Estrela da Tarde escrita por Ametista


Capítulo 23
Promessa


Notas iniciais do capítulo

Oiee, people! Tô dentro do prazo? Vish, não sei. Alguém ainda lê? Estou sendo incoerente?
Desculpem, passei a noite em claro para escrever, então não tô falando coisa com coisa.
Alguém putassoo com o último capítulo? Tenho certeza que sim.
Enfim, aqui está mais um capítulo fresquinho e se algo estiver confuso, PELO AMOR DOS DEUSES, ME AVISEM.
Bjos ♥



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Seria de imaginar que, com o grau dos ferimentos e com tanta morfina entupida nas veias, eu teria apagado à medida que Carlisle Cullen quebrava meus ossos que haviam se curado da forma errada. Mas não. Fiquei muito lúcido, incapaz de ceder à inconsciência conforme o eco dos estalos ocupava meu quarto e fazia todos ali se encolherem.

Havia gente demais socada ali, para um espaço de proporções tão pequenas. Minha matilha se apertava no canto na companhia de Sam, que foi avisado da invasão à La Push logo que o vampiro lunático partira. Carlisle largou o turno no hospital no instante em Anna o telefonou e Edward viera junto pois não podia simplesmente acreditar no que havia acontecido. E, é claro, havia minha implacável mãe, agachada ao meu lado e afagando meu braço direito – que, de fato, foi a única parte do meu corpo que se curou adequadamente.

De todos eles, porém, eu só conseguia me concentrar no rosto sombrio de Anna, parada junto aos meus quadros e com os olhos cravados na estaca translúcida apertada em seu punho. Ela se recusara a sair do quarto e o som doloroso parecia ser a única coisa que a tirava da catatonia. Eu não sabia o que era pior – se a confusão perturbadora na expressão dela quando seus olhos nublavam, ficando desfocados, ou a dor pesarosa que lhe contorcia as feições a cada osso partido. O remorso amargurado em seus olhos era minha maior motivação para não gritar.

— Você está bem? – indaguei, ainda que meio grogue. – De verdade?

Era a pergunta errada, eu sabia, entretanto não consegui me conter. Seus olhos faiscaram em um lampejo de raiva pura, como se os mil demônios que eu vira em sua expressão na campina ainda se revoluteassem dentro dela. Claro que Anna se irritaria se me preocupasse com seu bem-estar quando era eu quem estava todo ferrado. Mas o que mais eu poderia fazer? Eu assistira aquele desgraçado enterrar uma estaca nela, a mesma estaca que agora girava entre seus dedos, só que ainda havia muito sangue nas suas roupas – a camiseta que usava agora era tudo, menos branca.

— Meu corpo se cura mais depressa que o de vocês – retorquiu após quase um minuto, dando a entender que o corpo estava, mas a mente não. Ela não me contradisse.

Um suor pegajoso me desceu o pescoço ao mesmo tempo em que o médico tateou minhas costelas, a área que seria mais crítica de reparar. Carlisle me pediu desculpas com o olhar antes de dar um mínimo apertão; fiz uma careta para a pontada de dor que me atingiu feito uma facada, ainda que fosse uma surpresa desagradável eu estar sentindo qualquer coisa debaixo do torpor da morfina. Deduzi que minha temperatura devia estar queimando a droga muito rápido.

Logo que o pior já havia passado e Carlisle se preocupava apenas em manter as talas bem firmes e meu tronco imobilizado, Edward sentou na beira da cama, tocando minha perna por cima da atadura. Agradeci com um suspiro, porque sua mão glacial era mais eficaz que gelo.

— Bem... – murmurou. – Estava me preparando para vir até aqui surrá-lo, já que minha irmã chegou em casa toda desalinhada, mas vejo que alguém chegou antes de mim.

Ri alto, não me importando com o público. Já Anna o fuzilou com o olhar, ficando corada.

— Sinto muito que tenha perdido a vez. Melhor entrar na fila e pegar uma senha.

— Já o fiz e eu sou o próximo. – Ele arqueou a sobrancelha. – É uma benção que você tenha uma capacidade de regeneração tão acelerada, pois assim não vou ter que esperar tanto.

