Handfasting - A Loba E Uma Nova Promessa escrita por Carlos Abraham Duarte


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

Aos eventuais leitores: esta história transcorre no (longo) lapso entre os volumes 16 e 17 (epílogo) da original "light-novel"; contém alguns spoilers, mas, principalmente, uma visão totalmente pessoal da saga "Spice and Wolf" e de seus protagonistas.



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(Em algum lugar da Europa Central germânica, na Baixa Idade Média...)

Durante dois longos anos a Sábia Loba Horo e Kraft Lawrence viajaram juntos em direção ao Norte, esgueirando-se das garras da toda-poderosa e mui temida Igreja Católica, avançando lenta e inexoravelmente rumo à terra natal de Horo, a frígida e montanhosa Yoitsu de prolongados invernos e breves verões. Um estranho par eles formavam: ela, um ser sobrenatural feminino de mais de 600 anos de idade que tanto podia metamorfosear-se em um lobo gigante quanto em uma linda garota humana ruiva de quinze anos, mas com olhos vermelhos, cauda e orelhas de lobo que ela dissimulava debaixo de roupas amplas e folgadas, chapéus e capuzes; ele, um mero mortal, um mascate de vinte e cinco anos, cabelo prata e olhos cinza, que almejava abrir sua própria loja em uma grande cidade. Aparentemente, nada os ligava exceto um compromisso verbal por parte de Lawrence de ajudar Horo a voltar para sua aldeia natal na floresta boreal - depois de séculos sem conta bancando a deusa da colheita do vilarejo de Pasloe, nas cálidas terras do Sul - , e por parte de Horo de pagar seu débito monetário com Lawrence, ressarci-lo pelas crescentes despesas com roupas finas, vinhos e maçãs que a deusa-menina-loba demandava.

Todavia, ao longo da jornada para o Norte, os dois companheiros de viagem e parceiros tão desiguais foram se aproximando progressivamente sob o aspecto humano - uma aproximação tão grande, tão íntima que um terceiro os tomaria por um casal de fato.

Ab imo corde, ele ardeu de ciúmes ao parecer-lhe que Horo aceitara os galanteios de Fermi Amati, o mais jovem e ambicioso comerciante da Guilda Mercantil Rowen.

Ab imo corde, ela rosnou de ciúmes em face da gentil familiaridade com que Lawrence tratara Nora Arendt, a adorável pastora de doces olhos castanhos e cabelos loiros.

Ab imo corde, ele afligiu-se com o plano proposto pela inescrupulosa Eve Boland, de "vender" Horo - que concordara sem hesitar - por 2.000 moedas de prata Trenni - ou 60 moedas de ouro Lumione ao câmbio do dia - no "Mercado de Casamentos" da notória Empresa Delink para aumentar seu capital.

Depois dos eventos na cidade portuária de Lenos, Lawrence e Horo deram-se conta de que estavam lentamente se apaixonando, a despeito das diferenças de espécie. Mas a concretização de tal amor devia permanecer irreal, utópica, assim pensava Horo, a Sábia. Lawrence, um simples ser humano, envelheceria e morreria ao cabo de algumas décadas, ao passo que ela, a Loba, virtualmente imortal, haveria de sobreviver centenas, senão milhares de anos depois disso. O medo de Horo, de vivenciar a dor da perda, tanto quanto a crença de Lawrence - apesar de sua tímida confissão de amor em Lenos - de que a "deusa" lupina estaria mais feliz sem ele - e quiçá encontrasse um parceiro de sua espécie para acasalar - , por muito tempo impediram a Sábia Loba de Yoitsu e seu companheiro humano de embarcar em um relacionamento romântico.

Ironicamente, nem Horo nem Lawrence percebiam que, permitindo-se serem separados por seus medos e preconceitos, estavam se definindo por um caminho de tristeza.

Porém, à medida que a marcha para o norte se aproximava da sua fase final, estavam decididos a adiar o máximo possível aquela que seria a sua última viagem juntos.

Eles sorririam um para o outro na hora da separação, mas com seus corações sangrando em silêncio. Trocariam farpas e fariam piadinhas, como vinham fazendo nos últimos dois anos de sua odisseia, mas seriam meras máscaras, simples exterioridades. Seus caminhos talvez jamais voltassem a se cruzar, dado que a vida humana não significa mais do que um piscar de olhos para a raça de Horo. Talvez seja melhor assim, pois os imortais e os mortais nunca deveriam se encontrar. Dor e sofrimento agora, para evitar dor e sofrimento maiores no futuro.

