Estrela da Tarde escrita por Ametista


Capítulo 17
Destinados


Notas iniciais do capítulo

AAAAAEEEEE, OLHA SÓ QUEM TÁ CHEGANDO PARA LACRAR CORAÇÕES! o/
Fala aí, galera! Demorei? Demorei, mas voltei com um capítulo que levou horas a fio, muitas xícaras de café e muita dor de cabeça para sair o mais próximo o possível do que eu queria. Só o que posso fazer agora é esperar arduamente que vocês gostem, pois sério, não sei o que fazer para arrancar mais reações de vocês, pessoinhas!
Aos meus amorzinhos nos comentários, esse capítulo é pra vocês! Vocês enchem de alegria o coração dessa pessoa que vos fala! E por falar nisso, pelo que andei planejando, a Anna vai narrar em torno de mais quatro capítulos antes que entre as narrações de Seth. E já vão se preparando, porque aí vem treta!
Nos vemos nas notas finais ♥



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Existe uma lenda antiga que narra que, momentos antes de sua morte, você assiste sua vida toda correndo diante de seus olhos – uma retrospectiva de todas as suas alegrias, todos os seus infortúnios, tudo o que fez de você o que você é. E que cada detalhe dessa viagem ao passado, ao final, se encaixa de forma tão intrínseca e perfeita que sua existência passa finalmente a ter uma explicação, um fundamento que faz do fim da vida uma despedida gloriosa.

Eu não, eu tive uma experiência diferente.

Vi minha vida toda flutuar por detrás das pálpebras no refúgio dos braços de Seth.

Puxei-o para mim o quanto pude, sentindo cada fibra do meu corpo reconhecer o dele, ao que as imagens vinham e diziam adeus feito balões ascendendo aos céus até sumir de vista. O despotismo de minha mãe me obrigando a ser firme. A negligência de meu pai me induzindo a ser independente. A influência de Edward me impulsionando a ter garra. O carinho de Molly, Gwendolyn e Catharina me ensinando a bondade e a generosidade. Meu relacionamento com Hans me fazendo reconhecer o amor verdadeiro, de modo que eu não me deixasse enganar por meras ilusões. O excesso de proteção de Joseph me despertando a astúcia. Os jogos mentais de David me tornando realista. A matilha me mostrando o poder de uma amizade. A acolhida dos Cullen me levando enfim à redenção... tudo me lapidando igual a um diamante, e percebi que até as mínimas provações pelas quais trilhei eram o que fizeram de mim a outra metade de Seth – assim como ele era a minha.

Dizem que isso se chama epifania. O momento da revelação. Eu chamei de liberdade.

Se para mim aqueles instantes significavam, além da descoberta, o término de um longo período de agonia, para Seth foi algo muito maior. Foi voltar a superfície após um afogamento, era ter ar nos pulmões novamente – era ter vida. E para ambos era um alívio tão grande estar juntos outra vez que o resto do mundo parecia inteiramente irrelevante – as pessoas pareciam vultos, a música distante e abafada. Ali era apenas ele e eu. Era apenas Seth e Anna.

— Anna... – ele sussurrou como uma prece, o rosto afundado entre meus cabelos buscando meu perfume. – Você... você voltou...! – Seth se afastou me segurando pelos ombros, os olhos marejados. – Nunca, nunca mais faça...! Tem alguma noção do quanto...! – E incapaz de terminar uma frase sequer, sacudiu a cabeça, acabando por me abraçar de novo. – Ah, Anna...

— Desculpe, garoto-lobo. – Aconcheguei-me em seu peito, escutando de perto o coração martelar como um sino. – Não era minha intenção deixá-lo, nem a ninguém aqui. Eu só precisava de uma pausa para me reencontrar. – Suspirei. – Agora compreendo que tenho procurado isso nos lugares errados.

Seth afagou meu rosto, o polegar escorregando delicadamente na minha bochecha, a mesma que David esbofeteara. Uma sucessão de imagens que evocava aquela noite de todas as perspectivas que a matilha assistira lampejaram por seus pensamentos e ele tremeu, o ódio subindo com o sangue que esquentava.

— Tenho vontade de arrancar osso por osso da mão dele por ter ousado tocá-la – grunhiu, seco, as palavras ásperas rasgando a garganta soando muito mais adequadas à sua forma de lobo que a humana. – E de transformá-lo em cinzas por todo o sofrimento que ele lhe causou.

Levantei meus olhos para os de Seth sem me distanciar. Não gostava daquilo; de ver o garoto bondoso que eu conhecia sendo envenenado por David. Já bastava o que aconteceu comigo.

— Esqueça isso, eu já esqueci. – Sorri torto, manhosa. – Vim aqui para me divertir, afinal, é ou não é uma festa de aniversário?

Seth respondeu com um sorriso largo, a paz finalmente alcançando os olhos puros. Essa era uma das características que mais me fascinavam nele; que apesar do corpo de homem lhe fora conservado nos olhos e no sorriso o jeito doce de menino. A atitude, porém, contradizia a inocência de sua expressão. O braço enlaçou minha cintura, trazendo-me para mais perto de si. Mesmo de salto alto, acabei ficando na ponta dos dedos.

— Senti tanto a sua falta, meu anjo – soprou com intensidade, a voz aflita, ansiosa, assim como o olhar. Por um segundo, fui entorpecida pelo calor de seu hálito. Pisquei repetidas vezes, surpresa. Não me lembrava da atração que permeava entre nós ser tão forte.

