Estrela da Tarde escrita por Ametista


Capítulo 10
Luz e Trevas


Notas iniciais do capítulo

Pessoinhas, vocês estão me dando taquicardia! Quase mil visualizações e só meus dois amorzinhos comentando? ( É, Lee e Emme, o papo e o agradecimento é com vocês mesmo ♥) Enfim, mudando de ares, esse eu demorei para terminar porque nunca ficava do jeito que eu queria, mas acho que dessa vez eu acertei...



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/387155/chapter/10

O desafio pairava no ar do The River’s feito uma névoa. Ninguém ousava falar, e estávamos todos tão perto que eu podia sentir a respiração de Leah na minha nuca. Estreitei os olhos para meu adversário já meio bêbado, um homem grande de olhos mínimos e nariz largo – visivelmente um pescador, a presumir pelas mãos calejadas e cheias de cicatrizes –, e peguei a taça com o líquido verde para junto dos lábios.

Mal havia encostado a boca na bebida quando meu celular tocou. Larguei a bebida e ergui um dedo:

— Só um minuto – pedi, tirando o celular do bolso do jeans e levando para a orelha.

— Onde você está, Anna? – interrogou Edward logo que atendi.

Revirei os olhos, a mão na cintura.

— Na igreja. – E cantei um fragmento de Oh Happy Day. Todos os homens entorno caíram na gargalhada.

— Está em algum bar?! – supôs ao som das vozes, incrédulo. – Você é inacreditável!

— Não se preocupe, Ed. – Analisei as unhas, indiferente. – Leah está comigo.

Isso não o apaziguou:

— Venha para casa – rosnou. – Agora.

— Chego daqui a pouco. Primeiro, vou terminar de depenar um frango. – E desliguei sem esperar resposta, vertendo a taça de uma vez só; o absinto fez cócegas ao passar pela minha garganta. O bar todo fez um estardalhaço quando não vomitei com a famosa Fada Verde e Stu, o proprietário e balconista, se inclinou sobre a superfície de madeira, embasbacado.

Meu adversário me apontou o indicador, grogue:

— Você tem topete, ruiva. Eu tenho que admitir.

— E então, vai amarelar? – Minha mão voou nas quatrocentas pratas acima da mesa, arrastando nas notas para o meu lado.

A mão dele prensou a minha nas cédulas e os olhos se apertaram:

— Quantos anos você tem? – retrucou, tentando me intimidar. – Aposto que não tem o suficiente para beber.

— Aqui. – Joguei o celular junto à taça dele com um sorriso torto descarado. – Meu telefone tem uma linha direta com o chefe de polícia Swan, se quiser ligar e perguntar. Além do mais, ninguém pediu minha identidade. – Pisquei e soprei um beijo para Stu, que ficou vermelho no ato e desviou o olhar, assobiando. – E por que isso importa, afinal? Tem medo de perder no levantamento de copo para uma garotinha?

O bar inteiro uivou para ele. Leah se inclinou e deu-lhe tapinhas no ombro.

— É, Chuck, ela está chicoteando o seu traseiro – ela tripudiou, se esforçando para parecer triste. – Se eu fosse você, desistiria enquanto pode. Já perdeu até as calças no pôquer.

Mais risos.

Ele arrotou um sorriso frouxo e apanhou a taça, por um segundo parecendo muito corajoso e decidido, mas eu conhecia bem aquela expressão. Puxei Leah para trás no que ele deu o primeiro gole, porque logo em seguida o tal Chuck se engasgou, virou a cabeça para o lado e vomitou um jato nos pés de dois recém-chegados, que por sinal eram Jacob e Paul. Leah e eu choramos de tanto rir, escoradas uma na outra, à medida em que o bar entoava o coro da vitória. Fazia anos que eu não me divertia tanto.

— Isso foi nojento e totalmente desnecessário. – Guardei o celular e o dinheiro nos bolsos. – E eu ganhei. – Leah e eu batemos um high-five.

— Espere! – Stu saiu detrás do balcão com uma máquina fotográfica. – Isso merece ser registrado. Nunca vi nada igual. Segure a garrafa perto do rosto, por favor.

— Vou querer uma cópia – murmurei ao que simulava namorar a garrafa para a foto.

