Caso Miranda escrita por Caroline Marinho


Capítulo 12
Confusa


Notas iniciais do capítulo

Será que finalmente Miranda sentia algum remorso? Ou era apenas sua cabeça bagunçada com todos os medicamentos? Ela ainda teria concerto?



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Meus dias naquele lugar foram maçantes. Principalmente os que passei naquela sala escura. Quando saí de lá, nem sabia mais em que ano estávamos, não tinha noção nenhuma de dia e hora.

Era como se tivesse esquecido como era ser humana.

Inclusive esqueci como se falava. Porque não queria mais falar. Com ninguém, nem eu mesma.

Só abria a boca em caso de necessidades básicas: comer, beber água, escovar os dentes, tomar remédios...

Raramente via a luz do sol. Fazia parte do grupo de perturbados que não tinham permissão pra sair ao ar livre.

Eu sempre mantinha distância de todo mundo. Sabia que se fizesse algo de errado de novo teria de voltar pra maldita sala escura.

Manipuladores filhos da puta.

Eu não tinha permissão pra ficar mofando no dormitório, o que era um saco. Comecei a ter mais aversão a seres humanos do que tinha naturalmente.

Os dias foram passando, e passando e eu já estava ficando atordoada. Desde que cheguei ali, via Lúcia, Kelly e Jasmin.

Insuportável era ver Kelly. Porque mentia pra mim mesma fingindo que aquele beijo não significava nada. Mas lembrar do beijo me deixava até excitada às vezes.

Imagine. Perturbada, estuprada, assassina, e lésbica.

Nada naquela porra de sanatório pra mim foi relevante. O que valeu foi o que me fez sair dali.

Foi quando me levaram pra recepção, sem me falarem nada e um cara de mais ou menos uns dezenove anos, de cabelos pretos e lambidos pra trás me chamou pelo nome.

- Anda logo, pirralha. Alguém tem que te levar pra casa.

Eu não fazia ideia de quem ele era, mas não queria gastar saliva perguntando. De todo jeito queria sair dali, então estava sendo apenas complacente.

Acompanhei ele até a saída. Diferente de todos ali, não tinha bagagem. Era somente eu e a roupa do corpo.

No estacionamento olhei pros carros e fiquei imaginando qual seria o carro dele. Me surpreendi quando ele me conduziu a um carro de funerária modificado.

Porra, com tantos carros, logo um de funerária? Que merda de casa era essa que estavam me levando?

Pensando bem, foda-se.

Daquele lugar, eu sairia até montada em um asno.

O interior do carro cheirava a uma mistura inebriante de cigarro e eucalipto. Ele ligou o som e no começo me pareceram só ruídos.

- Essa banda é do caralho. The Mars Volta, o nome dela - ele disse, tirando o carro da vaga - Eles têm uma música com teu nome.

Eu o encarei, com vontade de perguntar se ele sabia alguma coisa ao meu respeito. Novamente, não tinha ânimo nenhum em falar. Tinha a impressão que qualquer resposta seria decepcionante.

- Você é tipo os defuntos que carrego. Não fala porra nenhuma. Acho isso ótimo.

Não entendi se foi um insulto ou elogio, mas ignorei.

- Rebeca.

Eu o olhei em um impulso, sem entender.

- O nome dela é Rebeca agora. Tua mãe.

Abaixei a cabeça, indiferente. Não sei o que minha mãe queria comigo agora. Não me quis 13 anos atrás...

- Quer saber? Você não vai falar, eu também não. Tô pouco me fodendo, só quero pagar esse favor logo - ele resmungou.

- Tô pouco me fodendo, só quero sair daqui - retruquei.

Durante uns dez segundos, o único som era The Mars Volta e o vento entrando no carro.

- Vejam só. Ela não é muda.

Revirei os olhos e encostei a cabeça no banco.

- O que ela quer comigo?

- Bancar a mãe.

- Não tenho mais cinquenta centímetros. Ela está bem atrasada - ignorei o "puta de luxo". Desse detalhe eu não precisava.

Ele suspirou.

- Isso é problema de vocês. Já basta ter que dar uma de chofer de pirralha assassina.

Ainda estava tonta. Olhar pra estrada à minha frente me deixava mais grogue ainda.

- De onde vocês se conhecem? - perguntei.

Ele grunhiu. Me analisou rapidamente, sorrateiro, e pareceu pensar em algo imoral.

- Eu tô em um carro de funerária com um cara que nunca vi na vida e que acabou de me tirar de um sanatório. De repente minha mãe surge dos mortos e eu nem sei pra onde tô indo. Desculpa se eu tô te incomodando, meu bem, mas eu queria ao menos saber com quem eu tô lidando.

Dessa vez foram trinta segundos.

- Você é um saco, hein? - reclamou - O nome é Guill.

- Prossiga.

Ele parecia incomodado com a sucessão de perguntas. Eu estava sambando pra isso. É direito meu saber pra onde estou sendo levada, certo?

- Tua mãe mora em uma cidade aqui do lado. Prostituta de luxo. Ganha a vida com aqueles políticos filhos da puta. É daquelas que deixa qualquer um excitado - ele deu um sorriso sacana - Mas cobra caro. Muito caro...

- Puta eu sei que ela é - interrompi - Não me resta dúvidas. Me referi a você.

Ele suspirou.

- Sou um cara que dirige um carro fúnebre. Você não precisa saber mais que isso. Não vai me ver depois que te entregar - ele levantou as sobrancelhas, prestes a acrescentar algo - Ou vai. Caso continue fazendo o que faz - apontou com a cabeça para o vão na parte de trás do carro.

Resmunguei.

A verdade é que fui com a cara de Guill. Olhou pra mim apenas duas vezes, ainda assim em uma fração de segundos. Não se esforçava em ser simpático, muito pelo contrário. Isso o fazia ganhar pontos comigo.

Ficamos em silêncio o resto da viagem. Era bem melhor assim. Só o som do carro (que era agradável) e a estrada seguindo, e me deixando tonta.

- É nesse prédio aí - ele disse, logo que entramos na cidade.

Devia ter uns 10 andares, mas era um prédio elegante. Imaginei que a mulher devia estar banhada na grana.

Ele freou logo na entrada.

Saímos do carro e entramos. Provavelmente ele queria se certificar que eu não fugiria.

Ela atendeu ao interfone e permitiu a entrada. Por dentro era mais chique ainda.

Entramos no elevador. Ela morava na cobertura.

- É bem durona pra tua idade, pirralha - Guill disse, sem ao menos olhar.

- Dá pra parar de me chamar assim?

- Não - continuou sério - Se não aguentar tua mãe, me procura que eu te arrumo um lugar. Conheço um cara que tá precisando de funcionárias...

Não imaginei que fosse pra trabalhar de garçonete ou secretária, então apenas ignorei.

A porta se abriu e eu vi uma mulher de costas, sentada em um divã na sala. Só percebi os cabelos ruivos e longos, nada mais se sobressaia. Até porque eu quase nem enxergada nada que estivesse a mais de um metro de distância.

Ela se virou.

- Olá, Miranda - ela cumprimentou, com a voz sorrida.


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Notas finais do capítulo

Galera, pra quem não sabe, Guill é o personagem de Guilherme Souza em Bloodcity, aquela história que recomendei capítulos atrás (sim, diferente, eu sei, foda-se). Se vocês lerem a história talvez faça mais sentido.