"Querida Hinata,

Eu sinto muito pela sua condição e também sinto muito por não ser o cara certo pra você. Espero que consiga encontrar algum conforto antes da sua partida. Saiba que – de verdade - eu gostei muito de você e do tempo que passamos juntos... Porém, agora eu não consigo levar isso adiante. Eu tenho muitas outras coisas para me focar, sendo assim, eu não tenho como dar atenção á você como realmente merece... Espero que possa me entender.

Desculpe, mais uma vez...

Naruto U."

O papel, antes tão imaculadamente branco, agora tinha várias marcas arredondadas que faziam com que a tinta da caneta borrasse o que foi escrito. Os olhos lilás perolados estavam encobertos de lágrimas doloridas, mas mesmo assim fizeram com que a moça lesse a carta deixada pelo – ex. – namorado por mais vezes do que ela realmente gostaria.

Tudo aquilo que ela pensou ser amor de verdade, no fundo, não passou de conveniência. Em um momento, lá estava ela: deslumbrante, viva, cantando nos melhores palcos do Japão. No outro, ela está aqui: apática, morrendo dia após dia no setor hospitalar destinado aos pacientes com câncer. O mais irônico de tudo é que é justamente aquilo que ela mais amava que estava lhe matando aos poucos. E justamente aquele á quem mais amava que lhe virou as costas nesse momento desolador.

- Não, Naruto Uzumaki... Eu não entendo... E não vou entender...

Com uma selvageria que não se esperaria de uma dama, Hinata amassou a carta que seu antigo bem-querer havia lhe deixado, e começou á despetalar as rosas que ele também havia mandado. Usando suas últimas forças, a morena de cabelos negro-azulados explodiu num grito desesperado, espalhando as pétalas destroçadas para todos os lados com ferocidade e angústia. Tremendo esforço só lhe causou mais dores e algumas gotas de sangue, que lhe saiam pelos lábios rosados. Ninguém apareceu para lhe dar qualquer conforto, qualquer palavra de esperança ou fé. Hinata Hyuuga estava sozinha...

Soltando os acessos presos ao seu braço, a jovem de olhos lilás perolados saltou da sua maca, sentindo o frio do chão lhe penetrar doloridamente pelos pés desnudos. Aquela tormenta iria findar hoje. Com um pouco de força, a morena conseguiu abrir as portas de vidro que davam acesso á pequena varanda que seu quarto dispunha. O vento morno do verão encheu-lhe os pulmões. Em qualquer outro momento, aquele simples gesto divino a faria sorrir, mas não hoje. A jovem Hyuuga se debruçou sobre o parapeito da varanda, calculando se a queda do 5º andar do prédio seria suficiente para acabar com tudo de uma vez. E aí ela sentiu medo. Será que iria doer? Será que ela sentiria todo o impacto, ou apenas o choque já terminaria com tudo?

Foi então que ela ouviu um leve assobio. Uma melodia simples, compostas por três ou quatro notas que alternavam seus tons. Então ela percebeu que não estava completamente sozinha. Na varanda do quarto ao lado, um jovem rapaz de cabelos e olhos tão negros quanto o ébano estava sentado no parapeito, entoando a melodia que preencheu os ouvidos e o coração de Hinata. Se é que seu coração ainda batia corretamente, a jovem pôde sentir que ele deu um pequeno solavanco quando o moreno misterioso lhe endereçou um sorriso.

- Pelo visto não fui só eu que tive a mesma ideia, não é? – perguntou ele, com um leve tom irônico.

- De... Depende... – respondeu ela, com a voz fraca, aproximando-se do ponto mais próximo á varanda vizinha – Qual... Qual era a... Su... Sua ideia?

- Pular, oras... – respondeu ele, como se estivesse dizendo a coisa mais óbvia do mundo – Era o que você iria fazer, não é?

- É... Era... – confessou ela, enrubescendo como uma criança que é pega fazendo traquinagens.

- E por que você não pulou ainda? – perguntou ele, mostrando um sorriso triste.

- Eu... Eu... Estou com... Medo... – e de repente, os olhos lilás perolados dela começaram á se encher de lágrimas.

- Compreendo... – murmurou ele, ainda com seu meio sorriso tristonho – Posso ir até aí? No seu quarto...

