Estrela da Tarde escrita por Ametista


Capítulo 25
Estratégia


Notas iniciais do capítulo

GOSTOSURAS OU TRAVESSURAS??
Oee, gente o/
Voltei cheia das novidades! Primeiramente, VAMOS FAZER UM MINUTO DE SILÊNCIO CONTEMPLATIVO PARA ENDEUSAR ESSA CAPA LINDA QUE A BATMAN FEZ
UM CLOSE É UM CLOSE, NÉ MINHA GENTE ♥ ♥ ♥
Galerê, já chegamos a 10 mil visualizações! Pots, quem diria, viu?

Sobre o capítulo, sinto vergonha em dizer que já estava pronto desde domingo, mas por razões pessoais eu não consegui revisar e postar antes. Foi mals mesmo
E o mais importante, eu utilizei muito da mitologia quileute que foi contada em Eclipse, então pode ser que, para quem não leu os livros, fique um pouco confuso (embora eu tenha me esforçado ao máximo para evitar isso)
Sem mais delongas, espero que gostem ;)



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Desde que me entendo por gente, sempre me orgulhei da minha rapidez de raciocínio. Eram raras as ocasiões que meu cérebro me deixava na mão, e quando acontecia, em geral eu conseguia me sobressair com uma frase espirituosa ou ao menos sem fazer papel de idiota. Infelizmente, aquele não foi um desses casos. Fiquei um minuto inteiro com o queixo caído, e teria sido bastante vergonhoso se metade dos presentes não estivesse em condição semelhante.

Em seguida, quase como forma de indenização por esse período de lapso cerebral, minha memória trouxe à superfície uma torrente de todos os dados que eu tinha sobre Teresa McAllister.

Seu sangue era quileute pelos dois lados da família, assim como eu. Seu avô materno era o Velho Quil, o que fazia dela uma das muitas primas de Quil. Seu pai fez fortuna com a indústria madeireira no sul, e como filha única, ela era herdeira de um dos maiores patrimônios de todo o condado. Isso não a impediu de ser presa por desacato à autoridade em algum protesto sobre diretos ambientais, muito menos de ser trancafiada em um reformatório para jovens ricos infratores, da qual foi expulsa dois meses depois – e ninguém soube o motivo. Retornou a La Push com a prerrogativa de filha pródiga, mas indo muito além do estilo incomum e das atitudes pouco convencionais, sua presença despertou o olhar minucioso do Conselho – enxergavam nela a magia. Conjecturaram que talvez, em um futuro próximo, não houvesse apenas uma loba fazendo parte do bando.

Parado ali, onde os únicos sons eram o crepitar do fogo e o bater das asas dos corvos, vendo-a cercada de animais selvagens, percebi que eles não faziam ideia do que era essa magia. Era algo muito ancestral, muito anterior ao nosso tempo para podermos adivinhar com exatidão. A expressão arredia de Sam no meu quarto finalmente fez sentido.

Diante da realidade, a resposta era óbvia.

A garota era uma guerreira-espírito, feito o primeiro grande Chefe Espírito Kaheleha e seus descendentes. Uma magia proibida por segurança, que se perdeu com o passar dos séculos.

Ao que tudo apontava, não havia se perdido totalmente.

— Ninguém vai me cumprimentar mesmo? – Teresa colocou as mãos na cintura e abriu um sorriso cínico. – Por que estão com essa cara de enterro? Ninguém morreu. – Deu de ombros. – Isto é, ainda.

Anna foi a primeira a se mover; atravessou o círculo e se colocou entre mim e a garota sem um pingo de hesitação. Sua expressão não delatava surpresa, como eu esperava – e sim um reconhecimento irritadiço.

— Você é uma spiritae. Eu devia ter desconfiado.

— Sabe o que ela é? – Edward esganiçou.

Ela assentiu com um movimento duro da cabeça.

— Conheci uma assim, em Creta.

