Estrela da Tarde escrita por Ametista


Capítulo 21
Retorno


Notas iniciais do capítulo

Ooooooeeee galera!
Vocês não imaginam o prazer que é estar de volta (badum-tsss)
Enfim, meus lindos, entre tantos benefícios, a greve trouxe mais um: tempo para eu terminar esse deuso desse capítulo, o primeiro de peso narrado pelo lindo do Seth.
E nem vem, sem spoiler!
Quero chuvas de reviews hoje, hein?



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Batuquei a caneta na têmpora conforme revisava as respostas da prova, murmurando-as baixinho comigo mesmo. Em seguida, olhei novamente para o relógio acima da porta da sala; os olhos atraídos para os ponteiros feito ímãs. Diabo. Ainda faltava meia hora para o sinal tocar.

Era sempre assim nas sextas-feiras. O tempo se arrastava; os ponteiros do relógio se moviam de forma preguiçosa, como se para me irritar mais. E, para piorar, naquele dia em específico eu não teria nada mais com que me distrair – o teste de história sobre a Revolução Russa foi uma coisa simples, por isso não me restava muito a não ser divagar em pensamentos até o Sr. Pine liberar a turma.

Foi depois de bufar que meus olhos se encontraram com os de Kurt, uma carteira à frente na fileira do lado. Ele apoiava a mão aberta sobre as sobrancelhas, a expressão tão tensa que era como se estivesse tentando resolver a prova por telepatia. Não precisei de muito para entender que ele não estudara absolutamente nada – sem dúvida ficara até tarde ensaiando com a banda de novo, o imbecil.

Revirei os olhos e apertei a boca, esperando que ele capturasse o movimento. Ele sorriu torto e tossiu duas vezes. Sério que ele estava querendo a resposta número dois? Era uma das mais fáceis. Suspirei e, aparentemente distraído, bati com a base da caneta na mesa três vezes – quem olhasse de fora interpretaria o gesto como um tique, mas Kurt foi rápido. Após alguns segundos, para não dar bandeira, o vi rabiscando a letra C na questão.

Kurt fez o sinal seguinte – bateu cinco vezes com o indicador na têmpora –, mas eu não tive tempo de passar a cola, pois o Sr. Pine pigarreou alto, chamando a atenção de toda a sala. Por um segundo, pensei que tínhamos sido descobertos, só que logo vi que o olhar irritado do professor não se concentrava em mim ou em Kurt, mas sim em Teresa McAllister. Ela estava debruçada sobre a mesa, dormindo a sono solto, com os cabelos negros de chamativas mechas azuis cobrindo as bochechas. Os braços pendiam molengas de cada lado do corpo.

— Srta. McAllister? – chamou o professor, o tom pouco tolerante. – Srta. McAllister? Já terminou o seu teste?

Nesse exato momento, a garota abriu os olhos – que estavam totalmente alertas, sem nenhum sinal de sonolência – e se sentou com as costas duras. Correu com a caneta sobre pontos estratégicos da prova, assinalando, e se levantou em um só folego da cadeira ao terminar. A sala prendeu a respiração.

— Sim, Sr. Pine. Aqui está. – Estendeu a folha para o homem. – Já posso sair?

O professor ficou tão estupefato com a atitude dela que não conseguiu fazer outra coisa senão apanhar o papel da mão dela e assentir – algo nunca, nunca visto antes. Com a permissão concedida, Tery atirou o material de qualquer jeito dentro da mochila e saltitou em direção a porta. Um silêncio de choque, maior do que o instalado pela prova, preencheu o ambiente. Caramba, por todos os espíritos, aquela garota era estranha. Mesmo para os padrões do sobrenatural com o que eu estava habituado. Não fazia nem um mês que voltara a La Push e já era assunto em toda a reserva. Claro que para o Conselho a presença dela tinha um significado diferente...

— Já terminou o seu teste também, Clearwater? – a voz do homem interrompeu minhas especulações.

Encarei o professor no ato e precisei reprimir o impulso de desviar os olhos para Kurt. Não, eu não terminei, quis dizer. Mas sabia que estava sem saída; eu era um péssimo mentiroso. Sem muito entusiasmo, fiquei de pé e puxei a alça da mochila sobre o ombro antes de me arrastar até a mesa dele, os dedos se retorcendo em torno da caneta.

— Só estava conferindo as respostas – justifiquei, gaguejando um pouco.

— Pois bem, então vamos conferir de verdade agora. – Sem pedir, ele tomou a caneta da minha mão e ajeitou os óculos ao focalizar o teste. – Descobrir se você vai passar o fim de semana com uma boa ou má noticia.

