Caso Miranda escrita por Caroline Marinho


Capítulo 11
Paranoica


Notas iniciais do capítulo

Miranda estava à beira do precipício e fora de si. Mas talvez nem isso fizesse sua consciência pesar...



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É estranho a gente ver a vida mudar em um piscar de olhos. No meu caso não foi bem um piscar de olhos. Mas foi decepcionante perceber que não decidia mais o rumo da minha vida.

Aliás, algum dia decidi o rumo da minha vida?

Não que eu acredite em destino. Nunca acreditei. Mas tudo sempre se referia a outras pessoas decidindo para onde eu iria.

E eu odiava isso.

Aparentemente, eles gostaram da minha ideia dos sedativos. Porque acordei bem mais tarde do que esperava.

Estava sentada no chão de uma sala, com uma camisa de força. Sabia que era de tarde pela luz na janelinha no topo de uma das paredes. Ao meu lado, uma parede com um enorme espelho. Coisa de imbecis. Como se eu não soubesse que estava sendo observada. Isso não é óbvio?

Nunca entendi pra que serviam esses espelhos direito.

De repente me entra um homem velho, com cara de excêntrico, nariz arrebitado, barba branca e óculos. Não me lembro como eram os óculos.

Sorri pra ele, sendo debochada mesmo. Ele diria que estava ali pra me ajudar, assim como o cara do juizado de menores uns oito anos atrás.

Mas eles sempre demonstravam preocupação. A noite voltavam pra casa, sentavam à mesa e comiam o jantar. Quando a esposa perguntasse "como foi seu dia", ele responderia "nada demais, o mesmo de sempre".

Assim, sem lembrar da preocupação que tinha com a perturbada horas mais cedo.

- Olá, Miranda - ao menos fumante não era. Carla devia aprender com ele.

- Olá - respondi, ainda sorrindo.

Eu estava grogue. Muito grogue.

O homem a minha frente dançava, não literalmente, só na minha visão turva e contorcida. Sabia que ficava balançando a cabeça, mas não conseguia parar. Estava tudo bagunçado. Do outro lado da sala estava Lúcia sentada. Quieta, chorando

- O que... - estava prestes a dizer "o que ela está fazendo aqui", depois percebi o quão idiota isso soaria.

Eu vi Lúcia morta. Eu a joguei com a garganta cortada por um muro. Lúcia não estava ali.

- Ia dizer alguma coisa? - ele perguntou.

- Não - respondi. Não sei como a palavra saiu na hora, acho que foi mais um balbucio.

Eu tinha certeza de estar drogada. Injetaram alguma coisa em mim, eu não sabia o que era. Mas sabia que aquele não era meu estado normal.

- O que injetaram em mim?

- O quê? - ele perguntou, tentando decifrar o que eu dizia.

- O que injetaram em mim? - disse de novo, me esforçando.

Ele franziu a testa.

- Você que se drogou, Miranda. Não lembra? Aplicou um sedativo.

Forcei uma risada debochada.

- Não me faça de idiota. Estou tendo alucinações. Sedativos não fazem tanto efeito assim.

Ele se agachou à minha frente. Odiava quando as pessoas se agachavam pra falar comigo.

- Miranda, estou aqui pra te ajudar - já era tarde...- Te ajudar a lidar com essa... Bagunça na sua cabeça.

"Lidar? Pra começar, desde quando tem bagunça na minha cabeça? Acha que não penso no que faço doutorzinho de merda?"

- Esse problema pelo qual está passando, talvez possa ser curado...

Demorei alguns segundos pra digerir as palavras, estava agoniada com o suor escorrendo, mas não podia limpar com os braços amarrados.

- Não tenho problema algum...

- É normal pensar assim. Mas machucar as pessoas não é certo, Miranda.

"Fala matar logo. Eufemismos desnecessários. "

- Aquelas garotas tinham muito futuro pela frente, sabia?

"Está falando com uma assassina, não com uma retardada. Claro que elas tinham futuro, imbecil."

Parei de escutar. Não só porque tudo aquilo me parecia desnecessário, mas porque meu cérebro trabalhava com dificuldade. Ficava tudo vago.

Olhei para a direita. Jasmin, ensanguentada me encarando.

- Tira essa vadia de perto de mim - gritei, sem nem saber de onde vieram forças.

Comecei a me remexer, queria aquela garota o mais longe possível da minha cabeça.

- Levem ela pro agudo - ele disse, e eu não entendi nada.

Entrou um outro homem na sala, não vi quem era. Mas logo apaguei de novo.

Quando acordei, não podia sequer imaginar se era manhã, tarde ou noite. Aliás, não sabia se estava sozinha ou acompanhada, nua ou vestida, amarrada ou só deitada mesmo.

Sabia que não me mexia e meus pulsos doíam. Estava tudo um breu, ardia meus olhos e eu me sentia em um estado de pânico.

Depois do que não sei se eram minutos ou horas, ouvi uma mulher gritar ao meu lado.

Soube que, apesar das dúvidas, sozinha eu não estava. Mas a partir dali tudo era incerto.

De todos os lugares por que passei em toda minha vida, com certeza absoluta aquele era o pior.

E de todas as vezes que disse "não sei o que fiz pra estar aqui", essa era a única vez que tinha certeza do que dizia.

Eu só queria sair dali.


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Notas finais do capítulo

Comentários. Sempre bem vindos.