Estrela da Tarde escrita por Ametista


Capítulo 24
A reunião


Notas iniciais do capítulo

...
Eu sou a pior escritora da vida. Sério mesmo, como é que eu faço isso com vocês?
Antes de qualquer coisa, nada mais justo eu explicar o motivo que me levou a demorar tanto para postar. Bom, na verdade foi uma bola de neve.
Primeiro, teve alguma coisa no último capítulo que me incomodou demais. Eu não sabia o que era, só sabia que cada vez que lia parecia errado, e quase chegou ao ponto de eu querer excluir (e o que me impediu foi saber que não seria justo com os leitores). Segundo, um total bloqueio criativo. Junte isso ao fato de que sou perfeccionista ao extremo e queria porque queria consertar a cagada que eu não descobri onde estava fazendo certo no próximo capítulo e, voilá, temos essa demora.
Enfim, para compensar, estou aqui depois de uma fucking noite em claro, para postar um capítulo que eu acho que saiu digno e POTS, EU PRECISO COMENTAR SOBRE ESSA RECOMENDAÇÃO PERFEITA. POHA, QUE RECOMENDAÇÃO MARAVILHOSA! Fiquei que nem idiota lendo e relendo, até que por uma iluminação divina (e um toque de uma certa pessoinha divônica que me chamou no whats) eu sentei o rabo na frente do PC e fui escrever.
Depois de muito bláblábla...



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Tive um pesadelo horrível naquela noite. Nele, eu subia uma floresta às pressas, derrapando na lama escorregadia à medida que a encosta da montanha ficava mais íngreme. Quanto mais eu avançava, mais eu tinha que me agarrar no tronco das árvores para não cair para trás.

Enfim consegui sair das sombras da floresta para a luz ofuscante de uma larga campina, de coloridas plantas silvestres, mas eu não estava sozinho. No centro havia duas figuras abraçadas, e no susto percebi que era o vampiro cretino aos beijos com Anna. Desviei os olhos, incapaz de sustentar o olhar por um segundo que fosse – foi então que reparei nos meus joelhos pegajosos, nas minhas mãos pingando vermelho.

Eu estivera derrapando em sangue, não em lama.

Levantei a cabeça a tempo de ver Anna se afastar dele e sorrir, de olhos injetados e presas afiadas à mostra.

 

Acordei suando frio. Sentei-me no ato para tentar engolir a bile entalada na garganta, só que o ar não entrava e nem saía. Minha vista estava embaçada e depois de piscar repetidamente, percebi que Anna estava parada na soleira da porta com uma bandeja nas mãos e o rosto lívido de choque.

— Seth? – chamou ela, alarmada.

Baixei a cabeça e escorei a mão no peito, obrigando o ar entrar à força até os pulmões.

— Desculpe – pedi, tentando me conter. Não queria que ela tivesse visto o pesadelo.

Não deu nem um segundo e Anna estava do meu lado na cama, me abraçando ao que a bandeja pendeu devagar no ar até se apoiar acima da cômoda, junto aos porta-retratos. Escondi-me entre seus cabelos, procurando desesperadamente seu perfume – a única coisa capaz de me acalmar naquele estado.

— Não se desculpe. Ei. – Ela uniu a testa na minha, as mãos tocando minhas têmporas. – Respire, Seth. Eu estou aqui.

— É... – Assenti, puxando-a para mais perto. – Você está aqui.

— Sempre. – E me beijou de leve, mas para mim não foi suficiente. Inclinei-me para aprofundar o beijo, os dedos trêmulos apertando sua nuca, pois eu precisava senti-la. Senti-la de verdade, que era ela ali, a minha Anna.

Ela arquejou meu nome baixinho quando subi a mão por suas costas nuas e puxou meus cabelos ao que desci a boca pela pele fina do seu pescoço. Suspirei de alívio; era assim que ela era – doce e ao mesmo tempo selvagem. A forma como ela se derretia, como se entregava por completo em meus braços, fazia com que eu me sentisse em casa – e foi o que me fez entender que eu não tinha nada a temer.

— Eu amo você – sussurrei ao pé da orelha, escutando seu coração bater rápido e furioso.

— E eu amo você mil vezes mais – respondeu quase sem fôlego. Sorri que nem um imbecil e poderia ter ficado ali para sempre se ela não tivesse dado dois tapinhas nas minhas costas para que eu a soltasse. – Agora, você precisa pôr um pouco de energia para dentro.