— Eu também senti a sua – confessei baixinho, sem querer. Seth não esperava por isso, e eu muito menos. Por consequência, corei do pescoço para cima e me distanciei sem conseguir sustentar o contato visual, estendendo para ele a caixa prateada. – Agora abra o seu presente.

Seth nem ao menos se deu ao trabalho de espiar a caixa.

— Eu não preciso de presentes. Você está aqui, não tem mais nada que eu possa querer.

— Não seja intransigente. Aceite, sem frescuras, ou então vou partir para as chantagens emocionais. – Apoiei a mão na cintura, rabugenta. Alice tinha razão; eu estava agindo feito Edward. Eu podia ver no reflexo dos olhos de Seth a mesma carranca censuradora do Reverendo Eddie em minhas feições. Que pesadelo. – E você sabe bem que sou boa nisso.

— Não vão funcionar – objetou e cruzou os braços.

Ergui a sobrancelha e bufei em desafio. Ele revirou os olhos.

— Ah, me dê logo de uma vez – rendeu-se, pegando a caixa ao passo que eu aprumava a postura, vitoriosa e satisfeita. Tossi para disfarçar um riso com a cara que ele fez conforme desembrulhava, presunçosa, mas quando ele começou a olhar de mim para a caixa procurando decifrar o mistério, não me aguentei. – Um Rolex?

Seth exibiu a caixa contra a luz como se tivesse uma lagartixa dentro, e não um relógio. Era um modelo bem discreto, que escolhi a dedo pensando em como ficaria maravilhoso nele. O couro das tiras possuía um tom de caramelo muito similar a cor de areia do seu pelo de lobo, sem mencionar que o dourado do aro em torno dos ponteiros combinava com sua personalidade calorosa e límpida – eu fora muito meticulosa quando descrevi a Edward o que ele devia pegar na joalheria.

— Um relógio— corrigi maliciosamente, tirando o objeto da caixa e o prendendo em seu pulso antes que ele tivesse tempo de me impedir. – Na minha época, quando um menino estava crescido o suficiente para desgrudar das saias da mãe e ser considerado um rapazinho pela sociedade, era presenteado com um relógio de bolso. Creio que um relógio de pulso possa ser uma adaptação muito eloquente a essa tradição.

— Deixe ver se eu entendi bem... – Ele estudou o relógio pendurado no seu braço. – O seu presente de aniversário para mim é um deboche disfarçado. – E dado o ar de confusão na sua voz, eu não soube dizer se era uma afirmação ou uma pergunta retórica.

— Precisamente. – Dei de ombros. – Ou quase. O presente de verdade eu pedi que Leah guardasse na sua casa. – Gesticulei para a caixa vazia e para o ambiente. – Nas regras de etiqueta em que fui educada, não é apreciado ser recebida em uma comemoração de mãos vazias.

Seth não entrou no clima da brincadeira. Muito pelo inverso – estava tão tenso que até eu fiquei incomodada, tomada pela névoa de seu desconforto através do poder empata.

— E precisava ser um Rolex? – contestou por fim.

Franzi a testa.

— E por que o fato de ser um Rolex é importante?

Foi por apenas um segundo, mas o bastante, que Seth desviou os olhos para os três garotos que eu encontrara na entrada e eu desvendei o motivo de ele estar tão na defensiva. Aquele trio de babacas sentia um prazer cruel em importuná-lo – e a razão disso, embora Seth não soubesse, era Lívia e a estranha adoração que tinham por ela –, sendo que quando souberam do nosso pseudo-relacionamento, fizeram questão de espalhar para os quatro ventos que Seth Clearwater violara a lei dos quileutes e se envolvera com uma garota Cullen porque ela era podre de rica. E ganhar um relógio caríssimo da garota Cullen – não importando que na prática, o sobrenome dela fosse Masen – só atestava e autentificava esse ponto de vista.

— Ignore. – Ele se posicionou entre eu e eles quando me viu apertar os olhos em fendas. Ainda que involuntariamente, uma lembrança do olhar da dor que atirei nele e nos outros lobos trespassou por sua mente. Não tive como não me sentir culpada. – São apenas uns manés que veem graça em me colocar na berlinda da escola.

Um rosnado emergiu do fundo de mim e deixei escapar um palavrão em norueguês que dei graças aos céus por Seth desconhecer.

— Não seja ridículo, estão ofendendo mais a mim que a você. Que absurdo... É como se eu não tivesse atributos o suficiente para cativar alguém a não ser o dinheiro.

Seth relaxou os ombros e abriu um leve sorriso ao me avaliar devagar de cima a baixo. Não havia nada de ingênuo naquele olhar – era íntimo, inflamado, o olhar de cobiça de um homem para uma mulher. Alguma coisa nele me deu a sensação de estar totalmente despida; tive que reprimir o impulso de cruzar os braços sobre os seios.

— Acho que esta noite todos podem ver que você tem muitos atributos.

— Alice me vestiu – justifiquei com uma careta, o rosto afogueado.

— Não, não, não quis dizer que está ruim. Você está... – ele desceu os olhos de obsidiana mais uma vez por minha silhueta, uma série de adjetivos anuviando sua cabeça, ao final optando pelo menos indecente – ...arrebatadora. Simplesmente a garota mais estonteante que já vi. O problema real é que não vou conseguir manter os olhos desses imbecis longe de você.

— Com medo da concorrência, Clearwater? – A voz zombeteira de Kurt soou perto, algumas oitavas acima dos gritos da multidão e da música estrondosa, trazendo-nos de volta ao mundo. De repente, parecia haver gente demais ali e a música se tornara infernal.

— Falando em imbecil... – Seth resmungou à meia-voz.

