embora não concorde com o que o sanguessuga está fazendo, sei muito bem como ele se sente.

Demorei um pouco para processar o impacto que a informação teve sobre os outros, porque eu estava perturbado demais com a constatação que fiz para ir além do meu estado de choque. Foi então que eu percebi que nenhum deles estava interessado na estratégia. Estávamos todos boquiabertos pelo mesmo motivo. Não com a perspectiva apresentada por Leah, mas com o que suas emoções deixaram subtendidas.

Leah havia superado Sam.

Fui o único corajoso o suficiente para pensar nas palavras, mas elas pairavam na mente coletiva da matilha que nem fuligem depois de um incêndio, acompanhadas pela curiosidade. Até a virada do século, Leah lembrou com um grunhido, exasperando-se com a intrusão quando perguntas mudas começaram a chispar para ela – e mesmo na bronca havia algum rastro de gentileza.

Foi Jacob quem resolveu nos tirar daquela situação constrangedora; ele sempre odiou a inevitável falta de privacidade a que éramos expostos. Por que raios os italianos concordariam com algo arriscado assim?, ponderou, trazendo-nos de volta ao debate inicial.

Leah bufou, mas no fundo estava agradecida pelo ato reservado. Anna enlouqueceria com a morte de Seth e viraria carta fora do baralho, que é tudo o que eles querem. Jacob, Seth é um bom lutador, mas em seu lugar eu não o deixaria sozinho. Gostaria de ser eu a estar ao lado dele para lutarmos juntos... Ela fechou os olhos para o beco escuro em que se escondia, pensativa. E vou me esforçar para estar, mas ainda tenho... pendências aqui e pode ser que eu não chegue a tempo.

Espere... Endireitei-me, pois percebi que a decisão foi tomada de impulso. Está voltando para casa?

Um sentimento ardente efervesceu dentro dela e de repente sua mente estava longe – em um lugar cheio de sol, com prédios altos de alvenaria branca, castelos vermelhos e praças. Não era mais necessário interrogar. Leah estava em Madrid. Dentro de duas semanas, mais ou menos. Dificilmente vou conseguir resolver o que preciso antes desse prazo. Sinto muito, pirralho. Você devia ser minha prioridade, mas nesse momento sou mais necessária aqui.

Tem a ver com o tal de Martín?, Quil disparou sem qualquer pudor e Leah prendeu a respiração. Que foi? Se você decidiu voltar, quer dizer que a ameaça já não é mais válida.

Argh, eu devia ter imaginado que Anna iria acabar soltando a língua. Ela xingou uma série de palavrões irreproduzíveis, mas isso não serviu para bloquear suas memórias. Uivei, recuando quando uma lembrança com pele nua, mãos suadas e beijos demais veio à superfície. Não contou nada a nossa mãe, contou?

Eu jamais ousaria tal deslealdade, prometi rapidamente, como se isso pudesse repelir as imagens. Estremeci junto com Jacob e Quil. Embry se contentou em resfolegar uma risada. Eu detestava ter acesso à vida sexual dos meus irmãos – principalmente quando isso acabava em algum sonho bizarro visto pelos olhos deles –, só que com Leah isso era duplamente pior. Não me importava com a confusão de gênero, que de modo isolado já era muito desconcertante, a questão é que eu não queria imaginar, ou ver, a minha irmã...

Ei, pelo menos eu tenho uma vida sexual, ao contrário de uns e outros, defendeu-se, graças a Deus me impedindo de concluir o pensamento. Por falar nisso, o que ainda está fazendo aqui? Ande logo, vá conversar com ela. 

Fiz uma careta e Quil gemeu quando sentiu meu dilema interno. Vá fazer as pazes, Seth. Anna tem sofrido com o seu desprezo, parece até um enterro na casa dos Cullen. Ele fez uma pausa. Não é proposital, mas ela tem feito todos sentirem sua tristeza, nem mesmo Edward suporta ficar perto dela.

Além do mais, pensou Embry, você tinha prometido ir.

Ergui o olhar para o horizonte onde o sol abaixava por detrás das árvores, lançando um tom de laranja impressionante na cortina de nuvens pesadas ao céu. Verdade, eu havia prometido ir. Era nosso aniversário de namoro. A oportunidade perfeita de resolvermos nossos desentendimentos. Ou de brigarmos mais.