Assim pensava Horo, a Sábia. Ou talvez não tão sábia. Uma "deusa" orgulhosa, imatura, incapaz de lidar com a dor da perda, condenada, por seu medo de se associar com as pessoas, com os "vidas-curtas", a uma vida imortal vazia, desumana, a uma eternidade de solidão sobre a Terra.

Porém, a Providência Divina que é superior a todos os frágeis deuses da Terra houvera por bem dar uma lição inesquecível na ex-padroeira das colheitas e da agricultura de Pasloe. No momento crítico, a orgulhosa loba Horo, a Sábia, deusa elemental da terra, dando-se por vencida, afinal se dignara a corresponder à amorosa afeição de Lawrence por ela ao proferir perante o comerciante de olhos cinza a declaração tão longamente esperada. Que provinha do mais profundo do coração.

– Eu não tencionava falar nada... Mas você é tão estúpido que preciso soletrar... Eu te amo!

Eles haviam chegado a um ponto de viragem, tendo confrontado e assumido seus verdadeiros sentimentos um pelo outro. Agora, Horo e Lawrence eram um casal de facto - se bem que não de jure - , sem a necessidade de apelar para subterfúgios tais como "companheiro de viagem", "parceiro de negócios", "empregadora", ou "freira", a fim de justificar porquê viajavam juntos sem estar casados.

Assim, mais unidos do que jamais esperaram ficar, Kraft Lawrence e Horo partiram para a etapa final de sua viagem em busca de Yoitsu. Mesmo que apenas para Horo rever sua tribo depois de uma ausência de 600 anos, e logo em seguida voltar a viajar em companhia de Lawrence, o humano que a amava e do qual não queria se separar.

Contudo, uma revelação chocante aguardava a antiga deusa pagã de Pasloe.

Tempos atrás, ao tomar conhecimento das lendas em Kumerson e Tereo, ela podia apenas suspeitar; porém, depois de encontrar-se com o grupo de mercenários Myuri, em pé de guerra contra as milícias a soldo da Companhia Debau, tivera plena certeza.

A vila de Yoitsu nos ermos gelados ao extremo norte do continente, o mítico lar dos imortais lupinos, há muito deixara de existir. Destruída por uma hecatombe desencadeada pela gigantesca e terrífica deidade elemental outrora conhecida como Urso Caçador da Lua, o inimigo implacável da tribo dos lobos.

Yue, Intin, Paro e Myuri... seus amigos e irmãos de raça estavam todos mortos ou dispersos pelo mundo, há séculos. Seu lar ancestral na taiga finlandesa se fora. Já não havia amigos e familiares para recebê-la de volta. Nada além de uma invencível solidão.

Lágrimas rolaram no rosto macio da bela garota loba de olhos de rubi e longa cabeleira cor de mogno quando tomou em suas mãos a garra de lobo gigante que pertencera a Myuri, seu coirmão de alcateia e amigo de infância, e que trazia gravada uma inscrição em caracteres rúnicos, uma singela mensagem para ela.

"Há quanto tempo!..."

Ela conhecia a dor de perder um ente querido, afinal.

Ainda pior, ela pertencia a uma espécie fadada à extinção.

Felizmente, ela não estava só. Sim, existe alguém que me ama de verdade. Alguém que me faz sorrir. Alguém que me aceitou pelo que eu sou. Kraft Lawrence, um vida-curta, um mero ser humano centenas de anos mais novo do que ela, a mais antiga e mais sábia de todos os Deuses Elementais Lupinos. Ele, o mascate que durante dois anos abrira mão dos próprios interesses - do sonho de ser dono do próprio negócio - para cumprir a promessa de levá-la de volta ao seu lar ancestral. Ele, o único homem com quem ela queria estar, com quem desejava viajar pela estrada afora num país remoto daquele mundo medieval. Pouco me importa se ele viverá menos do que eu. Tudo o que eu quero é ficar ao seu lado, ajudá-lo a realizar o seu sonho, de abrir a sua própria loja, e vê-lo prosperar até se tornar um macho alfa. Eu juro, Kraft Lawrence, enquanto você viver, Horo, a Sábia Loba, será sua, unicamente sua.