Soltei um resmungo e me afastei um pouco para que a bandeja se colocasse entre nós. Fiquei surpreso com a quantidade de comida que havia ali; havia ovos, tiras de bacon, waffles, muffins de banana, pães doces com canela – os meus favoritos, por sinal – e suco de laranja.

Estreitei os olhos, desconfiado. Anna não cozinhava.

— Preparou meu café? – interroguei sem nem tentar ser sorrateiro.

— Bem... – Um sorriso travesso brincou em seus lábios. – Depois da primeira noite juntos, o café costuma ser servido na cama no dia seguinte, não é?

— Sim... – aquiesci a contragosto, arriscando um gole do suco de laranja. Estava perfeito. – E não era eu quem deveria estar fazendo isso?

Ela deu de ombros.

— Não tem uma regra específica a respeito, mas não vou reclamar se quiser fazê-lo da próxima vez.

— “Da próxima vez” ... – Desfrutei lentamente do suco, saboreando-o junto com as palavras. – Gostei disso.

Os olhos verdes se reviraram.

— Seu bobo. Vamos, trate de comer. – E apontou a bandeja intocada com o queixo.

— Está bem, mãe, já entendi. – Estiquei o braço esquerdo para pegar uma tira de bacon e precisei parar na metade da ação, porque esqueci que estava com a tipoia. Encarei meu braço. Todo o dia anterior voltou em detalhes microscópicos, a lembrança de cada osso quebrado, cada palavra dita. Levantei o olhar para Anna a tempo de vê-la trancar o maxilar. Embora não houvesse nada na sua aparência imaculada que a delatasse, a severidade nos olhos entregou que ela remoera aquilo pedaço por pedaço. Provavelmente, foi o que ficou fazendo a noite toda. – Você dormiu alguma coisa? – soltei de repente, virando o copo de suco logo que vi sua expressão.

— O suficiente – rebateu em tom conciso, apesar de o rosto ter relaxado aos poucos. – Não tanto quanto você, óbvio. Dezoito horas é um recorde difícil de bater.

Cuspi o suco.

— Dezoito?! – grasnei.

— Você precisava descansar. – Ela deu um meio sorriso tristonho e afagou meu queixo. – Sente-se melhor?

Considerei a pergunta.

— Inteiro. – Espreguicei-me, testando o terreno devagar. – Um pouco dolorido, talvez. Só que já não sinto nenhum osso quebrado.

— Fico muito feliz. – Desprendeu o ar pela boca. – Aliviada. Você não imagina o quanto.

Enviesei um sorriso malicioso.

— Então me mostre. Alguns beijos a mais podem ajudar.

— Você é impossível – me censurou com os olhos apertados, mas as bochechas adquiriram um tom lindo de cor-de-rosa, deixando-a que nem uma pimenta. Curvei-me em uma reação automática para beijar o rosto corado, mas tive que parar de gracinhas e me concentrar em comer assim que o rubor sumiu para dar espaço a uma carranca rabugenta de repreensão. Não havia barganha alguma capaz de dobrá-la quando Anna estava decidida a algo.

À proporção que eu comia, Anna foi me colocando a par do que perdi enquanto estava apagado. Começando por Carlisle, que apareceu para administrar minhas medicações e verificou que eu não precisava mais usar as talas e as nem ataduras – o que era um alívio gigantesco, porque coçava feito o diabo –, mas Anna não permitiu que eu fosse acordado para a remoção. Mais tarde, Sam visitou a casa para saber do meu estado e nos comunicar a respeito da reunião do Conselho, que foi marcada naquela mesma noite na casa dos Black. Minha mãe acabou o acompanhando na volta, embora eu pudesse apostar que ela foi por livre e espontânea pressão – com o instinto superprotetor de mãe-loba que tinha, ela não teria largado do meu calcanhar por nada. Ao que tudo indicava, os líderes do Conselho queriam debater algumas pautas antes de compartilhá-las com as alcateias.

— Devo me preocupar? – sondei quando entrevi seu nervosismo ao falar da reunião.

Anna me fitou de esguelha e ergueu a bandeja vazia no ar até largá-la com um baque na cômoda.

Você, não. Não é o seu traseiro que vão pisotear diante de todos.

— Relaxe, ninguém culpa você pelo que aconteceu – procurei tranquilizá-la.

— É claro que me culpam, não seja ingênuo. – Então ficou de pé com um impulso, parecendo uma pantera preparando o ataque ao ziguezaguear o quarto de um lado para o outro. – Eu mesma me culpo por ter exposto você ao perigo e ser estúpida o bastante para não protegê-lo adequadamente.

