Estrela da Tarde escrita por Ametista


Capítulo 16
À deriva


Notas iniciais do capítulo

Ressuscitoooou! Ressuscitoooou!
ADIVINHA QUEM VOLTOU DOS MORTOS, GALERA! EU MEXXMA!
Gente, eu posso demorar um pouco, mas não abandono nunquinha. Vou tentar me organizar, com o job e a facul para adiantar minhas fics, que estão todas atrasadíssimas, mas desculpem pela demora! Sei que pelo retorno que vocês estão me dando (4000 visualizações, OBRIGADA, OBRIGADA E OBRIGADA), eu deveria ter a decência de postar com mais frequência. E já que entramos nisso: leitorezíneos novos, bem vindos! Já agradeço pelos coments e vamo que vamo comentar mais!
E quanto ao capítulo, certeza que alguém vai me xingar por parar justo nessa parte! Hahahaha



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Meu dedo pálido deslizou devagar pela lápide cinzenta de Gwendolyn Howard à medida que o vazio no meu peito ficava ainda maior, sendo acompanhado por uma profunda sensação de frustração. Endireitei-me erguendo os olhos para o crepúsculo tímido no céu de Chicago; de repente, não lembrava o motivo de estar ali. Não parecia ter sentido. Eu sabia bem o que estava procurando, isso era fato. E estar de volta naquele cemitério me fez compreender que não encontraria o que precisava em um túmulo.

Meu mundo estava despedaçado. David fez com que o chão ruísse sob meus pés. Tudo em que um dia eu já acreditei ser verdade me foi arrancado com a mesma facilidade de quem colhe uma flor e com a mesma violência de um tiro de canhão. Eu estava sem órbita, sem rumo – completamente à deriva. E precisava desesperadamente de um norte, algo que puxasse de volta para um pedaço de terra firme. Qualquer norte, qualquer pedaço de terra.

Tentei me apegar às poucas certezas que me restaram – se bem que na desorientação em que me encontrava, eu estivesse contestando até os sentimentos de Joseph por mim, o que fazia com que eu me sentisse ainda pior. Gwendolyn e Catharina foram minhas melhores amigas em vida humana; a família de Cathy, os Pennywood, ajudaram os Van der Haar a financiar as equipes de busca quando desapareci e, pelo que descobri posteriormente, as duas não pararam de infernizar os policiais da cidade mesmo depois que deram o caso por perdido. Continuaram tão amigas na velhice que seus filhos se casaram e ambas foram enterradas juntas no cemitério, feito uma só família. Lindo, mas nada que me pudesse me ajudar. Não havia meios de eu comprovar a veracidade da amizade delas por mim com um punhado de ossos.

O mesmo princípio se aplicava a Hans, embora esse fosse um caso redondamente diferente, pois não era como se eu pudesse visitar seu túmulo. Algum tempo após a morte de Hans, os Van der Haar retornaram à Dinamarca levando seus restos mortais para serem guardados na cripta da família, decididos a apagar Chicago, e sobretudo, Anneliese Masen de sua história. E ainda que pudesse ir até ele, eu não teria visitado. As maiores provas do amor de Hans por mim estavam vivas, eternizadas na minha memória pela imortalidade. E por mais que nosso amor tenha sido grande, não era o bastante para eu me apegar como âncora, porque o que restou dele vivia dentro de mim, e eu estava destruída.

O que me levava a questionar de novo a motivação que me guiou até Chicago.

Foram dias difíceis, aqueles. Na tarde seguinte à minha fuga de La Push, acordei enrolada nas redes de um navio pesqueiro com metade das minhas roupas em estado de calamidade e debaixo dos olhares encantados de uma dúzia de olhos masculinos. Logo que me livrei dessa situação constrangedora da forma mais rápida que consegui – isto é, me jogando no mar outra vez –, fui parar no Canadá e, como eu já esperava, minha dor virou raiva, o que resultou na destruição de uma parcela considerável de uma floresta ao noroeste de Port Renfrew – estranhamente noticiado na forma um princípio de furacão, apesar de não haver qualquer nuvem de tempestade no céu. A partir de então, fiz uma série de escalas até o fundo do poço; Vancouver, Kelowna, Calgary, Regina e outras muitas cidades canadenses até ir parar em Chicago, sempre assaltando lojas e deixando uma pedra preciosa como desculpas e dormindo em hotéis de beira de estrada abraçada a uma garrafa de bebida e um maço de cigarros.