— Oi, Kurt – cumprimentei, girando os calcanhares para ele e precisando levantar o queixo para conseguir encará-lo. Mal pude conter uma risadinha sardônica. Em geral, Kurt mantinha as mechas escuras caindo descuidadamente sobre a testa e um estilo mais despojado, mas naquela noite seu cabelo no corte típico de um guitarrista estava afastado do rosto e ele vestia jeans e uma camiseta de manga longa do The Doors muito arrumadinha para os seus padrões. Pelos indícios, não eram somente os garotos da entrada que queriam arrancar um pedaço da atenção de Lívia.

— E aí, Anna? – Kurt se curvou e me deu um beijo no rosto. Reparei ainda segurava o copo de ponche que Seth abandonara com ele. – Fez boa viagem? Estava me perguntando quando você ia dar as caras. – Uma pontada de cinismo repuxou sua boca e deu tapinhas no ombro do amigo. – Tentei convencer esse pateta de que essa sua história de voltar à Noruega era só um pretexto para buscar o chicote e as algemas, mas Seth passou a semana toda com essa cara emburrada.

Seth pigarreou, ficando vermelho sob a pele acobreada.

— Pode segurar isso aqui também, Kurt? – E repassou para ele a caixa vazia do relógio. – Vamos dançar um pouco.

— Nós vamos? – ecoei, sobressaltada. Antes que eu percebesse, Seth já tinha entrelaçado nossas mãos.

— Ah, não! Nada disso, Seth! Sem conversa – Kurt retrucou, me apontando o indicador. – Sua namorada está me devendo uma batalha de solos no palco, eu não me esqueci disso.

— Mais tarde – ultimou no mesmo tom decidido que usara no casamento. – Como você ressaltou, minha namorada passou uma semana longe de mim e quero recobrar o tempo pedido com ela. Agora, por gentileza, caia fora.

Kurt abriu a boca para objetar, mas crispou a testa e acabou desistindo, praguejando uma dúzia de obscenidades antes de se misturar entre os adolescentes. Perdi-o de vista pouco depois de flagrá-lo acenando para o DJ e fazendo uma dancinha lenta ridícula no lugar; as batidas violentas e impetuosas que ribombavam das caixas de som foram substituídas por uma melodia tênue que sem pressa crescia para algo mais intenso – She Will be Loved, de Maroon 5. Metade dos que dançavam reclamaram da mudança – e foram completamente desprezados –, enquanto que o restante se juntou em pares na pista de dança assim como Seth e eu, que me enganchou pela cintura e me conduziu para um movimento rítmico e pausado.

Fomos tomados aos poucos pela música, feito a praia que é embalada pela maré-alta, sendo levados para um lugar só nosso. Bastou um giro para que eu perdesse o controle de minha frequência cardíaca, e pela primeira vez em quase um século tive que me concentrar para conseguir dançar. Seth não se importou em manter qualquer distanciamento. Sua mão desenhava a linha do meio de minhas costas à medida que me puxava mais e mais para ele, causando-me arrepios. Não consegui assimilar muita coisa além de que meus joelhos já não pareciam tão consistentes. Fiquei tão absorta que só após muito tempo fui notar que ele não estava atrapalhando em seus dois pés esquerdos.

Franzi o cenho, um tanto impressionada.

— Você andou treinando. – E não foi uma interrogativa.

— Leah e eu tivemos pouco o que fazer na sua ausência, já que as brigas diminuíram bastante. – Fui presenteada com um sorriso tímido e eu podia jurar que ele estaria coçando a nuca se não fosse nossas mãos unidas.

— Desde quando Leah dança? – questionei, incrédula. Não me lembrava desse detalhe entre suas memórias.

— Desde que nosso pai insistiu em uma festa de debutante. – Ele estremeceu, se recordando da festa e de Leah em seu bufante vestido lilás. – Tradição de família.

Inclinei-me para gargalhar.

— Quem eu preciso matar para ver as fotos?

— Talvez seja mais fácil encontrarmos Eldorado antes de descobrirmos onde Leah escondeu o álbum – presumiu, o que me causou uma nova crise de risos.

A melodia persistiu, cálida e sinuosa, e à certa altura Seth me suspendeu para trás; ainda que com aquele vestido curto perigoso, eu arrisquei subir a perna ligeiramente por sua coxa. Várias exclamações animadas se elevaram à nossa volta, a voz de Kurt e Griffin entre eles, e apenas nesse momento me dei conta que estávamos sendo observados. Pensei que Seth fosse protestar com a incitação, mas me enganei; ele piscou para a minha expressão sagaz, escondendo o rosto no meu pescoço em réplica. A partir disso, com a respiração suave dele resvalando na pele sensível abaixo da minha orelha, foi difícil pensar. Tantas músicas melosas passaram batidas e quando voltei a mim estava recostada contra o peito de Seth, cantando, acompanhando a letra de Heaven, de Bryan Adams.

— Não pare – pediu no que vacilei, a voz rouca me fazendo cócegas. – Gosto de ouvi-la cantar.

— Você também não canta mal. Isto é, se desconsiderarmos os desafinados nas notas agudas.

Seth riu e se endireitou, acariciando meu rosto como se eu fosse da porcelana mais rara já fabricada. Um meio sorriso de tirar o fôlego brincou em seus lábios e me flagrei conjeturando se eles eram tão tenros quanto pareciam. Não importava que a leitora de mentes ali fosse eu; o modo que me devolveu o olhar deixou a sensação de que ele sabia exatamente o que eu estava pensando, tanto que seu polegar se deteve hesitante no canto da minha boca. Uma faísca iluminou seu olhar, todavia ele a conteve, colocando meu cabelo atrás da orelha.

