A Caçadora escrita por jduarte


Capítulo 2
Por Um Fio - £


Notas iniciais do capítulo

Bom, este é de fato o primeiro de muitos capítulos!
Espero que gostem
Beijooos,
Ju!



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Os sinos da igreja soaram mais uma vez antes de se silenciarem por completo, e um carro apressado parou em sua entrada, não se importando de ir parar no estacionamento que ficava à apenas alguns metros de distância. De dentro dele pulou uma senhora de cabelos acobreados carregando uma caixa de papelão pequena nas mãos, que se apressou para entrar na igreja para se abrigar da chuva fraca que começava a cair. Voltei minha total atenção ao carro suspeito, e pude ver que uma pessoa aguardava a mulher voltar. Pelos vidros salpicados pela chuva fina, visualizei seus dedos tamborilando apressadamente no volante, e volta e meia o apertando em sinal de nervosismo.

Da distância que eu me encontrava, não era muito difícil identificar que pela pressa que a mulher aparentava, algo de ruim iria sair de dentro daquela caixa. Nem que fosse pelo menos uma aranha.

Respirei fundo tentando inalar o máximo de ar puro que conseguia, para ao menos me manter calma. Eu adorava trabalhar caçando, aquilo estava no meu sangue, mas algo me dizia que eu sempre estava um passo atrás de todos os outros. Talvez fora por isso que insisti tanto para Fitch me mandar sozinha para minha quinta missão em campo. E apesar de pensar que fosse me sentir muito melhor quando vestisse a roupa e segurasse a balestra¹ firmemente nas mãos, estando somente por minha conta, não era bem assim que as coisas estavam acontecendo. Meu estômago estava dando voltas e se contraindo de nervosismo. Eu não daria para trás agora, não depois de ter enchido tanto a paciência de meus supervisores para poder participar desta missão.

Imagine só, aparecer na empresa e dizer: “Não consegui terminar a missão porque amarelei”. Aquilo estava fora de cogitação! Eu provavelmente seria posta para fora e exilada, ou coisa parecida.

– Tem certeza de que vai conseguir, Helena? Nolan havia me perguntando antes de eu pegar as armas e me dirigir até o carro.

– E quando eu não consigo, Nolan?

Sua resposta fora uma revirada de olhos, apenas. Ele sabia que eu era muito medrosa, mas enfrentava coisas piores quando estava em grupo ou em duplas, por isso não ficara preocupado.

Mas agora a pessoa preocupada era eu!

A noite estava mais escura do que o normal. O céu estava sem estrelas, mas em compensação uma grande e rechonchuda lua se estendia pelo céu como se fosse a rainha dele. Ela parecia querer mostrar que era o espetáculo da noite, e que não precisava de nenhuma estrela para lhe tirar o brilho reluzente.

As primeiras noites de Setembro sempre eram assim, escuras e tenebrosas, mas as pessoas nunca paravam para reparar nisso. Estavam muito preocupadas tentando manter a vida normal e rotina monótona, se protegendo de seus piores pesadelos.

Alguns dias depois que entrei para a profissão de “caçadores de criaturas que não deveriam existir”, descobri que as notícias sobre corpos que tiveram seu sangue drenado, mordidas por todos os membros expostos, barulhos que as pessoas se queixavam ouvir todas as noites, não eram de animais que resolviam caminhar pelos telhados de noite porque achava divertido. Eram de criaturas místicas que andavam nos telhados por achar divertido assustar os outros. Ou então a história do bicho-papão? Eles eram denominados espérers, e não faziam mal a ninguém, a não ser quando estivessem famintos.

Ouvi passos apressados indo na direção do carro, e então a mulher de cabelos acobreados entrou em minha visão. Ela andava cada vez mais depressa, e tropeçava volta e meia nos próprios pés. Sem contar que olhava para os lados a cada dois passos, como se temesse algo.

Ela abriu a porta do passageiro do carro e antes mesmo que pudesse entrar, uma mão surgiu de dentro dele e agarrou-lhe o pescoço. Pude ver a mulher se debater para se livrar das mãos com dedos longos e pálidos, e gritar agudamente, mas ainda assim baixo.

“Se eu tiver que voltar aqui e terminar o serviço, eu arranco seu pescoço com os dentes!” uma voz grossa ecoou pela rua vazia.

Levantei de meu posto, escorada na parede lateral da igreja, e já estava prestes a caminhar até o carro quando a mão puxou a mulher para dentro rapidamente e saiu cantando pneu.