Pelo menos eu não estava mais chorando. Estava farta de chorar. David não merecia uma gota sequer de minhas lágrimas.

Dei um último adeus às minhas amigas para enfim sair do cemitério de cabeça baixa no capuz e mãos escondidas no moletom preto – como se fosse possível alguém me reconhecer. Meu estômago roncou pela décima vez só naquela última meia hora e apertei a barriga enquanto seguia rumo a um McDonald’s que vira a algumas quadras dali; fazia dias que não me alimentava direito. Dobrei a esquina com calma, tentando me colocar em igual ritmo de caminhada que um casal um tanto adiante, só que isso acabou por alarmá-los, afinal, eu estava com o aspecto de uma ladrazinha de carteiras das mais amadoras – os tênis gastos, o jeans rasgado e os cabelos desgrenhados não cooperavam muito para mudar essa impressão. Revirei os olhos e contornei mais uma esquina, alcançando uma avenida movimentada e localizando os arcos amarelos do McDonalds defronte para um Starbucks. Tirei todo o dinheiro que tinha nos bolsos para contar à medida que andava; cinquenta e sete dólares, o suficiente para custear uns dois bons lanches, mas eu nem ao menos cheguei a abrir a porta. O outdoor eletrônico perto do Starbucks me fez travar da cabeça aos pés, pois nele dizia que era sexta-feira.

Sexta-feira? Impossível. Isso significava que fazia uma semana que deixei Forks e minha nova família. E queria dizer também que o aniversário de Seth, e a festa, seria no dia seguinte.

Merda.

Não hesitei em correr para o telefone público mais próximo já sacando as moedas que tinha, digitando os números no painel com uma pressa desenfreada. Torci para que a visão súbita que preencheu meus olhos estivesse correta e não houvesse nenhum dos quileutes com os Cullen naquele instante. Tocou duas vezes antes que alguém atendesse sem dizer nada, apesar de que pude escutar vozes conversando ao fundo.

— Alô, Eddie? – chamei, um tanto ofegante.

— Anna?! – O borbulho de vozes se silenciaram no ato. – Anna, onde você...!

— Relaxe, Eddie, não precisa surtar, já estou voltando para casa! – tranquilizei-o sem tirar os olhos do outdoor, que anunciava serem quase sete da noite. Eu teria menos de um dia para percorrer praticamente três mil quilômetros. – Mas preciso que faça algo por mim, porque não vou conseguir chegar a tempo.

— O quê?! Mas...!

— Pare de chilique e me escute! – ralhei e, para potencializar o mau humor, um ronco alto subiu meu estômago. – Vá a Seattle e me compre algumas coisas. Estarei em Forks amanhã antes das três da tarde.

Houve uma pausa do outro lado da linha.

— Irá na festa de Seth, então – concluiu.

— Pode parar de ser engraçadinho e prestar atenção? – Passei uma lista detalhada dos presentes que planejei para Seth, conforme Edward ia assentindo com um murmúrio sério. – Ah, e nada de avisar que estou retornando à Forks. Quero fazer surpresa.

Percebi que ele se afastou dos outros para responder, pois além de demorar a falar, sua voz veio mais baixa do que de costume e quase confidente.

— Tem certeza? Ele enlouqueceu desde que você sumiu. Tem aparecido todas as tardes para saber de notícias suas e para me recriminar por não estar fazendo nada para encontrá-la. Meu argumento de que você tem muitas razões que a prendem aqui está ficando obsoleto e creio que não vai contê-lo por muito mais. – O tom conotativo em sua pronúncia deixou subtendido que ele estava inteiramente a par do assunto, o que não era exatamente um sobressalto.

Retraí-me com a clareza do quadro descrito. Seth estava sofrendo com minha ausência. Tentei imaginá-lo sem o brilho alegre nos olhos de carvão ou sem o sorriso largo de menino e um espasmo de horror percorreu meu corpo... Percebi então que faria qualquer coisa para voltar a vê-lo feliz. Deus, eu o amava tanto... Já não via sentido em negar a verdade, o sentimento eu sentia efervescer e transbordar dentro de meu peito, preenchendo-me, tornando-me completa. Mas a intensidade do meu amor por Seth não mudava a circunstância de que em nada adiantaria ele saber do meu regresso – de fato, eu tinha certeza de que isso só o deixaria mais agitado.