Abri um sorriso culpado para ele, porque apesar de sua tentativa de deixar o ambiente mais leve, eu conhecia Edward a tempo suficiente para saber que ele realmente estava furioso. Acabamos nos tornando amigos depois da batalha com os recém-criados vindos de Seattle, na qual lutamos lado a lado, mas as coisas ficaram um pouco estranhas desde o início do meu namoro com Anna. Não que eu tirasse sua razão – também não estaria confortável se tivesse que ler as fantasias eróticas do cara com uma grande predileção em deixar minha irmã despida.

Edward pigarreou forçadamente e eu fingi um acesso de tosse para disfarçar o vermelho no rosto – uma técnica útil que aprendi com Anna. Pedi desculpas mentalmente ao que Carlisle puxou uma última atadura antes de fixá-la; desta vez, precisei trincar os dentes para segurar um ganido de dor com os ossos sendo comprimidos na caixa torácica. Qualquer fúria em Edward sumiu no ato, sendo substituída por uma preocupação ansiosa – nada que me surpreendesse. Edward era o tipo de homem decente o bastante para ignorar seus sentimentos em uma situação assim.

— Nem sempre é uma benção – tentei brincar, mesmo com o maxilar trancado. Quando obviamente não funcionou, deixei o olhar cansado desabar sobre Anna. – Por favor, meu anjo, pela milésima vez, você não tem que ver isso. Espere lá fora.

Anna se aproximou, ajoelhando-se do lado da cama para entrelaçar os dedos aos meus. Engoli em seco; o desespero súbito no rosto dela foi de partir o coração.

— Não me peça o que não consigo, Seth. A culpa é minha de você estar nesse estado.

Minha mãe reagiu como se as palavras fossem uma carga de eletrochoque que a tivesse atingido na base da coluna – no mesmo instante ficou de pé, a musculatura em rocha sólida.

— Nisso concordamos – sibilou entredentes.

— Mãe!

Sua cabeça girou para mim tão violentamente que o pescoço estralou.

— Você teve metade dos seus ossos quebrados, filho – grunhiu, fazendo com que Anna se retraísse no lugar que nem um animalzinho amedrontado. – Não posso ficar impassível.

— Ela não teve culpa, mãe – contestei, injuriado. – Fui eu. Respondi às provocações dele. Eu o irritei. – Apertei a mão de Anna, procurando reconfortá-la, mas meus olhos buscaram o apoio dos meus irmãos. – É provável que se Anna não tivesse aparecido por lá, aquele maldito tivesse matado todos nós.

— Não duvido. – Quil estremeceu, coçando o local no peito onde o vampiro o marcara. A ferida já havia se fechado, no entanto o tremor delatou que aquele trauma seria permanente. – A forma como ele enfiou a mão no meu peito... Juro que senti os dedos roçando meu coração.

Anna virou a cara, enojada com a lembrança que de repente assombrava a mente de toda a matilha e se levantou, caminhando até a janela. Como se ouvisse um chamado, a janela se abriu devagar, as cortinas tremulando no vento cortante da costa que agitou seus cabelos. Ela cerrou os olhos, inspirando o cheiro da floresta.

— A culpa é minha, sim— teimou. – Eu fraquejei quando não devia sequer ter hesitado. Eu devia tê-lo extirpado. Destruído em mil pedaços. – Por fim, ela abriu os olhos e fitou a estaca transparente, que se desfez em estilhaços orbitando seu pulso. – É o que devo fazer agora.

Não. – Só me dei conta de que tentei levantar porque Carlisle empurrou meus ombros para baixo, me firmando na cama. – Não quero você a um quilômetro que seja perto dele.

— Seth, você o escutou. David vai tentar ferir você para atingir a mim. O que só vai acontecer por cima do meu cadáver carbonizado, isso eu posso lhe garantir. – Anna flexionou os joelhos, estudando a noite com o cenho franzido e ar de predadora. – Assim sendo, o próximo confronto é apenas uma questão de oportunidade, algo que consigo muito bem criar.

