As Quatro Estações - Romione escrita por Verônica Souza


Capítulo 11
Inverno 11




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Não sei se estava fazendo a coisa certa. Apesar de estar com raiva de Hermione, eu não saberia dizer se estava muito animado com aquele encontro, afinal, eu ainda era casado. Minha esposa estava viva! Passei um mês inteiro sofrendo a falta dela, e quando um milagre acontece, nós continuamos afastados. Parece muito errado, muito errado mesmo. Mas pensei comigo mesmo: Se Hermione está morando com Iara, com certeza sabe que eu e ela vamos ter outro encontro. Ela poderia ter impedido. Poderia ter ido contra. Mas não foi.

Não nos falamos direito desde quando fui levá-las em casa. Iara ligava todos os dias para dar notícias, mas Hermione não falava comigo. E a única vez que ela conversou com Rose foi de manhã, para passar a noite com ela.

Rose ficou eufórica e não parava de dizer o quanto estava animada. Eu não saberia dizer se era uma boa ideia. Eu tendo um encontro com outra, enquanto minha mulher e minha filha ficam em casa. Era errado.

– Já está pronta filha? – Cheguei à porta do quarto de Rose e ela estava sentada em sua cama, com apenas um pé de meia. – Rose, ainda não se arrumou? A mamãe vai chegar daqui a pouco...

– Não sei se quero mais papai. – Ela me disse triste.

– Por que princesa? – Me aproximei dela, me abaixando em sua frente. – Aconteceu alguma coisa?

– Eu acho que a mamãe não gosta mais de mim papai. – Os olhos dela estavam cheios de água e ela se preparou para chorar. Me levantei e a peguei no colo. Ela deitou sua cabeça no meu ombro e me abraçou.

Me lembrei de quando a peguei pela primeira vez no colo. Tão pequena, tão frágil, mas ela sempre se acalmava. Hermione sempre me pedia para pegá-la no colo quando ela chorava, e ela parava no mesmo instante. Nunca soube explicar a ligação que nós temos.

– Não diz isso filha. É claro que sua mãe gosta de você. – Eu andava com ela pelo quarto. Ela sempre foi muito pequena e muito frágil, o que fazia minha preocupação aumentar ainda mais. Não conseguia vê-la chorando. – Eu e sua tia Gina te explicamos que ela ainda está um pouco confusa com tudo isso. Nós também estamos. Mas ela te chamou para passar a noite com ela, não chamou?

– Chamou... Mas ela não veio morar com a gente. Ela está morando com a tia Iara. Então ela não gosta mais da gente papai.

– Não princesa. Ela está morando com ela porque todos nós estamos assustados ainda. Mas ela vai voltar...

– Você promete papai?

– Eu prometo.

Ela levantou a cabeça e abriu um lindo sorriso meio às lagrimas. Eu sorri de volta para ela, beijando seu rosto e enxugando suas lágrimas.

– Agora vamos terminar de calçar esse sapato porque elas devem estar chegando. Você não quer deixar a mamãe esperando não é?

Ela riu e eu a ajudei a calçar os sapatos. Elas já deviam estar chegando. Iam pegar um taxi. Nós descemos e eu a coloquei sentada no sofá. Me olhei no espelho ajeitando a gola da camisa social, e olhei para a foto em cima da estante. Eu e Hermione no nosso casamento. Me senti culpado. Eu não poderia fazer aquilo. Iara era uma pessoa maravilhosa, mas não era certo. Pensei em cancelar o encontro, e pedir mil desculpas. Talvez pudéssemos fazer um jantar em casa, e elas poderiam ficar.

A campainha tocou e meu coração disparou. Não sabia qual seria a reação dela em me ver, e eu não sabia qual seria a minha. Pensei que seria melhor cancelar o encontro. Fui até a porta e Rose veio atrás de mim. Abri a porta, e as duas sorriram. Iara sorriu animada, e Hermione parecia sorrir forçadamente.

– Olá! – Iara disse me dando um beijo no rosto. – Rose! Como está bonita! – Ela abriu os braços e Rose correu para abraçá-la.

– Oi Rony. – Ela olhou para mim, finalmente.

– Oi Hermione.

Deus... Ela conseguia estar mais linda ainda. Mesmo sem maquiagem, mesmo estando perdida e confusa... Os cabelos soltos delicadamente sobre os ombros...

– Iara... Eu... Eu estava pensando... – Eu me virei para ela, mas fui interrompido.

– Tia Iara eu fiz um desenho seu! Você quer ver? – Rose perguntou.