— Pode ser bobagem, mas sabe o que mais me agrada nesse aniversário? – perguntou em um tom quase pretensioso, os dedos se contraindo com avidez no vão da minha cintura. – Que agora temos a mesma idade.

— Em qual realidade paralela? – Bufei, porque era o único modo de não ser traída pela própria voz e revelar o quanto eu estava atordoada. Seth podia não ser músico, mas seu toque me fazia pensar na corda de um violão sendo tensionada ao máximo, pronta para se libertar. – Nem se cortarmos fora o dígito extra fica igual.

— Você fisicamente tem dezesseis anos. E agora eu também tenho dezesseis anos.

Estreitei os olhos, recriminando-o.

— Você fisicamente tem em torno de vinte e três anos, Seth. Portanto, pare de se iludir.

Algo no que eu disse o fez vibrar em triunfo. Dissequei mentalmente a sentença três vezes à procura do duplo-sentido que eu não captara. 

— Então... Isso quer dizer que não sou novo demais para você? – indagou de forma inofensiva, feito quem não quer nada.

Engasguei-me com a própria saliva. Se a minha intenção era não parecer patética, estava falhando de modo miserável.

— Ah, então é disso que se trata... – funguei, fingindo que Seth não podia enxergar o excesso de cor nas minhas maçãs do rosto graças à pouca luminosidade. Fugi com os olhos e, por consequência, acabei focalizando três formas imensas se destacando entre as demais no aglomerado de adolescentes. Não tardei a reconhecê-los. – Quil? Embry?! Jacob!

Não pensei duas vezes. Desvencilhei-me de Seth e, o mais depressa que o ambiente público me permitia, esgueirei-me pelos casais até interceptá-los na entrada. Mil tipos de pedidos de desculpas chispavam como foguetes na minha cabeça, e no entanto não havia nenhum que fosse suficiente para exteriorizar o pesar pelo meu comportamento deplorável na última sexta-feira. Quando me firmei diante dos lobisomens, aguardei pelo pior ao me deparar com três fisionomias duramente severas, porém no que os olhares passaram batido por mim, concluí que nenhum deles tinha reconhecido ainda o alguém que lhes chamara.

Quil e Embry, que segurava uma caixa vermelha, estavam vestidos de forma discreta, com jeans e camisas que cheiravam a teias de aranha, e ambos demonstravam um algo grau de descontentamento por ter que usar um tecido mais resistente na parte de cima do corpo. Já Jacob, parecia muito mais preocupado em avaliar a festa com olhos críticos e reprovadores. Levou cinco segundos até eles me notassem e foi preciso que Seth parasse do meu lado para que me distinguissem por debaixo da maquiagem. O choque os paralisou pelo tempo que necessitei para me preparar. Respirei fundo.

— Ai, meu Deus! – esganiçou Jacob, os olhos estalados. – Anna?!

— Nem sei por onde começar, pessoal, eu...

Fui calada pelo abraço monstruoso de Quil, que me apertou até que eu perdesse o ar.

— E nem comece, garota Jedi – rebateu aliviado, acertando-me um fraco cascudo ao me soltar. – Que bom que está em casa. Você nos deu um susto e tanto, sua filha da mãe.

Esperei pela fúria ou ressentimento por parte deles, mas não havia nada além de inquietude pelo meu sumiço e mortificação pelo estado em que me viram desaparecer. Após a súbita aparição de David, eles compreenderam o motivo de eu estar tão esquiva, tão acuada e irritadiça na reunião do Conselho. Quando Leah me revelou que eu já era amada e tida como elemento da família, ela não se referia aos Clearwater – e sim a alcateia. Senti meus olhos lacrimejarem contra a minha vontade.

— Podemos pular a parte em que vocês me dão uma bronca? – pedi, me recompondo. – Creio que já levei muitas por hoje.

— Sem problema algum, podemos economizar todas para amanhã bem cedo. – Jacob cruzou os braços musculosos, sério. Nem ele e tampouco os outros viram, só que o gesto distraiu uma garota a ponto de ela praticamente dar de cara com um dos pilares que seguravam o teto. Eu já não era o único alvo de curiosidade da festa.  

— Chegou a encontrar com o Alfaiate Gótico de novo? – Embry disparou de supetão, atropelando-se nas palavras ao mudar a caixa de braço. No ato, Jacob o cotovelou nas costelas. – Ai! O que foi?! Quero saber quem ganhou com a aposta!

Minhas feições petrificaram em mármore.

— Não, não cheguei a ver David novamente. Fui na direção contrária. E se ele não me der ouvidos e voltar a pôr os pés aqui, não existe nada no céu nem na terra que irá me impedir de trucidá-lo. – Retorci os punhos, o que fez um campo gravitacional trepidar pelo salão. O globo de discoteca no teto sacolejou e as caixas de som chiaram. Os garotos fizeram de conta que não perceberam. Cocei a testa, reprimindo uma onda de ira. – Mas, mudando de assunto, o que vieram fazer nesta festa de secundaristas?

Os três se entreolharam de leve. Possuíam uma profusão de perguntas a respeito dos dias que passei longe de Forks, porém acabaram se acovardando; deduziram que eu não contaria se não quisesse e, se havia alguém ali com todo o direito de fazer questionamentos, esse alguém era Seth. Que essa bomba ficasse no colo dele.

— Em tese, o mesmo que você. – Quil deu de ombros, sarcástico. – Celebrar o aniversário do pirralho da matilha. Só que, sabe... – Gesticulou para minha vestimenta. – Sem todo o resto.

