Caso Miranda escrita por Caroline Marinho


Capítulo 5
Enojada


Notas iniciais do capítulo

Miranda fez bem o que quis fazer, sem pensar nas consequências ou nos sentimentos alheios. Daqui pra frente ela não tinha mais pudor nem escrúpulos. Era capaz de qualquer coisa sem o mínimo de remorso. Agora ela estava perdida e ninguém a traria de volta.



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Somos prisioneiros do acaso, do talvez. Estamos sempre fazendo planos e tentando nos acomodar no previsível, pra que assim não tenhamos que conhecer as consequências.

Porém a vida gosta de brincar de vez em quando. Ás vezes em meio nossa segurança, ela nos faz pisar em falso, e quando percebemos estamos em um terreno completamente diferente do anterior. E, infelizmente, pelo medo de tentarmos, acabamos por nos acomodar nesse novo terreno.

Eu me acomodei em um lugar onde eu era espancada e estuprada por um filho da puta, o qual por segurança eu chamava de pai. Me acomodei com a indiferença de meu irmão mais velho e me acostumei com a tremenda falta de respeito mútuo e pudor que havia naquela casa.

Eu não contei mas meu irmão usava drogas. Eu não contei mas já engravidei, e depois de umas boas surras, não se pode chamar tal coisa de "aborto espontâneo". Eu não contei, mas minha mãe quis me abortar também. E a Victor também. Bem, com os outros ela teve sucesso.

A minha vida foi sempre um problema. E por me acomodar nesse terreno, decidi então que o problema estava comigo, e não com eles. Assim era mais fácil viver, sem julgar meu "pai" pelo que ele fez comigo. Se Victor se drogava, era por minha causa. Minha mãe não me quis. Eu nasci, logo fui o problema. Me entende? Acreditar que as coisas não estavam certas pois graças a mim, elas estavam erradas dava uma ótima justificativa a todas as merdas que aconteceram na minha vida, sem ter que jogar tudo pra cima de alguém.

Porém, isso me tornava fraca, vazia, fútil. Eu me odiava. Me sentia promíscua, suja, dissimulada. Bem, isso no começo. Porque depois perdi o pudor. Assim como meu pai e meu irmão. Me tornei como eles.

Mas houve aquela válvula de escape. Aquela ruptura que trouxe à tona coisas que eu nunca tinha pensado: "e se alguém me amasse?"; "se eu tivesse mais amor, as coisas seriam diferentes?"; "se eu me amasse mais, as pessoas me notariam?".

Acontece que essas turbulências e pensamentos duvidosos, vieram à tona quando conheci Leo, quando conheci aquela ardência do amor.

Eu amei a ele, porque algo nele me fez ver o amor e que eu poderia me amar e me valorizar. Eu comecei a acreditar que tinha algo errado, mas não era comigo. Isso mudou drasticamente tudo em que eu tinha pra mim como certo.

Isso foi a vida brincando comigo.

E eu fui me acomodando nesse terreno, acreditando que se eu o amasse cada vez mais, uma hora seria o bastante pra que ele me amasse. E caso ele me amasse, eu me amaria mais. Eu teria mais valor só por ter alguém como ele.

Parece bobo de se pensar, né? Mas eu acreditei.

Ouvir Vanessa dizer "ele me amava", foi ouvir a vida me arrancar daquele terreno seguro mais uma vez. Eu perdi o chão, perdi o gosto pela vida, perdi tudo.

Ora, se eu não conseguia fazer a única pessoa a quem dei amor me amar, então, realmente alguma coisa deveria estar errada comigo.

Ele não me amava.

Meu pai não me amava.

Minha mãe não me amava.

Meu irmão não me amava.

Eu não me amava.

Eu dei amor a todo mundo. Dei amor ao meu irmão, por isso escondi dele o que vivia com meu pai. Dei amor ao meu pai por até ele me tratar como lixo. E eu daria amor à minha mãe, principalmente a ela, mas ela não me deu chances.

Nesse momento da história, eu não queria mais amar. O amor me machucou por inteiro, até mais que a falta dele. Nesse momento da história me tornei o que ninguém temia, mas deveria. Amarga, fria, insensível. Nesse momento eu havia transado com meu irmão. Isso mesmo. E me faltava remorso, me faltava o pudor. Mas o que me importava era somente fazê-lo dormir, pra que pudesse enterrar o corpo que estava no banheiro.