Grunhi sozinho, agora mais impaciente para caçar a minha rota para o pátio. Não estava nem um pouco ansioso para saber o resultado – tinha certeza de que havia sido o máximo.

— A-, Clearwater. – O Sr. Pine me devolveu a caneta. – Meus parabéns.

— Obrigado – agradeci, enfiando-a no bolso da jaqueta. – Posso ir embora também?

— Claro, claro. – Então cruzou as mãos sob o queixo, naquele típico gesto de professor. – Mas gostaria que soubesse que estou muito satisfeito com a melhora nas suas médias. E tenho escutado o mesmo de outros docentes.

Senti os olhares da turma mordendo as minhas costas que nem presas de lobo, um a um. Já havia passado o tempo de serem benevolentes – ou ao menos compreensivos – comigo. 

— Tenho tido aulas particulares. – Sorri amarelo ao passo em que escutei a risadinha de deboche vindo da carteira de Chris Jordan, que ignorei saindo o mais depressa possível da sala.

Os corredores do pavilhão estavam vazios quando os atravessei, mas bastou que eu saísse a céu aberto para que sentisse novamente olhos queimando na nuca. Vistoriei ao meu redor, confuso. Não havia ninguém no pátio ainda, nem dentro dos carros no estacionamento. Por instinto, os sentidos de lobo se aguçaram em reação automática ao desconhecido; a audição, minha melhor aliada, não detectou qualquer batimento cardíaco próximo ou som suspeito no raio de cinquenta metros e o olfato não distinguiu nada além do cheiro salgado da brisa do mar. Minha visão, entretanto, se agarrou à costa da ilha James, de onde um bando de pássaros fugia aos montes.

Apertei os olhos em fendas para as árvores. Um vulto indistinto tremulou nas sombras. Meus pelos se arrepiaram e um tremor quente me subiu a espinha.

— O que você viu? – uma voz de menina questionou e eu me sobressaltei.

Teresa McAllister estava imóvel ao meu lado, com a musculatura rígida feito ferro batido e com os olhos castanhos-mel cravados na ilha. Recuei, sentindo todo aquele rompante de ataque se dissolver no sangue.

— Ah. – Engoli em seco, agitando a cabeça para me recompor. – Desculpe, Teresa. Não ouvi você chegar. – De que buraco você saiu?!, pensei, entrementes.

— Tery.

— O quê?

— Não me chame de Teresa – explicou, o tom ríspido. – Me chame de Tery.

— Ah, certo. De qualquer jeito... – Cocei a nuca.

— O que viu? – repetiu, exigente. Reparei que seus olhos de águia não haviam desviado um instante que fosse das árvores da ilha.

Estudei a costa, respirando fundo. Se havia alguma coisa ali, certamente não havia mais.

— Nada. Apenas estou sonhando acordado.

— Os pássaros estão inquietos hoje – disse ela, somente, e me deu as costas ao partir. Já eu, fiquei estático onde estava, que nem um idiota na entrada do prédio, assistindo ela marchar até a Duster novinha que ganhou dos pais e acelerar para fora dos terrenos da escola. 

E teria continuado feito um totem no lugar se não fosse um mínimo silvo cortando o ar, rente à orelha direita. Segurei firmemente o punho de Kurt a centímetros da minha cabeça, onde ele estivera perto de acertar um cascudo.

— Nem pense nisso – rosnei.

— Seu traidor.

— E o que eu poderia fazer? – Fiz uma expressão pateta, soltando-o e cutucando com o ombro. – “Não, não, Sr. Pine. Não posso sair. Ainda não terminei de passar cola para o Kurt”.

Sem resposta, ele me devolveu o cutucão.

— Você é um otário.

— É, um otário que estuda. Deveria tentar, para não levar bomba, na próxima vez.

Ele praguejou uma série de palavrões antes de sair algo coerente:

— Não é todo mundo que tem a vantagem de ter uma professora gostosinha para repassar a matéria, que nem uns e outros...

Acertei-lhe um tapa no topo da cabeça.

— Mais respeito com a minha namorada.

O golpe, apesar de fraco – pelo menos para mim—, o desequilibrou o suficiente para fazê-lo trombar com uma garota que saía do pavilhão e derrubar sua mochila contra o asfalto. Por reflexo, Kurt se abaixou para apanhar, mas estacou na metade da ação quando se deparou com a cabeleira loira que pendia diante dele. Infelizmente, só havia uma única garota loira em toda La Push – e a garota em questão era a que menos desejava qualquer proximidade com Kurt.  