Isso mesmo, incentivou Leah. Vá encontrá-la, se reconciliem, transem um pouco. Vocês são muito reprimidos.

Revirei os olhos, dando as costas a eles à medida que trotava de volta a minha casa, pegando a bermuda entre os dentes no caminho. Minha mãe não havia chegado do trabalho ainda – presumivelmente tendo feito um desvio até Forks para visitar Charlie –, então não me incomodei em vestir a peça ao voltar à forma humana, indo direto para o banheiro para um banho rápido. Saí do chuveiro enrolando uma toalha na cintura, pensando em que roupas usaria; em geral, eu não costumava ter esse tipo de preocupação – afinal, qualquer roupa é roupa –, mas Anna estava sempre tão bonita que parecia um crime não tentar fazer jus a ela pelo menos uma vez.

Olhei para o guarda-roupa, que me olhou de volta e, bem, nada. Eu tinha meus dois ternos – algo útil quando você mora em um lugar onde as pessoas se casam com frequência –, só que de jeito nenhum eu apelaria para eles naquela noite. Tinha minhas camisetas, regatas, moletons, tudo muito informal... Nada que parecesse adequado a um jantar romântico com a namorada. Talvez eu devesse ir de toalha, pensei com desânimo, mas acabei sorrindo logo em seguida. Anna sempre ficava nervosa quando me via sem camiseta, com a pulsação acelerada... Refutei a ideia quase que imediatamente. Edward não ficaria nada feliz.  

Sem muitas alternativas, acabei limitado a uma camisa jeans, um tanto justa nas mangas compridas, e uma calça marrom-claro. Calcei os mesmos tênis cinzentos de sempre e aproveitei o tempo que ainda tinha livre para embrulhar o quadro de Anna em um papel para presente e escrever um bilhete para minha mãe. Fui jantar com a Anna, não me espere acordada, S., rabisquei no bloco de recados antes de sair de casa com o quadro debaixo do braço.

Caía uma forte chuva à proporção que eu dirigia rumo à Forks, entretanto quando eu ultrapassei a fronteira, a alguns quilômetros da mansão dos Cullen, ela parou bruscamente. Inclinei-me sobre o volante, franzindo a testa para o céu e por pouco não perdi o controle do Ford no instante em que a porta do carona se abriu e Edward se sentou no banco ao meu lado, o carro ainda em movimento.

— Você demorou – disse ele todo casual ao mesmo tempo em que passamos por uma Ferrari estacionada no acostamento. Bella e Renesmee acenaram atrás do vidro escuro.

— Não sabia que me esperavam – murmurei por reflexo, a voz aguda por causa do início de síncope.

Ele deu de ombros.

— Estamos indo para o Alasca para o casamento de alguns amigos. – Arqueei a sobrancelha, porque sabia que havia uma exceção. – Gostaria que Anna fosse conosco, já que ela conhece Garrett e, bom, seria uma boa oportunidade de apresentá-la adequadamente ao clã Denali, mas ela insistiu em ficar. – Seus olhos, dourados como os de uma coruja e tão perspicazes quanto, escrutinaram meu rosto. – Parecia esperançosa de que você honrasse o convite, apesar dos pesares.

Então Anna estaria sozinha. Isso não pareceu tão animador quanto teria sido há alguns dias – sem testemunhas, as chances de acabarmos brigando de novo apenas aumentavam. Embora não precisasse, mantive os olhos na estrada.

— E devo supor que você me encurralou no meio da estrada para me ameaçar a ficar longe da cama dela? – Com todo mundo se intrometendo, à essa altura eu não estaria surpreso se até minha mãe decidisse me dar uma aula sobre educação sexual.

Vi pelo canto do olho que Edward esticou um largo sorriso sardônico – se para a pergunta ou para o pensamento, isso é uma incógnita.

— Ironicamente, hoje isso não está me preocupando. – O sorriso duro morreu devagar. – Não gosto do apelo físico do relacionamento de vocês, é verdade. Anna e eu crescemos em uma sociedade com regras de conduta bem mais rígidas, a maioria baseada em fundamentos religiosos, e certos tipos de intimidade fora do matrimônio não eram permitidos sem que a reputação de uma moça fosse arruinada. – Ele estalou a língua para mim, censurando a expressão abismada e incrédula que se formou sem que eu percebesse. – Os tempos mudaram, eu sei. Mas procurei viver de acordo com o que me foi ensinado e tinha a pretensão de estender os mesmos princípios a Anna, apesar de ela estar pouco se lixando para o que penso.