– Ah... Claro. Temos tempo Rony? – Ela olhou para mim.

– Sim... Claro.

As duas entraram em casa e subiram para o quarto de Rose. Olhei para Hermione e me lembrei de que estávamos do lado de fora, e estava frio.

– Ah, desculpe... Entre.

– Obrigada.

Ela entrou e olhou em volta. Passava a mão pelos moveis, olhando as fotos. Me perguntei se ela estava reconhecendo a nossa casa.

– Algum problema? – Perguntei quando ela pegou um porta-retratos.

– Não... Nenhum. – Ela continuou olhando para ele. – É que é estranho ter tantas fotos minhas e eu não me lembrar de nenhum momento.

Ela o colocou de volta.

– Pensei que teria guardado ou queimado todas as fotos.

– Preferi deixá-las.

– Mas você tiraria algum dia...

– Talvez não.

– Quando arrumasse outra namorada, com certeza tiraria.

Eu não acreditei que ela estava falando aquilo. Parecia estar com ciúmes, e ao mesmo tempo me provocando.

– Olha Hermione, eu acho isso uma tremenda loucura! Até entendo que você não queira voltar para casa ainda, mas eu sair com Iara já é demais.

– Mas foi você que aceitou.

– Eu sei... Eu sei, mas é que eu estava com raiva naqueles dias.

– Então aceitou só pra me provocar?

– Não. Quero dizer... Talvez... Eu gosto da Iara. Gosto muito. Mas não é certo. Ainda somos casados, pelo amor de Deus.

– Eu a convenci de te ligar.

– Você... Você o que?

– Acho que vocês se dão bem.

– Então você concorda com tudo isso?

– Por que eu não concordaria?

– Eu não sei... Talvez porque é minha esposa.

– Não me lembro de ter casado com você.

– Oras Hermione, deixe de ser uma teimosa.

Eu sabia que ela não estava sendo sincera. Não poderia. Nem mesmo perdendo todas as lembranças ela não poderia simplesmente ter deixado de me amar. Não era justo.

– Vamos? – Iara desceu as escadas. Ela olhou para mim e para Hermione. – Aconteceu alguma coisa?

– Não! – Respondemos juntos.

– Nós podemos ir. – Eu disse suspirando.

– Vamos ficar bem. – Ela olhou para Rose. – Não é Rose?

– Sim mamãe. – Ela respondeu alegre. Estava feliz por Hermione ter dirigido a palavra a ela, finalmente.

– Ótimo... Se precisarem de alguma coisa... Rose sabe onde fica o numero de emergência, e o número do meu celular está em cima da mesa... E se...

– Vamos ficar bem! – Ela me interrompeu. – Não se preocupe. Não sou uma louca. Não vou colocar fogo na casa.

– Sim... Claro. – Eu olhei para Iara. – Vamos?

– Vamos. Divirtam-se. – Ela abraçou Hermione e logo depois abraçou Rose.

– Vocês também. – Hermione olhou diretamente para mim. Notei algo nos olhos dela. Algo que só aparecia quando ela estava decepcionada.

– Nós vamos. – Eu sorri. – Tchau filha. – Eu me abaixei para abraçar Rose e a beijei no rosto. – Se comporte. Não deixe sua mãe mais louca do que ela já está. – Eu olhei para ela, e ela cruzou os braços. – Vamos.

Segurei na cintura de Iara e nós dois saímos. Saí com a sensação de que não poderia estar fazendo aquilo, mas não quis pensar nisso. Não era justo com Iara.




**




Não sei dizer o que senti naquele momento. Vendo-o segurá-la na cintura, ver os dois entrando no carro e ele abrindo a porta para ela. Senti como se ele estivesse me traindo. Tecnicamente estava, mas eu não deveria estar daquele jeito. Eu não o amava. Não me lembrava dele. Fiquei olhando os dois pela janela até se afastarem.

– Mamãe. – Rose subiu no sofá, ficando do meu lado. – O que você quer fazer primeiro? Pensei vermos um filme que eu gosto muito, depois podemos pedir pizza, eu e o papai sempre pedimos quando vemos filme. E depois a gente podia jogar um joguinho.

Olhei para ela e senti meu coração amolecer. Ela era tão linda, tão fofa. Os olhos castanhos se pareciam com os meus, e os cabelos ruivos eram iguais aos de Rony. Não tinha como negar que ela era nossa filha. Ela não merecia passar por tudo aquilo. Não merecia pais separados e ainda aturar a minha falta de atenção com ela. Ela já tinha passado o sofrimento de ficar um mês sem a própria mãe. Eu não poderia negar aquilo a ela. E principalmente, não poderia deixar que outra tomasse o meu lugar.