Praguejei entredentes. Esse papo de bebê de colo outra vez? O que eu teria que fazer para que me tratassem com o mínimo de dignidade? Ter cabelos brancos e pés de galinha?

— Eu sou o quê? Um maldito antílope? – grunhi. – Já sou crescido, Anna, e consigo me defender sozinho.

— Eu sei, amor. – Suas mãos se agitaram com intensidade, sem que ela se detivesse na atividade repetitiva. – Não estou questionando suas aptidões de batalha. Sei que você é um guerreiro habilidoso, mas têm certas coisas contra as quais vocês não podem lutar e é aí que eu entro. – Nem deu tempo de sentir o ego amaciado, pois os olhos dela ficaram vidrados e de repente nós dois estávamos de novo na floresta, naquela noite em que ela precisou usar o poder da dor para obrigar Sam a ouvi-la. Pelo espanto com que me olhou em seguida, ao parar no lugar, percebi que ter transmitido a lembrança para mim foi algo totalmente involuntário. – Apenas espero que possamos chegar a um acordo sobre o que será feito daqui por diante.

Exalei alto. Anna não estava se importando com qualquer ofensa que poderia vir por parte do Conselho – e sim com a possibilidade de eles não lhe darem ouvidos quanto ao inimigo. Abri os braços em um convite silencioso e ela veio correndo para o abrigo deles, escondendo o rosto no meu peito.

— Eles vão escutar você. – Alisei suas costas. – Eles passaram a respeitá-la como igual.

Ela bufou.

Isso sim é questionável.

— Você vai ver. Deixando esse assunto de lado, agora uma questão mais importante. – Levantei seu queixo com o indicador. – Fale de novo.

— O quê?

Sorri largo.

— Me chame de amor.

Ela revirou os olhos em resposta. Era impressionante o quanto ficava parecida com Edward fazendo isso, e mais impressionante ainda era ver o tanto de vezes que ela repetia o ato em um curto espaço de tempo. Não era um fator muito estimulante – lembrar do cunhado, e de suas advertências pouco amistosas, de quinze minutos em quinze minutos.

— Eu não me pareço com Edward – reclamou, ranzinza. – E não é hora para isso, Seth.

— É claro que é. – Desci com os lábios pela curvatura de seu pescoço, um de seus pontos fracos que eu particularmente adorava. – Você está tensa, estou tentando cumprir o meu dever de namorado e distraí-la, mas você não está cooperando.

— E nem vou. Tenho que ir em casa trocar de roupas para a assembleia. É complicado transparecer seriedade quando se está usando um pijama.

Franzi o cenho.

— Por que não aproveitou para ir enquanto eu dormia?

Um suspirou se seguiu, e com o gesto, todo o seu corpo – especialmente o verde dos olhos – se enterneceu. De um instante para o outro, não havia nada ali além da garota meiga e delicada que eu sabia que se escondia debaixo de tanta hostilidade.

— Não consegui deixá-lo – confessou e meu coração se tropeçou em suas batidas.

Não consegui não beijá-la. Foi algo premente, uma necessidade tão visceral quanto respirar – mais forte e mais poderosa que qualquer injunção de alfa. Os lábios carnudos se encaixavam perfeitamente aos meus, o sabor era embriagante e a forma como se moviam era irresistível – seu próprio canto de sereia. Entrancei os dedos em seus cabelos ao que as unhas descreviam uma trilha em minhas costas nuas, sentindo minha lucidez se esvair aos poucos na sua respiração audível e entrecortada, mas fiquei louco de vez quando puxei seu cabelo e ela abriu caminho para seu pescoço, sem qualquer resistência. Mergulhei na sua pele aveludada que ardia contra a minha, e nem dei importância à tipoia rasgando, às talas se partindo conforme a deitava na cama, porque a única coisa que existia para mim naquele instante era seu olhar arrebatado e cada pedaço exposto de sua pele que eu pudesse provar com a boca.

Não havia palavras naquele momento, no entanto seu corpo falava comigo e usei essa linguagem como guia para seguir em frente, sem pressa. Prender a ponta de sua orelha entre os dentes arrancava um gemido mais profundo, passear com a língua no seu pescoço a fazia se arquear e mordidinhas no ombro faziam suas unhas se enterrar com mais força nos meus braços. À certa altura, quando seus olhos estavam enevoados de desejo e minha vontade por ela estava a um passo do insuportável, no limite de um caminho sem volta, baixei o rosto para seu colo e mordisquei seu mamilo por cima do pijama – a última oportunidade de que ela desistisse e ao mesmo tempo, um incentivo para que não o fizesse. Anna choramingou ao se contorcer inteira, o mamilo endurecido, e minha virilha latejou de excitação.