— Obrigada por entender, Ed. – Mordi o lábio e toquei a pulseira que Seth me deu, desejando o abraço do meu garoto-lobo como nunca antes. – Seth lhe contou tudo, não foi?

— Até mesmo as partes que ele não interpretou. – Em outras palavras, as partes em russo. – Sua briga com David ficou muito nítida na memória dele e Seth se preocupa muito com o efeito que ela teve sobre você. – Edward suspirou; eu o conhecia tão bem podia visualizá-lo apertando a ponte do nariz. – Sei que está sofrendo, querida, mas volte logo. Nós podemos ajudá-la a passar por isso.

Fechei os olhos, pressionando a testa contra o vidro da cabine telefônica.

— Sei que podem. Só não queria que nenhum de vocês me vissem assim... mortificada. – Engoli em seco e, pela primeira vez desde a malfadada noite na floresta, lágrimas frias desceram minhas bochechas. – Fiquei à caça de verdades que antes eu não podia confirmar porque não tinha os poderes que tenho agora, mas percebi que não tenho o que fazer além de confiar que tudo o que vivi não foi uma mentira... – contraí os punhos, faltando pouco para quebrar o telefone – ...do mesmo jeito que foi com David.

Edward mergulhou em um longo silêncio. Não importava o meu esforço em disfarçar; ele sabia que eu estava chorando.

— Queria tanto poder abraçá-la agora, irmãzinha... – queixou-se, tristonho, e logo foi disso para um fervor insistente. – Diga-me onde está, Anna, que irei buscá-la.

— Esqueça – rebati, secando as bochechas úmidas. – Estou sem documentação alguma e não dá para falsificar em tão poucas horas. E não, não quero que você os traga para mim. Não quero envolvê-lo mais nos problemas que causei. Apenas faça o que lhe pedi. Nos vemos amanhã, meu irmão. – E desliguei, antes que eu mudasse de ideia.

O trajeto de volta à Forks não foi uma das minhas melhores viagens, para dizer o mínimo. Uma vez que Chicago e a região entorno dela eram de grande movimentação populacional, não havia jeito de correr a céu aberto sem chamar atenção, portanto a alternativa mais imediatista que encontrei foi me enfiar na traseira de um caminhão com meus dois Cheddar McMelt, fazendo companhia para várias caixas de cosméticos. Assim que atravessamos a área industrial, mais ou menos nos arredores de Madison, após quilômetros e quilômetros lentos naquele caminhão, foi que comecei a voar noite adentro. Voava alto, acima das árvores, quando a vegetação se alargava até sumir no horizonte e sob o menor risco de exposição, mergulhava na floresta. As planícies montanhosas na fronteira entre Wyoming e Montana foram as partes mais difíceis da travessia – em sua maioria, imensas plantações de trigo de difícil camuflagem. Empenhei-me em passar por elas o mais depressa possível, já esgotando minhas forças quando a úmida Washington se apresentou diante de mim. Estava exausta – nunca havia voado tanto de uma vez, nem em um espaço de tempo tão curto. Pelos meus cálculos, eram em média onze da manhã no que alcancei Spokane e um pouco mais que meio-dia quando adentrei nos limites de Forks, debaixo de uma chuva que caía praticamente em bicas e que escorria pelo meu escudo como se ele fosse vidro.

Edward me aguardava na varanda da casa Cullen – imóvel feito um dois de paus –, e nem ao menos esperou que eu pousasse para correr pelo temporal até mim; antes que meus pés tocassem a terra, ele me puxou para o amparo de seu abraço sem dizer uma única palavra. Inspirei seu perfume e fiz uma careta para a água que pingava dele no topo de minha cabeça.

— Você está molhado, Ed – reclamei, mas não me distanciei.

— Você está fedendo.

Ri.

— Eu sei. É bom estar em casa. – Inclinei-me para olhá-lo nos olhos. – Onde estão todos?

Minha pergunta foi seguida de um pequeno vulto que saiu direto da casa para o meu colo. Renesmee apertou seus bracinhos no meu pescoço ao mesmo tempo em que eu me afastava de Edward para segurá-la.

— Tia Anna! – comemorou ela. – Você voltou!

