Olhos De Vidro escrita por Jane Viesseli


Capítulo 28
Na Madrugada do Quarto Dia




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Quatro dias. Já fazia quatro longos dias que Andy permanecia trancafiada naquele quarto, como um cordeirinho esperando pelo dia do abate.

Sentada numa cama que não lhe pertencia e envolvida por cobertas cuja cor desconhecia, a ruiva fecha os olhos em meditação, recordando como fora seu primeiro dia naquele lugar, do desespero que a tomara por não reconhecer nada ao seu redor, pois, apesar de tanto treino, sua avó não havia lhe preparado para algo como aquilo. Entretanto, as coisas melhoraram depois disso, porque Andy logo recobrou sua razão ao perceber que seus sequestradores não lhe dirigiam a palavra e não a maltratavam.

Sair do lago do desespero e tomar posse de seu autocontrole foi a melhor atitude que ela poderia ter tomado e o maior erro que os vampiros poderiam ter cometido. Assim que recobrou sua razão, Andy colocou tudo de si para trabalhar como uma máquina, sentindo e captando mensagens que nenhum outro humano poderia compreender, ouvindo, tocando, cheirando... Talvez a linha inimiga realmente tivesse subestimado sua deficiência e as melhorias que ela tivera em seus outros sentidos.

Andy era cega, mas não burra: ouviu ruídos, murmúrios, sentiu a presença e o odor de alguém real. Dos sons ela não pudera ouvir nada sobre os planos dos sequestradores, no entanto pudera distinguir com fiel certeza os timbres feminino e masculino nas vozes. Ela não sabia quantos haviam de cada sexo, mas não se deixaria enganar: havia homem e mulher envolvidos.

Era engraçado pensar naqueles detalhes agora, pois algumas coisas não se encaixavam na história que Embry contara. Se ele estava sozinho, se ele era o mandante, quem era a mulher? Por que ela só sentia o perfume extremamente adocicado do que julgava ser uma fragrância feminina?

Eram muitas peças não encaixadas naquele quebra-cabeça e, mergulhando ainda mais em sua meditação, Andy se lembrou de um tiro. Nunca poderia dizer de que arma partira e nem se acertara alguém, mas lembrava-se perfeitamente de um tiro e depois de um longo período de silêncio, e na sequência sentiu o cheiro doce retornar ao quarto, como se seu dono – ou sua dona – estivesse novamente a observando.

Ela até poderia ter perguntado se havia alguém ali, mas algo dentro de si a mandou ficar quieta, ordenando que não se manifestasse ou eles descobririam sobre suas habilidades em adquirir informações à segunda vista, e ela seria uma mulher morta.

― Melhor deixá-los pensar em minha incapacidade – pensa ela em meio aos seus devaneios.

Pensar naquelas coisas era até estranho, ela poderia estar apavorada, gritando e chorando por alguém que a salvasse, mas não, estava apenas "pensando".

De todas as coisas que tinha para entender, a que mais lhe atormentava era a conversa que tivera com Embry, se é que poderia chamar aquilo de conversa. Suas palavras agressivas a magoaram grandemente, porém, também tumultuaram sua mente, deixando-a muito confusa: por que ele falaria aquilo depois de tudo o que dissera na casa dos Cullens? Por que se contradizia? Ele era bipolar? Tinha dupla personalidade? Estaria dizendo a verdade? Ou apenas mentindo?

Andy abre os olhos e se senta abruptamente ao pensar naquela última hipótese. É claro que ela queria acreditar em sua inocência, contudo, estava sendo difícil, pois as palavras ditas asperamente foram como farpas em seu coração. Novamente ele a desprezou, novamente disse aquelas coisas preconceituosas e a chamou de defeito...

Em pensar que um dia ele se apaixonou por seus olhos, em pensar que eles chegaram ao ponto de completar um ao outro, de saber o que o outro sentia mesmo sem haver queixas. Em pensar que um dia ele se declarou: "sua deficiência não importa mais" foi o que ele disse, e até mesmo recitou Romeu e Julieta, será que tudo não passou de uma mentira?

― Não – murmura para si mesma –, não era uma mentira, ele me disse a verdade... Tem que ser a verdade! – Chora.