— Tem certeza de que não é uma boa hora? – indaguei, esperançoso. Juro que os botões daquela camisa estavam me implorando para serem arrebentados.

Ela mordeu o lábio para segurar um sorriso lascivo.

— Recebeu duas ameaças ainda ontem e já está com fôlego para tentar uma terceira?

— Gosto de viver perigosamente. – E sorri de volta, provocativo do jeito que ela gostava.

Uma risada melodiosa ecoou pelo quarto.

— Percebo. – Então fixou os olhos no relógio na cômoda, parecendo mais decepcionada do que eu. – Mas estamos sem tempo. Está quase escurecendo e precisamos nos aprontar.

Desvencilhei-me dela bastante contrariado, no entanto sabia que Anna estava com a razão. As cortinas na janela pendiam para o lado e além do vidro era possível ver o céu sobrecarregado de nuvens pesadas; ainda claro, mas que já prenunciava o fim de um longo dia. Eram assim os dias de fim de primavera no estado de Washington – longos e cinzentos, raramente ensolarados e, antes que se pudesse notar, um entardecer virava altas horas da noite. Inspirei fundo e saí da cama, sendo objetivo para encontrar um par de roupas decente – paciência não estava entre as virtudes do Conselho e, como aprendi, menos ainda das matilhas.

Arranquei aos puxões o restante das ataduras e Anna me ajudou a vestir o que escolhi – ela queria que eu evitasse movimentos bruscos até ter certeza que eu estava completamente curado e, nesse aspecto, ela era tão teimosa quanto minha mãe. Ainda que fosse um exagero, foi uma experiência que eu soube aproveitar bem; não havia muita coisa melhor do que apreciá-la enrubescer por me ver seminu e usar a telecinese para subir e abotoar minhas calças.

Não me surpreendi quando, uma vez pronto, Anna se recusou a me deixar sozinho para voltar à casa dos Cullen – na verdade, eu tinha a impressão de que ela só descansaria quando assistisse os restos do vampiro queimando em uma fogueira de fumaça roxa. Ela não disse nada para o pensamento, mas a flagrei me observando pelo canto do olho e, à medida que voávamos floresta adentro, percebi que estava lutando para que seus olhos não marejassem.

Senti um aperto no peito. Ela estava sofrendo e não havia nada que eu pudesse fazer para tirar essa dor dela.

Quando pousamos diante da porta dos fundos dos Cullen, suavemente como sempre – não demorei a me acostumar com isso, já que às vezes ela nos levitava sem querer enquanto nos beijávamos –, Anna me ergueu os olhos, límpidos e sinceros. Você já faz, Seth, prometeu, convicta.

Sorri ligeiramente. Eu me esforçava, porém será que era o suficiente?

É sim. Acredite em mim.

Eu acredito, pimentinha. E a beijei de leve. Foi então que começaram a vir os pigarros de dentro da casa.

Anna murmurou qualquer coisa ininteligível e me rebocou pelo braço até a sala de estar, onde metade da família Cullen se esparramava – Rosalie estava de pernas cruzadas em uma das poltronas brancas, lendo uma dessas revistas de moda; Alice corria com os dedos por um tablet, a testa enrugada de concentração e Emmett estava sentado na frente de uma televisão enorme jogando videogame, assim como Jasper. Por reflexo, meus olhos se cravaram na imagem da tela, tentando decifrar qual era o jogo – Counter-Strike, um dos meus favoritos. Meus dedos se retorceram de vontade de jogar também.

— Oi, pessoal – Anna saudou todo mundo, a mão girando em um aceno coletivo.

Alice retribuiu o cumprimento e, em contrapartida, Rosalie deu de ombros. Emmett nem mesmo piscou, com um sorriso crescente ficando imenso e sardônico.

— Ora, se não é o Don Juan em pessoa – ironizou com os olhos ainda presos no videogame e meu rosto pegou fogo. – Fiquei sabendo que quase foi castrado ontem, é verdade?

Anna bateu com a mão na cara. Jasper reprimiu uma risada.

— Pelo amor de Deus, Rosalie, bote uma focinheira nele.