Enrubesci, maldizendo Alice por me submeter àquilo.

— É, estou vendo mesmo que estão muito confortáveis – repliquei, puxando a gola da sua camisa de brim.

— Relaxa, nenhum de nós veio segurar a vela de vocês dois, não. – Quil rolou os olhos. – Já estamos caçando nossa rota de fuga. Viemos apenas entregar seu presente, Seth.

— Apesar de eu achar que podíamos ficar e aproveitar a vista. – Embry analisou com interesse um grupo de garotas que tagarelava animadamente no canto mais próximo; vi que Penélope, sem os óculos e esmeradamente produzida no vestido rosa-choque, era uma delas. Jacob, dessa vez, atingiu-lhe com um tapa na nuca. – Ei! Não é porque agora você e Quil são obrigados a lidar com fraldas, que significa que eu não possa viver um pouco!

De súbito, um silvo afiado escapou das caixas de som ao que a música lenta cessava abruptamente, e se amplificou à beira de quase ensurdecer nossas audições sensíveis. Tapei as orelhas e gemi, me encolhendo no lugar, assim como os lobisomens. Na extremidade mais afastada do palco, entrevi Kurt fuçando nos cabos e rosnando algo ao DJ, que se escorou na parede ao lado dele e mordiscou um sanduíche, todo despojado. Logo que finalmente o problema da fiação foi resolvido, os Wildwolf subiram ao palco para os seus respectivos instrumentos à medida que Kurt se ajustava com o microfone e pendurava uma lustrosa guitarra preta no ombro. De todos, sem dúvida a figura que mais atraiu a minha atenção foi a de Lívia – seu vestido preto de renda embalado a vácuo e com as costas nuas fazia o meu parecer uma túnica de noviça.

— Ei, galera, boa noite! Desculpem-me por isso, essas coisas de contrabando não vêm com manual de instruções... – Kurt se calou quando percebeu o olhar mortífero de Lívia. – Gostaria de agradecer a todos pela presença, quer dizer, os que foram convidados e que não entraram de penetras na cara de pau... – Lívia o beliscou no braço e ele recuou. – Ai! Está certo, eu paro! Enfim, os Wildwolf estão se preparando para começar o show... – E não se conseguiu ouvir mais nada além de gritos, pois todos foram à loucura. – É, isso aí! Mas antes, em comemoração ao aniversário do nosso bastardo sortudo preferido, Seth Clearwater, como atração de abertura...

— Ah, droga, ele não vai... – Seth grunhiu.

— É, ele vai – confirmei.

— ...eu gostaria de chamar ao palco Anna Masen, a namorada do aniversariante, para uma épica batalha de solos! – E o teto tremeu com os berros da plateia, que se dividiu até nos deixar expostos bem no meio.

— Namorada? – Embry se voltou para nós com um sorriso cético.

Seth e eu trocamos um olhar conspiratório.

— Longa história – respondemos em uníssono.

— Eu sei. – Quil riu em escárnio. – Ou melhor, La Push inteira sabe. Mas ninguém desmentiu isso ainda?

— Talvez, em breve, não seja necessário – Jacob remoeu baixinho.

Ignorei as alfinetadas e examinei o palco. A banda toda, com a exceção da vocalista Lívia, estava claramente ciente do esquema, tanto que, enquanto Kurt me fitava com uma expectativa maldosa na expressão, Flynn não tinha pressa alguma ao procurar por uma das baquetas e Griffin cantarolava, afinando devagar as cordas do baixo. Jasmine se contentou em sentar no banco escondido atrás do teclado e, indiferente, dedilhou as teclas com uma mão ao passo que nas pernas equilibrava um pratinho de doces. Pelo que tudo sugeria, eles planejaram tudo de forma a não me dar escapatória.  

— Fiquem aqui – cedi, convencida mais pela sombra assassina nos olhos de Lívia do que pela pressão imposta pelo público. – Kurt não vai parar de nos atalhar até conseguir o que quer. Dez minutos, é o que preciso.

— Acabe com ele – incentivou Quil.  

Palmas preencheram o ambiente e algum engraçadinho assobiou conforme eu subia os degraus. Fiz uma careta para a luz cegante que embotava minha vista e a próxima coisa que vi foi Lívia abrindo caminho para o microfone, me fuzilando de modo ferino com o olhar. Ela se recusou a sair do palco, entretanto; não queria deixar brechas para que eu roubasse facilmente tudo o que era seu. Apertei os lábios, usando muito do meu autocontrole para não gargalhar com seus pensamentos.

— Aí está ela! – Kurt se atrelou aos aplausos. – Vejam só, que visão pecaminosa! Você está um arraso esta noite, Anna.

Sorri largo com a provocação, porque não era para Seth – era uma indireta para os garotos da entrada. Não importava as circunstâncias, Kurt era um amigo leal.

— Elogios não vão aliviar a sua barra, Kurt – tripudiei, curvando-me sobre o microfone. – Você vai sair desse palco de traseiro chamuscado.

Algumas pessoas riram, a despeito de que a maioria apenas estranhou o meu humor espontâneo, deixando-me a insípida sensação de que eles não sabiam como se acostumar comigo. Em contrapartida, Kurt arqueou a sobrancelha e me passou uma guitarra vermelha junto com uma palheta novinha em folha.

— Sendo assim, dê o seu melhor tiro, gatinha. Com todo o respeito, Seth. – E mais risos se ergueram, agora mais altos e mais numerosos.