Teresa estreitou os olhos, largando a postura presunçosa. Os corvos que nos sobrevoavam se empoleiraram nas árvores que margeavam o terreno dos Black e um dos lobos rosnou para Anna. Ela nem mesmo pestanejou.

— Eu lhe garanto, Anna Masen, não existe ninguém como eu. – E cruzou os braços. – Então você é a famosa meia-vampira que tem mais poderes que eu. Confesso que estou me sentindo um pouco enciumada.

Minha sobrancelha formou um arco com o sobressalto. Teresa estava obviamente mais bem informada acerca da tribo e dos Cullen do que podíamos sequer supor. Uma coisa boa, ao meu ponto de vista – não seria necessário gastar tempo em explicações.

Entretanto, ainda não explicava o aparecimento dramático dela na reunião do Conselho.

— O que veio fazer aqui? – interroguei, já que ainda era um dos poucos a demonstrar alguma capacidade de fala.

Ela me encarou como se fosse demente por não saber.

— Vim ajudar, é claro. Estão todos com o rabo entre as pernas, por isso acho que meus talentos serão muito mais que bem-vindos.

Alguém praguejou na área dos Cullen – pensei ter escutado alguma coisa a ver com a Disney, então desconfiei que fosse Emmett. Recuperada do susto, minha mãe saiu de sua posição no Conselho e, desvencilhando-se dos vários meninos de Sam que se amontoavam à sua frente, convidou Teresa a participar da reunião com um gesto. A garota aceitou de bom grado, mas se recusou a sentar, ficando de pé perto do fogo. Os lobos que a acompanhavam pararam sob as patas traseiras em torno de nós, aguardando.  

— Tem a menor consciência do que está acontecendo? – Minha mãe foi direto ao ponto, como sempre. Ela jamais fora conhecida por sua sutileza.

Teresa deu sinais de estar prestes a bocejar, enfadada.

— Minha cara, estou consciente de tudo. Como podem ver, tenho informantes por todos os lugares. – Um corvo pouso em seu ombro e crocitou. – E posso ver e ouvir tudo o que eles veem e ouvem.

O Velho Quil se empertigou de modo a parecer que havia formigas dentro de suas roupas. Com um grunhido, ele se deixou desabar sobre o tronco seco outra vez.

— Absurdo. – E bateu com a bengala na terra, como se para firmar seu posicionamento. – Nossos ancestrais não podiam controlar os animais sem os espíritos fora do corpo.

— Por favor, Avô Quil, nossos ancestrais eram incompetentes. Há anos venho desenvolvendo meu domínio sobre os animais sem precisar recorrer à projeção astral. Se bem que ainda é divertido entrar no plano astral por outras razões. – Seu olhar, de súbito sugestivo, se encravou em mim com uma malícia descarada. – Gosto de viver perigosamente.

Somente compreendi o que ela quis insinuar porque Anna se enrijeceu ao meu lado, o rosto ficando carmim. Presumivelmente tendo captado as imagens indecentes nos pensamentos de Teresa, Edward deixou escapar um silvo e em um piscar de olhos se materializou no outro flanco, o braço pesando nos meus ombros. 

— É, vamos precisar conversar sobre limites mais tarde. – Um apertão fez meu esterno estralar. – Com certeza.

— Ah, e obrigada pelo A-, Seth – Teresa continuou, como se ninguém tivesse percebido. – Meus pais ficariam um pouco desapontados se eu não voltasse para casa com boas notas.

— Poderia agradecer não me dedurando, só para começar – sibilei entredentes.

Jacob estava interessado demais no que Teresa tinha a dizer para prestar atenção em nosso confronto velado. Ele se acomodou no tronco e uniu as mãos no queixo antes de se inclinar na direção dela.

— Há quanto tempo descobriu sobre nós?

Ela considerou a pergunta com um olhar circunspecto. Nesse momento, entendi que Teresa McAllister era o tipo de pessoa que só levava as coisas a sério quando a levavam a sério.