Não compreendi ao certo o que se passou entre os dois. Kurt e Lívia dormiram juntos depois da minha festa de aniversário – esse fato, estava longe de mim contestar – e se distanciaram como inimigos no dia seguinte. Apesar da descrição pormenorizada de como Lívia se contorceu e gemeu seu nome nos seus braços – uma descrição que se repetiu por várias e várias vezes, para o horror de meus ouvidos –, Kurt deixou escapar que acordou debaixo de seu olhar ressentido e que, ácida e áspera, ela o proibiu com todas as letras de voltar a tocá-la.

Para enfatizar cada palavra, também rompeu qualquer contato com o grupo de amigos.

E foi fazendo jus à promessa que Lívia nos empinou o queixo, os olhos mortalmente frios ao se endireitar, ajeitou a alça da mochila e se afastou em passos mais rápidos que o normal. Kurt a fuzilou com os olhos, porém logo em seguida suspirou, melancólico. Não pude fazer muito a não ser sentir pena – não havia muito a fazer por um idiota apaixonado não-correspondido.

— Não vou perguntar se ela continua ignorando você, porque parece bem óbvio.

— Não sei o que fiz de errado. Ninguém de fora ficou sabendo, como ela queria. – Percebi que seus punhos estavam rígidos. Ele agitou a cabeça, tão inconformado quanto confuso. – E eu sei que ela gostou. Que ela me quis.

Pensei um pouco, apertando a boca.

— Talvez seja esse o problema. Ela gostou, quando não queria ter gostado.

Kurt se virou rapidamente, os olhos entrecerrados.

— Isso não faz sentido algum.

— São mulheres. Eu não disse que precisava fazer sentido.

Ele abriu um sorriso de canto, quase sem humor:

— Você, meu amigo – me apontou um indicador acusatório –, está passando tempo demais com a Anna.

— Anna estava certa da última vez, não estava? – provoquei, me livrando de seu dedo com um tapa.

— Me pergunto como ela descobriu.

Nesse exato instante, o som alto de pneus cantando contra o asfalto em uma localidade próxima calou metade dos alunos que saíam da escola, e no segundo seguinte um carro negro e de modelo esportivo despontou na esquina. O veículo correu a extensão lateral do terreno feito um raio até parar na outra esquina, onde levantou uma nuvem de poeira na entrada do ônibus escolar. Todo mundo fincou os olhos em mim, pois estava evidente quem era o condutor.

— Falando nela... – murmurou Kurt, com um meio sorriso sarcástico.

Anna saltou para fora do carro com a graciosidade de seus movimentos quase dançados, enganosamente inocente usando uma saia de suspensórios, blusa de bolinha e sapatos boneca. Apesar de não ser surpresa para ninguém que era ela, houve um profundo suspiro coletivo – o Sol, agora um visitante frequente naquele fim de primavera, se sobressaiu entre as nuvens e a luz incidiu de forma precisa sobre sua pele clara, mas para o completo choque e decepção geral não revelou absolutamente nada. Não havia o brilho característico que as histórias da tribo apontavam no corpo de pedra dos frios.

Mas essa foi minha percepção secundária do ambiente ao redor. Não consegui me desviar um milímetro que fosse da garota que caminhava na minha direção.

Era desconcertante o modo como sua beleza me comovia a cada vez que a encontrava. Sempre perdia o fôlego, minha pulsação se acelerava e um magnetismo inexplicável me impelia para perto dela, de forma que meu pé invariavelmente acabava dando um passo inconsciente. Cada detalhe, cada traço acabava sendo uma nova descoberta, e ali não foi diferente. Como seus olhos verde-esmeralda captavam a luz do Sol, ficando ainda mais expressivos. Como seu cabelo vermelho escuro ao vento da costa de repente pareciam chamas emoldurando seu rosto. Como sua pele corada estava mais radiante, parecendo tão aveludada que fui tomado por uma vontade repentina de tocá-la, minhas mãos ficando úmidas em expectativa...

Franzi o cenho, saindo do encanto quando Anna brandiu um largo sorriso maquiavélico. Ela piscou, mas não para mim – segui seu olhar e vi que o trio de tapados estava acenando, sendo que Chris Jordan não parava de exibir os dentes feito um maldito chimpanzé. Provavelmente eu teria ficado enciumado se não fosse o deboche na expressão dela, tão nítido que Kurt fingiu um acesso de tosse para esconder uma risada.

