A Morte Lhe Cai Bem escrita por MahDants


Capítulo 20
Merry Christmans - Parte I


Notas iniciais do capítulo

Voltei. Com mais de um capítulo pronto, prometo não demorar tanto da próxima vez. Que vocês não tenham me abandonado, haha. Demorei feio dessa vez :/ Mas vou compensar com capítulos maiores :))
Eu ia postar tudo junto, mas decidi que ninguém leria doze mil palavras de uma vez. O capítulo foi dividido.



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As coisas começaram a mudar realmente perto do Natal.

Com a neve ameaçando cair, eu e Madge estávamos sentadas na escada da entrada da minha casa. Era um daqueles momentos que sua melhor amiga precisa apenas da sua companhia e de alguns abraços, não de palavras.

Mas ainda tinha uma pergunta que eu queria fazer.

– Quer que vá com você para o funeral amanhã?

Ela não respondeu de imediato, apenas se encolheu um pouco. Não sei se por causa do frio ou pela fragilidade com o assunto, mas ela parecia não querer falar sobre isso. Respeitei e não insisti.

A mãe dela havia morrido há uma semana, duas semanas antes do Natal. Lembro que estávamos na aula de biologia quando a coordenadora chamou a Madge para conversar. Não a vi mais naquele dia e deduzi que era algo com sua mãe, já que nos últimos dias ela dizia estar sentido que o tempo delas juntas estava para acabar.

No dia seguinte, eu matei aula para ficar com ela no banheiro infantil da escola. Ela passou a manhã toda chorando e não quis voltar para casa, e a única coisa que eu podia fazer era estar do seu lado. Até o Mellark deu um abraço nela e disse que sentia muito.

Mesmo assim, ela murmurou:

– Minhas primas estarão lá comigo, não se incomode – então ela passou a mão pelos cabelos louros e escondeu a cabeça entre os joelhos. – Agora sou só eu e o idiota do meu pai.

– Ele deve estar triste.

– Ele não a amava mais, Katniss – e bufou. – Você não entende – realmente, eu não entendia; eles passaram anos juntos, não é possível que o cara não estivesse triste. – Eu não consigo nem pensar em ficar na mesma casa que ele com esse clima de... Falso...

Ela estava começando a chorar de novo.

– O que aconteceu com a Madge que vê o bem em todo mundo? – questionei, tocando levemente em seu ombro. – Ele ainda é seu pai, Mads, e tenho certeza que ele está abalado. Mas, se você quiser, pode passar as duas semanas do recesso escolar do Natal aqui.

– Posso?

– Claro que pode – sorri bondosa. – Mas pense bem.

– Minha mãe não ia querer que eu ficasse de luto por tanto tempo – ela contou, num suspiro. – Se eu ficar em casa, a única coisa que eu vou pensar é nela.

– Então fique aqui – sorri. – Vai ter um jantar de Natal aqui com meus tios e a família do Snow, e minha mãe disse que eu podia chamar alguns amigos. O que acha da Clove, da Johanna, do Marvel e do Finnick?

– Gale e Cato?

– O Cato parece me odiar porque roubei os melhores amigos dele – encolhi os ombros. – O Gale vai passar a festa toda dando em cima de você para tentar me atingir.

– Eu me sinto usada – ela falou, colocando a mão no peito e se fingindo de ofendida.

Havia algo em seus olhos, algo que há algum tempo eu desconfiava estar mudando no coração dela, mas decidi ignorar.

– Que nada – estalei a língua no céu da boca antes de continuar: - O Gale não gosta de mim de verdade, porque nesse meio tempo ele já disse que gostava da Johanna, e não foi só para me atingir. Acho que ele é tipo pescador. Tipo, atira a rede e o que cair é peixe.

– Mas ele está realmente gato – ela comentou sem me olhar. Eu levantei uma sobrancelha, vendo-a ficar vermelha. – Eu realmente não me importaria de ser um peixe na rede dele.

– Não, Mads, não. Me recuso a ver essa cena acontecendo.

Internamente, eu estava com um pouco de ciúmes, já que, querendo ou não, toda mulher gosta de um cara pegando no seu pé. É meio cruel, mas é a verdade. Só não disse isso para a Madge. Em vez disso, eu apenas sorri e dei continuidade para os planos daquele Natal.

– Eu quero tomar café – ela disse, depois de uma tarde de conversa. – Na verdade, chocolate quente. Esse tempo frio pede por um chocolate quente.

– Starbucks – conclui. – Eu ainda tenho que ajudar o Mellark com o trabalho de biologia, mas ele vai estar com o carro do Gloss, então peço para ele me deixar lá na Starbucks perto da sua casa quando estiver indo embora.

– Aproveito e pego minhas coisas para vim para cá – ela disse e eu assenti. – Vou indo então. Beijo, gata.

– Liga para a Clove e a Johanna!

Vi quando ela subiu em sua bicicleta e pedalou pela rua. Fiquei ali fora sentada e, não muito tempo depois, o Peeta apareceu.

– Oi – ele falou quando chegou próximo o bastante para que não precisasse gritar para ser ouvido.

– Oi – acenei com a cabeça. – Podemos estudar aqui? – pedi. Ele me olhou com uma interrogação no rosto. – Eu gosto do frio.

– Não dá pra ir para praia no frio, ou para piscina. Ou festas em piscinas.

– E, deixa eu adivinhar, transar com garotas durante festas na piscina – falei, sorrindo, quando ele se sentou ao meu lado.

– Claro – ele sorriu, malicioso. Eu ri.

– Mas no calor não dá para fazer anjo de neve, ou boneco de neve.

– Claro, Katniss, no verão não neva.

– E esse é o problema do verão.

– Tá louca? – ele perguntou, olhando-me incrédulo. – Que tipo de retardado fica fazendo boneco de neve?