— Olá, princesinha. – Tasquei um beijo na bochecha corada. – Como tem passado?

— Estava com saudades! – Renesmee tateou meu rosto com as mãozinhas quentes, uma mania engraçada que tinha até quando não estava transmitindo seus pensamentos para alguém.  – Papai contou que você estava viajando... Se divertiu muito?

— Oh, sim – concordei com um sorriso diabolicamente sardônico. – Visitei vários pontos turísticos. Só lamento não ter conseguido trazer nenhum souvenir para você.

— Não importa, você está aqui – objetou e deitou com a cabeça no meu ombro.

Fechei os olhos sem tirar o sorriso, que aos poucos foi se alterando para um sorriso aliviado. Havia então algum lugar no mundo no qual eu era verdadeiramente amada.

— Eu também estava com saudades, princesinha... – Afaguei as costas com carinho. – Muita. De todos vocês. – Pisquei para Edward. – Sua mãe está por perto?

Renesmee se endireitou no exato instante em que Bella apareceu na soleira da porta, a expressão confusa revelando a incerteza em se aproximar, apesar de ter me escutado chamar. Não era novidade para ninguém que não tínhamos o que se chamaria de uma relação amistosa – e sendo franca, eu não fazia muita questão em mudar isso. Era um ciúme imaturo de irmã mais nova; eu estava habituada a ser uma das poucas mulheres na vida de Edward, tendo que no máximo dividi-lo com Elizabeth, e acreditava que quando a prometida dele surgisse em nossas vidas, ela seria alguém tão impressionante... não sei, talvez uma espécie de inspiração para mim. Alguém que eu tivesse como um modelo a ser seguido.

Bella era claramente uma decepção nesse patamar – a personalidade dela era tão marcante quanto carimbo sem tinta. No entanto, aquela experiência com David me fizera enxergar tudo, todas as minhas concepções de universo, sob outro prisma; de súbito, eu ficava confortada por Edward a ter consigo. Por ele ter Bella e Renesmee como suas bases sólidas.

— Oi, Bella – cumprimentei-a, notando que ela mal conseguia camuflar o choque por eu estar diretamente lhe dirigindo a palavra. – Como está?

— Estou ótima, Anna, obrigada pela gentileza. – Seus olhos dourados, ligeiros, lampejaram para Edward. – Você está bem?

Atribuí alguns pontos a ela pela coragem em questionar, porque era óbvio que Edward optou por ignorar o assunto e instruiu todos os Cullen a fazer igual.

— Vou ficar. – Caminhei até ela, levando comigo o escudo e largando Edward na chuva, e lhe entreguei Renesmee. – Perdi muito durante essa semana?

A despeito da surpresa com minha diplomacia, Bella deu de ombros.

— Não muito. Edward já deve ter contado do revezamento de Seth e Leah embaixo da sua janela. Leah vem toda manhã e Seth toda tarde. Jacob comentou que estão insuportáveis.

Arqueei a sobrancelha, cética.

— Leah se dignando a vir ao clã dos Cullen por livre e espontânea escolha? – indaguei retoricamente e bufei. – Essa é nova.

— Nem me fale. – Edward parou junto a nós na varanda, estreitando os olhos em fendas. – Por falar nisso, ela ainda não deu o ar da graça. Se pretende continuar anônima até o cair da noite, devia se esconder, irmãzinha.

Neguei com um movimento da cabeça.

— Preciso que Leah me quebre um galho – expliquei. – Se não vier até as quatro, terei que ligar para que ela venha a nós. Mas primeiro... uma questão de maior importância. – Espichei o pescoço, analisando o interior da mansão. – Esme está?

Um mistério tomou os grandes olhos de Bella e um sorriso doce se esticou na boca de meu irmão. De repente, percebi que não conseguia ouvir nenhum dos pensamentos na casa – Bella estava me bloqueando. Fiquei instantaneamente tensa, investigando no futuro imediato o que tentavam esconder.

— O que está havendo?

— Entre, Anna. – Edward me empurrou para dentro.

— Mas eu estou imunda – contrapus, tentando não andar para além do carpete da entrada.

— E...? – repicou ele, rolando os olhos.