Por esse motivo – e por todos os outros que já havia listado – não pude fazer outra coisa que não fosse beijá-la quando enfim ela parou na minha frente. Puxei-a pela cintura e exigi seus lábios com os meus, à procura do sabor inebriante que se tornara meu vício. Meus dedos livres se apertaram em sua nuca, acariciaram sua clavícula, mas quando reparei que estavam querendo descer para outras partes, interrompi o beijo. Anna abriu os olhos ligeiramente aturdida e encarou os lados, parecendo só então se dar conta de que tínhamos plateia.

— Oi – arquejou com um sorriso torto, encabulada.

— Oi – respondi. Era ótimo constatar a minha competência em deixá-la desorientada.

Não que Kurt concordasse comigo.

— Argh, vocês dois me dão náuseas – resmungou, procurando uma rota de fuga para a saída da escola e acenando sobre o ombro. – Até logo, pombinhos!

Anna alternou o olhar entre Kurt e eu para depois unir as sobrancelhas, a mesma expressão de concentração que fazia quando estava atrás de explicações nos pensamentos de alguém. Pela visão periférica, vi Kurt se encontrar com a galera da banda no portão – Flynn fitava Anna com uma intensidade assombrosa, e eu sabia bem a razão.

— Qual o problema dele?

— Lívia. – Revirei os olhos. – Quem mais poderia ser?

— Ainda? – ela bufou. – Pensei que à essa altura Kurt já teria tomado uma atitude.

— Alguma sugestão? – sondei.

Seus olhos se apertaram em fendas.

— Não posso dar palpites no relacionamento dos dois a vida toda, Seth – recriminou, embora suas feições tenham suavizado quase que imediatamente. – Pronto para ir?

Assenti, entrelaçando nossas mãos antes de conduzi-la até o carro. Ignorei os cochichos que sobressaíam das rodinhas, no entanto não consegui manter a expressão neutra quando cruzamos com aquele babaca do Jordan. Ergui a sobrancelha, desafiando-o a fazer uma gracinha que fosse para minha namorada. Anna reprimiu um riso, parecendo particularmente divertida com meu comportamento.  

— De verdade, deduzi que você já estaria em La Push – comentei no que paramos. – Mas não esperava que você viesse me buscar... E muito menos nisso. – Apontei o carro que então percebi ser o Aston Martin Vanquish de Edward. Encrespei a testa, porque apenas vi esse carro fora da garagem dos Cullen em uma única ocasião.

Anna fez uma careta adorável:

— Rosalie sabotou meu Jaguar. Ed me emprestou este até terminar de calibrar o motor.

Fiz que sim, lendo nas entrelinhas.

— É um belo carro – tentei desconversar.

— Quer dirigir? – Ela me agitou um molho de chaves, travessa.

Meu queixo caiu.

— Sério? Eu posso? – Analisei da pintura até as rodas cromadas. – Mas e se eu o bater?

— Bom, se você não o fizer, eu vou fazer de qualquer jeito. – Deu de ombros ao me atirar as chaves, saltitando para o banco do carona. – A culpa disso tudo é de Edward.

Abri a porta e me acomodei no estofado de couro processando seu tom de voz. Geralmente, Anna optava por evitar diálogos a respeito das brigas em família, portanto dei a ela a chance de fugir do assunto. Mas se ela estava trazendo o assunto às claras, era sinal de que precisava conversar – algo incomum.

— O que foi que ele fez? – indaguei, jogando minha mochila na parte traseira para finalmente girar a chave na ignição. Apertei o volante, maravilhado com o ronronar do motor. – Uau.

Ela riu do meu fascínio com o veículo. Já os olhos, se desviaram para além da janela à medida que eu dirigia para fora da escola – por um instante, eles se prenderam na ilha James. Estremeci, tentando esquecer o incidente bizarro com Teresa McAllister.

— Teve a brilhante ideia de criar uma competição musical entre nós. – Torceu o nariz. – Creio que o Tratado de Versalhes tenha tido mais sucesso.

Uma resposta simples? E não era uma discussão grave, dado a forma como ela contou. Foi então que eu liguei os pontos. Não é que Anna precisasse dizer qualquer coisa sobre a briga com os irmãos, ela somente estava sentindo a necessidade de tagarelar. Segurei um suspiro. Estávamos no início de junho. Fazia quase três meses que Leah foi embora de La Push e, desde a partida dela para o sul, notei que Anna ficou um pouco solitária. Gradativamente, ela começou a passar mais tempo na tribo – até mesmo desenvolveu um estranho coleguismo com o Quil –, e em mais de uma oportunidade cheguei a flagrá-la com os olhos desfocados no horizonte ou com o rosto tristonho de saudades. O pior era que, toda vez que eu perguntava sobre o seu dia, as respostas pareciam estar na ponta da língua; ou ela estivera dançando, cantando, compondo ou lendo, ou foi passear sozinha pela floresta. 