– Eu faço! – retruquei, indignada. Engraçado como todo começo de conversa se tornava discussão, e a culpa sempre era dele.

Antes que eu falasse mais alguma coisa, contudo, ele disse:

– Então você é retardada.

– Você que é! – joguei de volta. – Quem não gosta do inverno?

– Você não é a educada? Por que não respeita opinião dos outros?

– Foi você quem começou me chamando de retardada.

– Oh, eu sou a Katniss e eu amo brincar na neve – ele fez uma cara de deboche. Suspirei, decidida a não entrar em mais uma briguinha. – Então, Peeta, vamos brincar na neve?

Eu olhei para ele marota, e cantei:

– Do you wanna build a snowman?

– Você não está fazendo isso – ele riu.

– C’mon let’s go and play – continuei. – Vamos, cante comigo! Estou brincando – avisei, séria, antes que ele começasse a cantar. – Mas ainda não aceitei que você não gosta do inverno.

– Foda-se, eu odeio o inverno e pronto.

Olhei-o intensamente e perguntei, mesmo sabendo que não era da minha conta:

– Ok. Por quê?

E foi exatamente o que ele respondeu.

– Não é da sua conta – e amenizou a voz ao continuar: - Basta saber que é no inverno que o Natal acontece, e eu odeio o Natal.

– Você odeia o Natal e por isso decidiu que quem faz anjo de neve é retardado? - questionei, indignada.

– É.

– Acho que retardado é outra pessoa.

– Agora você está me ofendendo.

– Quem liga se estou ofendendo?

– Eu ligo, assim você me magoa - falou, cheio de deboche, depois sorriu. Eu ri, descrente.

– Sério, Peeta, por que não gosta do Natal? É tão legal!

Ele revirou os olhos e começou a tirar os livros da mochila.

Analisei-o por alguns segundos e notei que ele parecia ter uma história realmente triste sobre o Natal para ele odiar tanto a data. Suspirei, decidia.

– Esse inverno você vai mudar de ideia.

– O que você vai fazer? Tirar a roupa e fazer, pelada, um anjo na neve? – ele sorriu sugestivamente e eu abri a boca ofendida. Ele riu. – Isso realmente me faria ter uma visão boa do inverno.

– Nunca mais repita isso, Mellark.

– Mas não é má ideia...

Eu bufei. Ele era a pessoa mais cara de pau que eu já havia conhecido.

– Nós estamos aqui pra estudar biologia, não fazer.

– Epa! – ele sorriu, alegre. – Ninguém aqui falou em fazer. Eu tinha em mente apenas estudar as partes do seu corpo, mas já que tocou no assunto...

– A DIVISÃO CELULAR – comecei, gritando, e depois normalizei meu tom de voz quando ele calou a boca: - São duas: mitose e meiose-

– Mas você ainda não me disse o que vai mudar minha imagem do inverno.

Eu parei de falar, pensando o que eu faria.

– Você não gosta do inverno por causa do Natal, então vou fazer você mudar de ideia quanto ao Natal. Você não sente essa... Essa coisa perto do Natal?

– Que coisa?

– Esse clima de família unida, e calorosa, mesmo com o frio e-

– Hipocrisia.

– Hipocrisia?! – me espantei. – Você conhece uma palavra tão difícil? – fui sarcástica e ele revirou os olhos. – Eu não acho o Natal hipocrisia – continuei, com sinceridade. – É uma época que as pessoas que são ruins o ano todo, simplesmente tentam fazer...

Minha voz foi morrendo à medida que eu tinha uma ideia fantástica.

– Fazer...? – ele incentivou.

– O que você vai fazer amanhã, Mellark?

– Dormir e festa, por quê?

– Porque você vai viver o Natal – eu disse, decidida. Ele me olhou estranho. – Esteja aqui às nove horas amanhã.

– Para...?

– Para viver o Natal. É isso!

– Do que você está falando?

– Você vai saber amanhã – eu sorri displicente. – Apenas esteja aqui.

– Por que tão cedo?

– Você vai estar aqui?

– Vou – ele confirmou. – Estou curioso.

Eu sorri abertamente.

– E se lembre de abrir seu coração quando sair de casa. Agora vamos estudar.

– Te falei que tirei A+ na prova de física? – ele questionou, estufando o peito.

Olhei para ele com um sentimento indescritível. Era quase como... Como... Peeta havia me deixado...

– Orgulhosa – eu sorri, abraçando-o. – Eu estou muito orgulhosa.

Ele retribuiu o abraço, e foi quando percebemos o quanto aquilo foi estranho, então ele me soltou para que eu começasse a ler o livro de biologia e explicasse cada parágrafo.

Eu notava que sua postura estava diferente do começo do ano letivo. Peeta estava metendo a cabeça nos livros de verdade, estudando nos finais de semana e tentando orgulhar o seu pai de todas as maneiras possíveis, não só na escola. Ele estava maduro, agindo certo.

– Então, seu Peeta – eu disse, em determinado ponto do nosso estudo. – Camisinha até com oitenta anos de idade. Os homens não têm uma menopausa.

– Com oitenta anos meu pinto já vai estar mole, Katniss.

– Que horror – enterrei minha cabeça nas mãos. – Depois dessa, eu até vou me retirar – disse levantando.

– Ei, volta aqui, eu estava brincando – ele falou, me seguindo para dentro de casa.

– Bata os pés no tapete – eu falei. – Se você sujar a casa de neve a vovó bate em você.

– Sua vó me ama, Everdeen, ela jamais bateria em mim.

– Sei não, hein, ela anda meio esquecida das coisas – comentei, caminhando até a cozinha com ele atrás de mim. – Semana passada ela esqueceu o nome da nossa empregada, e insistiu em dizer que ela havia roubado sua carteira. Foi meio tenso. Então vai que, sei lá, ela esquece que acha que você é um anjo e passa a te enxergar de verdade?