Sem demora, fechei os olhos ao que empunhava a guitarra e testava as cordas com a palheta. Já fazia algum tempo que eu não tocava guitarra, mas as vibrações reverberaram pelos meus dedos em saudação, como se eu estivesse sendo acolhida em casa após uma longa e exaustiva viagem. Sorri para a ironia de minhas reflexões e, em um só folego, um de meus solos antigos que inspirei em Purple Haze, repercutiu nota seguida de nota, desenvolvendo-se em sua complexidade. No dilacerar do último choro da guitarra, a aclamação da plateia foi unânime; se eu não conquistara pela minha personalidade, os ganhara pela música.

Kurt fez uma reverência para minha perícia no solo, todavia não se deu por derrotado – com uma delicadeza surpreendente, evocou o solo de Freebird, de Lynyrd Skynyrd. Um pouco apelativo, já que se tratava de um dos mais memoráveis de todos os tempos, apesar disso ele foi impecável e não errou uma nota que fosse. Ao final, também me rendi a ovação, ainda que estivéssemos empatados.

Com um gesto de Kurt para que eu procedesse, preparei-me para minha próxima jogada, mas no último instante antes de começar dei com os olhos negros de Seth no fundo do salão. Eles estavam apertados e moderadamente confusos, tentando adivinhar a razão de eu não ter acabado com a raça de Kurt ainda. Foi o que me fez rir e mudar minha escolha no soar do primeiro acorde, me enveredando pela partitura de uma composição própria e original. O queixo de Kurt caiu no decorrer dos três minutos primeiros de uma das melodias mais intrincadas que já criei e somente quando ele já assumiu minha vitória como inevitável, foi que alterei aos poucos para uma das canções mais populares do rock, Sweet Child O’Mine. O público, até então abismado, ficou ensandecido, indo ao delírio no que aprontei o microfone para a minha voz e os Wildwolf começaram a complementar a melodia.

Cantei como nunca antes, mas não segui a mesma letra da canção dos Guns N’Roses— não falei de uma garota com olhos azuis como o céu, mas sobre um garoto com olhos de noite. Os que censuravam a modificação que fiz não se manifestaram, até porque ficou evidente o meu desejo de cantar de todo o coração para a minha doce criança, para o meu doce amor – propriamente como diziam os versos. E foi desse modo que respondi a Seth a pergunta que ele fizera sobre ser novo demais para mim, através de uma das minhas maiores paixões.

Ao final, quando a plateia já entoava solenemente o meu nome, devolvi a guitarra para Kurt para logo depois segurá-lo pelo colarinho.

— Lívia gosta de puxão de cabelo, chupões no pescoço, tapas e do que vocês hoje chamam de “pegada forte” – sussurrei em sua orelha, sentindo-o congelar ante as palavras. – Não me decepcione, campeão. – E desci do palco veloz feito uma corça, antes que ele começasse a fazer perguntas.

Seth me recebeu no pé da escada com um sorriso divertido. Seus pensamentos estavam uma bagunça; ele não sabia o que processar primeiro, se o fascínio com minha performance devastadora no palco, a felicidade pela música que dediquei a ele ou o choque com os pontos extras que entreguei de bandeja a Kurt.

— Mandou muito bem. – Pelo brilho nos olhos negros, eu sabia que ele não estava se referindo somente à batalha de solos.

— Ora, obrigada. – Pisquei, diabólica. – Espero que tenha gostado.

— Eu adorei. – Os dedos deslizaram por meus braços nus. – Que tal um intervalo?

Vistoriei os lados, procurando os lobisomens.

— Onde estão seus irmãos?

— Escapuliram quando ameacei chamar Leah para enxotá-los daqui. – Ele colocou as mãos nas costas e fez uma cara pragmática e virtuosa demais para ser verídica.

— Boa tática – aprovei, rindo à proporção que sua mão grande envolvia a minha, guiando-me até a saída. Reparei que o trio de urubus não estava mais rondando por ali, à cata de uma carcaça para bicar.

A tempestade que rugia com violência no céu roxo acima de La Push se sobressaía inútil contra o escudo que ergui no minuto em que me certifiquei de que não estávamos sendo espionados. Atravessamos a grama do terreno rumo à rua, sem necessariamente ter um lugar para ir e o silêncio que não tivemos na festa pairou sobre nós, trazendo uma vulnerabilidade que nenhum de nós dois sabia como lidar. Ali, estávamos destituídos de todos os artifícios que criamos para manter as aparências – sobretudo eu. Havia tanto a ser dito... e ao mesmo tempo, não era nada que no fundo já não soubéssemos.

— Como sabe que Lívia não vai rejeitá-lo? – Seth puxou assunto a uma boa distância da festa. Na rua deserta, só havia nós e o som da água batendo contra o asfalto.

— Não sei – admiti. – De fato, é só um palpite. Tenho um profundo conhecimento da natureza humana. Lívia está carente depois do fora que levou, desesperada por alguém que lhe diga o quanto ela é desejável... E, bom, Kurt está desesperado por uma oportunidade de dizer isso a ela, caso não tenha notado. Eu apenas fiz as contas e dei um empurrãozinho.

Ele assentiu, imenso em devaneios. Não era o que o interessava, mas a indiscutível sinceridade cristalina o deu coragem para continuar:

— Seria muito intrusivo eu lhe perguntar por onde esteve? – tentou. Outra vez, não era o que ele gostaria de conversar, porém era uma curiosidade latente que o machucava há dias.

— Não, não seria. – Dei um meio sorriso tristonho, baixando os olhos para meus sapatos. – Visitando velhos amigos. Não que tenha ajudado, de qualquer forma.