— Eu nem estou aqui. – A loura subiu a revista até esconder o rosto detrás das páginas.

— Judas – sibilou.

Jasper riu baixinho e pausou o jogo antes de ficar de pé, andando até nós. Emmett rezingou meia dúzia de palavrões.

— Está indo se arrumar para a reunião do Conselho, Anna?

Ela assentiu.

— Fico pronta em um instante. Já decidiram quem vai?

— Eu, claro. – Jasper se endireitou e uniu as mãos nas costas, feito um oficial militar. – Alice, Emmett, Edward e Bella. O restante de nós vai ficar em casa com Renesmee. – Então abriu um sorriso diabólico, exibindo todos os dentes e salientando uma cicatriz translúcida no maxilar. – Penso que não há necessidade de deixar os quileutes nervosos com tantos Cullen presentes.

— Concordo. Desço em vinte minutos, preciso conversar a sós com Seth.

— “Conversar” – Emmett bufou. – Na minha época, davam outro nome a isso.

Anna girou os calcanhares para mim.

— Ignore-o.

Foi um pedido relativamente fácil de cumprir, considerando que eu estava mais focado em entender porque tantos vampiros planejavam comparecer à assembleia do Conselho, mesmo que Anna tivesse deixado claro que assumiria as responsabilidades em nome deles. Achei melhor tirar essa dúvida no limpo, mas decidi esperar que subíssemos as escadas primeiro, já que disfarçar não estava entre meu arsenal de habilidades e invariavelmente acabava entregando nossas conversas clandestinas com a expressão facial.

Por que eles vão com a gente?, indaguei logo que alcançamos a porta do quarto dela.

— Sugestão do Sam – explicou em alto e bom som, o que me pegou desprevenido. Sempre conversávamos por telepatia quando havia outras pessoas próximas de nos escutar. – Ele convidou Jasper porque acredita que ter alguém com a experiência em combate dele pode ampliar o leque de táticas defensivas que podem ser aplicadas no território quileute. Os outros, meio que se convidaram por conta própria.

— Eu ouvi isso! – protestou Emmett no andar de baixo.

— Era essa a intenção! – gritou de volta, fechando a porta do quarto atrás de si. – Mudando de ares, sabia que nosso aniversário de namoro é nessa semana?

Procurei manter as feições neutras.

— Não. – Era mentira, claro. Vinha pintando furiosamente o quadro que pretendia dar de presente a ela, na tentativa de deixá-lo pronto a tempo.

Anna não se convenceu. Jurei a mim mesmo que jamais jogaria pôquer, senão perderia até os órgãos nas cartas.

— Perderia mesmo. E olhe que nem precisei ler seus pensamentos para saber que era blefe. Enfim – ela balançou os braços de modo teatral –, indo direto ao ponto, quero convidá-lo para vir jantar aqui em casa. Estou lhe preparando uma surpresa.

— Jantar? – Arqueei a sobrancelha. – Acho que a surpresa seria você cozinhando algo além de ovos e bacon.

Risos reverberaram escada acima.

— Engraçadinho. – Revirou os olhos. – Aceita?

Derrotado, expirei com força e me aproximei até encurralá-la de costas contra a porta. Anna segurou a respiração depois de engolir em seco, a pulsação acelerando até que ela estivesse em brasas, irradiando calor.

Eu que tinha imaginado preparar uma surpresa – soprei em sua orelha, satisfeito por deixá-la arrepiada. – De cozinhar suas comidas favoritas e de levar você para um lugar bem longe daqui, onde eu possa beijá-la sem que seus irmãos fiquem me arreganhando os dentes.

— Nós ouvimos isso! – várias vozes rugiram em uníssono, e dessa vez a de Edward estava entre elas.

— Era essa a intenção!

Seu nariz se franziu em uma careta de decepção.

— A ideia é tentadora, não vou mentir. Mas meu presente é um pouco difícil de levar para fora de casa. E suponho que você não ia gostar se eu comprasse alguma propriedade no litoral e lhe sequestrasse para lá em plena quinta-feira.

— Supôs corretamente – confirmei, antes que ela pudesse dar mais corda para a ideia. – A parte de comprar uma casa, quero dizer. Sobre o sequestro, já podemos começar agora a discutir os termos.

— Então você aceita? – insistiu.

 Estreitei o braço em sua cintura.

— E eu consigo lhe negar qualquer coisa quando você me pede assim?

— Não. – As mãos resvalaram no meu peito. – Ótimo.

