POV Golin.

Sentir minhas asas ficarem mais leves enquanto penetravam na minha pele, sumindo dentro de mim, minha calda, meus chifres e minhas garras também sumiram, e meus pelos vermelhos foram os últimos a recuar para dentro de minha pele. Ao me olhar no espelho, vejo olhos castanhos, cabelos curtos e negros, pele bronzeada e uma face humana, continuei forte, e ainda parecia eu mesmo, apesar de meu rosto não ser mais leonino e meu cabelo não parecer mais uma juba.

-Nossa! Você tá um gato! – exclamou Clara – Quero dizer... Você está ótimo!

-A noite minhas asas vão voltar não é? – perguntei.

-Vão sim! – garantiu Valentin.

-Não estou reclamando dele estar assim.... Mas ele precisa de roupas! – comentou Clara – Ele está usando a mesma coisa que o Tarzan usa!

-Na verdade não, Tarzan usa uma tanga, isso é um short tanga ou algo do tipo! – comentou Valentin – Tipo... Há sei lá, todos os gárgulas usam!

-Mas ele é humano! – apontou Clara.

-Bem lembrado! – disse Valentin – Recomendo que os dois durmam um pouco, antes do meio dia eu volto aqui e trago roupas melhores pra Golin!

-Clara, a quanto tempo você não dorme? – perguntei.

-Eu não tenho dormido... apenas cochilado por uma ou duas horas... – admitiu ela.

-É melhor você ir dormir! – aconselhou Valentin – Eu vou providenciar as roupas dele!

Valentin saiu do apartamento e Clara me puxou até o quarto de hospedes. Dormir agora era algo novo, eu geralmente só tirava algumas sonecas entre as rondas, sinceramente, que gárgula precisa dormir, considerando que ficamos doze horas transformados em pedra acumulando energia solar? Eu me deitei na cama do quarto, sentia falta de minhas asas, da minha calda, e das minhas presas... meus dentes estavam certos, normais. As razões pra eu não querer virar humano eram varias, a primeira, eu amo planar, sem asas... A segunda, eu não queria me envolver ainda mais com Clara, sendo um humano eu passaria a vê-la de uma forma diferente, como se fosse possível ela se interessar por mim, a terceira, e se eu gostar do sol, e pedir pra esse feitiço durar ora sempre, o que meu Clã iria pensar de mim? Quarta, a dor, eu não queria senti-la, não por medo de sentir dor, mas porque a dor seria o mesmo que dizer que virar um gárgula é igual a sofrer! Deitei e cai no sono quase que imediatamente.

POV Clara.

-Meu Deus ele tá um gato! – exclamei quando me vi sozinha no meu quarto.

Sempre o achei lindo, desde quando ele me salvou, mas ele estava humano. “Pare Clara!” pensei. Ele ainda é metade Gárgula, nãodaria pra acontecer nada serio, e já eu tinha vinte e sete anos, não podia mais ficar agindo como uma adolescente. Acordei primeiro do que ele, eram quase meio dia, fui preparar o almoço, que pela primeira vez em séculos seria pra mais alguém alem de mim. Coloquei uma porção extra de macarrão porque eu sabia que Valentin viria. Falando no bruxo:

-Oi! – cumprimentou Valentin quando eu abri a porta pra ele.

-Oi! – respondi voltando pra cozinha.

-Clara, me desculpe por ontem, eu não devia ter ouvido a conversa de você e Golin – disse ele.

-Aquilo era algo pessoal demais Valentin! Porque você queria ouvir? – perguntei.

-Bem, eu queria saber se você conseguiria convencer ele a largar Cecília, Dirian não parou de pensar nisso e eu fui investigar! – respondeu – Se lembra o que eu disse sobre os servos da natureza? Os bruxos como eu? Todos tem um poder extra, alguns movem objetos, outros congelam o tempo, outros tem visões, os poderes extras vão variando de Wicca pra Wicca. Bem, eu sei que nunca vou me elevar e mudar para Animália, porque apenas as Wiccas que tem o poder voltado para um dos quatro elementos vai pra Animália, e eu já adquiri meu poder extra, ele não tem haver com nenhum dos elementos!

-Espera... não importa o quanto poderoso você seja, você só vai se elevar e se mudar pra dimensão de Animália se tiver o poder extra voltado pra natureza? – perguntei, isso era muito injusto.

-Os quatro elementos dos bruxos como eu, são diferentes dos quatro elementos tradicionais, lá em Animália, as Wiccas evoluídas se dividem em Clãs, o Clã da água, que pode criar e dominar a água, criar água do nada simplesmente criar, o clã da terra, embora não deva ser chamado de terra, já que a magia é voltada pra as plantas e não pras pedras, eles dominam as plantas, isso apenas as fadas ou nós fazemos, qualquer bruxo da natureza pode fazer plantas crescerem, isso até você já sabe, mas o que esses caras fazem é algo muito mais supremo, o clã do fogo também cria fogo do nada, mas isso não é incomum, qualquer um pode criar fogo, inclusive os dominadores da dimensão 2, mas eles dominam um fogo vivo e quase que puro, o maximo que fazemos é ascender vela com a mente ou criar uma fogueira em volta de uma pessoa pra prende-la, e o clã dos ventos, um único bruxo desses, pode criar um furacão tão forte que destruiria São Paulo em cinco minutos! – contou ele.