Eu não ligava. Não ligava pra morte de Jasmin, não ligava pro parentesco entre eu e Victor e não ligava pro modo que meu pai me tratava. Eu só queria esconder o corpo. Porque no fim só ligava pra mim mesma.

Levantei-me da cama e me certifiquei que ele estivesse adormecido. Tranquei-o no quarto e fui até o banheiro.

Jasmin estava um nojo.

Puxei-a pelos pés até o quintal dos fundos, imundo e com um mato enorme. Perfeito pra se esconder um corpo.

Procurei pela pá e pus-me a cavar até que o buraco estivesse grande  e fundo o suficiente. Depois de meia hora eu já ouvia Victor gritar o meu nome do quarto.

Eu não ligava pra claustrofobia dele. Não ligava pro fato de ele estar preso em um quarto pequeno, escuro e sem ventilação.

Joguei o corpo lá embaixo e comecei a jogar a terra por cima.

Olhei no relógio. 5 horas. Às 5:30 meu pai chegaria. Ainda tinha sangue no banheiro.

Me apressei a jogar a terra.

Empilhei entulho pra que ninguém estranhasse a falta de mato naquele lugar e corri pro banheiro.

Eca. Sangue no chão inteiro.

Comecei a limpar tudo. 5:15. Abri a porta do quarto, Victor voou pra cima de mim.

Caímos os dois deitados no chão, ele em cima de mim, prendendo meu pescoço, provavelmente querendo me enforcar.

- O que você fez... - ele parou para respirar, aparentemente havia tido um surto lá dentro ocasionando uma falta de ar - ... não é legal, sua vadia imunda.

Eu sorri de um jeito sacana.

- Você gostou, meu bem? Se quiser eu te dou mais.

Eu o beijei de novo, e mordi seu lábio inferior.

Ele pareceu confuso, muito confuso. Tanto que afrouxou a mão do meu pescoço (que era o resultado que eu esperava) mas depois voltou a fazer força.

Ele chegou mais perto de mim, e sussurrou no meu ouvido.

- Se você fizer o que fez comigo de novo, eu te mato.

Eu mordi a orelha dele, e respondi bem baixinho.

- Me comeu e agora quer cuspir?

Dei uma joelhada nele, onde quer que tenha batido, doeu, porque ele recuou, se jogou pra trás e ficou em posição fetal.

Me levantei e limpei a sujeira do chão que havia ficado em minha blusa.

- Escuta aqui, garotinho. Da próxima vez que quiser me ameaçar de qualquer coisa, ameaça antes do mal feito. Você me quis, eu não te obriguei a nada! Você foi pra aquela porra de cama porque você quis ir. Você se deitou comigo porque desejou isso.

Ele ainda estava latejando de dor.

- Ah, e só mais uma coisa. Caso queira contar pro papai, fique à vontade. Mas vou dizendo logo que é bem possível de você nunca mais enfiar essa coisinha minúscula em outra garota caso o faça.

Olho pra trás. Meu pai estava parado, o tempo todo, assistindo a cena.

- O que está acontecendo aqui?

Eu o encarei, olhei para Victor, ele não queria falar, e voltei a encarar meu pai.

- Nada, papai. Só Victor aprendendo com o homem da casa como tratar uma garota.

Ele ficou pasmo com a minha resposta.

- O que disse?

Suspirei.

- Disse que seu filhinho querido fez comigo o que faz toda semana - observei a reação dele - Que é? Não aceita que alguém invada seu território?

- Que nojo - ele disse.

- Nojo? Que nojo vocês dois. O pai e o filho. Nojo de você, essa sua cara de santo, seu hálito de cerveja e desse seu mau caráter. Nojo do seu filho drogado e repulsivo que fica esperando você tirar a bunda do sofá pra colocar em canal de mulher pelada. Nojo de vocês dois!

- SAIA DA MINHA CASA! - ele gritou.

Eu sorri, tinha uma lágrima descendo no meu rosto.

- Meu bem, você não sabe há quantos anos espero você dizer isso.

Saí pela porta da frente. A liberdade agora era toda minha.


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