Três batidas sucintas na porta nos paralisou a um centímetro do outro.

— Seth, se importa em vir esperar lá embaixo enquanto minha querida irmã se troca? – a voz diplomática de Edward, inofensiva como um cutelo de açougueiro, ressoou atrás da porta. – Não quero ser inconveniente, mas estamos com pressa.

Contra Edward, não havia argumentos, portanto não tive escolha a não ser ficar sentado no sofá dos Cullen sob seu olhar incisivo de irmão mais velho pelos minutos que se seguiram. Suei frio, especulando se ele podia ler meus pensamentos – que traiçoeiramente ficavam revivendo os detalhes ocorridos sobre meus lençóis, ainda que não fosse bem o que eu queria que tivesse ocorrido e ainda que eu estivesse me esforçando demais para não pensar nisso –, mas no final das contas deduzi que Anna estava me blindando. Caso contrário, Edward já teria me arrastado para o quintal e me dado uns bons tapas no instante em que cruzou a entrada.

Os demais, pareciam bastante alheios ao clima pesado. Alice estava encolhida do meu lado, massageando as têmporas de olhos fechados, Jasper e Emmett haviam desligado o videogame e estavam se acotovelando no canto. A única que deu sinais de reparar no elefante no recinto foi Bella, que se alternava entre apertar o ombro de Alice, confortando-a por ter que ficar sem sua precognição pelas próximas horas, e atirar um olhar depreciativo ao marido.

Tive minha confirmação quando Anna desceu os degraus com os olhos pendurados nos do irmão, o sorriso maquiavélico tão amplo que eu mesmo comecei a sentir dor nas bochechas. Os cabelos ruivos estavam presos no alto por um rabo de cavalo e ela vestia roupas simples e escuras, que além de combinarem com as minhas, a deixavam com uma aparência mais madura. Debochada, ela se inclinou na ponta dos pés para dar um beijo no rosto dele, virando-se em seguida para mim com uma ardilosa piscadela – dei graças aos céus por irmos sozinhos no carro, porque eu não ia conseguir escapar do fogo-cruzado entre os dois por muito tempo. Já tinha presenciado confrontos o suficiente entre Leah e minha mãe para saber quando cair fora.

Essa tensão foi substituída por outra pior no segundo em que adentramos na garagem. De repente, o motivo da reunião era algo que já não podíamos ignorar; era algo palpável que também rompia com a bolha de paz e tranquilidade da mansão dos Cullen. Era como se o vampiro canalha estivesse à espreita no telhado, aguardando a oportunidade de cair matando.

 Anna e eu fomos os primeiros a sair, no Jaguar, seguidos pelos outros, no Volvo; julgaram que seria mais adequado se chegássemos antes para que não fosse tão impactante a presença de tantos vampiros em La Push. Era noite escura, de nuvens arroxeadas, e a floresta virou um borrão indistinguível conforme o carro avançava na rodovia. Estranhei um pouco que, ao ultrapassarmos a fronteira, os sons dos animais tivessem sumido de maneira inexplicável – foi quando Anna pisou com força no freio, o ar morrendo na garganta.

Quase bati a testa contra o painel.

— Anna?

— Não é nada – ofegou, branca que nem papel. Era mentira, óbvio. No entanto ela não me deu brechas para investigar mais a fundo. – Estamos chegando. – Ligou o carro e o dirigiu para mais adiante da primeira praia, entrando na curva da casa dos Black.

Todos nos aguardavam em torno de uma fogueira, como de costume, sentados em semicírculo com os Anciãos encabeçando os lugares de honra e os membros das matilhas se espalhando pelas arestas, junto com as esposas. Conhecendo minha posição, fui me acomodar no flanco esquerdo de Embry, mas quando tentei levar Anna comigo, ela me impediu fazendo uma negativa com a cabeça. Os irmãos a ladearam e eu compreendi; naquela assembleia, seu lugar não era outro senão com sua família.

Billy Black gesticulou na direção de Sam, que ficou de pé e encarou um a um, inclusive os vampiros. Quando articulou, sua voz veio carregada com a autoridade do alfa:

— Todos nós sabemos porque estamos aqui. Nosso irmão, Seth Clearwater, sofreu um ataque dentro dos limites do território quileute por um frio. Foi marcado de morte por ele, e embora não tenha ficado muito claro, essa pode ser uma ameaça que se estenda a toda a tribo. – Ele fez um meneio aos Cullen antes de se sentar. – Entrego a palavra a Anna Masen.