– Ei, qual é, eu não sou tão ruim assim. Eu tirei A+!

– E agora tá se achando por isso – revirei os olhos, colocando água para mim. Completei: - Meu boletim está cheio de A’s e nem por isso estou me gabando. Eu deveria me gabar mais – murmurei para os meus botões. – Sabia que se eu tirar F em todos os trabalhos até o fim do ano, eu ainda passo? Mas vai ser horrível para entrar em Cambridge.

– Cambridge? – ele fez uma careta. – Você tem cara de universitária de Oxford.

– Isso é quase um elogio.

– Mas foi um elogio! – ele se exasperou. – Ninguém nunca aceita meus elogios de cara. Eu fui dizer que a Lola parecia com uma artista aí e ela perguntou se eu estava a chamando de puta – ele parecia ofendido, e eu tive que gargalhar.

– Mulher é assim – dei de ombros. – Nunca a chame de docinho, ela vai achar que você a está chamando de gorda e que ela é redonda como uma bola de chocolate.

– Ok, docinho – ele sorriu de lado, com um olhar cafajeste. Eu fechei a cara, mostrando que estava chateada. – Por Deus, Katniss, desculpe, eu esqueci...

– Tudo bem – murmurei, olhando para baixo.

– Você sabe que é gostosa, não sabe?

– Menos, Peeta, bem menos, quase nada – eu pedi, evitando seu olhar e a queimação em minhas bochechas.

– Sério, não quis te chamar de gorda.

– Eu sei – falei, suspirando, e finalmente o olhei. – Desculpe, eu sei que você não quis dizer isso. É só...

– Você anda comendo direito? – ele perguntou e eu assenti. – Não tem ido ao banheiro para... Sabe, colocar para fora? – continuou com o questionário e eu neguei. – Tomou algum remédio para emagrecer?

– Não, papai – eu brinquei. – Eu juro que estou saudável.

– Não quero uma professora doente e bulímica – ele avisou e eu revirei os olhos.

– Você realmente quer continuar aquele estudo? – questionei, colocando o copo de água na pia.

– Eu preciso.

– Que responsável – brinquei. – As aulas só voltam em duas semanas, Peeta, eu estou com preguiça. Recompensamos na quarta, juro!

– Tudo bem. Então acho que já vou.

– Você pode me deixar na Starbucks perto da casa da Madge?

– Vamos – ele disse, tirando as chaves do carro do bolso. – Tem um encontro?

– Claro. Eu e a Madge decidimos ser lésbicas, aí estamos chamando a Clove e a Johanna para uma suruba muito louca – ironizei, e ele riu.

– Você é o tipo de garota que deveria viver cheia de encontros.

– Or nah – falei, calçando as botas e vestindo um cachecol. – Se eu vivesse cheia de encontros, significaria que nenhum daria certo, porque eu estaria em outro no dia seguinte.

– Claro! Aí um dia você ia perceber que eu sou o príncipe da sua vida.

Eu gargalhei.

– De príncipe está mais para bobo da corte. Sem ofensas.

– Falar “sem ofensas” não diminui a ofensa.

– Ameniza – retruquei, sorrindo. – Vamos, estou pronta.

– Vamos – ele concordou. – Você nunca namorou não?

– Por que tanto interesse na minha vida amorosa?

– Preciso estudar minhas presas – ele sorriu para mim e mordeu os lábios.

– Morder os lábios não te deixa sexy, alguém já te disse?

– Poxa. Namorou ou não?

– Não, não namorei.

– E está pensando nisso?

– Isso é um jeito sutil de perguntar se estou gostando de alguém? – questionei e ele assentiu. Sorri com sua sinceridade. – Na verdade, sim.

– Eu conheço?

– Conhece.

– Hm... Ou sou eu – ele contou nos dedos, segurando o volante com apenas uma mão. – Ou aquele escroto lá, o Gale. Ou o Odair.

– Está esquecendo dois.

– Quem? – ele perguntou.

– O Marvel e o Gloss.

– Não – ele disse, me olhando, e eu fiquei vermelha. – O Gloss?

– Para – pedi, escondendo o rosto entre as mãos. – Não fale nada.

– Isso é mágico, porque ele também gosta de você.

– Ele o quê? – meus olhos poderiam saltar dos meus olhos. Senti o coração batendo com força.

– Ah, sim, sim. Nesse Natal, vocês vão ficar. Vou juntar vocês – ele sorriu para mim.

– Não! – berrei. – Não diga nada a ele!

– Relaxe, morena.

– Peeta Mellark Snow, eu nunca vou te perdoar se você fizer alguma coisa.

– Não conhecia esse seu lado tímido.

– Eu estou falando sério.

– E eu estou dizendo para você relaxar. Vocês se gostam, deixe-me fazer o bem do Natal.

Abri a boca para retrucar algumas vezes, mas acabei suspirando e dado aquela discussão como finalizada. Ele riu, aumentando o volume da música, e me concentrei na paisagem. O resto do caminho foi silêncio total, e eu só pensava no que o Peeta faria em relação a Gloss.

– Não faz nada – implorei, quando ele parou o carro.

– Me dê um voto de confiança – ele pediu, enquanto eu descia. Abaixou a janela do carro para continuar: – Juro não vingar meu cabelo azul.

Não!

É, Katniss, eu ainda não esqueci – ele sorriu diabolicamente e deu partida no carro.

Um pensamento: ferrou.

Entrei no Starbucks assustada, preocupada, e talvez por isso eu tenha demorado uns dois minutos para encontrar Madge, Johanna e Clove em uma mesa. Fiz meu pedido no balcão, paguei, e me sentei.

– Eu estou lascada – falei, assim que elas notaram a minha presença. – Eu acabei contando ao Peeta que eu gosto do Gloss, e agora ele fez uma cara extremamente diabólica e eu sinto que minha vida acabou. Na verdade, ela está se esvaindo agora mesmo, estão vendo?