Eles me conduziram – ou melhor, me arrastaram – até a sala de jantar e, ao ver o que me aguardava, deixei escapar um arquejo de emoção. Estavam todos ali – Esme, Carlisle, Emmett, Rosalie, Jasper e Alice –, sentados à mesa com um soberbo banquete disposto diante deles. Frango assado, tender, vinhos, torta de maçã, pães açucarados, castanhas e frutas vermelhas... comidas típicas e muito específicas de uma época do ano. Estudei as roupas deles e entendi; trajados em tons de verde, dourado, branco e vermelho, se eu fechasse os olhos, poderia me sentir de novo em uma festa de Natal, feito as que eu adorava em Chicago... e nunca mais tive. Claro que todo ano Joseph, David e eu trocávamos presentes, mas não era mais a mesma coisa. Céus, eu costumava gostar tanto do Natal. Era o único dia do ano em que não havia raiva, nem dor e nem ressentimento com Elizabeth – o único dia em que eu realmente tinha uma família. Fiquei comovida por Edward conseguir se lembrar disso – e por ser a forma mais gentil e menos intrusiva que ele encontrou de demonstrar que se importava comigo.

De olhos úmidos, dei um sorriso sarcástico.

— Como sabiam que eu estaria com fome?

Naturalmente, o silêncio foi preenchido por gargalhadas.

— Intuição – Emmett rebateu, alegre, rolando uma uva entre os dedos, causando uma nova rodada de risos. Permiti que o ar de brincadeira se dissolvesse antes de expressar toda a minha gratidão por aquele momento.

— Obrigada. Eu não poderia desejar uma família melhor. – Fitei Carlisle e Esme. – Nem pais mais amorosos e dedicados. Peço perdão por tê-los preocupado.

Esme levantou da cadeira e veio direto ao meu encontro; parecia incapaz de se refrear. Carlisle a seguiu com as mãos nos bolsos da calça cáqui, sempre calmo e cortês, mas evidentemente sem saber como agir.

— Nunca mais deixaremos que vá embora – sussurrou Esme, os braços marmóreos me envolvendo com a suavidade de uma pétala de flor caindo. Seus olhos brilhavam; se ela fosse humana, eu podia apostar que estaria se debulhando em lágrimas. – Você é a nossa menininha, nossa filha. Jamais duvide de nosso apreço por você.

— Não duvido – assegurei. – Nem por um instante. Eu amo vocês.

De algum modo, o abraço entre eu e Esme virou um abraço coletivo. Os únicos a continuar sentados foram Rosalie, porque se considerava superior demais para aquilo, e Jasper, que nos fitava como se fôssemos um bando de selvagens. O olhar de espanto dele me tirou uma risada alta.

— É sério, pessoal, eu estou faminta – murmurei, o que fez todos se afastarem risonhos.

Ignorando o fato de que Renesmee e eu éramos as únicas a desfrutar do banquete naquela mesa, foi exatamente idêntico à uma ceia de Natal em família; conversamos – sem que ninguém interrogasse o que eu andara fazendo na última semana –, nos divertimos com as piadas ruins de Emmett e ao final, horas mais tarde, eu me encontrava tão empanturrada de comida que estava quase dormindo sobre o prato. E considerando o cansaço da viagem, minha única vontade era me estirar sobre um colchão e dormir feito pedra, entretanto a festa de aniversário de Seth seria em algumas horas e eu precisava urgentemente tirar as feições de mendiga de porta de boteco. Levantei-me saudando a todos, e já seguia para o meu quarto quando Alice se juntou a mim toda faceira, entrelaçando o braço ao meu.

— O que está fazendo? – inquiri, parando na metade da escadaria.

Alice me encarou como se eu fosse idiota por não saber.

— Vou lhe deixar apresentável para a festa, ora essa! – Colocou as mãos na cintura. – O que mais poderia ser?

— Ah, mas não vai mesmo! – Recuei. – Alice, quantas vezes preciso dizer que não sou uma boneca de pano, para você ficar vestindo? – Inclinei-me sobre o corrimão. – Edward, venha aqui me salvar!

Silêncio. O patife tinha me largado a esmo com aquela terrível baixinha. Alice subiu mais um degrau e estreitou os olhos de âmbar no nível dos meus.

— Oh, mas vou sim – embirrou. – Você está claramente acabada, portanto não tem forças para resistir ante à minha teimosia. E não esperei semanas para colocar as mãos nesses cabelos para você estragar tudo agora, Anna.

