Caso Miranda escrita por Caroline Marinho


Capítulo 10
Descontrolada


Notas iniciais do capítulo

Miranda só ia de mal a pior. Talvez suas amigas a ajudassem a abrandar um pouco. Talvez. Ou só piorariam tudo.



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Se pudesse ser qualquer coisa, o que você seria? Nós podemos mesmo fazer o que bem entendemos? Alguém nessa terra já conheceu o livre arbítrio?

Será que existe mesmo sentido na vida ou isso é tudo uma tremenda piada de mau gosto?

Já percebeu que o ser humano é movido a perguntar? E nós nunca paramos. Quando arrumamos uma resposta plausível, arrumamos outras perguntas pra nos deliciarmos com aquela falta de rumo.

A verdade é que a humanidade adora ser taxada de idiota.

E eu me aproveito disso, sabe? De repente fazer as pessoas se sentirem um pouquinho especiais pra depois cortar a garganta me pareceu uma ótima válvula de escape.

Algumas pessoas simplesmente precisavam disso...

As duas primeiras semanas não foram muito relevantes. Eu quis esquecer aquele lugar, sabe? Odiei ele. Foram poucos os fatos que não conseguiram desaparecer da minha memória.

Neles se encontra Kelly, Júlia e Giselle. Foram as três pessoas com quem quase tive afinidade ali dentro. Todas deslocadas.

O resto das pessoas ali dentro me dava nojo. Todas forçando simpatia ou querendo ser umas melhores que as outras. Os tratamentos das especialistas que entravam ali uma vez por semana pareciam piada pra todas. Claro, porque nenhuma ali procurava por ajuda. Só estavam acomodadas com abrigo e comida de graça.

- Mentira que você tem 13 anos - Kelly falou, já irritada.

Ela insistia nisso todo dia, desde que eu tinha entrado naquele inferno. As meninas ficavam impressionadas e sempre diziam:

- Meninas da sua idade não pensam como você pensa.

Eu e Kelly planejávamos há uma semana o jeito que mataríamos uma das meigas, a que as meninas mais detestavam.

Daniela, uma garota de 15 que conseguia ser mais pirralha que as novatas de 12 anos. Gostava de fingir que era a mais bonita mas tinha a testa pequena e achatada demais.

Ficava no dormitório do lado com outra meiga, uma fernanda e uma deslocada (Giselle, que nos daria cobertura).

O complicado era a vigilância. Ali não era muita, já que as garotas quase nunca faziam nada de errado (não tinha necessidades).

Mas pra isso tínhamos Júlia, que ia distrair as três mulheres que ficavam vigiando o corredor.

Julia normalmente ficava sonâmbula e saía perambulando pelos corredores. Me senti uma menina de sorte ao saber disso. Era como ganhar na loteria duas vezes seguidas. Primeiro com a casa à venda atrás da de Lúcia, segundo o sonambulismo de Júlia, que naquele momento era super útil.

Eu e Kelly ficamos esperando que Giselle viesse chamar a gente. Ficamos sentadas na cama alta do beliche, conversando baixinho.

- Engraçado como uma menina tão fria conseguiu aproximar a gente com intenções tão baixas - Kelly comentou.

Ela colocou a mão sobre a minha. No meu ponto de vista daquele tempo. Não vi nada demais. O que tem a ver isso, não é mesmo?

Naquela hora teve.

Ela se aproximou, cada vez mais, e mais, e mais, e encostou os lábios nos meus. Eu fazia as coisas pensando demais e não pensando em nada ao mesmo tempo, sabe? Não sei explicar, mas um lado meu ainda era completamente tapado. Provavelmente aquele resquício de uma garota de 13 anos.

Então cedi aos instintos. Kelly não me atraía. Nem era sequer algo que me fizesse cogitar, sabe? Não que eu fosse totalmente hétero. Na verdade nunca nem me fez diferença minha sexualidade.

Mas não tinha tesão nenhum em beijar Kelly. Ainda assim beijei. Talvez por impulso, sei lá.

Talvez por ainda ter um fraco por relacionamentos confusos.

Mas eu a envolvi e a apertei contra mim. E retribuí o beijo. Ela ficou entrelaçada em mim. E me beijou mais.

Depois perdeu a graça.

Perdeu porque percebi o sentido daquilo.

Kelly me enganou. Ela não era uma deslocada, como fez parecer. Ela se fez de algo que me agradasse, pra depois me beijar. Isso não era coisa de meiga, maria ou descolada.

Era coisa de puta. E puta era assunto de fernandas.

Kelly era uma fernanda. Não sei o que Júlia ou Giselle eram. Mas eu havia me tornado uma maria. Fui tão burra que fui submetida à uma fernanda. Fui tão burra que fui manipulada.

Me desvencilhei dela. Ela sorriu.

- Vadia - sussurrei.

O sorriso dela desapareceu.

Puxei o travesseiro que estava perto da cabeça dela e a sufoquei.

Fodam-se todos. Foda-se se eu vou pra cadeia ou pro manicômio. Fodam-se as vigilantes, as fernandas, marias, meigas, Carla, Júlia, Giselle. Foda-se Kelly. Eu queria todos mortos.

Queria mortos todos que me fizeram de otária.

Depois de uns segundos Kelly parou de se debater. A rapariga era muito ridícula. Não conseguiu acertar um tapa sequer antes de morrer. O máximo que conseguiu foi me arranhar no braço. Putinha. Morreu por se fazer de esperta.

Eu a deixei deitada e a cobri, como se estivesse dormindo, e deitei na cama de baixo, esperando que Giselle aparecesse.

- Vamos, Miranda? - Ela perguntou, sussurrando e me sacudindo.

- Foi mal, Giselle. Kelly ficou com sono e pediu pra gente deixar pra amanhã.

Giselle hesitou.

- Tudo bem então.

Saiu do quarto sem ao menos confirmar se Kelly estava mesmo dormindo.

Outra otária.

Me levantei e fui à uma das vigilantes, pedir pra beber água. Eu queria ser descoberta de qualquer jeito. Queria sair daquele lugar horrível, independente de pra onde fosse, xadrez ou hospício, eu queria sumir dali.

- Que arranhão é esse no seu braço? - A mulher perguntou?

- Nada demais. Poderia me arrumar um curativo?

- Tudo bem.

Ela me levou à enfermaria.

- Por que está acordada até tão tarde?

Eu sorri.

- Acabei de matar minha colega de quarto.

Ela sorriu de primeira, achando que era uma piada. Depois que entendeu bem com quem estava conversando, se levantou bruscamente.

- Você o quê?????

Se levantou e saiu correndo até o dormitório. Por impulso, não percebeu que havia deixado uma assassina sozinha na enfermaria.

Que descuido, hein? Essa mulher precisava aprender a lidar com gente perturbada.

Procurei por um sedativo no armário e apliquei em mim mesma.

O que quer que tivesse que acontecer, eu só saberia no dia seguinte.


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