— Obrigada, Sam. – Ela deu um passo firme para a borda do semicírculo e, como Sam, fez uma pausa calculada antes de falar de forma formal e inflexível. – Todos vocês correm perigo. E, por essa razão, nada mais justo do que deixá-los conscientes do que se trata. Seu nome é David. Por décadas, fomos parte do mesmo clã. Inicialmente, ele demonstrou interesse amoroso por mim, no entanto declinei do pedido de ser sua companheira. Eu não imaginava que ele nutrisse esperanças de que eu mudasse de ideia, até recentemente, quando... – Anna inspirou fundo – ... ele expressou seu descontentamento com a minha relação com Seth.  Sob seu ponto de vista, é uma afronta humilhante que eu tenha escolhido um lobisomem em detrimento dele.

Houve um mínimo minuto de silêncio. Uma quietude verdadeiramente absoluta – não havia qualquer pio de coruja nas árvores. Então começou o estardalhaço.

— Então a culpa disso tudo é sua? – Kim foi a primeira a se manifestar. – Basta ir embora, sua bruxa, que o perigo vai com você!

— Cale a boca, Kim! – relinchou Quil. – Sua presença aqui é dispensável!

— Como foi que disse?! – Jared se levantou, os braços retesados.

— Seus idiotas! – Jacob urrou. – É melhor grudarem esses rabos nos bancos, ou vão se ver comigo!

Alguém assoviou muito alto. Com um sobressalto, percebi que era minha mãe.

— Rapazes, o assunto aqui é grave. Se querem agir como animais, imagino que já conheçam o caminho. – E apontou com desdém para a floresta atrás de nós. – Prossiga, menina. – Bracejou para Anna, que deixou o queixo cair de choque.

— Bem, eu... – Ela batalhou para se recompor. – Eu teria ido sem hesitar se tivesse a certeza de que é o meu pescoço em jogo, não o de Seth. Mas me lembro de suas palavras exatas. E, se bem o conheço, ele vai se esmerar em honrá-las. – Seus olhos se voltaram para o fogo. –Na verdade, já está se esmerando.

— “Vou matar e obrigá-la a assistir as vidas que tirei.” – Quil recitou de modo solene. – “Por fim, quando eu tiver certeza de que você não fechará os olhos a noite sem visualizar um corpo exangue nas pálpebras, matarei também o seu protegido fedorento...”.

Ela cerrou os olhos, tremendo como se sentisse dor.

— Você lembra.

— Acho que até o fim da vida irei me lembrar de ontem, Anna. Acho que nem em cem vidas eu poderia esquecer. Ele já está matando, não está?

Meu sangue virou gelo quando assimilei o que esse fato significava. Saltei de pé, subitamente irado e chutei um toco de lenha para o fogo, suscitando uma nuvem de fuligem.

— E você está assistindo— rosnei. – Foi isso o que viu no carro.

— Não tenho outra opção. – Ela se retraiu, os tendões brancos de tanto apertar os punhos. – Negligenciei de minhas visões uma vez e você viu no que deu. Ele se aproveitou de que eu estava monitorando apenas suas decisões que me comprometiam. Jamais presumi que ele tivesse a audácia de ir atrás de você, e quando se focou somente nisso, além de passar por mim, passou por Alice, porque ela não pode ver nada ligado aos lobisomens!

— Como foi que ele descobriu os hiatos do meu dom? – Alice reagiu com um silvo de ultraje.

Anna já não suportava sustentar o olhar de ninguém.

— Ele se aliou aos Volturi – revelou com um único golpe e os Cullen deixaram escapar um profundo arquejo coletivo. – Aro entregou todas as informações necessárias caso ele aceitasse se tornar membro da Guarda.

Nenhuma bomba teria o poder que teve o silêncio nesse instante. Ninguém ousou se mexer – a maioria nem mesmo ousou respirar. Metade dos presentes não fazia a menor noção de quem eram os Volturi, mas o sofrimento com que Anna fez a declaração trouxe à tona grande parcela dessa gravidade. Abruptamente, todos ali sentiram a mesma agonia que ela – seus talentos estavam se encarregando de que sentíssemos.

— Anna... – Edward tentou.

— Agora não, Ed – rebateu com a voz embargada. – Foi por muito pouco. Me dei conta quando era quase tarde demais, e não vou cometer o mesmo erro duas vezes.