— A verdade? Não levei mais do que três dias desde que cheguei em La Push. – Ela reprimiu um sorriso. – Sinceramente, vocês não são muitos discretos com os locais onde se encontram e a segurança daqui é um porre.

— De fato – Anna concordou –, a segurança precária era o que estávamos discutindo antes de você fazer sua entrada triunfal.

— Jura? – As feições de Teresa se esticaram em uma falsa surpresa. – A impressão que eu tive foi que você estava no ápice do seu chilique e pareceu um bom momento para intervir.

Anna abriu a boca para dar uma réplica mordaz, mas parou e franziu o cenho:

— Estou tentando decidir se gostei ou não de você, mas me sinto confusa.

No outro extremo do círculo, Sam balançou a cabeça e bateu os pés até ficar entre Anna e Teresa. Seu olhar escuro era tão autoritário que o restante de nós se fechou em um silêncio absoluto, assentando nos seus lugares em um único movimento.

— Já chega, estou farto dessa discussão inútil. Deixei que falassem à vontade, e pelo visto não estamos chegando a lugar algum. Primeiro, vamos estabelecer algumas coisas. – Sam levantou o indicador e o apontou na cara de Anna, que recuou com um passo para trás. – Você é imprinting do Seth e, portanto, parte da tribo, mas isso não lhe dá o direito de decidir por nós. Se algo vem até nosso território, o enfrentamos independentemente do perigo, e não é agora que vamos nos encobrir atrás de uma garota histérica que mal tem controle sobre si mesma. – O queixo dela caiu em ultraje e quando ele viu que ela iria protestar, a calou com um olhar. – Seus poderes são de grande importância e sem sombra de dúvidas vamos precisar de você para defender nossas famílias, só que isso vai ser feito dentro de um trabalho em equipe com o qual a maioria aqui concorde, afinal, isso é um Conselho, vivemos em sociedade, então a democracia ainda deve valer de alguma droga. Segundo, quanto a você, McAllister – Sam girou os calcanhares para ela –, não vá achando que pode aparecer se impondo com meia dúzia de animais de estimação, se incluindo onde não foi chamada e que vai ficar por isso mesmo. Está usando magia proibida há gerações por um Grande Chefe e antes de qualquer medida, os Anciãos vão deliberar se você terá a devida permissão de continuar usando essas... – entrecerrou os olhos, parecendo perdido na busca da palavra correta – ... ferramentas.

O corvo no ombro de Teresa saltou diretamente para o rosto de Sam e lhe meteu uma violenta bicada no nariz para então alçar voo na noite. Ele cambaleou, por pouco não se estatelando em cima de Kim e Jared.

— Permissão? – grasnou, ofendida. Os olhos flamejavam tanto que era como se estivesse diante do próprio demônio. – Rá! É isso o que eu ganho estendendo a mão para ingratos. Vou cair fora.

— Espere! – minha mãe pediu à medida que ela tentava se esquivar para a floresta. – Você disse que poderia ajudar. De que modo?

Teresa congelou onde estava e analisou minha mãe profundamente antes de responder.

— Não é evidente? Tenho olhos e ouvidos por todos os lados. Posso montar guarda na região e conseguir avisar a mestiça – indicou Anna com o queixo – com uma boa folga para lhe dar tempo de interceptar o Nosferatu. E o que é melhor, sem derramar uma gota do meu suor e sem comprometer a pele de ninguém. Nem mesmo o vampiro vai perceber, por que quem fica reparando nos animais na floresta? – Ela esticou um sorriso totalmente desprovido de humor. – Vocês não repararam.

Anna bufou.

Eu reparei. Não leio a mente de animais, mas sintonizei... – ela fez uma pausa, as feições formando uma careta involuntária – ... muitos fragmentos de alguns corvos na minha janela recentemente. Era você. Foi por isso que usou a projeção astral para nos espionar, não foi?