Revirei os olhos, entregando os pontos. Não estava com fôlego para me sobressair em discussões inúteis.

— Que seja. Só me deixe dormir um pouco.

— Fechado. – Alice bateu palminhas.

Preciso admitir que Alice cumpriu piamente com os termos dela no acordo – eu cochilei a maior parte do tempo enquanto me tornava a sua Barbie pessoal, tendo apagado em algum estágio da esfoliação “limpeza pesada” e acordado defronte à penteadeira de seu quarto, vestindo um pavoroso roupão cor-de-rosa. Eu não estava acostumada a me despir na presença de quem quer que fosse – sendo que todas as pessoas que me viram sem roupas já haviam virado adubo –, mas isso não mostrou ter qualquer efeito sobre Alice; sua experiência em cuidar de Bella após o incidente em Phoenix fez com que nudez não lhe passasse de um fator banal. Peguei no sono mais uma vez ao que Alice aplicava uma pasta facial com aroma de hortelã – sentindo um prazer secreto por isso me lembrar do hálito de Seth – e tive o mais estranho dos sonhos à medida em que ela me enlambuzava: Leah sentada de pernas cruzadas na poltrona perto da porta folheando uma Vogue no som de Man! I Feel Like a Woman.

O mais estranho ainda foi eu perceber que não havia sonho algum.

Ay caray. Leah? – grasnei, ficando de pé e me desequilibrando nos saltos. Saltos?

Leah percebeu o meu flagra e atirou a revista para trás casualmente, como quem joga o cabelo sobre os ombros. Ela endireitou a postura para então cruzar os braços sobre o despojado macacão azul que lhe cobria o corpo, bem diferente do glamour discreto de Alice em tons de dourado. Ainda estupefata pela situação, demorei a reparar que seu olhar era gélido.

— E aí, sua cretina? – cumprimentou, o que fez com que eu me encolhesse no lugar, envergonhada. Em geral nos tratávamos por palavras pouco amistosas, mas ali ela foi sincera. Leah estava magoada de verdade.

— Desculpe. Eu precisei ir.

Ela se levantou e até parar a centímetros de mim, me fitando intimamente nos olhos. Por um segundo, ela pareceu muito com Sue. Todos nós entendemos sua dor, Anna, pensou. Edward esclareceu por alto o que aconteceu, mas nem isso justifica você nos ter abandonado. Você se tornou, nesse curto espaço de tempo, a melhor amiga que já tive na vida. E para Seth... Tem a menor ideia do tamanho da importância que tem para ele?

Engoli a saliva audivelmente, controlando um novo acesso de choro. Seus pensamentos trouxeram à tona tudo o que ela vira Seth passar no decorrer daquela extensa semana; as crises de insônia, os acessos de raiva, as vezes em que ele pareceu tão disperso, tão distante, que ela soube que de algum modo tudo dele estava presente comigo, não importando por onde eu estivesse perdida...

— Sinto muito. – Desviei os olhos, bloqueando as imagens que penetravam como agulhas em meu peito.

Leah não permitiu que eu me esquivasse – ela me ergueu o queixo com um aperto, obrigando-me a encará-la. Posso ver em seus olhos o quanto está envolvida também, constatou. Mas se você de fato o ama, por favor, pare de feri-lo... E comece a amá-lo da forma certa. Comece a nos amar da forma que amamos você, Anna, porque para nós você já é parte da família. E para completar o pacote de choque gratuito, ela me abraçou e se afastou com a mesma rapidez. Como em um passe de mágica, qualquer rastro de amargura ou sentimento ruim sumiu de sua expressão, sendo substituído por um meio sorriso.

— Você está maravilhosa – elogiou, os dedos alisando uma mecha de meu cabelo.

— Estou? – surpreendi-me, girando os calcanhares para o imenso espelho de Alice e arfando diante da minha imagem.

Não havia mais roupão horroroso ou qualquer substância pastosa. Os largos cachos haviam sumido e meus cabelos, agora um tanto mais curtos devido a um corte, caíam feito uma cortina de seda castanho-avermelhada na altura da cintura, emoldurando meu rosto de um modo nada infantil. Minha pele cintilava com um brilho suave e todo o foco estava voltado para os olhos, enormes e expressivos graças ao efeito enigmático com que as sombras foram aplicadas. Tudo isso era irrelevante se comparado ao vestido, porém. De alças finíssimas e de um profundo tom de violeta-acinzentado, seu comprimento era indecorosamente curto – o tecido fluido, leve e soltinho mal alcançava a metade das coxas. Tirando as ankle boots de salto agulha e a pulseira quileute, não havia mais nada me cobrindo; não havia meia-calça ou nem mesmo um sutiã segurando os supergêmeos.