– Quando essa garota ficou tão dramática? – questionou Clove, olhando acusadoramente para Madge. Johanna riu.

– Olhem aqui, não é drama! – eu falei. – Talvez um pouquinho, mas o Gloss vai ficar sabendo e eu preciso abrir um buraco para enfiar minha cabeça.

– O meu buraco não está disponível – falou Johanna, maliciosa. – Se é que me entende.

– É, eu prefiro outro tipo de cabeça – continuou Clove e Madge fez uma cara enojada.

– Vocês são horríveis! – falei.

– Katniss Everdeen – a mulher me chamou no balcão e fui pegar minha comida. Quando voltei, elas estavam falando sobre garotos.

– A Katniss já voltou, agora conta – Clove falava para a Madge.

– Contar o quê?

– A Madge está apaixonada.

– Você o quê? – olhei incrédula para ela.

– E ela se recusa a dizer por quem! – continuou Clove.

– Absurdo, Mads. Começou tem que terminar, essa é a regra.

– Vocês vão rir.

– Não vamos, prometo.

– Eu te digo depois – ela prometeu. – Deixem isso para lá.

– Mas vocês se beijaram? – perguntou Johanna.

– Sim...

– E foi bom?

– Na primeira vez foi meio babado, mas-

Na primeira vez – Clove repetiu, cortando-a.

– Quando foi? – perguntei.

– Na minha festa de 16 anos – ela respondeu.

– Mês passado? – Clove se exaltou. – Como você não disse isso para a gente?

– Ai, parem. Vamos mudar de assunto.

É claro que não mudaríamos.

– Eu imagino a Madge transando com o cara – disse Johanna. – Do jeito que é educada, deve gemer, tipo, “por favor, vai mais rápido. Ai, obrigada”

– “Porra, vai mais forte. Ai meu Deus, eu falei um palavrão. Oh, não, eu mencionei Deus enquanto transava, eu vou para o inferno” – Clove entrou na brincadeira.

– Eu nem sou tão religiosa! – Madge retorquiu, embora sorrisse.

– Vocês já...? – perguntei e ela negou.

– Mas ela tá doida pra fazer – Johanna falou, sorrindo torto.

– Vamos mudar de assunto! – repetiu e, vendo que ninguém obedeceria, soltou: - O Marvel e a Johanna saíram em um encontro.

– E quando você pretendia nos contar isso? – olhei para ela, que parecia achar a comida bem mais interessante.

– Bem, a ideia era não falar para ninguém – Johanna disse. – Mas a Madge parece ser uma mosquinha que sabe de tudo.

– Meu amor, da próxima vez que quiser ser discreta não vá para a pracinha que eu sempre vou para caminhar – Madge retrucou, fazendo Johanna bufar. – Eu estou lá caminhando e, puf, Johanna e Marvel estão em um piquenique.

– Eu shippo – disse Clove enquanto eu soltava um “awn”.

– Madge e o cara misterioso, eu e o Gloss, Johanna e Marvel – eu falei, olhando para Clove. Johanna e Madge me seguiram.

– Quem é seu macho?

Meu macho – ela disse e soltou uma risada. – Então... Olha! Um passarinho!

***

– Acorda, preguiçosa – Peeta gritou no meu ouvido.

– Ah, não! – murmurei, virando na cama e voltando a dormir.

Peeta se jogou em cima de mim.

– Sai de cima de mim seu saco de batatas! – eu gritei, jogando-o na cama de baixo. Consequentemente, em cima de Madge, que soltou um grito.

– Bom dia, loira – disse Peeta, rindo.

– Você é um imbecil – soltei.

– Guarde seu amor para mim quando explicar o que vamos fazer hoje. Não é fácil me ver animado assim, e eu estou.

– Percebi – falei, rendendo-me e abrindo os olhos. Peeta sorria largamente para mim.

– Bom dia – desejou.

– Bom dia.

Meia hora depois, eu e Madge estávamos prontas. Corremos um pouco para isso, mas no fim deu tudo certo. Peeta havia preparado nosso café da manhã, de modo que sentamos nós três na mesa para que eu contasse o plano:

– Madge, estamos em uma missão para mostrar ao Peeta o que é o Natal – contei, animada. Madge largou a torrada demonstrando que me ouvia. – O Natal é paz, é amor. É se sentir acolhido e bem entre amigos e família.

– Então você vai nos transformar em melhores amigos e vamos passar a colecionar camisinhas usadas um do outro? – ele questionou, sorrindo maliciosamente.

– Nossa, Mellark, nossa. Vou ignorar. Além do que eu disse, precisamos pensar além de nós mesmos. Ouvi por aí que egoísmo é o problema do mundo, e quem disse isso está lindamente certo. Natal é época de espalharmos alegria.

– Como?

– Caridade – eu expliquei. – Mas não para se autopromover. Tem que fazer de coração, e estar aberto a ficar feliz por fazer o sorriso de alguém. E aí, quando você ficar feliz por isso, você vai sentir um orgulho tão grande de si mesmo que não vai aguentar, e vai ficar extremamente... Bem. Fazer o bem, Mellark. Fazer algo pelo próximo.

– Falou bonito, filha – minha mãe disse, entrando na cozinha. – Bom dia, crianças.

– Bom dia, tia - disse Madge.

– ‘Dia – cumprimentou Peeta, menos animado do que há alguns minutos.

– O que vão fazer hoje, Katz? – questionou mamãe. – Você esqueceu que tem 15 anos e ainda precisa da permissão da sua mãe?

– Vamos nos correios, pegar a cartinha de Natal de uma criança pobre. E vamos fazer seus desejos. Depois disso, vamos almoçar com ela e fazê-la feliz.