– Eu achei uma ótima ideia Rose. – Eu sorri para ela. – Você escolhe o filme, e eu peço a pizza. Tudo bem?

– Tudo bem mamãe! – Ela pareceu muito mais animada. Me senti feliz em vê-la daquele jeito.Talvez tenha sido a primeira vez que eu senti que estava no lugar certo, com a pessoa certa.



**



– Aqui está ótimo. – Iara apontou para um banco. Nos sentamos em frente a pista de gelo que havia na praça. Iara escolheu o lugar.

– Não está muito frio? – Perguntei olhando para ela.

– Não, está ótimo. – Ela sorriu e olhou para a pista. – Ah... Que saudades eu tenho de patinar.

– Você não patinou nenhuma vez depois do acidente?

– Não... Não tive coragem. Eu sabia que se voltasse a patinar eu ia querer voltar, e mais uma vez ia sofrer.

– Rose está indo muito bem. Está melhorando a cada dia. A treinadora dela disse que semana que vem já vão começar a praticar a coreografia.

– Isso é ótimo Rony! – Ela sorriu para mim. – Rose tem futuro.

– Eu espero. – Sorri de volta. – Ela quer que você seja treinadora dela.

– O que? Mas... Eu não posso Ron...

– Eu disse isso a ela. Ela ficou decepcionada, mas depois entendeu.

– Eu queria... Na verdade... Ser treinadora. Mas meu pai achou melhor fazer medicina. Disse que treinadora não ganha suficiente.

– Está brincando não é? Se você ensinar tudo o que soube para uma patinadora, com certeza ela ficará famosa e você vai ganhar com isso.

– É eu sei... Mas meu pai é um pouco difícil de lidar.

Nos viramos para olhar as pessoas na pista. Hermione sempre quis ir àquele lugar, mas eu nunca a levei. Não gostava de patins.

– Eu e Hermione estamos nos dando muito bem. – Ela disse.

– Isso é ótimo. – Suspirei.

– Eu sei que sente falta dela Rony. – Ela olhou para mim. – Tento convencê-la todos os dias em voltar para vocês, mas ela é muito cabeça dura.

– Sei muito bem. – Dei uma risada. – Ela sempre foi.

– Não quero que pense que estou aproveitando da situação.

– De maneira alguma.

– Na verdade ela me convenceu a ligar para você.

– Eu sei, ela me disse.

– Eu não quero que vocês separem e que você fique comigo Rony. Realmente não quero.

– Tudo bem... Acho que... – Abaixei minha cabeça colocando a mão no bolso do casaco. – Acho que eu e Hermione... Não éramos pra ser.

– Rony! – Ela colocou as mãos na boca, espantada. – Não diga isso, pelo amor de Deus.

– Eu não queria acreditar nisso, realmente não queria... Mas não tem nada que eu possa fazer. Eu não acredito nessa coisa de destino, mas se acreditasse com certeza ele não estaria ao nosso favor. Já pensei em tudo o que poderia fazer, Iara. Tudo. Eu poderia obrigá-la a ficar comigo, poderia obrigá-la a se lembrar e a voltar para casa. Mas não quero. Quero que ela volte por que quer, por conta própria.

– Ela não está em condições de saber o que quer Rony.

– Claro que está Iara. Ela escolheu passar a noite com Rose, mas não escolheu voltar para mim. Isso quer dizer que ela não quer mais. Eu não posso obrigá-la a isso.

Senti a aliança balançando em meu bolso.

– Acho que é o fim do meu casamento.

– Rony... Por favor, não diga isso... Ah meu Deus eu não deveria ter aceitado essa ideia. – Ela colocou as mãos no rosto.

– Não Iara, não se sinta culpada. Ela não vai voltar para mim. Ela não quer. Não quer nem ao menos tentar se lembrar, tentar sentir alguma coisa.

– Talvez ela ainda esteja confusa.

– Não... Hermione é a pessoa mais inteligente que já conheci. E mesmo depois do acidente, continua sendo. Se ela quisesse, ela teria tentado recomeçar.

Ficamos em silencio. Eu não queria acreditar que estava dizendo aquilo, mas eu precisava começar a me acostumar. Hermione não me queria. Ela não me amava mais. Ela não estava morta, mas eu a tinha perdido. Mas eu sabia, que mesmo dizendo tudo aquilo, eu ainda era e continuaria sendo perdidamente apaixonado por ela.

