Minha cabeça ainda dói quando acordo, eu ainda não consigo parar de pensar no legado que desenvolvi, porém pensar nisso me deixa exausta, pois lembro da agonia que estava quando o desenvolvi. Eu acreditava que os legados eram desenvolvidos de modo rápido e indolor, no entanto eu parei de acreditar nisso no momento em que vi Scott desaparecer.

Eu me levanto lentamente da cama, além de minha cabeça, minhas pernas também doem e o percebo quando me apoio nelas. Meus joelhos falham levemente, tanto que preciso me apoiar na cabeceira.

Depois de um tempo parada naquela posição começo a me sentir melhor e resolvo caminhar um pouco, talvez achar algo útil para fazer.

A primeira coisa que percebo quando saio de meu quarto é Scott dormindo sentado ao lado da porta, ele parece tão pacífico enquanto dorme que me sinto culpada em acordá-lo, por isso continuo andando até o escritório de Malcolm, entro cuidadosamente apenas para encontrá-lo dormindo em suas anotações e documentos. Penso em despertá-lo de seu sonho, porém novamente me encho de culpa, considerando o fato de que há dias que ele não fecha os olhos.

Curiosamente me aproximo das anotações, revirando-as a procura de algo que não tenho certeza do que é. Por um momento enquanto minhas mãos cuidadosamente retiram envelopes de cima de outros envelopes, sinto como se fosse achar algo importante, porém não há nada.

Me viro para me retirar da sala, mas vejo um envelope pregado na parede escrito "Importante" em letras vermelhas como sangue. Não resisto e o arranco da parede abrindo-o rapidamente, dentro há dois passaportes e uma nota. Agarro o primeiro passaporte e o abro, não era de ninguém conhecido, porém familiar.

Eu recuo derrubando o envelope e o passaporte que segurava, minha visão vazia e minha cabeça rodando, me sinto enjoada quando a figura do jovem do passaporte está na minha frente, ele grita me nome e de repente se inclina, como se tivesse levado um soco na barriga, seus olhos ficam vazios como se a vida os deixasse é sangue escorre do ferimento na barriga, o garoto cai para trás e some antes de tocar a parede atrás dele.

– Não! – grito frustrada, lágrimas nos olhos, no fundo da minha mente é como se eu o conhecesse há muito tempo.

Isso parece acordar Malcolm, pois em um minuto sinto suas mãos em meu ombro me puxando para um abraço. Eu enterro minha cabeça em seu ombro enquanto ele acaricia meu cabelo e sussurra palavras confortantes.

Quando nos afastamos ele olha para o envelope no chão e me deixa rapidamente tirando-o do chão. Malcolm se vira para mim, seus olhos faiscando de raiva enquanto se encaminha em minha direção.

– O que você estava fazendo mexendo nas minhas coisas? – pergunta lentamente.

– E-e-eu. – gaguejo, não tenho uma desculpa, estava apenas procurando ele e me deparei com algo maior.

Malcolm balança a cabeça, a raiva crescendo dentro dele, posso perceber.

– Saia daqui. – ele fala.

Estou paralisada de medo.

– AGORA! – ele grita.

Recuo enquanto ele anda em minha direção, erguendo sua mão como se fosse me bater. Eu viro o rosto com medo, porém o impacto não vem. Assim como eu, Malcolm recua impondo uma distância segura entre nós.

– Me desculpe. – ele balança a cabeça.

Saio rapidamente do escritório no momento em que tenho esta chance, fechando a porta atrás de mim e escorregando até cair sentada. Estou apavorada: Malcolm está enlouquecendo ou no envelope havia algo secreto que eu não deveria ter visto! alguma coisa o bastante para fazê-lo gritar comigo.

Balanço a cabeça enquanto me levanto e volto para o meu quarto, Scott não está mais dormindo ao lado da porta, provavelmente já foi para seu próprio quarto.

Não estou com sono, obviamente, acabo de acordar, mas mesmo assim eu me deito na cama e começo a encarar o teto, não pensando em Malcolm ou no passaporte, mas na visão, mais especificamente meu novo legado. Eu preciso desenvolvê-lo, preciso controlá-lo, mas não sei como.

Abraço minhas pernas me encolhendo entre as cobertas. Eu odeio chorar, mostra fraqueza, no entanto nesse momento tudo o que quero fazer é liberar todas as lágrimas que eu venho guardando esses anos.

As visões sempre me destroem e aos poucos, com o tempo, desde a primeira, eu venho sentindo que parte de mim está se quebrando, formando uma teia de rachaduras prestes a explodir milhares de pedacinhos, porém eu quero controlá-las e para isso preciso fazer mais uma rachadura.

Quando finalmente paro de tremer, tento me concentrar fechando os olhos, sinto o mundo rodar a minha volta e abro os olhos novamente, não consigo me mover e sei que atingi meu objetivo.

Estou em um quarto pequeno, paredes azuis, chão de madeira e duas camas com lençóis brancos e bagunçados. Empurrando a porta há uma garota que não reconheço no primeiro momento, ela está de lado e os cabelos negros e bagunçados caem sobre seu rosto. A porta é chutada, a jovem faz mais força para evitar que a porta se abra, ela percebe que é inútil e tranca a porta caminhando pelo quarto enquanto joga o cabelo para trás com a mão, quando ela o faz finalmente vejo seu rosto assustado e um arrepio passa por meu corpo quando a visão desaparece.

A visão me fez exausta: dessa vez as pessoas não estavam perto de mim, eu estava perto delas, eu estava no cenário delas.

Saio dos cobertores e volto a encarar o teto, os olhos arregalados e o corpo tremendo, porque a garota da visão não era só familiar, a garota da visão era eu.