Uma mão firme me ergueu pela gola da jaqueta antes que o flash disparasse. Cambaleei para trás, meus pés procurando equilíbrio no chão, e alguém me tomou a garrafa verde, pousando-a ao lado da taça praticamente intocada de Chuck – que por fim, acabou sendo amparado pelos colegas antes que se escavacasse na mesa. Paul espantou Stu com alguns gestos impacientes ao que Jacob me firmou defronte a ele, encarando-me de maneira inquisitiva.

— O que está fazendo em La Push, Anna? – questionou, não irritado como Edward, mas cansado. Assumir a liderança de Sam enquanto o alfa majoritário da tribo viajava em lua de mel com Emily já estava lhe esgotando.

Fingi inocência:

— E por que não estaria? – sussurrei, baixinho para que os outros homens não escutassem. – Você mesmo disse que agora faço parte da história da tribo e que tenho influência aqui. Apenas estou usando essa tal influência de uma maneira divertida.

Jacob bateu com a mão na testa e a correu pela cara. Ele não queria ter que resolver aquela situação. Chegou aos ouvidos do Conselho que uma cara-pálida estranha estava causando um alvoroço no bar do píer e eles enviaram o outro alfa para dar conta do trabalho, mas eles sabiam que eu tinha tanto direito de estar ali quanto qualquer nativo, pois de certa forma eu pertencia aos quileutes. Como explicar isso aos que não estavam tão familiarizados com as lendas?

— Oficialmente, você é ainda uma forasteira – sibilou Paul, o “beta” de Sam. – E está criando problemas.

— Oficialmente, eu poderia ser da tribo. Recebi três pedidos de casamento esta noite. – Acenei para os imbecis no canto do bar, que retribuíram, fascinados pela armadilha de minha beleza. Leah reprimiu um sorriso. – E não estou criando problemas, esses maricas só estão choramingando porque estão perdendo. Pergunte ao Stu.

— Seu irmão e os outros Cullen sabem disso? – Paul cruzou os braços, sem perceber o que deixou escapar.

O silêncio caiu feito uma bomba. Todos pararam o que estavam fazendo e viraram o rosto para nós quatro – até quem se sentava travou no meio do movimento. Stu quebrou um copo, mas nem se mexeu para recolher os cacos. Tive que segurar o impulso de dar um gancho de direita em Paul para calar aquela boca grande – e ele já estava me devendo um, desde que me acertou em cheio na cabeça na primeira vez que pisei em La Push, afinal, matilhas separadas não possuem vínculos telepáticos e ele não podia ter simplesmente adivinhado o imprinting.

— Ela é uma Cullen? – grasnou Stu, e eu entendi que, assim como os outros, ele estava procurando os sinais, pelos olhos dourados e pela pele extremamente pálida e fria, detalhes que há tempos haviam se perdido no cor-de-rosa constante de minhas bochechas quentes, no tom de baunilha da minha pele clara e nos olhos do mesmo verde da copa das árvores no fim de tarde.

Já imaginando no que aquilo daria, Jacob prendeu meu braço em um aperto de torniquete e me arrastou para fora do bar, com Leah e Paul nos acompanhando. Fomos recebidos pelo céu noturno da meia-noite com uma chuva fina, quase uma garoa, que grudava como minúsculos cristais nos fios dos cabelos. O gesto de Jacob era violento apenas superficialmente – era a alternativa que ele encontrou para ter certeza de que os homens do bar não nos seguiriam, prontos para acender as tochas e empunhar os ancinhos. Não pude deixar de sorrir sardonicamente com a cena.

No instante em que saímos do plano de visão do píer, Jacob me largou – a expressão, porém, censurava o meu sorriso maquiavélico:

— Pelo amor de Deus, Anna, seja boazinha e vá para casa – implorou.

Dei de ombros e funguei.

— Eu já estava de partida mesmo, Ed ligou não tem nem quinze minutos. – Tirei todo o dinheiro dos bolsos e entreguei para Jacob, que me olhou dubiamente. – Doe para a escola da reserva. Eles podem comprar livros ou algo do tipo. Não é muito, mas foi o que ganhei e eu nunca fico com essas quantias.

— Oitocentos e setenta dólares? – ele contou, surpreso. – Tudo isso só com apostas?

Fiz que sim ao que Leah me deu um soco de brincadeira:

— Ela fez mágica com o dinheiro. Chegou aqui com cem pratas escondidas no bolso da jaqueta, gastou metade em hambúrgueres e peixe frito e o resto virou isso aí na mesa de pôquer.