— E é só por esse motivo que estou me dando ao trabalho de colaborar. – O sorriso se ampliou, se tornando bastante gentil e amável. – Você é esperta, e se fez por merecer metade dos olhares venenosos que lhe atiram, tenho certeza de que seremos ótimas amigas.

Perturbada com tal atitude, Anna buscou o meu olhar, mas eu apenas pude dar de ombros – afinal, quem compreendia as mulheres? Já Sam aproveitou a abertura no diálogo entre as duas para intervir, encurralando Teresa na saída. Sua superioridade de alfa foi bem menos intimidante porque ele estava com a mão no nariz, tentando conter o sangramento enquanto se curava.

— Como eu salientei – articulou em tom incisivo –, você ainda não tem o consentimento do Conselho para agir.

— Ora, e quem vai me impedir? – Teresa redarguiu, sem se deixar abalar. – Vocês? Encare os fatos, Sam Uley, a linhagem de minha família foi a única a herdar os dons dos quileutes antigos, e desde a morte da minha avó, eu sou a última guerreira-espírito de nosso povo. Verdade, é hereditário sim, mas em vocês o poder de Kaheleha sumiu ao dar lugar aos genes de lobo de Taha Aki. Querendo ou não, vocês vão ter que me engolir.

— Ela tem razão – anunciou o Velho Quil.

O pescoço de Sam se voltou para o Ancião com tamanha velocidade que fez um estalo audível.

— Ela tem?

— Não podemos detê-la, meu jovem. E estamos em tempos de crise, onde os meios alternativos podem ser mais eficazes que a força bruta de nossos lobos.

— Além do mais – manifestou-se Billy Black –, o problema que forçou Taha Aki ao criar esse édito é irrelevante nos dias de hoje. – Suas mãos escorregaram pelos braços da cadeira de rodas, inquietas. – Utlapa ficou no passado.

Os líderes do Conselho se entreolharam, chegando a um consenso mudo.

— Em outras palavras – declarou minha mãe, cerimoniosa –, tem nossa autorização, Teresa McAllister.

— Vem com certificado? – ela ironizou, entortando com as mãos no quadril. Os garotos mais novos soltaram risinhos e levaram tapas na nuca de Paul como reprimenda, que a fuzilou com o olhar. Era de se pressupor que Teresa teria reagido com um agradecimento ou com o mínimo de maturidade, porém eu já tinha visto o suficiente para chegar à conclusão de que ela detestava receber ordens. Ela não nos pertencia, e queria deixar isso em bastante evidência.

Jacob ignorou o sarcasmo e pigarreou para atrair o foco para si antes que outra discussão desnecessária se formasse.

— Estamos dando voltas e mais voltas e ainda não decidimos o que será feito. Com todo o respeito, Anna, mas que você lide com tudo sozinha está completamente fora de cogitação. Mesmo com a ajuda da Teresa. Sam está certo, teremos uma chance maior de êxito trabalhando em equipe.

— Pode me chamar de Tery, gatinho. – E piscou para Jacob, que ficou muito corado mesmo com a luz da fogueira disfarçando a cor.

Ao que tudo indicava, Anna não estava dando muito crédito à perspectiva de Jacob – seus olhos vidrados no bruxulear das chamas viajavam a quilômetros de distância. Quando voltou a si, caminhou para junto dos irmãos novamente, encarando o vampiro louro atrás de Edward e Bella.

— Gosto da sua sugestão, Jasper. É brilhante.

Ele arregalou os olhos, de repente apreensivo por ter se tornado o centro das atenções. Meio desconfortável, ele saiu da companhia de Alice e se situou ao lado de Anna com uma conduta inteiramente profissional, as mãos unidas nas costas rígidas.