**





Fomos comer em uma lanchonete que tinha ao lado. Iara não quis ir a um restaurante. Foi bastante divertido. Não falamos sobre os problemas de Hermione. Iara era realmente uma pessoa divertida. Engraçada. Me fez rir bastante. Ajudou a tirar toda aquela tristeza que eu tinha mais cedo.

Voltávamos em direção ao carro quando um homem parou em nossa frente, olhando para ela.

– Iara? – Ele perguntou.

Ela parecia assustada, e ao mesmo tempo amedrontada.

– Algum problema? – Olhei para ela e depois para ele.

– Não... – Ela respondeu rapidamente. – Erick. – Ela suspirou.

– Não acredito que é você. Quanto tempo! – Ele sorriu. – Você... Você está... Linda!

– obrigada. – Ela sorriu envergonhada. – Ah... Desculpe. Rony esse é o... Erick. Erick, esse é meu amigo Rony.

– Prazer. – Ele apertou minha mão.

– Igualmente.

– Poxa... Eu pensei que nunca mais te veria na vida. – Ele olhou para ela.

– É... Pois é. Erick... Me desculpe mas estávamos indo embora.

– Ah... Certo.

– Bom te ver.

– Bom te ver também Izzy.

Ela abaixou a cabeça e me puxou pelo braço. Depois que andamos suficiente para estarmos longe dele ela olhou para mim respirando fundo.

– Meu Deus! Pensei que eu nunca ia encontrá-lo de novo! O que ele estava fazendo aqui? E ele me chamou de Izzy! Que cara de pau!

– Aquele... É o seu ex?

– É! – Ela olhou para trás. – Não acredito! A noite estava ótima e ele tinha que aparecer!

– Ele não me pareceu má pessoa.

– Não é! Esse é o problema! Ele é perfeito!

Olhei para ela, esperando que ela se acalmasse. Ela respirou fundo e cruzou os braços, se encostando à parede.

– Ok... Rony. Talvez eu não tenha sido totalmente sincera com você. – Ela passou a mão no rosto. – Eu... Eu disse que tinha esquecido ele. Disse que tinha excluído todos os contatos e tudo mais. O problema é que... Argh... Deus! – Ela fechou os olhos. – Eu... Eu ainda sou apaixonada por ele.

Não sei explicar a sensação que senti naquele momento, mas me senti completamente aliviado.

– Aquele dia... Quando nos beijamos... Eu estava triste, carente... Tinha achado uma foto minha e dele na minha casa, e chorei muito naquele dia. Eu acho que agi por impulso sabe? Ouvir você falando da Hermione me fez lembrar dele. Ele também fazia tudo por mim. Eu me sinto péssima em ter terminado com ele. Mas eu não poderia viver uma vida ao lado dele com aquele sofrimento. Não sou capaz de dar um filho para ele. E o sonho dele é ser pai. Você entende? – Ela parecia nervosa. Parecia estar prestes a chorar. Eu a abracei, e ela retribuiu.

– Eu te entendo. – Eu disse enquanto a abraçava. – Somos dois bobos, Iara. Estamos confundindo os sentimentos.

– Exatamente. – Ela parou o abraço e me olhou. – Me sinto bem ao seu lado Rony, de verdade... Mas eu me sinto melhor ao lado dele. Acho que um dos motivos que eu gosto de sair com você, é que eu não sinto tanta falta dele, porque você é exatamente igual ele. Sempre preocupado, carinhoso, romântico.

Deixei que ela desabafasse tudo o que estava sentindo.

– Mas acho que nunca serei feliz ao lado de outra pessoa como era ao lado dele.

– Por que não conversa com ele?

– Eu não posso... Eu o magoei Rony. Quando terminei com ele, eu o magoei. Mas me magoei mais. Ele não ia querer voltar pra mim.

Olhei bem para ela e sorri.

– Sabe... Se eu fosse ele, não desperdiçaria essa oportunidade. E eu com certeza não seria louco de deixar você.

– Está falando sério? – Ela olhou para mim.

– Muito sério. Você é incrível Iara.

– Ah Rony... – Ela me abraçou novamente. – Eu sinto muito por ter escondido isso de você. Mas sou orgulhosa. Achei que se eu escondesse eu esqueceria. Mas não era verdade.

– Eu sei como se sente. – Eu continuei abraçando ela.

– Você é um ótimo amigo Rony. Hermione tem muita sorte.

– Você também é uma ótima amiga.