— Quer conversar sobre isso? – ofereceu, prestativo e complacente.

Neguei.

— Não restou muito a ser conversado. Basta eu aceitar que grande parte da minha existência não passou da porcaria de uma mentira. Um irmão que não era irmão. – A lembrança me trouxe à tona o conteúdo da discussão com David e estaquei, julgando de até que ponto Seth estava informado. – O quanto Edward contou à matilha acerca da noite na floresta?

— Pouco. Que o... – ele contraiu os punhos ao parar também, segurando uma reação raivosa que não queria que eu presenciasse – ...louro esperou a viagem de caça dos Cullen para vir até você e convencê-la a partir de Forks com ele. Mas que quando você leu os pensamentos dele, foi tudo pelos ares, porque... Bem, as intenções dele com você não eram o que você acreditava. A única coisa que Edward pode me garantir é que tinha certeza absoluta de que você voltaria para nós.

— E foi só o que meu irmão mencionou? – sondei.

Ele se espantou:

— E tem mais?

— Não – menti veementemente, me acovardando. Debaixo de um temporal no meio de uma rua escura de La Push não parecia ser o cenário mais adequado para eu declarar meus sentimentos para Seth. Revirei minha cabeça atrás de uma desculpa mirabolante para me esquivar daquela armadilha ao voltar a andar; a casa dos Clearwater despontando na curva adiante, com o Jeep de Emmett estacionado na lateral, na hora me pareceu a melhor alternativa. – O que acha de irmos à sua casa? Se Leah seguiu minhas orientações corretamente, seus presentes estão todos lá, lhe esperando.

Ele expirou pela boca, cansado.

— Por que será que não gostei desse plural? Anna, não quero saber de você gastando seu dinheiro comigo.

— Nada de choramingar, rapaz – ralhei, espichando o pescoço na direção da casa à medida que nos aproximávamos da entrada. – Leah não está. Onde será que ela se meteu?

— Deve ter saído para correr. – Seth deu de ombros, sacando um molho de chaves do bolso. – Leah detesta ficar em casa nos sábados à noite.

Mordi o lábio, pensativa. Podia até ser verdade, mas se minha intuição estivesse certa – e em geral estava –, não foi por mero tédio que Leah saiu debaixo de um dilúvio daqueles. Conhecendo Leah como eu conhecia, estava convicta de que a motivação dela se relacionava a deixar Seth e eu sozinhos. Assisti ele destrancar a porta da frente com uma pontada de suspeita. O conjunto de particularidades, no todo, não parecia uma combinação muito segura, como a adição de fogo e pólvora.   

— E sua mãe? – indaguei, apesar de saber a resposta.

— Charlie. – Ele torceu o nariz, enojado. Repentinamente, era Seth quem estava ansioso por uma nova temática. – Mas o que ia dizendo sobre meus presentes? Agora fiquei curioso.

Adentrei na sala e esquadrinhei o trajeto que cortava o corredor até a porta do quarto, me assegurando de que não havia nada no percurso que podia se quebrar por acidente.

— Feche os olhos – ordenei e Seth travou no lugar, estupefato.

— O quê?

— Feche os olhos – repeti, impaciente. – Surpresas devem ser tratadas como surpresas.

Seth ergueu a sobrancelha com desconfiança e por fim acabou consentindo com meu capricho, entusiasmado e esperançoso pelo suspense. Situei-me nas costas dele, tapando os olhos nas mãos, e mais cambaleando do que andando o dirigi desengonçadamente até o quarto. Senti-o tossir para engolir uma risada. Abri a porta com a telecinese e o movi até pará-lo defronte para o cavalete, que Leah deixou organizado no centro. No que me detive diante de Seth, percebi que suas bochechas estavam rígidas no esforço de segurar o riso, embora os olhos permanecessem cerrados.

Dei-lhe um peteleco na testa como castigo por rir da situação. Ele automaticamente abriu os olhos.

— Ai, Anna! Não precisa...! – E se deparou com o objeto atrás de mim. – Isso é...?

A voz de Seth se perdeu ao que os olhos atônitos desciam pela madeira da prancheta de desenho que se desdobrava em um cavalete de pintura. Em seguida, eles correram perplexo sobre telas em branco apoiadas na parede, nos pincéis de precisão e pela vasta paleta de cores do estojo de tintas e dos lápis profissionais. Seth tinha alma de artista. Mesmo que parecesse um presente muito simples, nada poderia agradá-lo mais do que instrumentos que dariam vida à sua imaginação. Como musicista, eu tinha consciência desse fato melhor do que ninguém.

— Pois é – concordei, radiante por tê-lo abalado. – Agora não tem mais desculpas para não me presentear com um desenho seu.

Seth deu as costas para os materiais de arte e seu olhar encontrou o meu. De início, não havia nada além de júbilo, gratidão por ter feito uma escolha pensando nele de verdade, mas disso o sentimento refletido ali logo se alterou para algo mais visceral que demorei a identificar – e quando consegui, ficou impossível usar os pulmões. Os olhos de ônix eram fogo puro. Queimavam com tanto ímpeto que me senti consumida em chamas, inflamar e me fragmentar inteira a ponto de não sentir os pés no chão – talvez eu estivesse apenas levitando, mas não consegui desviar o olhar para ter certeza. Completamente abstraída, eu não passava de uma vítima fácil perdida em seu hálito, no calor que emanava dele e que me alcançava, arrastando-me com uma força violenta para mais perto. Já meu coração, as pulsações percutiam em espasmos tão pesados pelas costelas que temi que ele falhasse a qualquer momento.