Talvez isso explicasse o porquê de Edward ter criado a tal competição musical, para início de conversa.

— Meu anjo... – tentei, desconfortável. Pelo modo como ela arqueou a sobrancelha, entendi que ela já estava lendo meus pensamentos e sabia do que eu queria falar. No entanto, eu a conhecia o suficiente para saber que ficaria quieta e me obrigaria a dizer de qualquer forma. – Não acha que está precisando sair mais? Fazer novas amizades?

Anna respirou fundo, os olhos conscientes de repente trazendo uma sabedoria milenar ao seu rosto. Eu detestava quando aquilo acontecia – era quando a diferença de idade entre nós realmente parecia quantificável.

— Apesar de eu saber que foi a decisão certa, reconheço que a rotina tem ficado bastante monótona desde que Leah partiu. Mas não posso fazer muito a respeito. Amizades verdadeiras não se constroem acima de mentiras, e eu nunca poderia ser sincera sobre quem eu sou. – Então fez uma pausa contemplativa e lentamente abriu um sorriso enorme e autêntico. – Ela me escreveu de novo, Seth. Acho que está apaixonada.

Quase perdi o controle do carro. Era indiscutível que ela estava tentando me distrair, porém essa isca não tinha como não morder.

— Só para eu acompanhar, Anna. – Estacionei no quintal de casa, me virando para ela. – Ainda estamos falando de Leah?

Seu sorriso ficou impressionantemente malicioso.

— Ela mencionou o mesmo cara nas duas últimas cartas. Na que me escreveu ontem – sua boca repuxou para o canto –, o nome dele apareceu cinco vezes. Martín.

Engoli em seco. Leah apaixonada. Caramba. Esse não era o tipo de notícia indicada para corações fracos – na hora, meu primeiro pensamento foi como seria revelar isso para minha mãe. Não que Sue fosse coração fraco, nem nada do tipo – longe disso. Só que a situação mudava de figura quando se tratava de seus rebentos. Tinha sorte por ela ultimamente passar mais tempo na casa de Charlie do que na nossa – assim, eu conseguiria retardar o assunto até o limite.

— Onde ela está agora? Leah estava na Argentina por esses dias, não estava?

Anna negou com um movimento rápido, fazendo seus cachos dançaram nos ombros.

— Não mais, já atravessou o continente tem umas três semanas. Agora está na Espanha. Andei espionando o futuro dela... – O sorriso fácil, que já tinha atravessado por uma paleta de emoções, ganhou uma pontada de nostalgia. – O cara é um gato, o que não me surpreende. Também, os espanhóis nunca decepcionaram nesse ponto.

Estreitei os olhos.

— O que quer dizer?

— Nada – apressou-se em dizer, saindo do carro. – Vamos repassar as lições de francês? Poderíamos... – A voz dela morreu no que focalizou algo atrás de mim. – Ah, boa tarde, Stu.

No mesmo minuto, tratei de descer do carro e me deparei com Stu Bennett, atravessando a rua até onde estávamos carregando um saco de peixe nas mãos. Por gentileza, Anna veio para o meu lado, embora estivesse hesitante ficar próxima a ele. Em contrapartida, passei o braço possessivamente sobre seu ombro, fechando a cara.

— Anna – cumprimentou Stu, ficando vermelho. Depois, girou os calcanhares para mim, visivelmente menos entusiasmado. – Clearwater.

— É Srta. Masen – corrigi.

Ele me ignorou.

— Sentimos sua falta no bar, Anna. Devia aparecer por lá uma noite dessas.

Um brilho astuto refez a expressão dela – a sagacidade de quem monta uma armadilha.

— Deduzi que haveria problemas, agora que todos sabem que sou menor de idade.

— Bobagem... – O sorriso canalha que ele esticou me deu vontade de quebrar todos os seus dentes.  – Ninguém precisa saber. Será muito bem-vinda entre nós. – E me fez uma breve saudação marinheira. – Clearwater.

Reprimi o impulso de praguejar até vê-lo desaparecer na esquina.

— Eu odeio esse cara.

— Bem, não é um sentimento recíproco. Na verdade, ele morre de inveja de você. Acredita que é um selvagem na cama, para seduzir uma garota impetuosa feito eu. – Ao assimilar o que disse, ela se voltou com o rosto pálido indo para o escarlate em dois tempos. – O que foi? Só estou traduzindo os pensamentos dele! Bem ao pé da letra!