Ficamos abraçados, no frio. Tive certeza que a minha relação com Iara não se passava de amizade. Não fomos feitos um para o outro, e eu com certeza não a amaria como amava Hermione.




**




Cheguei em casa sozinho. Iara insistiu para que deixasse Hermione dormir lá naquela noite. Eu não sei como ela iria reagir aquela noticia, mas ela disse que seria bom para as duas. Ela queria ficar um pouco sozinha, e Hermione precisava ficar um tempo em casa.

Não quis discutir, eu sabia que ela tinha razão. Abri a porta e as luzes estavam todas apagadas, apenas a televisão estava ligada. Olhei para o sofá, e as duas dormiam juntas. Só Deus sabe como senti saudades daquela cena. Hermione deitada no sofá, e Rose aninhada em seu colo. Nunca me cansaria de ver aquilo.

Olhei para o chão, e haviam vários desenhos feitos pelas duas. Sempre achei incrível a facilidade de Hermione em conseguir fazer tudo. Os desenhos impecáveis no chão com várias cores em cima mostrava que Rose o coloriu. Sorri olhando para ele. Era as duas, em frente nossa casa. Na folha atrás, tinha o mesmo desenho, mas dessa vez eu estava presente. Com certeza Rose reclamou que ela não havia me desenhado.

Olhei bem para o meu desenho, e notei um detalhe, eu usava a minha aliança. Coloquei a mão no bolso do casaco e peguei a aliança. Como eu estava sendo estúpido. Coloquei a aliança de volta na mão esquerda, e ouvi Hermione se mexendo. Ela abriu os olhos e olhou em volta.

– Quantas horas? – Ela perguntou.

– Onze. – Peguei as folhas e lápis no chão e os coloquei em cima da mesa.

– Voltaram cedo. – Ela se sentou com cuidado para não acordar Rose. – Onde está a Iara?

– Foi pra casa.

– E você não foi com ela?

– Que tipo de homem acha que eu sou? – Perguntei um pouco irritado. – Tenho uma filha me esperando em casa.

– Mas eu estava cuidando dela.

– Nunca se sabe. – Tranquei a porta.

– Por que está trancando? Eu tenho que ir embora.

– Não vai embora hoje.

– Como assim não vou? – Ela se levantou, falando baixo.

– Não vai. Iara quer ficar sozinha.

– Mas eu não posso ficar aqui.

– ótimo. Fique em outro lugar então. – Eu a encarei. Ela ficou em silencio, me encarando de volta.

– Se você não quer me levar, eu vou de carro.

– Sim, claro. Se lembra como dirige? – Olhei para ela. – Porque eu acho que se não se lembra da sua família, você não vai se lembrar de dirigir.

– Talvez eu me lembre.

– Não Hermione. Você não se lembra.

– Afinal o que pode acontecer comigo se eu for embora sozinha?

– Ah não sei... Deixe-me pensar. Você pode bater o carro, capotar com ele, ir para o hospital e morrer. Está suficiente para você?

Percebi que tinha pegado pesado, mas ela estava me deixando nervoso. Nunca esteve tão teimosa antes. Ela cruzou os braços e parou de me olhar.

– Vou arrumar o quarto de Rose para você.

– E ela vai dormir aonde?

– Ela dorme comigo. Não gosta de dormir sozinha.

– Ela tem quatro anos e não dorme no quarto dela?

– Bom, ela dormia antes de tudo acontecer. Você a colocava para dormir e cantava para ela. Hoje ela sente falta disso e não consegue dormir.

– Não quero dormir no quarto dela. Ela vai dormir no quarto dela.

Observei ela ir até o sofá e cuidadosamente pegar Rose no colo. Ainda sonolenta, Rose deitou no ombro dela, e ela olhou para mim. Cruzei os braços observando ela subir a escada e entrar no quarto de Rose.

Fui até a cozinha para desestressar. Enchi um copo de água e o virei inteiro na boca. Eu não gostava de bebidas fortes, mas aquele seria um ótimo momento para beber. Como Hermione poderia ser tão teimosa? Ela me deixava nervoso, como nunca tinha deixado antes. Eu não poderia perder a paciência com ela. Que tipo de homem ela acharia que eu sou? Olhei para a mesa, e uma caixa de pizza estava em cima. Abri a caixa, e dentro tinha apenas balinhas, formando o escrito: Rose e Mione. Com certeza aquilo foi ideia de Hermione. Ela sempre fazia aquelas coisas na comida de Rose.