Eu sentia de uma maneira profunda que estava sendo observada, mas não me causava medo. Parecia que o olhar – de quem quer que fosse – queimava minhas costas, e me fazia suar frio.

Um arrepio desceu por minha espinha, e me fez tremer involuntariamente. A balestra ao meu lado pareceu escorregar de minha mão conforme o pânico crescia em meu peito.

Respire, Helena. Não é nada mais do que um trabalho idiota. Nada do que você já não tivesse feito, disse à mim mesma.

Forcei os olhos pela fina cortina de gotículas de água que embaçavam minha visão, e pude ver o carro acelerar de uma maneira abusiva até o final da rua, como se estivesse pronto para passar por cima de qualquer coisa que estivesse em seu caminho, finalmente desaparecendo de minha visão em uma cruva.

Enxuguei as mãos furtivamente na calça jeans, e espiei dentro da igreja para ver se não havia mais ninguém. Pelo horário, as pessoas deveriam saber que não era seguro ficar do lado de fora, e por isso tudo aparentava estar vazio.

Entrei na igreja tomando cuidado por onde pisava, e ouvindo cuidadosamente tudo ao meu redor.

A igreja não era tão amigável e receptiva no que dizia à aparência. Não que ela fosse mal cuidada, nada disso, porém era antiga, e escura. Os vitrais eram coloridos, e formavam imagens de anjos e demônios, sem dizer ainda nas figuras religiosas que eu não conhecia muito bem. Um símbolo grande e brilhante se estendia pela porta, e chamava atenção, mas nunca ninguém havia se interessado em pesquisar sua origem, já que era tão velho quanto a própria cidade. Ele simplesmente existia. A igreja tinha o pé direito alto, com imagens de santos pintadas à mão, que pareciam lhe seguir com os olhos, não importasse onde você estivesse, eles sempre estavam a lhe observar. As paredes eram de pedras escuras, os bancos de madeira cor de mogno, e o piso fazia barulhos estranhos quando posto sob grande peso. Os cantos da igreja eram escuros, e pareciam sempre esconder algo sombrio e maldoso. Um confessionário se encontrava perto da entrada dos gabinetes onde os padres tiravam suas “pequenas horas de folga”, e ironicamente, nunca havia nenhum padre disponível para nos confessar.

Apesar do som abafado de meu coturno sobre o piso de madeira, tudo estava estranhamente silencioso. Avistei a caixa de papelão em cima de um dos bancos, bem à vista de qualquer pessoa que passasse por ali. Segurei a besta² mais firmemente na mão direita, e me aproximei cautelosamente. Definitivamente a última coisa que eu queria naquele momento era chamar atenção de qualquer pessoa ou coisa que pudesse estar dentro da igreja.

Meu coração batia fortemente nas orelhas, minhas palmas suavam cada vez mais, e eu temia que a balestra viesse a cair de minhas mãos em certo momento.

Aproximei a mão livre para corrê-la pelas bordas da caixa, e a abri sem pensar duas vezes, apontando a arma rapidamente, esperando que algo pulasse de dentro dela, e viesse me atacar. Mas nada aconteceu. Contei até dez e dei

uma boa espiada dentro, me surpreendendo ao encontrar um simples colar de pedras brilhantes, com uma pedra do tamanho de um morango no centro, da cor vermelho-sangue, preso somente por um fio fino que parecia ser de ouro.

Abaixei a balestra e peguei o colar nas mãos, sentindo que ele deveria ser absurdamente valioso, mas perigoso, pelo modo que fora descartado pela mulher. Quando fui devolvê-lo para a caixa, uma rajada de vento fez com que a porta se fechasse, e parte das velas acesas em volta do altar largo, também de madeira escura, se apagassem, deixando a igreja num clima escuro e sinistro. Meu coração quase saiu pela boca, e com o susto, enfiei o colar no bolso da calça, armando a besta rapidamente.

A igreja agora só estava iluminada pelas pequenas lâmpadas penduradas nas paredes, e as sombras pareciam se mover nos cantos escuros, assustadoramente. Elas se esgueiravam pelas paredes, e depois sumiam. E eu podia jurar ter ouvido uma risada. Ouvi meu celular tocar e o peguei sem hesitar.

– Alô?

“Helena? Você está bem?” uma voz nada calma gritou comigo.

– Acho que sim. – respondi sem ter certeza absoluta do que estava falando.

“Como assim: acho que sim? Helena, precisamos de você aqui na companhia para...”