Mordi o lábio. Era um momento raro ver Anna constrangida e, sempre que aconteciam, eu tentava me aproveitar deles ao máximo.

— E que tal descobrirmos se ele está certo? – aticei, com um meio sorriso se insinuando. Meu braço, que antes pendia em seu ombro, percorreu a linha da coluna antes de envolvê-la pela cintura.

Anna ofegou, a respiração descompassando. Enterrei-me entre seus cabelos, buscando a curva delicada de seu pescoço, onde eu sabia que ela era especialmente sensível. Cobri a pele macia com os lábios, provocando com a língua e quando a senti amolecer nos meus braços, mordi a ponta da orelha. Suas unhas se cravaram nas minhas costas, mas eu não me importei – ela estava toda arrepiada e era a única coisa em que eu conseguia me concentrar.

— Você realmente não vale nada, Seth Clearwater – acusou.

— Nunca disse que valia. – Tateei os bolsos freneticamente atrás da porcaria das chaves de casa ao mesmo tempo em que a guiava para a porta sem parar de beijá-la.

Ela não tentou me impedir.

— E as aulas de francês? – repicou quando consegui escancarar a fechadura.

— Onde paramos? – Passei o braço na parte de trás de seus joelhos e a levantei no colo. A porta, tratei de fechar com um pontapé.

— Estávamos estudando les animaux— Anna encantadoramente bateu com um dedo no queixo, fingindo pensar –, mas tenho a impressão que você resolveu ir direto para o corpo humano. Ou les corps humain.

Era a deixa perfeita.

Les corps humain? – repeti, e ela aprovou, satisfeita com a pronúncia. – E se fizéssemos algo diferente hoje?

Os braços prenderam meu pescoço e suas unhas arranharam minha nuca.

— O que sugere? – incitou, ferina.

Definitivamente, aquilo não era um não. Carreguei-a até meu quarto tomando cuidado para não trombar em nada e, como muitas vezes sonhei, a deitei sobre a cama, mas quando fiz menção em me levantar para fechar a porta, Anna me impediu, girando o pulso para a tranca. A porta encontrou o batente com um baque, seguido por um rangido da chave se movendo devagar.

Ela sorriu largo, empurrando os dedos para o interior da minha jaqueta, me obrigando a tirá-la. Senti seus pés se movendo pausadamente, tirando os sapatos por conta própria.

— Você ainda não me respondeu.

— E se... – Inclinei-me para beijar abaixo de sua orelha, apoiado nos cotovelos. – A cada parte de você que eu beijar... – Segui para a garganta. – Você me diz o nome... – Parei na bainha da camisa, levantando o olhar. – E eu repito?

— É uma ideia interessante – arfou, os olhos sem foco.

— Começando por aqui. – Tomei sua boca para um beijo sem pressa, voraz. Crescente. – O que é?

Le bouche— suspirou e, diabólica, passou a língua pelos lábios antes de mordê-los. – La langue e la dent.

Eu não a estava seduzindo.

Ela me seduziu, pois qualquer ar de brincadeira se dissolveu com aquele gesto. Reagi com um latejar doloroso, que deixou meu corpo tenso por completo e implorando por alívio. Fechei os olhos, apenas sentindo as sensações me sufocarem enquanto a beijava e descobria seu corpo febril na pele dos dedos. O braço delgado, a cintura fina, o quadril sinuoso, a coxa firme... Um grunhido insatisfeito, primitivo, ressoou no meu peito. Havia roupas demais. Desejava vê-la como de fato era. Percorri com a boca até o seu decote conforme deslizava as alças do suspensório, porém quando comecei a desabotoar sua camisa, meus dedos travaram. Não estava sendo apressado demais?

— Não, não está – rebateu ela com a voz fraca, terminando de abrir os botões que restaram e se sentando para atirar o tecido do outro lado do quarto, junto com minha jaqueta.

Não precisei de mais permissões que isso. Debrucei-me sobre seios fartos que saltavam dentro do sutiã de renda negra, extasiado com a maciez e suavidade que possuíam – nenhum tecido, por mais suntuoso que fosse, poderia ser comparado de forma justa. Anna se arqueou para trás, os dedos se emaranhando nos meus cabelos à medida que eu a apertava mais forte, os gemidos ficando mais altos ao que as carícias se intensificavam, até enfim se misturarem com meu nome. Meu Deus, ela queria me enlouquecer. Ela sabia, sabia que nada me tirava o juízo mais rápido do que ela gemendo meu nome.