Quão feliz ela ficou quando sentiu seu cheiro ao se reencontrarem, seu perfume parecia se destacar ao ar doce e enjoativo que predominava aquele cômodo...

― O cheiro doce está por toda parte! – pensa ela, captando outra informação importante. – O mesmo cheiro de quem me observa... Ele não estava sozinho quando conversamos, será que existe mesmo outra mulher? – cogita tristemente.

Andy se arrasta para fora da cama, coloca o par de sapatos que repousava no chão frio e caminha lentamente em direção da porta. Talvez – apenas talvez –, se prestasse mais atenção às vozes, pudesse finalmente contar quantas pessoas estavam naquela casa... Com o ouvido colado à porta e já limpando a lágrima de seus olhos, ela pôde apenas apreciar o silêncio.

Cuidadosamente ela gira a maçaneta, todavia, mesmo com o rangido chato que a porta sempre fazia, a casa continuou no mais absoluto silêncio. Talvez eles estivessem dormindo ou apenas precisassem de mais comida e foram as compras, era difícil saber o que estava acontecendo... Lentamente Andy caminha para fora do quarto, àquela noite estava realmente fria e de congelar os ossos, mas, ainda assim, por um milésimo de segundo a humana cogitou uma fuga.

Aquele não era seu objetivo inicial, porém uma mudança de planos como aquela era muito bem-vinda naquele momento tão oportuno.

― Para a esquerda fica a sala onde conversamos – sussurra para si mesma, ao mesmo tempo em que escolhia seguir pelo lado direito.

Bastaram apenas alguns passos para que o corrimão fosse encontrado, a frente da ruiva estava a escadaria que a levaria para o piso inferior. Se Embry estivesse em casa com certeza a impediria de continuar, mas se não estivesse... Andy engole em seco com aquela hipótese, a esperança parecia borbulhar de seu interior.

Descer a escada não fora tão difícil, no fim das contas, estar no andar de baixo era a parte realmente complicada, pois a humana nunca estivera naquela parte da casa e estava totalmente perdida. Ela arrisca seguir para a direita, com as mãos à frente do corpo, apalpando paredes e procurando objetos que pudesse identificar; não demorou muito para que localizasse uma porta, e, sem hesitar, ela a abre.

Com o máximo de atenção e apoiando-se no batente da entrada, a menina desliza um de seus pés para o interior daquele lugar, encontrando o fim daquele solo. Indo um pouco mais para frente, percebe se tratar de um degrau... Outra escadaria se apresentava para Andy, no início ela até arriscou prosseguir por um ou dois degraus, mas logo percebeu estar descendo e aquilo só podia significar uma coisa:

― Porão! – sussurra ela, tendo outro lapso de compreensão.

Andy nunca estivera num porão, sua casa nem sequer tinha espaço para algo daquele tipo e na biblioteca onde trabalhava eram os outros funcionários que se encarregavam de guardar e retirar objetos do porão. E agora ela estava ali, mais perto do que imaginava de seu Embry.

Lá embaixo, no final da escadaria e escondido na escuridão estava o lobo cinzento, aprisionado em sua jaula, dormindo num sono profundo, mas, ao mesmo tempo, gemendo todas as vezes que tentava se aconchegar naquela cela. E foi um destes gemidos que fez a humana travar, havia alguém ali, talvez a mesma pessoa que ouvira gritar durante o dia anterior.

Somente de se lembrar daquele urro, Andy sentia os pelos de sua nuca se eriçarem novamente. A casa estava silenciosa e ela estava quase pegando no sono quando ouviu aquele som pela primeira vez, era baixo, distante e sofredor. No início pensou ser algo fora da casa ou até mesmo um fruto de sua imaginação, contudo, um tempo depois o ouviu novamente, aquele berro de quem sentia muita dor e clamava por ajuda.

Ela sente um calafrio subir-lhe a espinha, será que aquela vítima estava bem? Será que resistiria? Como Embry poderia ser tão cruel a ponto de aprisionar e machucar alguém? E por que não fazia o mesmo com ela se estava cansado de sua presença?

Pé atrás de pé, a ruiva sobe os poucos degraus que havia descido e, assim que suas mãos encontram a porta novamente, ela sai em disparada daquele lugar. Talvez, se conseguisse fugir e se chamasse ajuda, poderia socorrer a pobre pessoa daquele porão, mas, por hora, ela sabia que não poderia fazer nada.