– Só fazer uma pessoa feliz? – questionou Peeta.

– Faça de coração – eu falei, olhando-o profundamente.

– Farei – ele prometeu. – Mas é meio egoísmo satisfazer os desejos de só uma criança.

– Infelizmente, Mellark, ainda não nasci rica.

– Mamãe agradece a conscientização – minha mãe disse, e Madge riu.

– O que eu quero dizer é podemos fazer o dia de muitas crianças em um orfanato ou em uma instituição – ele continuou, e meus olhos brilharam com a ideia. Eu não sabia que Peeta podia pensar de tal maneira.

– Ele tem um coração – debochou Madge.

– Vocês duas estão passando tempo demais comigo – ele comentou. – Que orgulho, estão até sendo sarcásticas.

– E você está tirando A+ - eu falei, sorrindo.

– Eu soube disso – mamãe se intrometeu. – Parabéns, Peeta.

– Obrigado, tia – ele foi sincero, ou pelo menos parecia.

– Terminei de comer – contei. – Vamos, então?

– Onde vamos? – perguntou Peeta.

Peeta parecia realmente interessado nisso.

– Apenas vamos – eu disse, despedindo-me de mamãe em seguida.

Compramos livros, brinquedos, roupas, e muitas coisas para divertir aquelas crianças no hospital do câncer de Londres, tudo nos limites do nosso dinheiro. Íamos colocar esperança em seus olhos, criar sorrisos, e viver o Natal.

Eu me sentia duplamente bem. De certa forma, orgulhosa por ver o progresso em Peeta. Se alguém me dissesse antes que aquele idiota viraria esse garoto, eu jamais acreditaria. Ele estava interessado no futuro, respeitando quem dormia, respeitando as pessoas em geral, e agora isso. Agora ele estava pensando além do próprio umbigo.

Ele não era um caso perdido, enfim, e eu me senti genuinamente bem ao saber disso. Eu estava sentindo algo estranho, mas algo bom. Era realmente bom.

– Posso fazer uma trança no seu cabelo? – perguntou uma menininha, naquela tarde. Troquei um olhar com Madge, quase imperceptível e sorri.

– Claro.

Ela se dirigiu para minhas costas e aproveitei o momento para observar Peeta dando em cima de uma menina talvez um ano mais nova que a gente. Ela sorria bobamente, e ele soltava elogios a cada instante. Eu ri, sabendo que ele não mudaria, e Madge me acompanhou.

– É como se eu estivesse... – ela falou, mas não conseguiu palavras para terminar a frase. – Minha mãe. É como se ver o sorriso dessas crianças...

– Eu sei – eu a cortei. – Não precisa explicar.

– Ataque de cosquinhas! – ouvi o grito do outro lado da sala e vi que Peeta abandonara a pose de garanhão para correr atrás de umas crianças de cinco ou seis anos.

– Terminei – a voz da menininha disse ao meu ouvido, e me virei para olhá-la.

– Estou bonita? – perguntei e ela assentiu. – Então muito obrigada. Oh, suas unhas são bem grandes! Posso... Quer saber? Que tal um dia de princesa?

– Dia de princesa, pessoal! – Madge gritou.

– Eu posso participar? – Peeta brincou.

– Só garotas! – eu falei, sorrindo. Ele sorriu de volta. – Meninas, se preparem para o desfile! Venham para cá!

– Então eu fico com os garotos – ele resmungou. – Vou ensinar vocês a conquistar uma garota!

Eu ri, Madge também, e nós nos dirigimos para o outro lado da longa sala recreativa. A menina que Peeta dera em cima há alguns minutos se chamava Annie Cresta, e descobrimos que ela era a mais velha ali. Todas as outras meninas tinham no máximo dez anos, e ela 14.

A história de Annie era simples: perdeu os pais em um acidente de carro, foi diagnosticada com câncer no cérebro aos 12 anos, e agora estava ali. Ela deveria estar no mesmo ano que a gente, mas ela não estava. Ela tinha câncer. Essas foram palavras dela.

No fim, ela ajudou a mim e a Madge vestir as crianças e maquiá-las, assim como pintar suas unhas. Elas estavam lindas, e bem gratas, dava pra ver isso.

A tarde se passou com leveza, e me peguei observando Peeta muitas partes do meu dia. Ele se divertia com as crianças, essa era outra coisa notável. No fim do dia, quando ele perguntou se todos estavam felizes, e eles responderam que sim, o sorriso não sumiu do seu rosto até pararmos no corredor de crianças em estágio final.

Ali foi impossível não se emocionar. Ouvimos as histórias, conversamos e contamos piadas, tentando fazer as crianças sorrirem um pouco, mas todas elas pareciam deprimidas demais para isso. O interessante foi a última cama que visitamos, por dois motivos. O primeiro era que eu conhecia aquele rosto feminino de algum lugar, e o segundo era que ela não estava deprimida.

A menina devia ter nove anos. Tinha a cabeça raspada e uma longa cicatriz no topo dela, mas seus olhos eram tão descoloridos, cinzas, e tão intensos e cheios de alegria que era difícil olhar para outra coisa que não fosse eles. A garota era linda.

– Eu gosto de estudar bastante – ela contou, quando perguntamos. – As enfermeiras sempre estão lendo para mim sobre algum assunto que eu gosto. Vocês sabem por que o atrito entrou em depressão?

– Isso é uma piada? – Peeta perguntou e ela assentiu.

– De física.

– Não sei – disse Madge.

– Por quê? – perguntei.

– Porque ele era muito desprezado.

Um silêncio se instalou. Era uma piada tão ruim, mas tão ruim, que você tinha vontade de rir. Ela prendeu o riso na garganta, depois Madge fez o mesmo, e caímos na gargalhada, todos nós.

– Eu tenho uma – disse o Peeta. – Por que o hélio foi assaltado?