Afastei-me, ficando de pé somente para me livrar da camiseta, dos tênis e das calças. Parei um segundo para admirá-la como estava – descabelada, com os lábios inchados, respiração entrecortada – e agradeci baixinho ao ser superior ou o que quer que seja que a trouxe até mim. Anna não disse nada, apenas sorriu ao se levantar, os dedos nas costas puxando o zíper da saia – o tecido caiu por suas pernas, amontoando-se aos seus pés. Minha boca ficou seca no ato e a fome que eu sentia dela se multiplicou por dez.

Não sabia qual era o nome daquelas fitas negras que prendiam suas meias escuras, mas se eu tinha uma certeza, era que gostava muito.

Alisei sua perna por cima da meia quando a deitei novamente e mordisquei a parte interna de sua coxa na proporção em que subia. Não havia nada mais no mundo mais sensual do que vê-la se contorcer, agarrando o travesseiro com tanta força que eu já conseguia escutar o tecido rasgando. Contornei seu umbigo com a língua, subindo, e quando me preparei para tirar seu sutiã...

Ela gelou. Automaticamente estaquei, me perguntando sobre o que fizera de errado. Seus olhos se fincaram nos meus e, para o meu desespero, estavam completamente despertos.

— Não me disse que era o seu dia de folga das rondas? – questionou.

— E é.

No primeiro momento, Anna estava embaixo de mim, e no segundo estava na janela, entrecerrando os olhos para as árvores. Caí de cara contra os lençóis.

— Então o que seus irmãos estão fazendo, vindo para cá?

— O quê?! – esbravejei, incrédulo. – Só pode ser brincadeira!

Ela se virou para mim aborrecida, os olhos sedentos, mas resignados.

— Quatro minutos e meio. – Antes que eu percebesse, já havia vestido a saia e calçado os sapatos.

Pulei da cama, encurralando-a na parede.

— Não gosto da ideia de deixar você se vestir – reclamei, suspendendo suas pernas em minha cintura.

Como eu esperava, Anna entrou no jogo, só que foi mais ousada. Pressionou o corpo de encontro ao meu, de modo que minha ereção, mesmo com todo tecido, pode sentir o calor entre suas coxas. Mordi o lábio para me controlar, até sentir o gosto de sangue. Que golpe sujo.

— Você realmente precisa de um banho gelado, garoto-lobo.

— Vem comigo? – pedi sem fôlego, embora já soubesse a resposta.

— Quem sabe em outra oportunidade? – Ela abriu a mão no exato segundo em que a blusa branca voou para a palma. – Se tiver a certeza de ter se livrado deles...

Coloquei-a no chão, permitindo que vestisse a camisa. Não me dei ao trabalho de fazer o mesmo – sabia que estava certa com relação ao banho frio. Estudei-a sem nem ao menos tentar esconder o desapontamento por ter que parar – nos últimos meses, havíamos nos empolgado, mas nunca chegado àquele ponto –, e então meus olhos se detiveram em suas meias.

— Estava me preparando uma surpresa? – deixei escapar, de repente.

— Não entendi.

Tentei esconder um sorriso, me posicionando em suas costas. Ela tremeu e fechou os olhos – foi preciso todo o meu autocontrole para não jogá-la naquela cama e terminar o que começamos.

— Digamos que as garotas de hoje só usam isto— puxei a fita de sua perna por debaixo da saia, fazendo-a estalar em contato com sua pele – quando querem ser vistas.

Anna enrubesceu, girando para mim com ultraje.

— Pois bem, na minha época, todas as garotas de família usavam cinta-liga. – Uniu o cenho, pensativa. – Não em preto, é claro, porque era cor de... Bom, deixe para lá. Até amanhã. – E ágil como uma pantera, Anna saltou para a janela no instante em que ela se abriu, pousou na grama silenciosamente e sumiu do meu plano de visão.

Segundos depois, escutei o Aston Martin Vanquish acelerar e sair do meu quintal.

E eu só queria matar meus irmãos.

Precisamente nos minutos em que ela estimou, vi Quil, Embry e Jacob saindo detrás das árvores que ladeavam a casa. Eu já havia tomado uma ducha fria e colocado uma bermuda velha, e estava encostado no pilar da varanda com os braços cruzados. Meu mau humor, sem dúvida, era visível a quilômetros de distância.

Embry e Jacob pareceram momentaneamente surpresos por eu ter antecipado a chegada deles – Quil não. Ele parou, fazendo uma careta.