— Nas atuais circunstâncias, penso que ficar somente em táticas defensivas é estupidez – declamou, o tom pausado e agradável. – Se ele está tão compenetrado em matar Seth, provavelmente vai insistir nas nossas brechas até conseguir, portanto para nós é muito mais fácil montar uma armadilha. – Deu de ombros com um sorriso contido. – A melhor defesa é o ataque.

As matilhas trocaram um olhar significativo.

— Prossiga – incentivou Sam.

— Muito simples. Quando ele invadir o território, o cercamos até Anna acabe com ele. A Srta. McAllister afirma que poderá saber quando ele ultrapassar a fronteira em qualquer um dos lados. Ela pode soar o alarme, as matilhas partem para um bloqueio de um raio de... – Jasper coçou a têmpora ao mesmo tempo em que procurava por uma estimativa – ...mais ou menos um quilômetro e vão afunilando até que ele esteja preso no eixo. Por fim, Anna entra em cena, o sobrepuja sem piedade e, claro, se precisar de ajuda, estaremos lá. Fim de jogo.

Examinei meus irmãos com interesse. Todos demonstravam estar receptivos a essa possibilidade de embate, que de longe era a estratégia com menos probabilidade de mortes que poderíamos pensar. Então me surpreendi ao perceber que não eram somente as matilhas que concordavam. Entrevi Emily e Kim agitando a cabeça em concordância, o Conselho em sintonia. Até mesmo os Cullen, a despeito de eu sentir um pé atrás por parte de Anna.

— Estão realmente dispostos a encarar essa briga? – questionou ao mirar um a um, soturna como a própria noite. – Conhecendo todos os riscos? – E eu a conhecia mais do que qualquer pessoa no mundo para saber que ela queria nos dar uma oportunidade de desistir, mesmo o estratagema beneficiando vampiros e lobisomens.

Então algo pelo qual eu não podia esperar aconteceu. De um segundo para o outro, a reunião mergulhou na noite embotada pela neblina nas docas abandonadas de um lugar qualquer, onde uma garota aos gritos era arrastada pelo tornozelo. Houve vários arquejos de choque ao redor e meu coração se apertou no peito com o desespero nas feições da garota, ficando mais acentuado quando percebi nos cabelos encaracolados dela o mesmo tom de ruivo que Anna detinha. O grito da garota se transformou em berro quando unhas desceram a pele macia do pescoço, arrancando sangue ao que uma risada mortal ressoava, acompanhada de palavras murmurinhadas em russo que foram levadas pelo vento indolente.

Ficou pior. Desta vez fomos arrastados para a rua de uma cidade grande e movimentada, na qual um grupo de meninas de uniforme escolar era atraído para um apartamento fechado e a partir disso submetidas a uma série de torturas sangrentas indizíveis até seus corpos jazerem exangues pelo tapete.

O golpe final foi o ataque na campina, meus ossos quebrando, o cheiro de sangue, a luta violenta sob a ótica do vampiro. Detalhe algum foi negado – nem mesmo o instante doloroso em que a estaca se encravou em Anna.

E finalmente acabou. Não houve qualquer manifestação de alívio, fosse Cullen ou quileute. Senti alguns olhares pesarem em mim, mas o meu estava preso ao dela, que aguardava em silêncio.

O olhar diligente de Sam transpassou o de cada pessoa – inclusive as esposas –, e se posicionou de acordo antes de enfim se voltar para Anna. Nossa decisão permanecia a mesma.

— Você tem sua resposta.

Ela puxou o ar com força para os pulmões.

— Pois muito bem. Não vou contestar se é a vontade da maioria, só não queria que entrassem de cabeça nessa briga estando de olhos fechados. Prometo concordar com as condições que imporem, se me garantirem que Seth vai ficar de fora do esquema.

Fiquei de pé no ato, sentindo o sangue ferver e os músculos formigarem. Ela não apenas resolveu me tratar feito uma criança novamente, como também o fez em público. Foi a primeira vez que eu senti raiva de Anna, e o sentimento me veio com um sabor amargo na boca.