— Pôquer? – Jacob ruminou a palavra. – Você trapaceou, não é?

— Claro que não! – reagi com ultraje. – Que honra há nisto? Não, não, eu ganhei justamente.

— E onde aprendeu a jogar pôquer? – se adiantou Paul, interessado.

Fitei-o, cética. Pensei que era óbvio.

— Las Vegas. – Onde mais alguém aprenderia a jogar cartas? – Caesars Palace, 1978.

— E de que jeito exatamente você entrou em um cassino?

Bufei.

— Jacob, estamos falando de Vegas. E eu tenho dinheiro e peitos. Isso é basicamente um tapete vermelho para a área VIP. – Olhei para Leah. – Podemos ir semana que vem se você não tiver nenhum compromisso.

Leah revirou os olhos e Jacob começou a me empurrar na direção da floresta, me enxotando:

— Sério, se manda, Anna. Você está começando a me dar nos nervos e eu ainda tenho que limpar esse vômito do pé.

— Está bem, está bem – ri e comecei a saltitar para longe deles, mas antes de alcançar a orla das árvores, hesitei um passo. – Diga a Seth... para ir em casa amanhã. Que preciso falar com ele.

Não permiti que vissem meu rosto, apenas desapareci na escuridão.

 

Acordei bem devagar, em choque. Ainda deitada nos lençóis emaranhados, olhei em volta completamente maravilhada, e sorri, mal conseguindo acreditar.

Era a primeira vez em dez anos que eu não tinha qualquer sonho.

Isso me preencheu de uma alegria sem igual. Levantei-me com entusiasmo da cama e me espreguicei, vendo o dia com bons olhos apesar de estar caindo água aos litros na parede de vidro do quarto, embaçando a paisagem em um grande borrão.

O bom humor me deu disposição para praticar – algo que eu já não tentava fazia semanas. Substituí o pijama por um collant preto de mangas curtas com uma careta no rosto; eu era magra a ponto de alguém conseguir juntar os dedos na minha cintura, mas meus seios eram tão grandes que eram quase como um continente próprio no meu corpo, e só uma bailarina entende como isso atrapalha no ballet. Comportem-se, supergêmeos, pensei no que o tecido estalou ao se moldar em minhas curvas. A meia-calça, não tinha opção a não ser rosa claro; era difícil encontrar meias de dança de qualidade que não fossem nessa cor ridícula. Prendi o cabelo em um coque firme – tendo que cortar dois palmos para isso, pois à essa altura os cachos já estavam quilométricos de novo –, amarrei uma saia na cintura, calcei um par de sapatilhas de ponta cobertas de breu e desci as escadas para o café da manhã.

Esme ficou perplexa – e muito satisfeita – por me ver tão alegre. Serviu meus waffles com frutas cantarolando e eu me peguei complementando a melodia entre as garfadas – acabamos terminando as notas com risos. Ela sorriu e puxou um cacho solto junto à minha orelha.

O que vai dançar, minha querida?, perguntou com doçura.

Senti meus olhos brilharem de emoção. Não escolhi ainda. E não vai ser somente dançar, expliquei. É uma forma que desenvolvi de praticar meus poderes, eu já lhe mostro. Só preciso me aquecer um pouco.

Então vá já se aquecer, que estou curiosa. Edward contou que sua dança é única.

Revirei os olhos, levantando da cadeira. Não acredite em tudo o que Eddie diz, mãe.

O sorriso de covinhas se abriu, radiante feito a alvorada – nada do que eu fizesse iria deixar Esme mais feliz do que chama-la de mãe, especialmente depois que ela entendeu como essa palavra tinha peso para mim.

Fui para a sala ainda cantarolando e me apoiei no corrimão da escada para me alongar com alguns demi-pliè e détiré, na falta de uma barra específica. Em seguida, executei um lento e gracioso addagio cheio de pliés e développés, arabescos e piruetas e, por fim, apenas para ter certeza de que eu estava bem afiada, dancei um suave petit allegro. Nisso, eu já tinha até uma plateia curiosa – Esme se sentou no braço do sofá ao lado de Jasper e Alice, que observavam meus movimentos ritmados sem música. Estranhei que os dois ainda estivessem na casa; normalmente eles iam passear pelas montanhas na parte da manhã e, de vez em quando, levavam Renesmee com eles. Talvez não quisessem encontrar Emmett e Rosalie derrubando árvores de uma maneira questionável – eu também não iria querer ver isso.