Não consegui pensar em nada que pudesse dizer. Sempre achei que as atitudes restritivas de Edward eram motivadas por ciúmes de irmão mais velho protetor – jamais imaginei que tivesse alguma coisa a ver com castidade, sobretudo levando em consideração o quanto esse conceito era antiquado. Foi então que me lembrei de antes, de como ele estava a meu favor quando decidi conquistá-la – quando percebi que a desejava para mim –, e de depois, do olhar fulminante que ele me atirou no dia em que Anna e eu começamos a namorar, quando me flagrou fantasiando com as roupas coladinhas de ballet dela.

Precisei pigarrear para recuperar a capacidade de fala. 

— Eu jamais faria algo para desrespeitá-la.

— E eu jamais disse o contrário. Nesse aspecto, confio mais em você do que confiava em Hans, e não é somente porque as circunstâncias são outras. – Ele se retesou, severo. – Não, meu lembrete aqui hoje é diferente. É o mesmo que eu fiz quando me contou que sofreu imprinting por ela.

— Não me esqueci, Edward – assegurei, igualmente sério.

— Que bom. Porque minhas palavras permanecem as mesmas. – O olhar se fixou a algum ponto distante na floresta e, quando falou, sua voz era pura reverência. – Anna tem essa personalidade difícil, e o sofrimento que enfrentou durante todos esses anos pouco fez para aplacá-la, mas por dentro ela é frágil como cristal. Sempre a tratei como a dama que é, e sempre exigi o mesmo comportamento dos cavalheiros que lhe dirigiam a palavra. – Ele se voltou para mim, desprendido de defesas. O mesmo amigo que eu fiz nas montanhas. – Gosto de você, Seth. Não poderia desejar alguém melhor para cuidar da minha irmã e, céus— ele passou a mão pelos cabelos desgrenhados, quase como se certificasse de que não estavam caindo em tufos –, eu sei mais do que ninguém que Anna é fonte constante de dor de cabeça. Mas o dever e a devoção sempre me farão estar do lado dela.

Fiz que sim.

— Entendi onde quer chegar. – Edward era meu amigo e compreendia os meus porquês. Queria interceder por mim, mas naquela disputa não tinha como escolher. Antes de tudo, ele era irmão mais velho, e isso denotava responsabilidades com a caçula.  

— Seja gentil com ela – pediu, a mão fria dando tapinhas complacentes nas minhas costas. – A semana não foi das mais agradáveis em casa. – Ele estudou apreensivo as nuvens carregadas, a boca retorcida. – Sabia que está chovendo?

Minha cabeça reagiu um estalo quando assimilei o que ele queria insinuar e me debrucei novamente sobre o painel do carro, boquiaberto. A chuva estava parando a uns bons cinco quilômetros da casa. Não era possível que Anna estivesse poderosa a esse ponto. Mas então prestei atenção; percebi que as nuvens assumindo um formato côncavo, sutil demais para os humanos, entretanto era incontestável que estava ali.

Imaginei que Edward fosse fazer mais algum comentário, porém em vez disso ele apenas abriu a porta do carro e desapareceu na noite – eu havia acabado de fazer a curva da entrada que levava à casa dos Cullen e ambos sabíamos que Anna não ficaria satisfeita se o encontrasse me dando uma dura.

Escutei seu coração bater mais forte antes mesmo de estacionar. Sorri ligeiramente; meus próprios batimentos cardíacos já haviam se descontrolado e minhas mãos ficaram suadas de nervosismo conforme eu descia do carro e subia a escadaria. Percebi seus passos delicados se aproximando da porta para me receber, mas esperei até alcançar o último degrau antes de levantar o olhar para ela. Tinha certeza de que vê-la dispersaria todo o restante e eu não queria fazer papel de bobo tropeçando ou algo assim.

E provavelmente foi a melhor coisa que eu poderia ter feito, porque quando a vi, soube que não poderia responder qual era o meu nome nem que a minha vida dependesse disso.

Anna estava tão linda que chegava a ser um ultraje. A maquiagem suave deixara seus olhos verdes enormes e encantadores, a pele luminosa que nem madrepérola. Alguns cachos se escapavam do cabelo preso e ondulavam de forma atrativa e desafiadora logo acima da curva dos seios. O modelo do vestido, além de deixar a clavícula livre, apertava a cintura fina e se abria fluidamente até a panturrilha – era impossível não pensar no céu noturno repleto de estrelas com o tom de azul-escuro do tecido incrustado de pedras.