— Anna estava aqui, não estava? – especulou, se encolhendo.

Embry reparou nos cabelos molhados e sorriu, ardiloso.

— O que vocês dois, safadinhos, estavam fazendo?

— Nada. – Graças a vocês, eu queria completar.

Porém o que fiz foi passar reto por eles, correndo floresta adentro enquanto tirava a bermuda e a amarrava com uma tira ao tornozelo. Ouvi seus passos me seguirem, apesar de vacilantes, mas não prestei atenção neles quando me misturei aos carvalhos – me contentei em inspirar o cheiro silvestre e permitir que a quentura de minha herança atravessasse os ossos em espasmos. Em uma explosão de puro poder, meu corpo assumiu a forma de um lobo gigante.  

Sentei sobre as patas traseiras, aguardando que meus irmãos se transformassem também.

Um ganido coletivo percorreu o bando. Ericei-me com meus pensamentos sendo invadidos – não era, nem de longe, tão agradável quanto Anna fazendo o mesmo.  

Ah, mano!, exclamou Quil, trotando para o meu flanco. Sinto muito! Não queríamos empatar sua...

Gente!, ladrei, rosnando entredentes. Podemos não falar disso? Por favor?!

Jacob me cutucou com o focinho. Bem, poderia ser muito pior.

Embry fez que sim. Falei com Sam essa semana. Parece que Kim comprou um exemplar do Kama Sutra. Ele teve que mudar todo o cronograma de rondas para evitar que os mais novos fossem expostos ao pornô caseiro das lembranças de Jared.

Quil resfolegou uma risada. Rá! Verdade! Paul me falou que nunca mais quer ouvir falar de uma “flor-de-lótus”.

Embry se engasgou com as gargalhadas a ponto de acabar com as patas para cima.

Jacob revirou os olhos, ignorando-os. Reze para que Edward não descubra.  

Fiz uma careta. Eu sabia reconhecer um conselho sábio.

O percurso daquela tarde seria simples – começaríamos próximo ao rio Quillayute e descreveríamos uma curva até à Segunda Praia, próximo às fronteiras do Condado de Clallam. Normalmente, não nos arriscávamos com rondas à luz do dia, sob o perigo de sermos vistos, entretanto Sam detectou uma movimentação incomum na floresta duas noites antes e, ainda que não houvesse rastro de cheiro, colocou as matilhas em estado de alerta.

Não que estivesse servindo de alguma coisa, constatei quando terminamos o trajeto sem nenhum resultado. Voltamos para a reserva em uma corrida calma, desfrutando do exercício.

Alguma novidade?, perguntou Jacob, para ninguém em especial quando reduzimos a velocidade.

Resolvi me manifestar. Cedo ou tarde, a matilha ia acabar sabendo, de qualquer jeito. Leah escreveu para Anna de novo. Por alto, parece que está na Espanha.

Silêncio.

Ela não pretende voltar?, Embry tomou coragem em investigar.

Não. Pode transmitir a fofoca ao Sam, se quiser. Eu não ligo. Talvez ele e Emily finalmente parem de se remoer em culpa.

Algo no meu tom os avisou de que havia mais nessa história do que eu estava deixando transparecer – desta vez, eles não relutaram em esquadrinhar minhas lembranças. Retraí-me com a intromissão, uivando.

Leah está apaixonada?!, pensaram em uníssono.

Fiquei na defensiva. Anna só suspeita.

Anna não suspeita, ela acerta, contradisse Quil.

Preparei-me para explicar, mas um som característico me travou as patas. Derrapei na terra úmida, cravando sulcos ao que apurava a audição para identificar com mais certeza. Repentinamente, meus irmãos correram para o meu lado – os pelos eriçados e os olhos vigilantes procurando vestígios de ameaça. Vocês ouviram isso?, inquiri.

O quê?, Embry quis saber, dando voltas ao redor do bando.

O som reverberou e, em pânico, compreendi que estava perto da minha casa. Isso.

Alguém se transformando?, Jacob conjecturou, apesar da descrença.

Não, não é uma transformação, afirmei, com o coração na garganta. Já escutara aquela tremulação no ar uma vez e sabia do que se tratava. Foi por essa razão que não hesitei ao retornar a forma humana e vestir a bermuda, caminhando com passos severos até a clareira que havia atrás daquelas árvores.

Porque sabia que o encontraria.

O irmão adotivo da Anna.

David.


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Notas finais do capítulo

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É isso aí, virou um mantra. COMENTÁRIOOOOSS



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