— O que também não precisa ser hoje – Edward interveio, pondo-se entre ela e a janela. – Anneliese, minha irmã, não aja por impulso... Você está certa de que essa situação entre vocês está além da reparação? Afinal, vocês passaram mais de meio século convivendo como irmãos.

— Ele não é meu irmão, Edward – rebateu com um rosnado e os móveis se sacudiram. – Pelo menos, aquele não é. Ou talvez nunca tenha sido. – Então escondeu o rosto nas mãos. Imediatamente, os objetos do quarto se aquietaram e meus irmãos desprenderam o ar de alívio. – Estou desorientada demais para pensar.

— Mais uma prova de que você não está preparada para uma batalha. – Edward a trouxe para junto dos braços, afagando o cabelo desgrenhado. – O que precisa nesse momento é de um banho e uma noite de descanso. Deve ter sido bastante perturbador tudo o que aconteceu naquela clareira.

Senti meus olhos se ampliarem de modo involuntário. De todas as imagens pavorosas que minha memória reavivou, a que mais se consolidou na mente foi a dos olhos vermelho-carmim do vampiro. Edward soltou um arquejo de sobressalto antes de se controlar.

— Você nem fez ideia – murmurou Quil.

O corpo de Anna se contraiu dentro do abraço do irmão, ficando ainda menor.

— Aquele não é meu irmão, Ed – choramingou, segurando as lágrimas. – Não é.

— Shiiiu... Está tudo bem, irmãzinha. Vai ficar tudo bem. – Ele a beijou na testa. – Vamos para casa. Vou lhe fazer chocolate quente e podemos assistir os filmes ruins que Emmett alugou.

 Eu esperava que Edward não fosse ingênuo a ponto de acreditar que Anna desistiria tão facilmente. Ela estava confusa, isso era indiscutível, entretanto se tivesse a chance de colocar seus pensamentos em ordem, no primeiro impulso ela iria à caça do vampiro canalha. E descobri naqueles meses de namoro que eu era o único com habilidade o suficiente para refreá-la. Edward torceu o nariz sutilmente, concordando de má vontade. 

— Fique aqui comigo essa noite, meu anjo – pedi. – Por favor. Você permite, Edward?

Ele se afastou da irmã e me analisou de cima a baixo com condescendência.

— Creio que esta noite você esteja inofensivo, portanto não vejo problemas.

— Eddie! – Anna protestou em tom de censura para depois se voltar para minha mãe. – Tudo bem para você, Sue? – questionou, cuidadosa.

Minha mãe uniu as sobrancelhas e apertou a boca em uma linha fina, alternando o olhar afiado entre ela e eu.

— Bem – concluiu –, com você aqui pelo menos tenho uma garantia de que vou acordar e meu filho estará vivo. Vou pegar o colchão de Leah.

A matilha esperou que minha mãe saísse do quarto para cercar a cama. Eles se entreolharam de forma significativa e Jacob observava Sam quando falou:

— Vai contar para Sue? – E eu sabia a qual assunto ele estava se referindo.

— Não sei se deveria – admiti, reprimindo o impulso de coçar a nuca. – Isso iria distrair ela da minha condição, mas...

— Não sei se é uma boa ideia – Embry interferiu.

Quil fez que sim.

— Acho que é melhor esperar.

Eu teria dado de ombros se pudesse mover algo da cintura para cima além do braço direito, mas como não conseguia, me contentei com um aquiescer. Leah tinha todo o direito de viver a própria vida sem que ficássemos bisbilhotando – ainda que fosse de longe.

— Estou estranhamente orgulhoso de você, Seth – Jacob disse de supetão. – Nem mesmo um grito.

Sorri largo. Levando em consideração que Jacob já passara por uma situação similar, o elogio fez com que eu me sentisse corajoso e não burro por ter afrontado quem não devia.

— Talvez agora vocês parem de me tratar como um bebezinho.

— Jamais – debochou Quil. – Você sempre será o pirralho da matilha, pirralho.

Tentei parecer bravo, todavia no final das contas estava rindo junto com os idiotas. Balancei a cabeça, inconformado, e foi então que reparei em Sam indo embora silenciosamente, sem fazer alarde.