– Porque ele era nobre – respondeu a garotinha. – Essa é velha.

– Bem velha, Peeta.

– E sem graça – completou Madge.

– Aff, vocês – ele bufou. – Não sabem brincar fiquem no útero.

Eu ri alto, e a menininha também. Eu havia gostado dela, porque ela não era nem um pouco ingênua, além de ser bem inteligente. Qual é, a menina sabia falar sobre química e física, coisa que Peeta até pouco tempo atrás nem sonhava o significado.

– Eu tenho outra – ele não ia desistir. – Por que a geometria teve filhos e a trigonometria não?

Tentamos adivinhar, mas de uma por uma, negamos.

– Porque a geo, metia; e a trigo no metia – ele respondeu, e eu dei uma tapa na minha própria testa. Elizabeth, a garotinha, porém, riu, e acabamos rindo também.

Eu havia acabado de descobrir que o humor do Peeta era triste. Muito triste. Decepção.

– Eu te conheço de algum lugar – falei para ela, tentando decifrar seu rosto.

– Também tive essa impressão – disse Peeta.

– E eu sei com quem ela parece – contou Madge.

– Quem?

– Gale.

Olhei para ela, que piscou para mim. Era os mesmos traços, depois que Madge comentou, chegava a assustar. Mas não podia ser parente dele, Gale nunca comentara uma irmã ou uma prima com câncer.

– Você tem irmãos? – perguntei a ela.

– Não conheço minha família – ela revelou. – Pelo menos não me lembro deles bem, então não sei. Quem me mantém aqui, até onde sei, é minha avó. Só ela, e ela nunca fala dos meus pais, ou se tenho irmãos.

– Qual o seu nome? – foi a vez de Madge de perguntar.

– Posy Hawthorne.

Eu e Madge nos entreolhamos e Peeta pigarreou.

– Precisamos mesmo ir. Foi um prazer, Posy. Voltaremos a te visitar – ele prometeu, nos puxando dali. Agradeci-o mentalmente por ter feito aquilo.

Caminhamos estupefatos até a lanchonete do hospital, e pedimos sanduíches naturais. A primeira a falar foi a Madge.

– Foi o Gale.

– O quê?

– Lembra ontem, na Starbucks quando eu não falei? – ela me lançou um olhar, e eu entendi.

Madge e Gale estavam saindo juntos. Fiz uma careta.

– O Gale?

– O que eu estou perdendo? – perguntou Peeta.

– Nada – Madge respondeu por nós duas. – O que me intriga é... O que diabos Posy é de Gale?

– Eu não sei se ele tem irmãos – confessei.

– Ele não era o seu melhor amigo? – perguntou Peeta. – Acho que ele teria mencionado uma irmã abandonada no hospital do câncer.

– Por que a abandonariam? – questionei, no exato momento que a comida chegou. Não toquei no prato.

– Eles são irmãos, eu tenho certeza – disse Madge, corando. Depois eu conversaria com ela sobre essa história com o Gale, mas não ali, não com o Peeta. – Mas também não entendo por quê... O porquê disso tudo, entende?

– Estranho – falou Peeta, comendo. – Sempre disse que aquele cara era escroto.

– Chega de falar do Gale – eu disse e ordenei: - Peeta, feche os olhos.

Ele obedeceu, ainda mastigando. Hora de fazer ele mudar de ideia.

– Lembre-se das crianças hoje – continuei ordenando, pressupondo que ele estava lembrando. – Todos os dias, os dias dessas crianças são iguais. Todas acordam numa cama, umas conseguem levantar e brincar, outras não, mas todos os dias são iguais. Elas ficam presas aqui, pouco vendo o Sol. Às vezes perdem alguém, e não param de se perguntar quando será a vez delas. Quantas vezes por dia elas sorriem? – foi uma pergunta retórica e ele sabia disso. – Hoje elas sorriram. Elas riram, gargalharam, e se divertiram. Elas se esqueceram da doença e foram apenas... Crianças. Elas se sentiram meninas, se arrumando, e meninos, com expectativas para saírem com elas. Annie se sentiu especial, todos se sentiram especiais. Um dos motivos desses sorrisos foi você, e sei que enquanto você fazia, nem se tocava o quanto estava sendo importante. Como se sente?

Ele sorriu verdadeiramente ao ouvir minhas palavras e abriu os olhos. Troquei um olhar com Madge antes de olhar para ele de volta.

– Meu pai está me ligando – disse Madge. – Eu já volto.

E saiu.

Continuei encarando os olhos azuis de Peeta, e eu senti um reviro no estômago. Eu estava feliz pelas crianças e por ele. Orgulhosa, grata, e muitas coisas que eu não podia explicar por que estava sentindo, mas eu sabia que tinha haver com o lampejo de felicidade que Peeta tinha no olhar.

– Eu podia te beijar – ele falou e senti meu rosto ficar vermelho. – Hoje foi um dos dias mais legais da minha vida, e eu nem conheço essas crianças – ele riu. – Como isso é possível?

– Mantenha sua língua longe da minha garganta – foi o que eu consegui falar e ele sorriu.

– Você entendeu.

– Entendi – assenti, sorrindo. – Por nada.

– Eu preciso aproveitar esse momentos que não estamos brigando para te agradecer pelas coisas – ele falou e eu sorri. Ele tinha razão.

– Eu não te odeio, você sabe disso, não sabe?

– Sei – ele respondeu, bebericando o suco. – Nós só brigamos demais, mas se alguém me perguntar o que você é minha, eu vou dizer que você é minha amiga. Uma aminimiga.

– Eu também diria isso – confessei. – Você podia ser agradável assim mais vezes.

– Você não é nada fácil de lidar.

– Mas a culpa das brigas sempre é sua.

– Você está começando uma agora.