— Anna, eu amo você mais que tudo, só que quem tem que fazer essa escolha sou eu. E eu não vou fugir, não vou me esconder enquanto os outros assumem os riscos. Eu vou lutar.

Sua sobrancelha se vergou; um único gesto de desafio na expressão serena.

— Se você se colocar de isca, eu quebro minha promessa e vou atrás dele agora mesmo.

Ela não estava blefando quando afirmou que não era nossa especialidade jogar limpo um com o outro. Jamais me ocorreu que isso pudesse ser algo tão ruim.

— Onde David está agora? – Edward nos cortou, na tentativa de evitar um conflito ainda maior.

— Estamos seguros, por ora. – Os olhos verdes permaneceram nos meus conforme falava. – David se alimentou antes de embarcar para a Itália, embora eu não consiga ver o porquê. Meu palpite é que está indo buscar os aliados em Volterra.

Alice fez um som de engasgo.

— Aro pretende manchar ainda mais a reputação da Guarda se envolvendo em disputas pessoais?

— A Guarda, não. Mas Alec e Jane por conta própria, com certeza. Eles têm uma desavença particular contra mim, e ser uma atual parte do clã Cullen é um catalisador bem forte. – Anna fitou a família, repentinamente parecendo muito pequena e muito aflita perto deles. – Eles não gostam de concorrência.

Jasper fez que sim, estudando as probabilidades com a mão apoiada sob o queixo.

— Quanto tempo temos até que ele volte?

— Não faço ideia. – Ela se retraiu no lugar. – Ele não planejou ainda e isso é proposital. Percebi que David é um grande adepto à tortura psicológica. Suspeito que ele vai demorar algumas semanas, talvez meses para aparecer. E até lá, vai deixar um rastro de destruição.

Embry e Quil se remexeram no tronco, visivelmente incomodados.

— Eu não apostaria nisso, Anna – Quil interpelou, cauteloso. – Ele estava furioso.

— Um homem com orgulho ferido não pensa direito – lembrou Embry.

Anna se virou para os dois com um olhar cúmplice que eu somente a vi atirar para Leah, alguns meses antes. Não havia reparado que o ataque na campina fortalecera o elo entre eles, mas aquilo agora era notório feito a luz do alvorecer.

— Não David. Vocês o escutaram, viram o que ele fez comigo. – Os olhos dela se afiaram em fendas mortíferas. – A frieza com que arquitetou cada detalhe para me manipular. Ele não vai agir por impulso à essa altura.

Sam passou as mãos no cabelo, expirando alto de cansaço. Estávamos entrando em um ciclo vicioso de becos sem saída.

— De qualquer forma, não teremos apenas um problema, mas três. Isso quebra com a ideia do bloqueio. Esses outros dois tem...? – E gesticulou como se estivesse falando de mágica.

— Sim – Jasper admitiu, cruzando os braços –, mas nós temos como neutralizá-los, embora isso signifique que Bella também vai ter que entrar no campo de batalha. Anna vai estar ocupada demais lidando com o outro para poder se preocupar com eles.

Bella sorriu ligeiramente, dando de ombros.

— Não me importo com isso.

Eu me importo – Edward rosnou com o maxilar tenso. – Vou ter que escolher entre lutar ao lado da minha irmã ou da minha esposa.

Anna revirou os olhos. Duas vezes.

— Pelo amor de Deus, Edward, não seja sentimental. É um constrangimento que você pode evitar a nós dois. Na verdade, vou ficar em paz se você estiver longe. Assim, vai ser entre eu e David e tudo o que eu puder desfigurar. – Ela contorceu os dedos perto do rosto, e eu pensei ter visto o ar tremular em torno dela. – O bloqueio deve se concentrar apenas em David. Com o escudo de Bella, Alec e Jane se tornam inofensivos, logo minha família pode derrotá-los sem muitas dificuldades.

Atrás deles, Emmett agitou o punho em comemoração. Talvez fosse o único animado com a expectativa de um combate.