— Sam, espere. – Ele parou sob o batente. – Tem uma coisa que eu penso que você precisa saber. Teresa McAllister. Ela... – Tomei fôlego e Sam volveu o corpo na minha direção. – O vampiro deixou escapar na campina que passou os últimos dois dias me vigiando, então é óbvio que foi ele quem você identificou na ronda, mas... Hoje, na saída da escola, eu percebi uma agitação estranha na ilha James. Agora parece idiotice, porque quanto mais eu relembro, mais fica na cara que era ele.

Sam gesticulou para que eu prosseguisse, impaciente.

— Vá direto ao ponto, Seth – cobrou.

— O que quer que eu tenha visto... – fiz uma pausa – ...ela viu também.

Ele não demonstrou surpresa – e sim resignação.

— Você tem certeza?

Remexi-me desconfortavelmente nos lençóis.

— Bom, ela é estranha. Ficou dizendo bobagens sobre os pássaros estarem inquietos. Seja o que for que o Conselho acredita que ela seja... ou tenha... está começando a aflorar.

Seus olhos de contas se apertaram para a insinuação implícita na frase.

— Estamos de olho nela desde que retornou à La Push – ultimou, ríspido. – De qualquer forma, vou transmitir suas informações ao Conselho. – Sam relaxou um pouco a atitude defensiva, esticando um sorriso triste. – Bom trabalho, garoto. Harry ficaria orgulhoso de você.

— Obrigado, Sam.

— Vamos marcar uma assembleia do Conselho para decidir o que será feito daqui por diante. – Agora ele se dirigia aos Cullen. – Nossas terras foram invadidas e um dos nossos foi seriamente ferido e ameaçado, por isso se tornou um problema que diz respeito a toda tribo. 

Anna aprumou a postura, séria.

— Diga ao Conselho que pode contar com a minha presença. Responderei e assumo total responsabilidade em nome de minha família.

Ninguém a contrariou.

Logo que todos partiram, minha mãe reapareceu trazendo não apenas o colchão, mas também um par de roupas limpas de Leah. Anna agradeceu com um suspiro; eu ainda tive a sorte de ser limpo de toda a lama e sangue antes de Carlisle começar a reestruturar meus ossos, porém Anna permaneceu no mesmo estado moribundo em que saíra da campina. Enquanto os sons do chuveiro ligado e o da água caindo eram os únicos que se ouviam pela casa, minha mãe arrumou o colchão na lateral da cama e me deu um beijo na têmpora para enfim se retirar. Praguejei sozinho, pela primeira vez desejando que ela tivesse continuado na casa do Charlie – a relação entre ela e Anna havia evoluído ligeiramente desde a partida de Leah, afinal, não era segredo para ninguém que era infeliz em La Push, e por Anna ter oferecido uma escapatória, minha mãe seria eternamente grata, mas o incidente daquele dia devolveu tudo ao marco zero.

Eu estava considerando contar as novidades sobre Leah, na esperança de amolecer o coração da minha mãe, quando Anna abriu a porta, os cabelos úmidos se alongando pelos ombros e usando um conjunto de moletom. Ri baixinho – era o mesmo moletom cinza e sem graça de Leah que eu apelidara de “hábito de solteirona”.

Ela desligou o interruptor e fechou a janela, que havia ficado escancarada, mas no que deu um passo rumo ao colchão no chão, a impedi brandindo o indicador.

— Nem pense em se deitar aí, Srta. Masen – vociferei.

Os olhos verdes de estreitaram, e ela compreendeu o que eu queria dizer.

— Você pode se machucar mais.

— Mais do que já estou? – Foi a argumentação errada; a expressão dela obscureceu. Resolvi tentar de novo. – Ora, vamos, Anna. Nada pode me fazer mais bem do que você juntinho de mim. – E fiz um descarado bico de súplica.

Anna não se deixou enganar pelo drama – pelo menos não inicialmente.

— E aparentemente, nada pode lhe fazer pior do que isso também – apontou, revirando os olhos em seguida. – Mas como sou incapaz de lhe negar um pedido que seja...