-Pera, qualquer um pode dominar os elementos mas... – ele adivinhou a minha pergunta.

-Não só os elementos, mas todos os poderes extras já estão ao alcance de qualquer Wicca. Porem chamamos de poder extra, quando um desses se desenvolve ao ponto que eu acabei de dizer, e não, não são todos os bruxos com o poder voltado pra um dos elementos que se elevam! Por isso que eu tive vergonha naquele dia, eu já havia descoberto meu poder extra! – confessou.

Todos os meus vasos de plantas, minha televisão, meu DVD, tudo começou a flutuar e a rodar a sala inteira, e depois voltaram para o lugar.

-Sou um telepata, movo objetos, e entro em mentes alheias, menos na sua, provavelmente por causa do colar! – disse.

-É um poder incrível, você é tipo a Jean Grey dos X mens! – comentei – Porque você nem quis falar sobre aquilo?

-Porque toda a minha família espera que eu me eleve, afinal ganhei meus poderes aos onze anos, algo muito raro pra bruxos da natureza, dai eu descubro que esse é meu poder extra não é voltado pra os elementos, mas sim pra entrar em mentes alheias, e pra mover objetos... eu os uso pra fingir que é pro fogo, entro na mente dos meus pais, e os faço me verem dominando o fogo.

-Eu entendo o que é toda essa pressão em cima de você, mas você não devia mentir, eles vão ter que te aceitar como você é! – aconselhei.

-Eu não posso entrar na mente deles e fazê-los me ver com uma roupa vermelha e laranja e asas? – me lembrei que ele me contou que isso era se elevar, ganhar um uniforme que aumente sua energia, e asas que pareciam ser galhos de árvores com folhas presos em suas costas... Ele até que poderia ficar bem...

-Não! – respondi – vai ter que contar pra eles!

-Clara! – Golin entrou na sala saindo do quarto de hospedes – Será que eu poderia tomar um banho? – perguntou.

-Sim, vou te dar uma toalha! – respondi.

-Eu trouxe suas roupas! – disse Valentin pegando umas roupas de dentro de sua mochila.

Golin usava uma bermuda jeans, e uma camisa vermelha sem mangas, depois que almoçamos, eu o arrastei pra passear pela cidade durante o dia. Por algum motivo Valentin não quis ir. Mas nós nos divertimos muito, o levei a praia, ao pão de açúcar, ao jardim botânico, ele nãoparava de achar as coisas estranhas de dia, foi muito engraçado ele tomando um sorvete.

-Não acredito que nunca tomou um sorvete! – comentei.

-Eu via na televisão... Mas pensa bem... por que eu tomaria sorvete a noite? – pergunta ele rindo.

-Quantos anos você tem? – perguntei – Tipo, eu te via mais velho em sua forma normal!

-Tenho trinta... Mas fiquei sete anos dentro de um ovo... não sei se isso conta! – comentou.

-Dirian tem catorze ou treze, você se casou tão jovem? – perguntei.

-Gárgulas amadurecem mais rápido! – contou.

-Bem, o ataque será só amanhã de dia, hoje ainda tenho que te arrastar pra mais programas diurnos!

-Já fomos a praia, andamos naquele treco preso na montanha...

-O bondinho – respondi, a maioria chama de teleférico, mas eu prefiro bondinho, é mais fácil de falar.

-Tanto faz! O que mais você tem em mente? – perguntou.

-Bem, de dia estou segura contra monstros ou bruxos que queiram me fazer mau, sendo assim, qualquer coisa é diversão!

Arrastei ele pra todos os programas que achei, nenhum de nós dois paramos de rir. Eu até parecia... uma adolescente de dezesseis anos, ou menos. O objetivo disso era simplesmente pra ele aprender o que fazer durante o dia, pra que amanhã ele possa impedir o sacrifício, era algo estritamente profissional! Ou talvez era o que eu queria me convencer. Conheço ele a quanto tempo? Três noites? Porque todo esse tempo não conseguir parar de pensar nele, e porque agora, que eu fui perceber isso, agora com ele humano? Ele é cabeça dura, as vezes parece ser um velho de cinquenta anos pelo modo como fala, ou por ser muito profissional, mas o modo como ele me protegeu em todas as trapalhadas que eu me meti... E nessas três noites foram muitas, me faziam pensar nele sempre, mas eu só percebi naquele dia.

A noite estava chegando. E nós voltamos pra casa, Golin vestiu sua tanga ou sei lá o que era aquilo, e quando o sol começou a se por, Dirian começou a rachar, e Golin se ajoelhou e começou a gemer e gritar de dor, seus pelos vermelhos cresceram, e o rosto voltou a ser de um leão, seus cabelos voltaram a assumir a forma de juba, e a calda demoníaca. Eu continuava vendo-o como algo lindo, mas agora, vi que aquilo era uma bobagem da minah cabeça, isso nunca daria certo.