Pisquei repetidas vezes, tentando me livrar da sensação alucinante de ser arrastado a uma grande altitude e trazido de volta em apenas um segundo. Era difícil permanecer irritado com ela quando minhas pernas insistiam em tremer.

Anna hesitou na soleira, meio escondida atrás da porta. Seus pés descalços se agitavam, frenéticos ao mudar o peso de um para outro, e um sorriso tímido surgiu devagar.

— Por um momento, achei que não viria – disse, a voz mais leve que um sopro.

— Por um momento, eu também.

Diante da frieza das palavras, ela se retraiu e desviou o olhar em uma reação automática – em vez de meu rosto, seus olhos se concentraram no meu corpo e depois me analisaram de cima a baixo. Uma onda inesperada e atordoante de desejo me percorreu e reverberou por meus músculos, fazendo com que eu desse um passo para trás, desnorteado com a surpresa. Todo o calor da minha fúria se dissipou, sendo substituído por algo que queimava muito mais. Algo muito selvagem e muito primitivo, que se contorceu dentro de mim feito a pólvora despertada por uma faísca; de repente eu estava em chamas, consumido pelo meu próprio desespero sufocado. Então era assim que ela sentia por mim? Interessante. Fiquei louco para tomá-la nos braços e demonstrar de todas as formas que poderia imaginar o quanto eu a queria.

Ao perceber o que fez, Anna arquejou, ficando rubra de vergonha.

— Desculpe.

— Não por isso – ofeguei, puxando-a para perto.

Ela não resistiu em nenhum segundo. Na verdade, o modo como correspondeu ao meu beijo e como rodeou as pernas em torno de mim enquanto eu a prendia contra a parede apenas me fez perceber o quanto ela estava sedenta por aquilo – talvez tanto quanto eu mesmo estava. Subi a mão pela coxa macia por debaixo do vestido, apertando-a sem nenhuma delicadeza ou pudor à medida que minha boca percorria a pele aveludada até o pescoço, e dele aos ombros. A saudade me afogou com força; senti meus olhos marejarem enquanto seu perfume irresistível de frutas vermelhas, rosas e mel invadia meus pulmões e inundava minhas veias.

Estremeci por ter que me deter, lutando contra meus instintos mais básicos, mas sabia que se continuasse, me afundaria nela ali mesmo e a faria minha até o amanhecer. Distanciei-me um pouco à procura de ar fresco – uma tentativa débil de controlar o fluxo latejante de sangue entre minhas pernas –, todavia a mantive colada a mim, os lábios roçando sua bochecha.

— Seth, eu...

— Shhh... – Calei-a com um beijo obstinado quando ouvi a culpa aflita em sua voz. – Vamos tentar não falar sobre isso. Pelo menos, não hoje.

Um sorriso de olhos fechados foi a sua resposta para a trégua.

— Senti saudades – sussurrou, o hálito quente e úmido resvalando na minha orelha.

— Não tanto quanto eu – suspirei, a respiração entrecortada. – Isso eu posso garantir.

O sorriso aliviado se ampliou, o peito subindo e descendo de forma quase hipnótica. Entretanto, quando se inclinou para me beijar outra vez, sua musculatura se transformou em mármore. Anna abriu os olhos com suspeita e inalou rápido, franzindo a testa.

— Esteve com Edward?

Assenti.

— Lembra da conversa sobre limites?

Ela bufou, descendo do meu colo.

— Falando sério, ele não está envelhecendo, mas a idade o está deixando demente.

— Ou talvez muito lúcido – reconheci, a minha parte mais física ainda em estado de alerta concordando. Não era o que eu estava fazendo um minuto antes, ultrapassando os limites?

Anna revirou os olhos, afastando-se de mim para conseguir alisar o vestido.

— Venha. – Sua mão se entrelaçou na minha antes de me conduzir para a sala de jantar. – A comida está esfriando.

— Você cozinhou mesmo? – Tentei não demonstrar ceticismo, embora fosse inevitável. O cheiro que espiralava pela casa era simplesmente divino.