— E eu fico muito feliz com isso...

— ...aqui estou. – E se deitou no espaço vago da cama, quase não fazendo peso sobre meu braço direito.

Beijei-a na ponta do nariz e fechei os olhos, esperando que a quantidade de analgésicos que Carlisle me injetara tivesse sido o bastante para me fazer adormecer, só que logo ficou evidente que eu não apagaria tão cedo com aquelas talas me prendendo. Anna até tentou amenizar as coisas, aconchegando uma manta fina sobre nós, mas eu já tinha certeza de que passaria boa parte da noite em claro – e conhecendo Anna como eu conhecia, sabia que ela também.

— Diabo, não foi bem assim que imaginei – resmunguei.

Anna ergueu os olhos, que brilhavam na escuridão da noite.

— O quê? – soprou.

Mordi o lábio.

— Nossa primeira noite dormindo juntos na minha cama.

— E o que imaginou? – ela incitou com malícia.

Fingi pensar, embora minha frequência cardíaca tenha dobrado de velocidade.

— Algo com um pouco mais de suor e bem menos roupas.

— E sem esparadrapos ou ataduras, suponho.

— Sem dúvida.

Anna sorriu e se apoiou no cotovelo antes de envolver minha cintura com as coxas em um movimento preciso. Seu corpo delicado e macio mal tocava o meu, apenas resvalava de leve, e no entanto a posição já era o que bastava para meu sangue ferver e um som rouco me escapar pela garganta. Respirei com dificuldade, seduzido pelo sorriso angelical quando se endireitou, jogando o cabelo para trás. Julguei que ela não iria mais além – foi então que, muito devagar, muito tortuosamente, Anna começou a desabotoar a camisa, botão seguido de botão.

— Algo que começasse desse jeito? – sussurrou, a voz perigosamente doce.

Perdi o fôlego. Minha pele se arrepiou e virou puro fogo. Meus pensamentos se perderam – esqueci meu nome, das minhas fraturas, do mundo conforme a pele clara se revelava por debaixo do tecido e o desenho dos seios se insinuava pela fenda da camisa aberta. Quis tocá-la, descer a palma pelo espaço entre os seios perfeitos, refazer o caminho com a língua para depois desvendar com avidez o sabor de cada um – minha boca formigou em expectativa.

Seu sorriso era de anjo, mas o corpo era de demônio, especialmente moldado para levar qualquer um à perdição completa.

Minha virilha latejou e Anna gemeu fraquinho – o que me excitou mais.

— Que golpe baixo, Anna.

— Ora, Seth. Nunca fomos bons em jogar limpo um com o outro. – E se inclinou para frente, quase me incentivando a terminar de despi-la, o que nem por todos os infernos eu faria. Se apenas a junção entre seus seios já tinha aquele poder, eu não queria nem sonhar o que a visão de um mamilo poderia fazer comigo.

— Não tenho argumentos contra isso – ofeguei, amaldiçoando o vampiro com todas as forças que tinha. No primeiro momento, eu havia estranhado que ele tivesse poupado, digamos, a parte que mais o preocupava. Agora, ponderando de outro prisma, parecia o castigo ideal me fazer arder de desejo e ser obrigado a ficar somente na frustrante necessidade.  

— Pode ter certeza que cheguei bem a tempo – Anna respondeu à linha de raciocínio, abotoando a camisa outra vez. – O próximo movimento dele seria... – E imitou uma tesoura com os dedos agindo em um corte conciso.

Reagi com uma careta, estremecendo. A ideia foi o suficiente para acabar com o clima.

— É, eu desconfiei que ele tivesse cogitado algo assim. Se eu estivesse no lugar dele, seria a primeira coisa em que eu pensaria.

Anna retorceu os punhos, subitamente furiosa.

— Você nunca faria uma atrocidade dessas. Você é a pessoa de coração mais bondoso que já conheci e jamais pensaria em me ferir dessa forma. – Ao perceber que estava perdendo o controle sobre si, ela respirou fundo, apertando a ponte do nariz. – Quero conversar com você. Sobre coisas que foram ditas e pensadas naquela campina e que agora percebo que não ficaram bem esclarecidas.