Levou longos minutos até que Andy conseguisse encontrar a verdadeira saída. Retornando para o ponto de partida – a escada que a levaria ao andar superior –, ela se dirige agora para a esquerda, finalmente encontrando móveis dos quais pudesse reconhecer: sofás, a terrível mesa de centro a qual bateu a perna e quase caiu, uma pequena escrivaninha abaixo de uma janela e uma espingarda descansando sobre ela.

― Provavelmente foi desta coisa que partiu o tiro – pensou ao apalpar o objeto nocivo. – Será que atiraram contra a pessoa do porão?

Talvez sim, talvez não. Andy nunca teria a resposta correta e por isso deslizou a mão pela parede, deixando-se guiar até a porta de entrada. Com as mãos na maçaneta ela sente a respiração ficar descompassada, será que aquela era a porta certa? Será que Embry e os capangas não estavam ali, apenas esperando para frustrar suas esperanças? Ou será que era ela que deveria parar de pensar que ele era o culpado?

Ela abre a porta abruptamente, sentindo o vento gelado chicotear seu rosto com força. Era impossível não sorrir, ela havia encontrado a saída, estava finalmente livre. Ainda com cautela ela sai da casa, deixando que todo o seu corpo fosse maltratado com o ar frio daquela madrugada.

A humana não sabia ao certo que horas eram, julgava ser madrugada apenas pelo tempo excessivamente frio e pela sequência de refeições que fizera durante o dia. Podia ser que ela viesse a morrer de frio, que seus pés congelassem dentro de seu calçado antes mesmo que pudesse encontrar ajuda, mas Andy preferia morrer em sua liberdade, a sobreviver como um pássaro engaiolado.

A neve estava alta e os seus pés afundavam a cada passo, ela não fazia ideia de que caminho estava seguindo, contudo, por ironia de sua deficiência, estava beirando o lago com total segurança e caminhando diretamente para as árvores por onde Embry viera a alguns dias atrás.

Seu corpo miúdo já começava a tremer pela alvorada congelada, seus lábios tremiam ao mesmo tempo em que seu rosto parecia ser cortado com o vento. Seus cabelos alaranjados pareciam se destacar naquela paisagem branca e verde, entretanto, a esperança não saía de seus olhos de vidro.

Andy já estava caminhando a, pelo menos, quinze minutos floresta adentro, esbarrando contra as árvores e desejando se encolher de frio. Os únicos ruídos naquela escuridão eram os seus próprios passos na neve e o rufar do vento contra as árvores. Ela até que estava se saindo bem para uma humana cega e seria impossível que alguém a encontrasse no meio da floresta – pelo menos, era o que imaginava.

Ela ainda estava caminhando quando algo mais frio que o inverno agarrou-lhe o pescoço de repente, correndo em direção a uma árvore que parecia distante demais. Andy acompanhava a corrida mesmo de costas, segurando o pedaço de gelo que a prendia e gemendo ao sentir seu corpo ser pressionado contra a árvore.

Hector estava possesso! Saiu por algumas horas para caçar com seu clã e quando retornou percebeu que a humana havia escapado. É claro que Ana foi à primeira criatura a experimentar sua ira, afinal, subestimara demais a menina ao não trancar a porta do quarto. A segunda estava sendo Andy, sendo violentamente sufocada contra a árvore enquanto sacudia as pernas numa tentativa inútil de acertar seu inimigo. E o terceiro certamente seria Embry.

O vampiro estava furioso demais para pensar em esconder sua pele fria e, quando finalmente caiu em si, soltou o pescoço da humana, golpeando rapidamente seu rosto com a costa da mão e fazendo-a apagar no mesmo instante, mas não antes de Andy entender que havia vampiros naquela casa.


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Notas finais do capítulo

Espero que mesmo assim vocês gostem [*--*] o próximo capitulo será o nosso ultimo, Olhos de Vidro está no fim e por isso demorarei um pouquinho para trazer a atualização, pois quero caprichar bastante!
.
Próximo e ultimo capitulo: O que parecia ser o fim...
Quando o amor ressuscita o lobo e os liberta do calabouço!



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