Conhecendo a trajetória e o interesse de Jasper acerca de tipos de treinamento, decidi esclarecer de que forma o meu funcionava antes de começa-lo:

— Bem, Jasper, você deve especular que para condicionar meus poderes, eu teste meus limites em atividades imensas, não é? – Ergui as mãos para o alto e toda a sala levitou; o vaso no canto, o piano no plano elevado, o sofá com eles sentados, a estante de livros, eu. – Mas eu descobri que existe algo muito mais desafiador. – Pousei-nos no piso novamente com delicadeza. – Fazer coisas pequenas com extrema precisão e realizando o maior número de tarefas possíveis. – Puxei o ar profundamente e fiquei na posição, os braços pendurados na frente do corpo formando um círculo, os cotovelos afastados. Distendi meu poder por todo o cômodo, mas me enfoquei apenas no piano, conectando-me à cada corda, à cada tecla. – Eu já fiz isso com violão, nunca tentei com piano. Vamos ver o que sai.

A ponta de meu pé direito se arrastou em uma leve curva. O som da primeira nota pairou agudamente no ar, feito uma promessa. Fechei os olhos e de súbito dança e música eram uma única estrutura, uma entidade ávida por dizer a que veio, pois a música não é somente questão de som, é coração, é sentimento, e a dança é sentir e fazer sentir. Tratava-se uma de minhas composições antigas, de uma melodia tão complexa que precisaria de, no mínimo, quatro mãos humanas para tocá-la. Era a história boba de uma estrela que caiu do céu e que fez de tudo para voltar ao lar, mas que quando retornou ao céu já não pertencia mais à noite – era uma filha do dia que brilhava junto à luz do Sol, uma estrela da tarde. Tanto da Luz quanto das Trevas.

Meus passos desabaram em uma espiral dramática e se estenderam para a busca voraz e interminável, e quando enfim meus braços se abriram para o céu, meu corpo todo arqueado para abraçar a glória da conquista, senti-me resplandecente. O silêncio veio precedendo os aplausos ininterruptos, e foi quando abri os olhos. Alice e Esme estavam de pé e Jasper boquiaberto, senão um tanto pasmo, pela música ter saído perfeita. Fiz uma reverência, agradecida.

— Nossa... – murmurou Alice. – Estou sem palavras.

— Isso foi tão lindo, Anna! – exclamou Esme, correndo para me abraçar. – Tão... etéreo! Você nasceu para a dança, minha querida! Pode dançar mais? Por favor?

Afastei-me dela e franzi a testa. A maioria de minhas composições eram excessivamente melancólicas e sombrias – retratos vivos de experiências muito pessoais –, e eu não queria estragar um dia magnífico feito aquele com elas. E quanto às que eram alegres, eram poucas as que eu tinha agregado uma coreografia decente.

— Importa-se de não ser algo de minha autoria? – perguntei e fiquei aliviada por ela negar.

Suspirei ao arquear a postura e Esme voltou para o sofá com os olhos arregalados de expectativa. Testei as cordas do piano mais uma vez antes de começar a tocar a Variação de Odettede O Lago dos Cisnes—, incorporando-me na pureza e na graciosidade da personagem em uma coreografia original. Um ballet triste, eu estava ciente, mas era mais fácil me concentrar na dor alheia do que na minha própria dor. Embora seja absurdamente clichê, O Lago dos Cisnes era o meu clássico favorito pelo simples motivo de que eu conseguia compreender de forma substancial o âmago das protagonistas Odette e Odile. Odette era uma jovem inocente condenada a viver presa no próprio corpo, perseverante na sua espera pela liberdade, e a maliciosa Odile não hesitava em usar a sensualidade ou manipular quem fosse para atingir seus objetivos – ambas facetas da personalidade confusa que eu sabia que guardava dentro de mim.