Seus músculos estavam tensos e eu nunca tinha visto tanta intensidade em seu olhar. Assenti em silêncio, esperando que ela prosseguisse.

— Como pode pensar que o que me oferece é pouco? – disparou. – Seth, eu passei o último século rodeada de luxo, entretanto não me recordo de um único dia em que me senti tão viva quanto sou agora. Não me leve a mal, eu fui muito feliz sim, só que não era completo. Apenas agora vejo, não era totalmente completo, porque eu não tinha... – ela puxou minha mão para o peito, acima de seu coração palpitante – ...isso. Nem mesmo quando era humana era assim tão forte, tão... Não tenho nem palavras para descrever o que é. Nos últimos quinze anos, não houve um único dia em que eu não definhasse. Reencontrar Edward me trouxe muita paz, mas você me salvou. Bens materiais, minha fortuna... Não valem um milímetro do que temos.

— Anna – sussurrei com emoção, desarmado pelo jorro repentino e ininterrupto de palavras que saíam de seus lábios.

— E não se atreva a pôr suas qualidades em xeque. Você é inteligente, é talentoso, é compreensivo, atencioso e forte como poucos seriam para aguentar tudo que o que aguenta. – Sua mão acariciou meu rosto e por instinto eu a prendi ali, beijando cada um de seus dedos. – Você é tão bonito por dentro quanto é por fora. Pode achar que não preenche as lacunas de um século de diferença, mas preenche todas as lacunas que de fato importam, as lacunas em mim. Você me traz luz, Seth, me faz querer ser alguém melhor. Faz com que eu queira viver.

— Anna... – tentei.

— Eu amo você, Seth Clearwater – disse, e minha pulsação falhou. – De todo o coração. De toda a alma. Não desmereça esse sentimento, nem por um segundo, pois ele é tudo para mim.

Naquela fração de tempo curta e extraordinária, não havia mais nada além de nós dois; não havia a dor dos ossos, não havia insegurança, nem um pingo que fosse de vulnerabilidade. Nada além da urgência atordoante de beijá-la e a certeza absoluta de que se eu não o fizesse, meu corpo inteiro entraria em combustão espontânea. Arrastei sua boca para a minha e a segurei pela nuca, dominado pelo anseio de encontrar nos lábios dela a garantia de sua promessa apaixonada. Mais que isso – de trocar a jura dela pela minha, sem palavras, só amor. Deixei minha alma impressa naquele beijo; o amor, a paixão, tudo o que de mim pertencia somente a ela e jamais poderia ser de outra.

Interrompemos o beijo arquejando, sem se distanciar um ínfimo milímetro que fosse, sustentando profundamente o olhar com as testas unidas.

— Muito bem – grunhi, por fim –, agora sim estou possesso com aquele desgraçado.

— E por quê?

— Porque ele forçou você a admitir que me ama. Eu não queria que fosse desse jeito. Queria que você reconhecesse por conta própria. Ou, que se fosse para ser influenciada por alguma coisa, que fosse por outro tipo de situação. Romântica, de preferência. – Deslizei a mão para o interior da camisa, alisando suas costas nuas e a palavra ganhou uma outra conotação.

Anna enviesou um sorriso cheio de mistérios.

— Eu amo você há muito tempo, Seth. Não sei como não lhe disse antes. Mas acho que tem razão. – E bateu com o dedo no queixo, pensativa. – Bem, não cheguei a explicar os motivos da primeira briga com David, cheguei?

Fiz que não, e uma sucessão de imagens tremulou diante de meus olhos – a noite na floresta pelo seu ponto de vista, com todos os hiatos ocupados pela sua tradução da língua russa. O motivo da discussão, afinal, não foi Anna tomar conhecimento das reais intenções do vampiro, foi o fato de ele tentar nos afastar. E ela já me amava. Desde então. Desde antes, até. Meu coração se inflou com uma alegria boba e esfuziante com essa pequena descoberta.

— Ah, meu anjo... – suspirei, apertando sua coxa por cima do moletom. – Queria poder demonstrar agora o quanto eu amo você.