Uma careta decepcionada torceu seu nariz ao passo em que adentrávamos no ambiente iluminado por velas. Dois lugares estavam organizados na outra ponta da enorme mesa de mogno dos Cullen, com pratos, talheres de prata, taças de cristal, bandejas tampadas e um vinho tinto dentro de um balde com gelo. Havia buquês de rosas vermelhas e pétalas espalhadas por toda a parte, o que me fez compreender que ela já buscava um acordo de paz – rosas vermelhas eram as flores favoritas de Anna, mas ela sabia que sempre me faziam pensar nela.

— Bem que eu tentei, juro – resmungou, pesarosa. – Quando uma panela explodiu e Emmett chegou a uivar de tanto rir, eu desisti e humildemente aceitei a ajuda de Edward. – Balançou a cabeça, tirando a tampa das bandejas e revelando um rosbife marinado na manteiga, purê de batatas com ervas, salada caesar, e um bolo de chocolate. – A história da minha vida.

Dei de ombros, arrastando a cadeira defronte à dela.  

— O que vale é a intenção. – Estendi a taça vazia para a garrafa que ela puxava a rolha, apreciando o aroma adocicado. Eu não era tão adepto a bebidas alcoólicas quanto Anna, mas como cozinheiro honorário dos Clearwater, eu sabia que vinho era sempre uma ressalva. – Vamos lá, o que fez a semana toda?

Ela endireitou a postura, rígida que nem uma tábua, e seu rosto ficou branco.  

— Achei que não queria falar sobre isso.

Antes que eu tomasse consciência, a taça se espatifou entre meus dedos. Senti o ar inflar em meus pulmões e me agarrei à beirada da mesa para tentar refrear minhas mãos trêmulas. Não funcionou. A mesa toda começou a trepidar, os vidros tilintando. Quando falei, minha voz soou calma e ao mesmo tempo mortífera, feito cães de caça prestes a atacar.

O que exatamente você fez que pode estar relacionado a isso?

Anna se encolheu ao evitar o meu olhar, as mãos segurando a garrafa como um escudo.

— Jasper vem me dando aulas de combate corporal, já que estou um pouco enferrujada e... – Ela se sobressaltou, em pânico no que fiquei de pé. – Aonde está indo?

— Vou para casa – rosnei, contornando as cadeiras rumo à porta. – Se eu continuar aqui, vamos acabar brigando de novo.

Ela largou a garrafa de qualquer jeito sobre a mesa e, em uma batida de coração, estava frente a frente comigo, bloqueando a saída.

— Por favor, não vá! – soluçou, os olhos reluzindo com as lágrimas que se acumulavam. – Seth, é nosso aniversário de namoro!

Fechei os olhos para a névoa vermelha que tingia a minha visão.

— E por essa razão eu não quero discutir. Não quero magoar você e não quero me magoar ainda mais.

— Fique... – pediu, suplicante. – Ao menos espere até que eu lhe mostre seu presente. Levei meses até finalizá-lo.

A única coisa capaz de me fazer recuar naquele instante foi a dor com que suas palavras atingiram meu tímpano. Focalizei sua expressão e entrevi o tormento arder por detrás da pele, por mais que ela tentasse camuflar. Diabo. Eu odiava a ideia de fazê-la sofrer. Ia contra a minha própria natureza, contra os meus princípios – contra a tudo o que um dia prometi a ela.

— O seu está no carro – retruquei, já com um pouco menos de convicção.

— Eu já vi, e amei – apressou-se em dizer, as mãos unidas sobre o coração. – Por favor.

Ainda que relutante, acabei cedendo. Ela soltou o oxigênio que havia prendido todo esse tempo e gesticulou que eu a seguisse até a sala, onde além do piano, uma harpa dourada impunha presença junto com um violino pousado no sofá. Uma torrente de prazer me engoliu, bastante parecida com a que senti na noite em que nos beijamos pela primeira vez, quando ela cantou no palco para mim. Na ocasião, eu havia morrido de vontade de encostá-la contra uma parede e devorar sua boca até que ela ficasse sem fôlego, só que havia gente demais em volta.

Minha parte mais indomável, aquela regida puramente por instintos, tremeu em expectativa. Não haveria interrupções ali.

Agitei a cabeça para reaver a presença de espírito. Eu estava furioso... Não estava?