— E...? – sondou Alice, retorcendo os dedos de expectativa. – Como se sente?

Tencionei tocar o reflexo no espelho, mas desisti. Não queria descobrir se era real.

— Eu me sinto... bem prostituta. Alice, com o que diabos você me vestiu?

Ela grunhiu e bateu com as mãos nas pernas.

— Pelo amor de Deus, Anna, é só um vestido de noite! – justificou-se, muito ofendida. – É lindo e não ficou nada vulgar. Para que todo esse drama?

— Está brincando? – Rodopiei defronte ao espelho e ergui os braços para cima. – Vê? Mais quatro dedos e dá para ver os contornos da Terra Prometida! De jeito nenhum eu saio de casa usando essa camisola.

Leah deixou escapar um riso e bufou, revirando os olhos.

— Não seja exagerada, está incrível. – Ela agarrou meu pulso, me puxando para a direção da porta. – Agora, vamos. Fiquei sabendo que você precisa de um favor.

— Mas... – tentei argumentar, embora fosse obviamente uma causa perdida. – Alice, pelo menos me dê uma jaqueta.

Ela me estudou com cuidado para somente enfim correr até o closet e escolher uma de couro com uma pegada mais motociclista.

— Esse é meu único consenso – ultimou, me estendendo a jaqueta junto com uma bolsa cinza minúscula.

— Já serve. – Passei os braços pelas mangas, procurando não dar chances para ela mudar de ideia. – Muito obrigada pela aparência de meretriz. Tentarei não agir como uma.

— Devia tentar não agir como Edward, pois está sendo antiquada feito ele – rebateu.

Mostrei a língua em resposta antes de bater o pé até a sala. Enquanto Leah e eu caminhávamos para a garagem, Edward nos interceptou; reparei que ele torceu o nariz para o vestido – o que era previsível –, mas não disse nada sobre o assunto.

— Já que os presentes que escolheu não cabem no seu carro, tomei a liberdade de lhe emprestar o Jeep de Emmett e acomodei-os todos lá – informou, prestativo de uma maneira suspeita. – E como percebi que está um pouco atrasada, deixei-o estacionado na entrada. A chave está na ignição.

— Obrigada, Ed – agradeci, sem saber reagir. – Voltarei até as...

Ele me impediu com um gesto das mãos.

— Não tenha pressa. Somente... resolva sua situação com Seth logo – e partiu na velocidade da luz dentro da casa, provavelmente fugindo da investigação mental que eu estava por fazer.

Fiz uma careta para Leah.

— Certo, isso foi bem estranho.

Ela apenas deu de ombros, tentando sem sucesso esconder um sorrisinho irônico, mas no que saímos para a noite e paramos do lado do Jeep, ela avaliou o cavalete emparelhado entre o porta-malas e o banco traseiro com a testa crispada.

— O que comprou para o meu irmão? – interpelou ao adentrarmos no Jeep. – Uma barra de strip-tease, para combinar com sua roupa?

— Já chega – rosnei, abrindo a porta do motorista –, vou lá tirar essa coisa.

Ela me impediu segurando a gola da jaqueta:

— Caramba, onde você esqueceu seu senso de humor? – De chateada, sua fisionomia ficou confusa conforme observava a floresta escura pela porta aberta. – E eu podia jurar que estava chovendo.

— Vocês estão me deixando nervosa – expliquei, fechando a cara e a porta. Aquilo vinha ocorrendo com frequência naqueles últimos dias; sempre que meu emocional ficava carregado, meus poderes ficavam inconstantes e quase fora do controle, o que eu não sabia como desvendar e muito menos reprimir. Não havia tido uma experiência parecida com aquilo antes de Forks.

Leah se esforçou para conter o assombro – quer dizer, eu estava erguendo inconscientemente um campo gravitacional por um raio de cem metros – à medida que eu ligava o Jeep, manobrando-o rumo à rodovia. Ficamos em silêncio e, ainda que seu fluxo de pensamentos estivesse um pouco alvoroçado, Leah só abriu a boca para falar quando a silhueta da primeira praia de La Push surgiu adiante.