De imediato, Anna teve uma reação inteiramente contrária à que eu esperava – desgrudou o corpo do meu ao se desencurvar, rígida feito uma tábua, e cruzou os braços.

— Isso é outra questão que não ficou bem clara. – Ela engoliu a saliva audivelmente. Ergui a sobrancelha, apreensivo. – Não sei como lhe contar, mas a verdade é que eu nunca... – E desviou o olhar.

— Nunca...? – encorajei-a.

— Nunca.

Demorei a entender o que ela estava sugestionando, mas logo que processei as pistas, meu queixo caiu.

Nunca?! – grasnei.

Ela negou com um único movimento solene.

— Não.

— Mas... – Cocei a nuca, mais desnorteado do que estupefato. Só podia ser brincadeira. Ela não podia estar falando sério. – Você já não foi casada ou algo do gênero?

Anna fechou a cara.

— Não me faça explicar outra vez. Já foi ruim o bastante ter que fazê-lo com Leah.

— Espere! Leah sabe disso...? – Balancei a cabeça. – Não, não, espere! Quando você planejava me contar?

Ela uniu as mãos nas costas, a expressão culpada.

— Quando fosse algo irrelevante – confessou. – Tente compreender o meu lado, Seth. Eu não queria que apenas um detalhe mudasse as coisas entre nós. Gosto do nosso relacionamento do jeito que ele é.

Tentei fazer os olhos voltarem ao normal, mas eles insistiam em continuar arregalados.

— Não muda nada, mas explica muita coisa. A joelhada, por exemplo.

Uma careta se formou no seu rosto com a memória. Não era muito agradável.

— Eu já pedi desculpas. Foi uma reação involuntária.

— Que agora eu consigo entender. – Puxei-a pela mão até ela voltar para o meu abraço. – O que lhe fez mudar de ideia?

— O fato de todo mundo estar se intrometendo na nossa privacidade me pareceu um catalisador bem forte – reconheceu, sardônica.

Ri, cheirando seu cabelo. Anna era virgem. Apesar da idade e das experiências vividas, em matéria de sexo ela tinha tanta prática quanto eu, e havia algo de reconfortante nisso. Primeiramente, porque eu não me sentiria um completo pateta quando o momento certo chegasse e, segundo, porque era uma sensação boa saber que eu seria o único a tê-la – de uma forma primitiva e possessiva, mas ainda assim uma sensação muito boa de que ela era minha.

— Fico satisfeito por ter sido sincera. Não tinha parado para pensar nisso, mas gosto de saber que vamos aprender e descobrir juntos.

— Nunca pensei diferente, garoto-lobo. – E me deu um beijo no pescoço, mordiscando suavemente a ponta da orelha ao que suas unhas percorriam a pele livre do meu abdômen. Fiquei instantaneamente endurecido.

— Ah, droga... Vire-se e trate de dormir, antes que eu faça alguma estupidez.

Anna me deu as costas com um sorriso travesso, só que eu não deixei barato – posicionei-me atrás dela e pressionei o corpo contra o meu.

— Seth! – reclamou em contato com a pressão.

— Você me provocou, agora aguente – rouquejei na sua orelha.

Ela pareceu considerar a alternativa.

— Está bem. – Remexeu um pouco. – Na verdade, acho que posso me acostumar.

Fiz um esforço para ignorar seus estímulos, fechando os olhos. Ela parou sem demora, se acomodando na tentativa de se entregar a inconsciência, entretanto, um segundo à beira de um cochilo, uma intuição abalou meus pensamentos – uma ideia que me sobrepujou qualquer estado de sonolência.

— Anna? – chamei, baixo e rápido.

— Pois não?

Apertei a boca, hesitando.

— Promete que não vai atrás dele? Por favor?

Ela fez uma pausa para responder, e quando o fez, soou tão mortal e definitiva quanto um carrasco.

— Prometo não ir atrás dele. Tem minha palavra. Mas não posso prometer não enfrentá-lo quando ele voltar.


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Notas finais do capítulo

E...? Opiniões?



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