Com um passo, Seth diminuiu a distância que nos separava, o braço já procurando o encaixe perfeito em minha cintura. No entanto, de súbito o fogo no seu olhar congelou, reconhecendo em meu rosto uma centelha que o levou da apreensão à angústia em segundos. Agarrando a raiz dos cabelos, ele recuou balançando a cabeça, tremendo.

— Argh, eu sou um estúpido! – E deliberadamente socou o batente da porta.

— O que foi? – quis saber, alarmada. Seth não era suscetível a ataques.

Ele se aproximou de mim, a respiração saindo acelerada na boca entreaberta, a expressão dilacerada.

— Eu... Eu estou fazendo tudo errado... Não é assim que deveria ser. – Engoliu em seco, parecendo muito incerto, mas os olhos ardentes traziam toda a confiança de que eu precisava. – Você está sofrendo. Posso ver isso, posso ver a dor nos seus olhos. Por mais que eu tenha tantas coisas a lhe dizer... E, por Deus, como tenho...! A última coisa de que precisa agora é de um idiota apaixonado na sua cola... e é exatamente o que sou. – Sua mão buscou a minha e a levou para junto de seu coração, que batia frenético, alucinado na caixa torácica. – Sinta, sinta seu nome soar dentro de mim. Eu, Seth Clearwater, estou apaixonado por você, Anna Masen. – E antes que eu pudesse ter qualquer reação, ele me puxou para ele e me beijou.

Definitivamente, eu não estava preparada para aquilo. No que seus lábios febris se colaram aos meus, uma onda inundou por inteira, mais poderosa do que qualquer coisa que eu já havia sentido. Se antes eu fora devorada pelos seus olhos em brasas, nos braços de Seth eu me senti renascer das cinzas, o corpo rugindo para a vida. Não... Não era essa a definição correta. O anseio indomável da minha pele pela dele me confirmou que eu jamais estivera viva, somente existindo, esperando o momento que Seth me completasse. Estávamos destinados um ao outro.

Suspirei alto quando a língua envolveu a minha, deliciada com o sabor inebriante que me fazia querer aprofundar ainda mais o beijo. Abracei-o pelo pescoço, puxando-o para mais perto ao que ele desbravava minhas curvas com as mãos curiosas, subindo e deslizando pelas minhas costas. Ofeguei, sentindo meu corpo latejar com seu toque, todo arrepiado. Era autêntica magia, uma sensação única, simplesmente indescritível.

Com uma doçura sem igual, ele repuxou meus lábios com os seus uma última vez, unindo sua testa na minha. Não abri os olhos; queria prolongar aquele pedaço de Paraíso pelo tempo que pudesse.

— Desculpe – escutei-o murmurar –, não consegui me conter mais.

— Está tudo bem. – Puxei o ar com dificuldade. – Eu lhe perdoo.

Minhas palavras despertaram nele algo que eu não sabia que existia. Seth me arrastou para trás até me pressionar de costas contra a parede, beijando-me com uma urgência desvairada, ao que eu, surpresa, arranhei a primeira coisa que encontrei; a madeira da porta raspou sob minhas unhas de ferro, enrolando-se em pequenas espirais. Gemi baixinho, percebendo que isso apenas o estimulou ainda mais e retribuí o beijo com a mesma voracidade, vendo-me exultante por descobrir que por debaixo daquele garoto gentil havia um lobo selvagem, faminto, lutando para alcançar a superfície.

Estremeci quando Seth percorreu uma trilha de beijos no meu maxilar e mordiscou a ponta da orelha, mas uma lufada de ar fresco me trouxe de volta à consciência e com ela, também uma visão. Fechei os olhos para dissipar as imagens.

— Seth, penso que deveríamos parar. – Travei uma batalha com meu próprio corpo, que teimava e se recusava a se afastar qualquer centímetro que fosse. Por sorte, Seth colaborou.

— Então não pense. – Ele desenhou meu rosto suavemente com os nós dos dedos. – Por favor.

Revirei os olhos com a sua interpretação da minha negativa.

— Não é por esse motivo. Não estou me arrependendo e tampouco quero voltar atrás. – Indiquei sobre o ombro. – Seus amigos estão vindo nos procurar e se não quisermos sermos flagrados em uma posição bem constrangedora...

Tive a impressão que ele não sabia se expirava de alívio ou blasfemava de frustração:

— Assim não dá, vamos ter que marcar horário para ter alguma privacidade?

— Boa sorte em tentar. – Empurrei-o um pouco para o lado, abrindo espaço para conseguir ajeitar o cabelo. Escovei com os dedos o melhor que pude as madeixas caóticas. – Como estou?

Ele me estudou devagar e pela primeira vez encontrei uma faceta de malícia em seu sorriso.

— Linda.

Apertei os olhos, enxergando-me pelo ponto de vista dele:

— Seu idiota, estou toda descabelada!

Seth riu alto, beijando-me de leve na boca antes de me abraçar.

— Viu só? Linda. Vamos logo, se continuarmos aqui dentro, acho que vou fazer muito mais do que deixá-la descabelada – sussurrou, o que me deixou escarlate.

Enquanto Seth me guiava de volta a festa, nossas mãos entrelaçadas tendo um significado mais verdadeiro do que nunca, sorri secretamente. Um sorriso que eu tinha certeza que emergia do âmago, da alma. Um sorriso que permaneceu no meu rosto por muito tempo.


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Notas finais do capítulo

FALEM, FALEM, o que acharam? Não me deixem nessa agonia, o suspense é doloroso!
Mereço comentários, favoritos, recomendações? Pelamor de deus, deem sinal de vida!



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