Jacob interpretou o conteúdo da frase antes de mim:

— Pretende ficar vinte e quatro horas por dia sintonizada a ele?

Meu estômago revirou com essa perspectiva. O tempo todo ligada a ele, o tempo todo testemunhando assassinatos. A ideia era tão perturbadora que mal consegui me equilibrar nas pernas. Era o meu pesadelo sangrento se tornando realidade.

— Está maluca? – Embry guinchou por mim, porque eu já não tinha capacidade de fazê-lo. – Seus outros poderes vão entrar em colapso, ainda mais do que já estão!

— Isso é loucura – Quil concordou.

 — Eu aguento. Eu preciso aguentar. Vim aqui para dizer que não vou permitir que nenhum de vocês participe de rondas à caça de David, principalmente você, Seth. Ele é experiente em combate e muito talentoso, mas a telecinese o torna mortal. Quero que saibam que não estou menosprezando as matilhas, mas todos aqui sabem que sou a única capaz de fazer frente a ele e sair ilesa. Se for para que nenhum de vocês saia ferido, eu não tenho escolha.

Jasper não parecia acreditar que ela estivesse considerando essa estratégia irracional como uma possibilidade. Mais que isso – além de incrédulo, ele estava revoltado.

— Quer cercar toda a fronteira de Forks e La Push sozinha?  Isso não existe, é impossível! Há trechos da floresta que são iguais. Se ele está tão bem informado a respeito do funcionamento das visões, pode conseguir passar por você!

— Esqueça os poderes, esqueça as visões – Bella interpelou. – Você é metade humana. Precisa dormir e se alimentar.

— E o que sugere?! – Seus pés abandonaram o solo e, sem que ela tivesse consciência, a telecinese que tremulava à sua volta empurrou as labaredas para cima dos que estavam nos bancos. Todos ficaram de pé, recuando do fogo. – Que eu use vocês, minha própria família, de barricada quando David não está se importando por cima de quem pisa para me atingir? Não. Eu me recuso a carregar a morte de qualquer um de vocês nos ombros!

— Não precisamos enfrentá-lo, Anna. – Edward espalmou as mãos no esforço de apaziguá-la. – Só que a ideia de você nos sitiar sozinha é absurda. Veja bem, talvez possamos fazer rondas intercaladas, e se encontrarmos algum rastro, soamos o alarme e nos afastamos.

Não apenas não funcionou, como ela ficou mais alterada. Seu corpo ascendeu mais no ar e a terra nos nossos pés começou a se sacudir em espasmos até cuspirem pedras e metais. Os carros rangeram sobre os pneus. Minha cabeça martelou. Por que diabos a falta de barulho na floresta estava me incomodando tanto?

— Sim, vocês vão se afastar – redarguiu, cortante. – David é quem não vai. Vocês não compreendem, eu não posso correr esse risco. Digamos que vocês três vão à caça dele. Alice o vê se aproximando, Edward capta a mente dele a menos de três quilômetros e me liga, Jasper utiliza seu controle sobre emoções para me dar tempo de chegar. Se Jasper manipulá-lo para que ele sinta medo, ele vai atacar. Se Jasper tentar acalmá-lo e ele perceber, ele vai atacar. – Enfim aterrissou com os pés na grama, se colocando frente a frente com o irmão. – Edward, você seria o primeiro a quem ele destruiria. Você foi o motivo que me trouxe a Forks e David sabe que perder você me mataria por dentro.  Já considerei todas as possibilidades, entendem? Ou eu o destruo, ou ele mata vocês!

Ao som de suas palavras, como que por magia, um bando de corvos bateu as asas para cima de nossas cabeças e se agruparam sobre a reunião do Conselho planando em um padrão chocante de espiral. Pelo menos uma dúzia de lobos – lobos de verdade – uivaram em várias localizações diferentes, mas todos muito próximos, assim como os inúmeros animais que aos poucos iam demarcando posição. De súbito, estávamos cercados por cada bicho vivente da floresta.

— Talvez eu possa ajudar – escarneceu uma doce voz de menina e eu pensei que fosse ter uma síncope ali mesmo. Virei-me a tempo de presenciar seus olhos castanhos-mel surgirem na escuridão, seguidos pelos seus cabelos de mechas azuis-ciano que eram únicos em toda La Push.

— Não acredito – murmurei, estático como todos.

Era magia, afinal.

— Boa noite, irmãos – saudou-nos Teresa McAllister.


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Notas finais do capítulo

E então, mereço perdão ou apedrejamento?



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