Enquanto eu estava ali, quase alçando voo com minhas asas imaculadas de Cisne Branco, o barulho da chuva no telhado foi diminuindo até sumir de vez e o zunido de alguém correndo vindo do norte se sobressaiu – Jasper foi o único a virar a cabeça, porque Esme estava absorta demais na dança e Alice já sabia que eram Edward, Bella e Renesmee – sendo que ela só enxergava Ed e Bella –, vindos do chalé. Meu irmão entrou na sala praticamente em estado de alerta com o soar do piano e se derreteu que nem manteiga quando me viu equilibrada na ponta da sapatilha.

Ri de sua expressão assim que terminei; era quase de saudade.

— Pode me ajudar com o pas de deux? – pedi, a mão distendida para ele.

Edward me fitou como se eu tivesse pedido para ele abaixar as calças diante de todos.

— Vamos, Eddie, não seja tão antiquado! Não vai precisar fazer spacatto e nem nada. Vou lhe mostrar os passos por telepatia e você vai me dar o apoio necessário na hora certa.

— Não posso dar o apoio necessário daqui?

Esme fez uma carranca de reprovação e ele revirou os olhos. Até Bella o tocou no braço, incentivando-o a participar.

— Só vou concordar com isso porque Emmett não está em casa.

— Não se preocupe, eu conto para ele – garantiu Jasper e seu rosto se iluminou, a mão tateando os bolsos. – Na verdade, acho que gravar seria mais adequado. – E apontou o celular para nós.

Tossi para disfarçar o riso e Edward se posicionou a alguns metros paralelamente a mim, os olhos de topázio me fuzilando. Está me cobrando agora o preço por tê-la obrigado a ir no casamento de Emily e Sam?

Foi difícil manter a fisionomia sofrida e frágil de Odette no rosto, mas a música – outra profusão intrincada de notas que demandaria dois pares de mãos humanas – ajudou à medida em que eu batia os braços para perto dele – tive que fechar os olhos para que os outros não vissem o sarcasmo refulgir no verde-esmeralda deles. Não, cobrei esse preço ontem. O de agora são os juros. Quer no crédito ou no débito?

Quero é lhe estrangular, entretanto acho que Esme vai ficar magoada com minha falta de cavalheirismo.

Fiquei contente pela parte da coreografia em que estávamos exigisse que eu me recolhesse no chão, a cabeça unida no joelho da perna estendida ao que a outra ficou dobrada, pois isso escondeu o meu sorriso diabólico. Você pode tentar a sorte, pensei para ele.

Deixo para a próxima, definiu, apanhando meus pulsos para me puxar para cima. Sei que não vai demorar, afinal, você tem uma aptidão incomum para me deixar furioso.

Isso se chama ser irmã mais nova, Ed, lembrei-o, girando com os braços formando um arco no alto.

Senti-o sorrir. Edward não estava sintonizado no papel de Príncipe Siegfried ou na peça em si como eu; estava mais interessado em nossa conversa clandestina. Você está feliz, notou.

Sim, admiti. Ontem tive uma dura conversa com Leah... que de certo modo me libertou. Nunca antes tinha percebido o quanto eu era refém do passado, mas não tinha razão para pensar nisso quando estava morando com Joseph e David, até porque eu nunca mencionei absolutamente nada da minha fase humana para eles. Só que agora estou aqui com você, meu irmão, e tudo o que eu havia negligenciado está voltando.

Edward tentou ler meu rosto. Está falando da sua relação com Hans... e de Seth também, não está? Anna, Hans amava você e iria querer que fosse feliz.

Gemi internamente. Eu sei. Foi basicamente o que ele me disse antes de partir. Sei que foi sincero porque eu teria pedido o mesmo a ele.

Então... qual é a justificativa para toda essa resistência?

“Zomba da dor quem nunca foi ferido”, respondi e Edward ficou confuso por me ouvir citar Romeu e Julieta, o que acabou sendo um ponto final em nosso diálogo mental. Desfrutei do que restou da melodia, quase flutuando por ela, com um sentimento amargo no peito; pareceu-me profético e mordaz estar discutindo minha desventurada vida amorosa na pele da delicada Odette, aquela que tinha a libertação representada no amor verdadeiro, algo do qual ela ficou muito perto de conseguir... e que escorreu entre seus dedos como gelo no fogo.

Vai ficar tudo bem, irmãzinha, assegurou-me Edward no último abraço do pas de deux.