– Não estou – teimei. – Você mudou de ideia quanto o Natal? Porque isso é o Natal. É quando pessoas que só sabem brigar se unem por uma causa maior.

– Eu aprecio seu esforço, mas isso não me fez mudar de ideia. Olhe só pra mim, eu passo o ano sem dar atenção a coisas como caridade, e se eu faço isso uma vez, em todo Natal, isso é meio hipocrisia. Deveríamos agir com espirito natalino todos os dias, não só porque está nevando.

– Eu entendo o que você diz – não deixei de concordar. – Mas aí é com cada um. Se você não é satisfeito com isso, então mude. Faça o bem para qualquer um em qualquer época. Ame o próximo como ama a si mesmo.

– Altruísmo não é muito comigo.

– Só tente. Você não tem um rei na barriga para ser a pessoa mais importante que conhece.

Ele não respondeu, de modo que voltei a comer apreciando o silêncio.

Aquilo não chegava a ser uma discussão, e eu não estava acusando ele de egoísmo por maldade. Era aquele tipo de crítica construtiva, que você só faz quando se preocupa com alguém.

Acho que depois de alguns meses, eu havia criado um laço com o Mellark, principalmente quando ele parou de tentar acabar com minha vida, rasgando pelúcias ou destruindo livros. Eu havia me acostumado com ele, e novamente meu coração idiota e mole decidiu ver o bem nas pessoas.

Ele definitivamente não era uma má pessoa. Era infantil, teimoso, egoísta e egocêntrico, mas não uma má pessoa. Não era o tipo de idiota que desvalorizava o estudo, apenas achava que não era capaz, o que era bem irônico para pessoas como o Peeta, que tinha o ego na puta que pariu. Muito menos ele era o riquinho que não reconhecia o esforço do pai para dar todo o necessário a ele.

Peeta só era perdido, e naquele momento eu percebi que talvez eu fosse o mapa que ele precisasse. Era meio idiota pensar isso, mas eu sentia que podia fazer a diferença na vida dele, e eu ia. Porque, como ele havia dito, não nos odiávamos, apenas brigávamos demais.

– Voltei – Madge deu um gritinho ao se sentar, o que chegou a me assustar um pouco por estar extremamente distraída. – O que eu perdi?

– O Peeta ainda não sente a mágica do Natal.

Madge mordeu seu sanduiche natural com uma expressão pensativa. Tampando a boca para não vermos a comida em sua boca, ela sugeriu:

– Por que não fazemos um amigo secreto?

Olhei para Peeta, esperando alguma oposição. Madge me olhava cheia de expectativas por um sim, com excitação saltando do seu olho, como sempre acontecia quando ela ficava animada com uma ideia. Peeta não respondeu e eu mordi os lábios, pensando a respeito.

– É uma boa – apoiei. – Só com os jovens do jantar. Se sentir entre amigos também é uma coisa do Natal.

Ele continuou calado, o que estava me deixando um pouco inquieta. Eu ainda não havia desenvolvido a habilidade de ler seu olhar, mas eu sabia que ele queria retrucar alguma coisa, que queria estragar com aquele momento e jogar na minha cara que não precisa da ajuda de ninguém para saber o verdadeiro valor do Natal.

Contudo, ele não disse nada, e notei que balançava a perna incessantemente em um hábito que havia adquirido recentemente quando toquei em seu braço:

– Peeta?

Ele olhou para o teto, depois para mim e depois para Madge, abrindo um sorriso depois.

– Parece uma boa ideia.

– Assim tão fácil? – questionei, desconfiada.

Madge me olhou como se estivesse me repreendendo. Se o garoto aceitou tão fácil, não o faça repensar. Bem, agora era tarde.

– Tão fácil quanto tirar doce de criança – ele concordou. – Eu vou falar com o Gloss e a Lola.

Depois disso, não demorou muito para que eu e Madge estivéssemos no carro do Gloss, com o Peeta dirigindo, voltando para casa. Madge decidiu conversar:

– Então, Peeta, o que aconteceu no seu passado para você detestar o Natal?

Ao contrário do que eu esperava, ele não freou o carro, gritou ou brigou com ela. Simplesmente abaixou o volume do rádio e procurou meus olhos pelo espelho do carro. Ele simplesmente contou:

– Quando minha mãe me teve, ela me deixou com o meu pai e voltou para os Estados Unidos. Ela não é uma péssima mãe, sabe? Só não liga muito para mim. Eu vivia bem com isso, até o dia que ela decidiu que eu deveria conhecer ela. Eu tinha onze anos. Peguei um avião sozinho, e foi a pior viagem da minha vida. Ela esqueceu de ir me pegar no aeroporto, eu me perdi na Time Square, e o jantar inteiro foi com um cara apertando minha bochecha enquanto repetia o quanto eu não parecia com ela. Então ela mostrou fotos dela com meu pai, e me despejou no aeroporto dois dias depois. Meu presente de Natal foi cem dólares, que eu nem podia usar aqui sem trocar – ele olhava para o chão. – A pior viagem, e ela agia como se convivesse comigo, como se me amasse e como se conhecesse minha personalidade. Hipocrisia do Natal. E quando eu voltei, tia Cassandra, a mãe de Prim, sentou para conversar comigo.

“Querendo ou não, ela foi a única mãe que eu tive desde os quatro anos de idade. Então ela disse que ia se separar do meu pai, e a Prim ia morar com ela. Eu podia ir se quisesse, mas não era justo com meu pai. Concordei que não. Então eu fiquei, e ela me prometeu que continuaria mantendo contato, mas ela só fala comigo no Natal. Novamente, hipocrisia. E não, eu não sinto raiva nem da minha mãe, nem da tia Cassandra. Não consigo ter raiva delas, só...”

– Eu entendo – Madge o cortou. Talvez porque não achasse justo que ele tentasse explicar. – Também não consigo ter raiva do meu pai, mesmo que ele estivesse traindo a minha mãe.