— Esses dois não podem passar pelas suas visões também? – Billy quis saber, solícito.

— Improvável. – Ela estalou a língua. – Alec e Jane não me conhecem a ponto de conseguirem jogar com os hiatos como David. Sem falar que mal se lembram de Seth, então seria difícil aplicar a mesma técnica e, além do mais, David deve estar assumindo a liderança por eles. Ainda que tentem atacar separadamente, continuamos em vantagem. Creio eu que Alice pode monitorar esses dois sem inconveniente algum. – Então piscou para a irmã, que aquiesceu com um movimento discreto.

Bufei, mas de ódio. Estava longe de querer deixar nosso desentendimento para debaixo dos panos – de jeito algum que eu deixaria o assunto morrer em um impasse, ela não iria me afastar da batalha assim –, mas não havia a menor chance de eu permitir que Anna continuasse naquela prática masoquista.

— Espero que esse trabalho em equipe signifique que você já vai parar de monitorar aquele desgraçado. Não quero sua mente ligada a ele por mais um minuto que seja.

Antes que ela pudesse retorquir, Jacob colocou a mão no meu ombro, apaziguador.

 — Seth, ela não pode. Teremos que estar minimamente alertas quando o vampiro decidir. Anna é a única que pode nos deixar de sobreaviso. Ela avisará Teresa, para que ela consiga determinar em qual direção ele vai atacar e nós possamos montar o bloqueio.

— É Tery— corrigiu às margens da roda, rabugenta.

Neguei com a cabeça. Não podia ser a única alternativa. Não era essa a razão de termos aceitado a interferência de Teresa, para evitar que fosse inevitável que Anna se sacrificasse sozinha?

— Tem que ter outro jeito – teimei. – Não quero vê-la sofrendo, sendo obrigada a ver essas coisas horríveis o tempo todo. – Tentei encará-la onde havia se encolhido entre os irmãos. – Não consegue se concentrar só em quando ele decidir vir?

Anna virou o rosto, evadindo-se de meu olhar.

— Posso tentar – condescendeu, mas eu sabia que ela estava mentindo.

— Então está decidido – anunciou Sam. – As matilhas farão algumas simulações nas próximas semanas. É necessário comprovarmos que podemos colocar o esquema em prática. McAllister, está convidada a se juntar a nós. – E a inflexão na voz deixava evidente se tratar de uma convocação. – Aos Cullen, gostaríamos de ser informados a respeito do andamento com os outros dois. E Anna, não deixe de nos avisar quando o vampiro sair da Itália.

Franzi a testa. Havia algo errado. Não com as palavras de Sam, mas uma anormalidade na sua expressão quando a fitou – um pormenor sutil que me pareceu terrivelmente familiar.

— E eu? – indaguei, porque naquele instante, parecia a pergunta certa a se fazer.

Exatamente como o Conselho fizera antes da sentença de Teresa McAllister, Sam trocou um olhar com Jacob, que intercalou o seu entre Anna e minha mãe. Foi então que descobri o que estava me cismando – a expressão de Sam era a mesma que eu fazia quando dialogava por pensamentos com Anna. Eles estavam tendo uma conversa paralela, além da que verbalizaram.

O olhar de Anna incidiu com a culpa, e eu soube que acertei em cheio.

— Quanto a você, Seth Clearwater, o veredito é unânime. O acordo com Anna Masen está selado. Você ficará de fora da batalha. Uma vez soado o alarme, irá para sua casa e não vai sair até que eu, Jacob Black, o autorize.

Abalado demais para conseguir fazer alguma coisa além de respirar, não me dei conta dos fatos até meu joelho ceder e eu me sentir curvar, impotente ante a injunção do alfa.

O decreto estava feito, e eu teria que obedecer.


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Notas finais do capítulo

Tá vendo esse espaço aqui embaixo?
Comenta, fantasminha, eu não mordo!



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