Não fiquei particularmente surpresa que as palmas de alguém se destacasse entre as demais no fim da música – tive uma visão de Seth correndo para Forks quando a chuva parasse durante o meu corte de cabelo pela manhã e sabia, através de seus pensamentos, que era realmente ele. Mas levei um susto – um susto genuíno, com boca escancarada, respiração falhando e tudo mais – no momento em que abri os olhos e o vi parado na distância de alguns metros de mim usando apenas uma bermuda clara e um par de tênis.

Falando sério, eu não era do tipo de criatura que se constrange com facilidade, mas eu nasci em uma época em que usar vestidos acima do joelho já era considerado algo insensatamente escandaloso – então era de se esperar que ter um rapaz seminu no meio da sala me chocasse. Recuei um passo, sentindo o sangue me subir feito lava no vulcão.

— Oi – sussurrou, analisando minhas roupas de bailarina com um meio sorriso.

— Oi. – Percebi que a palpitação do meu coração estava ficando embaraçosamente audível, Bella até mesmo me olhou com solidariedade, por isso optei encobrir esse som vergonhoso com conversas. – Por que veio sozinho?

Seth mostrou-se desconfortável por virar o centro das atenções.

— Eu... – ele se encolheu – ...estava com um pouco de pressa. Jake precisava ajustar algumas coisas para então vir ver Nessie.

— E Leah? – Minha voz se tornou mais animada quando pronunciei seu nome.

— Depois da monstruosidade que foi aquela noitada? – Ele bufou. – Ficou dormindo feito uma pedra. Me surpreende você estar de pé.

— Não exagere, não foi tudo isso, não. – Acabei rindo no que Seth ergueu a sobrancelha. – Mas é, eu sou uma lenda em La Push agora.

Seus olhos negros de súbito ficaram intensos. Pareciam queimar.

— Você queria conversar comigo? – sondou, a voz rouca.

— Hãa... – Perdi o foco do raciocínio. – Sim. Só me deixe finalizar o exercício e vamos dar uma caminhada.

Edward pôs as mãos nos meus ombros, repentinamente muito solícito e gentil, feito os pais se preparando para deixar seu pestinha na porta da academia militar.

— Sinta-se à vontade para tomar o meu lugar, Seth. Estou me aposentando da carreira de bailarino.

Virei-me para ele e pisquei, estupefata.

— Mas, Eddie... A próxima dança é o Cisne Negro — enfatizei entredentes, sugestiva.

— Eu sei. – E ele havia de fato assimilado a implicação que isso tinha. – Vou ser o Rothbart.

Revirei os olhos. Certo, depois não venha me dizer que não avisei, retruquei. E apenas vou concordar com isso porque Emmett não está em casa.

Edward sorriu por me ouvir roubar sua frase. Jasper ainda está gravando, observou. Você poderia simplesmente desistir do treinamento e deixar isso para mais tarde.

E parecer covarde?, revidei. De jeito nenhum.

— Muito bem, Seth – comecei, um tanto formal –, o que você sabe sobre O Lago dos Cisnes?

Ele coçou a nuca, inseguro. Flagrei-me examinando os contornos de seus braços musculosos e mordi o lábio, recriminando-me por dentro.

— Humm... Sei que é um ballet que tem um lago... e cisnes.

Balancei a cabeça, rindo baixinho junto com os outros Cullen e Seth corou.

— Quase isso – concordei, não querendo deixa-lo mais sem graça. – Odette, uma moça casta e bondosa, é condenada pelo terrível feiticeiro Rothbart a ser uma ave durante o dia, o Cisne Branco, podendo recuperar a forma humana somente à noite. Para quebrar a maldição, Odette deve encontrar alguém que lhe jure amor eterno e ela pensa ter alcançado isso com o Príncipe Siegfried. Porém Odile, a gêmea malvada personificada no Cisne Negro, o seduz para que o Príncipe jure o seu amor por ela, prendendo Odette no encantamento para sempre. De coração partido, Odette se mata para na Morte encontrar sua liberdade e Siegfried a segue, pois sem ela a vida já não teria mais sentido.

Seth engoliu em seco, compreendendo aonde eu queria chegar.

— Quer dizer que vamos dançar a parte em que o Cisne Negro... – os pensamentos fraquejaram na palavra seduz e ele suou frio – ...engana o Príncipe?