— Bem – ela começou, tendo interpretado o meu olhar inquisitivo para os instrumentos –, sei que não gosta que eu gaste dinheiro com os presentes que lhe dou, então decidi preparar algo mais abstrato... – Os dedos brincaram nas cordas da harpa; o som celestial ecoou pela casa. – Mais lírico.

Muito a contragosto, acabei sorrindo.

— A idade está lhe deixando sábia, Anneliese Masen. – Abracei-a pelas costas em uma ação involuntária. – Compôs para mim?

Anna— corrigiu com petulância. – Não gosto quando dizem meu nome inteiro. É como se estivesse me dando uma bronca.

— Mas eu estou lhe dando uma bronca. – Puxei sua mão para um beijo. – Não vai tocar?

Feito uma brisa de primavera, ela girou os calcanhares para mim e se afastou devagar até o meio da sala. Os pés descalços se arquearam até ficar na ponta dos dedos e os braços penderam como asas do lado do corpo. Uma tecla do piano se moveu, premeditando a melodia. E de repente a composição mais angelical, mais sublime que já foi criada, preencheu o ar como se cantada pelo próprio vento. Meu queixo caiu, mas Anna não permitiu que eu me recuperasse; seus pés a levaram pelo ritmo que o piano criava, e quando achei que não poderia ficar mais comovido, a harpa começou a fazer o segundo tom e o violino a completar a linha de base.

Uma sensação incomum e maravilhosa repercutiu no meu peito. Nenhum homem, nenhum rei poderia se sentir mais sortudo, mais exultante, mais envolvido do que eu naqueles minutos. Pareceu ser um período tão breve – e do mesmo jeito tive certeza de que poderia passar mil vidas a assistindo dançar para mim – quando ela parou vagarosamente, perto o suficiente para me tocar, a melodia entrando em seus acordes finais.

— Sei que está magoado comigo – soprou tão suavemente que parecia parte da música. – Peço desculpas por feri-lo, mas eu não me arrependo do que fiz. – Os olhos de esmeralda se ergueram, determinados. – Você é metade da minha alma, Seth Clearwater. Consegue enxergar dentro de mim e sabe que eu jamais faria algo na intenção de menosprezar ou diminuir quem você é. – Ela engoliu em seco, se preparando. – O que faria se estivesse no meu lugar? Nas mesmas condições? E se alguém estivesse tentando me matar por causa de uma antiga desavença sua, e você tivesse em seu poder todos os meios disponíveis para me proteger?

Não era justo colocar a situação daquela forma. Era provável que eu teria feito o mesmo que ela, mas era diferente.

— Será mesmo que é? Já me coloquei no seu lugar, acredite. E sei que eu me sentiria precisamente como você está se sentindo agora. Iria querer que lutássemos lado a lado, protegendo um ao outro... – Então negou com um movimento impassível. – Mas eu não posso. Eu simplesmente não posso arriscar. Pode me chamar de egoísta, se quiser, mas eu não posso perder você. Eu... – As lágrimas desabaram pelas bochechas, porém o tom se tornou veemente. – Não suportaria, não sou forte o bastante para sobreviver a isso. E se eu tiver que descer ao Inferno para mantê-lo vivo, Deus sabe que eu o farei, pois não ligo se você me odiar desde que esteja aqui para...

Interrompi-a com um beijo quase animalesco.

— Como eu poderia odiar você? – Segurei seu rosto, a coisa mais preciosa do mundo para mim entre as mãos. – Você foi feita para mim, Anna, assim como eu fui feito para você. Você é meu céu e minha terra, minha alegria e minha perdição, meu centro do universo, meu tudo.

— Seth... – ela ofegou, e toda minha resistência foi vencida.

Agarrei Anna pela cintura e, já que o sofá estava ocupado com o violino, deitei-a contra o piano e me debrucei sobre ela como um exilado no deserto que finalmente encontra água. Mordisquei seu maxilar, descendo até o colo ao mesmo tempo em que suas pernas me envolviam, diminuindo o espaço inexistente entre nós e seus dedos desabotoavam minha camisa.

Desta vez, eu não iria parar.


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Notas finais do capítulo

AAAAAAA
Eu sei, vocês estão putos por ter acabado justo aí
Nem precisam dizer, eu vou explicar: eu tinha sim planejado o hot para esse capítulo, maaaas, como devem ter notado, ficou quilométrico e eu precisei jogar para o próximo.
Como estou de férias da facul, juro de dedinho que não vai demorar tanto ;)
E os reviews, cadê?



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