Lawrence, por seu turno, não poderia estar mais feliz por Horo tê-lo aceito como seu par por toda a vida. Ele e sua bela companheira de fulvas madeixas ondulantes tinham ido à Cidade Livre de Lesko - fundada pela Companhia Debau nas terras do norte ocupadas por populações de origem eslava - para encontrar-se com o grupo mercenário inspirado há muito tempo por Myuri, o desaparecido amigo de Horo, e o comerciante de cabelos cinza-prata ficara fascinado pela atmosfera de liberdade econômica, política e social reinante no lugar. Em sua imaginação, Lawrence já visualizava a loja que pretendia ter, juntamente com Horo, naquela cidade onde a abundância de ouro e os preços baixos atraíam um número cada vez maior de comerciantes estrangeiros. Ele se casaria com Horo e ambos viveriam em paz, um respeitável casal de comerciantes da cidade, e, com a sabedoria dela ajudando-o a aumentar seus lucros, sua loja cresceria para se tornar um império mercantil. Esta história há de terminar com um sorriso.

Entretanto, uma série de incidentes relacionados com as lutas internas cada vez mais sinistras e manipuladoras da Câmara de Comércio Debau, por um lado, e, por outro, com a chegada de cruzados cristãos desejosos de expurgar as terras eslavas do paganismo para dar lugar à influência cristã - atraindo a atenção indesejada da "Santa Madre Igreja" para Horo - sepultaram de vez as esperanças do inusitado casal de construir juntos uma vida pacífica em Lesko. Premidos diante de uma alternativa radical, e na iminência de um conflito armado que varreria a cidade do mapa, Lawrence e Horo fizeram-se à estrada novamente, decididos a nunca mais serem separados. (Pelo menos, não enquanto Lawrence vivesse.)

Naquela noite Lawrence surpreendera Horo ao pedi-la em casamento, no quarto da pousada onde haviam se hospedado, no importante entreposto de Souverän, oferecendo-lhe um reluzente anel de ouro de noivado - prazerosamente aceito - e selando esse compromisso com um beijo.

O beijo há tanto tempo reprimido, há tanto esperado!

Libertando-os das correntes, das barreiras de medo e preconceito que eles próprios haviam construído, pelo receio de se magoarem.

Agora Lawrence e Horo estão no limiar de uma nova vida carregada de esperanças. Juntos, eles prosseguem sua jornada pelas estradas de terra batida em áreas remotas da Europa medieval, desta vez rumo ao Sul, vivenciando várias situações ao modo dos mercadores pie powders ou "pés empoeirados", fazendo negócios de cidade em cidade e fugindo dos inquisidores da Igreja. Mas, sem dúvida, estão muito felizes com isso.

É durante a sua nova jornada para o sul - com direito a muitas maçãs, muito amor e derivados - que tem início esta história.


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Notas finais do capítulo

Descobri Spice and Wolf (anime, mangá e light-novel, nessa ordem) e me apaixonei - tanto pela Horo (Holo), particularmente, quanto pelo casal como um todo (posso me identificar com o Lawrence Kraft [Craft], em certos momentos), sem falar do enredo extremamente complexo e pouco usual, com seu enfoque em economia medieval, em vez de lutas e todo aquele clichezão anime//mangá. E após estudar exaustivamente o background, os personagens e tudo o mais referente à história durante duas semanas (acho que ganhei uma nesga de branco nos meus cabelos por isso xD), criei coragem para escrever minha 1ª fanfic baseada em Spice and Wolf. Ao contrário da grande maioria que já li (em inglês, espanhol ou português), que têm a procura do par protagonista por Yoitsu como foco principal, a minha história se passa DEPOIS que esse objetivo foi superado (sem ter sido necessariamente alcançado), ou seja, após o volume 16 da original light-novel; então, peço perdão pelos spoilers, mas, como quase ninguém neste site - aliás, no Brasil - conhece Spice and Wolf, julguei necessário incluir tais spoilers neste Prólogo para facilitar a compreensão. Afinal, isto é como uma "história depois da história", se bem que antes do volume final propriamente dito, que é o 17, e do qual não falarei aqui.

No mais... Imitando o menino Landt, do episódio 6 da 2ª temporada, "Eu amo a Horo!!!"

Até o próximo capítulo.