— Já que meu irmão é um idiota, sim. – Empurrei Edward para longe e arrastei Seth pelos dedos para junto de mim, olhando-o no fundo dos olhos. Até mesmo estando na ponta das sapatilhas, eu era irritantemente muito mais baixa que ele. – Apenas siga os passos que vou lhe indicar. Preparado?

Incapaz de falar, Seth assentiu.

Fui para o meu lugar e fechei os olhos e quando os abri, eu já não era mais Anneliese ou tampouco a Anna, eu era a sensual Odile e meu único objetivo era fazer o jovem ingênuo diante de mim, Siegfried, se arrastar aos meus pés. Cerquei-o com passos lentos e premeditados feito uma caçadora, a música ditando minha direção, e quando suas mãos se apoderaram de minha cintura, eu senti com ardor a intensidade do seu toque, reagindo com um arrepio à medida em que ele me erguia no ar. Permiti aos poucos que ele acreditasse ter me vencido nessa batalha, que eu já pertencia a ele, para somente então puxar a isca. Afastei-me do Príncipe e girei, amarrando-o em minha teia para depois puxá-lo de volta e sua boca ficou tão próxima da minha que pude sentir o seu hálito em meus lábios. E a dança seguiu assim, eu soltando-o e atraindo-o, fugindo e deixando-me ser pega nos saltos, até chegarmos ao ponto crucial onde eu tinha que dar o bote. Seu toque desceu pelos meus braços e eu o neguei, correndo para as instruções de Rothbart – como se eu já não soubesse o que tinha que fazer.

Mas as instruções de Rothbart eram diferentes desta vez – eram de advertência. E foi quando me lembrei que eu era Anna, e não Odile, e que era Seth ali. Cuidado, Anneliese, não faça idiotices, ralhou Edward no seu tom irritado, pois era só assim que ele me chamava pelo nome de batismo. Seth é meu amigo. Não brinque com ele.

Eu lhe avisei, retorqui com um sorriso largo, para deixar em evidência que eu tinha entendido, mas que não significava que eu iria obedecê-lo. Voltei com mais um giro para o abraço de Seth, antes de focalizar seu rosto. Essa dança era diferente das outras; eu não simplesmente podia fechar os olhos ou ousar desviá-los dos de Seth porque metade do trabalho era feito por eles. E eu soube que estava dando certo, pois vi pelos seus olhos de ônix que ele estava completamente embevecido, incondicionalmente entregue.

Foi à essa altura que resolvi recuar.

Devo-lhe desculpas pela reação exagerada no casamento, Seth, soltei de supetão na esperança de acordá-lo. Não foi justo de minha parte.

Como eu imaginava, demorou para que ele conseguisse se desprender do encanto e raciocinasse. Ainda que eu quisesse mesmo beijar você?, confessou timidamente, os pensamentos clareando. Pelo menos Seth já havia entendido que, pelo rumo que estávamos tomando, a franqueza era a melhor diplomacia para lidar comigo, afinal, eu lia mentes, não havia sentido em mentir para mim.

É, mesmo assim, firmei, por pouco não revirando os olhos. Fui rude sem necessidade.

Seth hesitou, mas o seu toque foi mais urgente. Ainda que eu queira beijá-la agora?

Contive um sorriso com a pergunta e com a reação de Edward, escutando tudo à esguelha. Ora, isso eu estou fazendo de propósito. Aqui, somos Siegfried e Odile.

Não é só isso, Anna, e você sabe.

Não respondi. Minha intenção no momento em que o chamei para conversar era me desculpar pela grosseria, e uma vez que isso foi feito, eu não queria arrastar aquilo para uma temática que sem dúvida iria acabar me aborrecendo – e detonando com o dia maravilhoso. E sem palavras, Seth entendeu e me deixou terminar com o papel de Odile tão esplendorosamente como havia começado. Porque por mais ambígua que eu fosse – e não era pouco –, ele me entendia melhor do que eu mesma, como se eu fosse um pedaço da sua alma, e sabia que tocar em assuntos sentimentais me impelia a procurar algo a que me apoiar, algo a que me agarrar. Ali, ele não só me ofereceu o apoio sem pestanejar como também me deixou tirá-lo da dança.

E era por isso que eu sabia que seria tão fácil amá-lo, com ou sem imprinting, ainda que essa porcaria me desse a sensação de que eu seria obrigada a amá-lo. Porque, independentemente disso e por mais piegas que soasse, Seth seria a Luz das minhas Trevas, o Sol que aqueceria a estrela deslocada que eu era. Seria não o que eu queria, mas tudo o que precisava.