– Ei, você vai ficar bem – Peeta disse, tocando em seu ombro.

Mas eu ainda estava pensando sobre o que ele havia contado.

A impressão que eu tinha é que ele guardava isso por tanto tempo que pareceu aliviado quando Madge perguntou. A verdade é que por mais que eu reclamasse da Clove, ela sempre ouviu sobre os meus problemas, e eu tinha o Gale, e agora a Madge. Todos sempre ouviram meus problemas sempre que eu quis desabafar alguma coisa, mas talvez Peeta não tivesse isso.

Olhando sua postura confiante, eu apostava que ele era um dos populares da escola dele. Não pôde entrar no time de lacrosse da escola por causa das notas, mas ainda assim tinha o mundo comendo em suas mãos. Com tantos amigos, como ter a certeza de que podia confiar em alguém?

Eu lembrava de quando a Madge me falou sobre a mãe dela, e ela também parecia sufocada para desabafar. Quantidade, não qualidade, podia ter algumas vantagens, mas no fundo, no fundo, era só um meio de disfarçar o quanto a pessoa era sozinha.

Eu tinha mais era que agradecer os amigos que eu tinha.

– Eu agradeço, Katniss – ele estava falando comigo, forcei minha mente a prestar atenção. – Suas tentativas de me fazer mudar de ideia, mas eu nunca vou deixar de achar que é hipocrisia.

– Eu sei – falei, quase sem voz.

Eu me sentia culpada por forçá-lo a gostar do Natal. Ele tinha justificativa. Todo mundo tem, era o que eu sempre pensava. Se você age de um jeito, algo, sério ou fútil, te forçou a agir assim. Eu não sabia se era influência de Madge, mas eu havia aprendido a lição de nunca julgar ninguém antes de conhecer.

Não que eu fosse seguir isso em todos os casos, apenas na maioria das vezes.

Vinte minutos depois, quando Peeta nos deixou na minha casa, eu fui direto para o meu quarto e me joguei na cama. A expressão de nojo de Madge foi indescritível.

– Você estava em um hospital, mas mesmo assim deita na sua cama?

– O que tem?

– Doença, Katniss, doença. Você sabia que aquilo lá é cheio de germes? – ela tirou a toalha de dentro da mochila. – Vou tomar banho.

– Vai lá.

Enquanto esperava, fiquei perdida em pensamentos, mal notando quando minha mãe entrou no quarto.

– Seu pai perguntou se você não vai para a casa dele.

– Não quero.

– Katniss, ele é seu pai e sente sua falta. Você tem que ir.

– Não quero ir por obrigação – resmunguei, dando as costas para ela. Senti a cama afundando quando ela se sentou ao meu lado. – Eu devia querer ir.

– E por que não quer?

– Porque eu gosto de ficar com meu cabelo solto – desabafei. – Porque eu gosto de andar descalça e ficar na cama pelo menor por duas horas depois que eu acordo. Eu tenho hábitos, e lá não me sinto à vontade. Ou melhor, a mulher dele reclama dos meus hábitos.

Mamãe suspirou.

– Você vai.

– Não vou.

– Então você não vai poder chamar nenhum amigo para o jantara de Natal, e Madge sai daqui amanhã mesmo.

– Você não pode fazer isso!

– Claro que posso, eu sou sua mãe – ela passou a mão nos meus cabelos. Esquivei-me. – Eu sinto que o Snow não vê nosso namoro da mesma forma que eu vejo.

– Alguém já te falou que você é bem bipolar, mãe?

Ela me ignorou.

– Eu quero algo sério com ele, mas ele está me fazendo de idiota com aquela mulher, a Cassandra. Eles ainda estão juntos, tenho certeza. Eu estava falando com a mãe dele, e descobri que ela não gosta da ex dele – fofocou mamãe. – Mas, pelo visto, de mim também não. Snow banca toda a família dele, o que é bem injusto. Ele trabalha duro, tem um irmão político, e o resto se escora nele.

– O irmão político é o pai de Gloss e Cashmere?

– Acho que é – ela respondeu. – Eles devem ter medo de que se ele se casar, vai abandonar tudo aquilo e parar de ajudar todos financeiramente. Porque se nós nos casarmos, eu não vou sair daqui. Você sabe como está mamãe, cada vez mais esquecida das coisas e seus tios não querem nem saber de como ela está.

– Ai, mãe, relaxa, quanto drama. Aposto que ele nem falou em casamento.

– Na verdade, ele falou – ela disse, me olhando com cautela.

– Eu e o Peeta nos demos bem hoje – contei. – Sabia que ele considera a tal Cassandra como mãe?

– Não, Katniss. Eu quero que aquela mulher exploda.

– Agressiva – eu ri.

– Vocês vão querer jantar?

– Quem vai fazer? Você? – eu quase ri. – Mãe, sem ofensas, mas a única coisa que você sabe fazer na cozinha é bolo.

Ela fez cara feia pra mim e eu dei de ombros.

– A gente já comeu, tia – disse Madge, entrando no quarto. – Obrigada.

– Coloque juízo na sua amiga para ela ir pra casa do pai – ela falou, beijando o topo da minha cabeça. – E pra tomar banho.

Eu revirei os olhos, levantando da cama e andando em direção ao banheiro.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo foi importante para vocês entenderem a relação da Katniss com o Peeta. Não imagino que depois de muita convivência, eles continuem com guerrinhas e dizendo que se odeiam. Eles só brigam muito, mas não se odeiam. É assim que eu enxergo.
Aproveitei para mostrar um pouquinho como anda a vida da mãe da Katz, e a relação da Katz com o pai.
Eu espero que tenham gostado. Comentem que eu postarei o mais rápido possível, tendo em vista que o capítulo está pronto, haha.
Beijão, gente!