— O que é esse “favor” que quer me pedir? ­– averiguou muito concentrada, colocando o cabelo atrás da orelha.

Mantendo o olhar na rua por onde entrava, gesticulei para o cavalete.

— Deixe tudo no quarto dele. Sue não ficaria contente se eu invadisse sua casa para fazer isso. – Leah assentiu, quieta, e assim que eu desliguei o veículo próximo ao local da festa, joguei-lhe o molho de chaves ao passo que pegava um embrulho prateado no banco de trás. – Leve o Jeep, não quero que nada estrague por causa da chuva.

— Divirta-se – despediu-se e a conotação em sua voz era um tanto pornográfica.

— Idiota – resmunguei, descendo do Jeep.

— Cretina.

Leah se esgueirou para o lado do motorista e me soprou um beijo debochado, testando o ronco do motor para finalmente acelerar pela rua – com certeza ela teria me respingado inteira se não fosse a telecinese agindo à minha volta. Ajeitei a alça da bolsa e examinei a estrutura de madeira escura minuciosamente antes de me mover; era um celeiro melhorado, grande e limpo, onde fervilhavam luzes coloridas, música exageradamente alta e muitas vozes. Exceto uma mercearia do outro lado da rua, não havia qualquer construção por, pelo menos, uns quinhentos metros, e o terreno estava apinhado de carros. Andei com discrição pelo ar a alguns milímetros do solo – eu sabia que aquele salto maldito afundaria na grama que se afogava em poças – e suspirei alto sob o batente, insegura.

Não ajudou muito que três garotos parassem de conversar logo que entrei no salão, todos os três descendo o olhar pelo caimento do vestido até as minhas pernas nuas. Uma menina me avistou e cutucou a amiga, e sem demora cochichou algo a respeito dos Cullen na orelha dela. De pirraça, fingindo não ter percebido, tirei a jaqueta e a larguei com a bolsa na mesa adjacente à entrada onde vários outros casacos e bolsas se amontoavam. Ignorando os olhares que me atiravam – a maioria pouco gentil ou positiva –, me empenhei em procurar Seth na multidão – o que não foi nada difícil, considerando a altura dele.

Eu o vi antes que ele me visse. Perdi um pouco o ar. Santo Deus, como ele estava lindo. A camiseta azul-marinho se colava em seu peitoral de um jeito que deixaria até Adônis com inveja. A calça jeans tinha uma lavagem clara e contrastava com o cinza-escuro do tênis. Os cabelos negros, que ele em vão tentara pentear, tinha uns fios rebeldes se espetando no topo. Minha nossa, será que estava mais alto? Como isso era possível? Não... Mais alto não, mas certamente maior. Mais maciço. Mais adulto. Havia algo errado, entretanto. Seu cenho estava franzido demais e olheiras fundas maculavam o brilho de seus olhos de obsidiana. Ele estava com Kurt e Griffin, indicando dar pouco crédito ao que os amigos lhe diziam, trazendo na mão um copo de ponche intocado.

E então aquela mágica atração entre nós trouxe os olhos dele para os meus. Ele paralisou no lugar, estático. Por um instante, mesmo debaixo de todo aquele barulho, escutei seu coração falhar e em seguida bater em disparada. E de repente uma urgência desesperada lhe subiu o corpo; ele entregou o copo de ponche a Kurt sem ver e abriu caminho pela multidão, sem se desviar por um segundo de mim.

Quando ele me tomou nos braços e me abraçou com força, toda a dor e incerteza que vinham me consumindo, me matando aos poucos, desapareceram sem deixar vestígio. De súbito, tudo fez sentido.

Eu não precisava de um pedaço de terra para me agarrar. Não.

Eu tinha todo um mundo novo ao qual me segurar, me prender, pertencer.

Seth.


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Notas finais do capítulo

Eeeeaí? O que acharam? O que acham que vai acontecer agora??? SEXTA, NO GLOBO REPÓRTER!
PS: estou cogitando fazer uma parte da fanfic narrada pelo Seth, em vez de seguir tudo pelo lado da Anna. Não tem nada certo ainda, mas... O que pensam disso?



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