Minha composição já não parecia tão boba.

Ninguém além de Renesmee aplaudiu quando terminamos. Estavam todos tão imóveis que era como se eu tivesse dançado para estátuas – um indicativo de que talvez eu tivesse pegado um pouco pesado demais.

— É... Creio que seja melhor eu pular a coda. – Girei os calcanhares para ele. – Seth, por que não me espera lá fora? Apenas vou trocar de roupas e já lhe encontro.

Ele fez uma careta fofa. Não devia trocar. Você fica... adorável de bailarina.

É, até abrir a boca, Edward refletiu, sozinho.

Fique fora disso, Ed, rosnei, subindo para meu quarto. Senão, eu vou deixa-lo de fora.

Tentei me vestir o mais rápido que pude, ainda que não compreendesse o motivo de eu estar tão alvoroçada, e já que estava sem muita criatividade – e sem muito tempo também – escolhi um short jeans com rebites e uma camiseta listrada, com botas de caminhada. Pulei a janela e vi Seth me aguardando naquela mesma pedra do lado do rio em que conversamos pela primeira vez. Caminhei sem pressa para dentro da floresta e ele me seguiu, igualmente calmo, enquanto eu mantinha os olhos em linha reta; não queria olhar para ele e correr o risco de ser distraída pelo relevo de seus músculos de novo. Estávamos a uns bons duzentos metros da casa, rodeados pelos sons da floresta rica e úmida, quando ele puxou assunto.

— Se importa de eu fazer uma pergunta?

Não, eu sabia que você as teria, respondi com o dedo nos lábios, indicando para ele não verbalizar nada em voz alta. Ainda estávamos sendo monitorados pelos ouvidos poderosos dos vampiros lá dentro e Edward estava tentando invadir nossa privacidade através dos pensamentos de Seth, o que bloqueei com um escudo.

Por que sua mãe era tão bárbara com você?, indagou, enfurecido com as lembranças, os olhos negros encarando as árvores com tanta ferocidade que pensei que pudessem perfurá-las. Você era a filha perfeita.

Bufei, embora estivesse um pouco surpresa pelo ponto de partida. Nada de Hans, nada de...nós. Seth, não se engane, eu nunca fui perfeita.

É sim, objetou, e não me passou despercebido o uso do tempo presente. Linda, inteligente e talentosa. Um pouco temperamental. Não me leve a mal, não estou puxando o seu saco nem nada, mas é o que você é. E qualquer mãe gostaria de ter uma criança assim.

Qualquer mãe, menos a minha. Suspirei, ciente de que ele queria ao menos uma teoria. A única conclusão que pude tirar de tudo é que era por eu ser uma garota. Edward era o primeiro varão da família de Elizabeth em quatro gerações e isso gerou algum favoritismo por parte da minha avó, algo que imagino que ela nunca teve, pois era a caçula de seis irmãs.

Seth travou no lugar, as mãos trêmulas de ódio. Isso parece... tão fraco.

Eu sei. Parei também, os punhos contraídos. Mas algumas pessoas são cruéis por natureza, e não precisam de desculpas para deixar isso transparecer.

Não tive tempo para acompanhar o que Seth viu no meu rosto, pois de repente ele me puxou e me abraçou muito forte. De início, reagi com choque – não estava acostumada a ser abraçada por quem não fosse da família. Mas minha relutância acabou desmontando no carinho e na ternura de seu abraço; apertei-o contra mim, os dedos se enterrando nas suas costas.

Eu sei do que você tem medo, Anna, pensou baixinho, como se contasse um segredo. Juro, não vou forçar você a nada, vou esperá-la pelo tempo que precisar. E não vou permitir que ninguém a machuque outra vez e ninguém jamais vai me tirar de você. Eu prometo.

Quis contestar, pedir para ele não prometer algo que não podia cumprir, porque o Destino de alguma forma sempre acabava me tirando tudo o que eu amava. Mas fiquei quieta, escondida no seu abraço quente, escutando o sussurro impiedoso do Destino me incitando a tentar desafiá-lo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

[ INSIRA AQUI SEU COMENTÁRIO, PORQUE EU NÃO CONSEGUI PENSAR EM NADA]



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Estrela da Tarde" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.