E então tudo o que ela tinha falado depois disso era um mistério, pois de uma hora para outra meu celular havia ido parar no chão com um baque alto, se despedaçando totalmente, e eu encarava pares de olhos vermelhos como sangue, me hipnotizando completamente, tornando o medo dentro de mim algo completamente palpável e real.

A criatura se inclinou sobre minha cabeça, e rugiu em meu rosto, me fazendo gritar o mais alto que eu pude, e correr pela minha vida em direção a porta de madeira. Mas – obviamente – eu não conseguiria a abrir por ser muito fraca.

Eu não posso morrer hoje! Meu Deus, alguém me ajude, pensei comigo mesma, quase entrando em estado de choque.

Vi com certo terror a criatura apertar o passo e correr até mim, e então segurei a balestra firmemente com certa dificuldade, mirando-a no peito daquilo. E com uma patada somente, saí voando do lugar que estava assim como a arma que se estilhaçara em vários pedaços do outro lado da igreja. Com o impacto de meu corpo à parede, fiquei desorientada. Tudo o que eu podia fazer naquele momento era me contorcer de dor, e choramingar.

– Por favor, não me mate. – implorei baixo, tentando levantar inutilmente.

A criatura parou no meio do caminho e riu, provavelmente prevendo que minhas preces de nada adiantariam.

Quando o monstro falou sua voz era distorcida, cortante e chegava aos meus ouvidos dolorosamente.

– Querida, só estou fazendo meu trabalho.

Ela se aproximou de mim, e colocou uma das patas em meu torso, me fazendo arfar de dor, e logo respirar me parecia uma tarefa impossível. Eu tentava empurrá-lo, mas nada parecia fazer efeito, já que o monstro era várias vezes o meu tamanho.

No que fui me meter?, pensei.

Com o ar que me restava, botei meus pulmões para funcionar e berrei o mais alto que conseguia. Tudo ao meu redor pareceu ficar pálido e enevoado. Pude ouvir alguma coisa quebrar as janelas, mas não conseguia forçar a visão para ver absolutamente nada.

O peso sobre meu peito diminuiu relativamente, e então pude receber uma lufada de ar para dentro dos pulmões. O ar passou por eles dolorosamente, causando um tremendo desconforto e como consequência que eu começasse a tossir como uma louca.

Deus, se eu sobreviver a isto vou matar o filho da mãe que me botou nessa roubada. Vulgo Fitch.

Murmúrios encheram meus ouvidos, e um grito profundamente tenebroso completou minha noite. E então algo me disse que a criatura estava morta.

Abri os olhos o suficiente para ver o que acontecia a minha frente, e pude observar ao longe a criatura se despedaçando em milhões de pedaços, virando poeira por fim. Mas não foi isso o que me fez gritar novamente. Não.

Botas de couro caminharam em minha direção calmamente, e pararam ao meu lado. A pessoa agachou e tocou meu pescoço suavemente. Sua mão era quente, muito quente, e chegava a queimar minha pele.

Como minha visão ainda não estava 100%, tudo o que eu podia fazer naquele momento era implorar pela minha vida, mais uma vez;

– Não me mate – sussurrei, sentindo lágrimas quentes escorrerem por minhas bochechas.

Fechei os olhos fortemente, e esperei.

Ouvi sua risada suave e a voz melodiosa e rouca, com um sotaque leve.

– Não vou te matar. Estou te levando para casa.

A pessoa – que agora havia identificado pela voz como sendo um homem – passou os braços por trás de meus joelhos e então pelas minhas costas, me levantando do chão como se eu pesasse o equivalente a uma pena.

Se antes eu estava com frio, agora tudo estava quente demais. Mas mesmo assim, me agarrei como pude em sua jaqueta, e inspirei seu cheiro almiscarado tentando gravá-lo no fundo da minha mente. Tentando memorizar qualquer coisa que pudesse caracteriza-lo.

Abri os olhos e tentei focar em alguma coisa, mas tudo o que eu via a minha frente era neblina, como se meus olhos estivesse cobertos por um véu.

– Pode descansar, estamos quase chegando. – disse ele novamente.

E como se fosse num passe de mágica, a inconsciência tomou conta de meu corpo, e eu me aconcheguei como pude nos braços de meu salvador desconhecido.


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Notas finais do capítulo

continua?
¹- Tipo de arma parecendo um arco automático com várias flechas. Muito utilizado na idade média.
²- Semelhante/Igual à balestra.