Sorri e fechei a caixa. Respirei fundo. Tinha que conversar civilizadamente com ela. Subi as escadas e parei na porta do quarto de Rose. Ela dormia, mas Hermione estava sentada na cama ao lado dela, cantando.

Cantava a mesma canção que sempre cantou. Como ela poderia se lembrar daquela canção? Ela olhou para mim e parou de cantar. Se levantou e veio em minha direção.

– Ela acordou quando a coloquei na cama. Pediu para que eu cantasse.

– Ela te ensinou a música?

– Não... Na verdade. – Ela olhou para Rose. – Veio na minha cabeça. Eu apenas cantei. – Ela se virou para mim.

– Eu... Vou preparar a cama para você. – Me virei e fui para o meu quarto, ou melhor, nosso quarto. Tirei o lençol da cama e arrumei os travesseiros. Ela entrou no quarto e ficou parada na porta. – Você pode dormir na cama. Acho que não se importaria se eu dormisse nesse sofá aqui. – Eu apontei para uma poltrona que tinha no nosso quarto. – O sofá de baixo é um pouco duro.

– Não... Não me importo. – Ela se aproximou. – Por acaso... Tem alguma roupa de dormir minha aqui?

– Primeira gaveta.

Ela foi até a cômoda e abriu a gaveta. Revirou-a e por fim tirou uma camisola. Justamente a minha preferida.

– Só tem camisola assim? – Ela mostrou para mim.

– Suas camisolas menos decotadas estão na casa da Iara. – Eu disse divertido sem dar muita atenção.

– Hum... – Ela continuou olhando para a camisola. – Posso trocar no banheiro?

– À vontade.

Ela andou até o banheiro e fechou a porta. Terminei de ajeitar o sofá e me sentei nele. Alguns minutos depois Hermione saiu do banheiro, tentando abaixar a camisola. Mas quando ela abaixava em baixo, em cima o decote se abaixava. Segurei o riso e tentei não olhar para ela.

– Essa camisola é realmente muito curta. – Ela disse andando até a cama. – Quem me obrigou a comprá-la?

– Gina.

– Pra variar. – Ela se deitou.

– Como assim?

– Como assim o que?

– Como assim “pra variar”? Você se lembra dela?

– Não. Claro que não. – Ela se cobriu. – É que me parece que ela sempre me fez cometer algumas loucuras.

– É, pode se dizer que sim. – Eu me levantei e tirei a minha blusa. Notei que ela me olhava, mas virava o rosto toda vez que eu olhava para ela. Fui até o banheiro e me troquei. Escovei os meus dentes e abri a porta. Ela estava deitada virada para mim. – Que foi?

– Você não acha que está frio demais para dormir assim?

– Te incomoda?

– Bom... Um pouco. Não estou acostumada a dormir com homens sem camisa no mesmo quarto que eu.

– Que bom. – Andei até a poltrona. – Pelo menos sei que você não dormiu com outro homem.

– Você me entendeu.

Dei uma risada e me ajeitei na poltrona.

– Essa poltrona não é um pouco desconfortável? – Ela perguntou.

– Não. Estou bem.

– Pode ter dor nas costas durante a noite.

– Eu estou bem Hermione.

– Certo.

Ficamos em silencio.

– Se não se importar, pode apagar a luz. – Eu disse. Ela se mexeu na cama e apagou o abajur.

– Não sei se vou conseguir dormir.

– Eu não vou te agarrar no meio da noite.

– Não estou dizendo isso. É que não tenho dormido muito bem esses dias.

– Se não conseguir dormir, pode ir assistir televisão. Você sempre fazia isso quando tinha insônia. Ou me acordava para ficar conversando comigo.

– Eu te acordava?

– Muitas vezes.

– Isso deve ter sido irritante.

– Não foi.

– Então posso te acordar se eu não conseguir dormir?

– Se isso fizer você se sentir melhor, pode.

– Você é sempre assim?

– Assim como?

– Sempre faz as coisas pensando mais em mim do que em você?

– Na maioria das vezes.

– Por quê?

– Como assim por quê?

– Não deveria fazer algo que não goste só para me agradar.

– Eu nunca disse que não gosto. Se faço algo para te agradar automaticamente estou me agradando também.

– Você é estranho.

– Você costuma dizer isso com frequência.

Mais uma vez ficamos em silencio. O quarto só se iluminava com a claridade do céu.

– Boa noite. – Ela me disse finalmente.

– Boa noite.

Pela primeira vez em tanto tempo, eu consegui dormir tranquilamente.


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