Com um leve aceno de cabeça, a Hyuuga consentiu o pedido. Em um movimento rápido, o moreno misterioso ergueu-se do parapeito de seu quarto, deu um impulso e pulou para a varanda de sua vizinha, agarrando-se ao gradil com força. Mais do que rápido, Hinata se adiantou para ajuda-lo á subir o gradil e entrar de vez na varanda.

- Hm... Eu já fui melhor nisso... – confessou o rapaz, fazendo uma cara emburrada – Parece que ficar um tempo sem praticar o Le Parkour nos deixa menos habilidosos...

- Entendo... Eu também... Tive de deixar de fazer... Algo que eu amo muito... – respondeu Hinata, resignada – E... Por isso... Eu fui abandonada...

- Por isso você gritou? – perguntou o moreno, dando uma olhada no quarto dela – E despetalou um buquê inteiro de rosas colombianas...

- Nunca... Gostei de rosas... De qualquer maneira... – defendeu-se a Hyuuga, torcendo o nariz.

- Hmm... – murmurou ele, percebendo o incômodo da garota – Sabe, percebi que até agora não nos apresentamos...

- Verdade... – concordou a morena, enrubescendo levemente.

- Sasuke Uchiha, sócio majoritário das Uchiha Corporation. – disse ele, estendendo sua mão forte para ela – Afastado das atividades devido á câncer no pulmão.

- Hinata Hyuuga, cantora lírica e professora na Academia de Música. – respondeu ela, aceitando o aperto de mãos – Tenho... Câncer na laringe...

Os dois se olharam longamente e sorriram. Por um breve momento, a jovem Hyuuga pôde esquecer sua condição atual e ter uma conversa normal com outra pessoa. Já o rapaz Uchiha sentiu-se aquecer por dentro como nunca antes. Ele sempre foi rodeado de fãs histéricas e interesseiras, mas nunca teve uma conversa séria com nenhuma outra mulher, além da própria mãe. Os dois passaram horas e horas conversando sobre todos os assuntos possíveis e imagináveis. Em alguns momentos, quando Hinata ficava muito cansada e suas dores na garganta aumentavam, os dois começavam á falar através de linguagem de sinais, mas a conversa em si não morria.

- Então, Hinata, diga-me... Por que você queria pular, mas estava com medo? – perguntou Sasuke, olhando bem dentro dos olhos dela.

- Porque eu não quero mais ficar sozinha. Ser abandonada, ter de deixar de lado o que eu mais amo fazer, ter a certeza da morte... Eu só queria adiantar o inevitável. – disse a morena, gesticulando com as mãos e mantendo sua expressão triste – Mas eu também estou com medo de pular e doer. Se pudesse escolher, eu gostaria de morrer de uma forma indolor.

- Compreendo. Esse também é o meu problema, mas de uma forma diferente...  – concordou o rapaz.

- Então, agora é a sua vez: por que você quer pular? – perguntou ela, notando uma súbita mudança de humor por ele.

- Sabe... Logo quando eu fui internado aqui, eu tive um sonho no qual eu dormia e não acordava nunca mais. Ver-me ali, inerte numa cama, esperando pacientemente a hora da minha morte... Cara, foi demais pra mim... – disse Sasuke, passando as mãos pelos cabelos, num visível sinal de frustração – Eu posso não ser o melhor cara do mundo, mas eu me pergunto todos os dias o porquê de ter ficado assim. Eu olho ao meu redor e vejo a tristeza. Eu não quero mais ver...

Afundado num pequeno poço de mágoas, o Uchiha se encolheu no canto da cama de sua nova amiga. Falar com Hinata, expor seus mais profundos sentimentos, lhe trouxeram um sentimento que se misturava entre alívio e dor. Foi quando ele sentiu as mãos delicadas e gélidas dela se entrelaçarem com as suas. Ao erguer o rosto, seus orbes ônix fitaram longamente as pérolas lilases daquela garota, vendo nascer ali um sentimento cúmplice. Afinal, quem melhor pra entender um condenado do que outro condenado?

- Você quer que eu te ajude, Hina? – perguntou o moreno com seriedade na voz – Se você quiser, eu te ajudo. Assim você não terá tempo de pensar em mais nada... Apenas ir...

- Eu poderia... Pedir isso facilmente... Mas... – a voz dela estava embargada tanto pela dor, mas pelo choro acumulado – Quem... Quem vai ajudar... Você... Sasuke-kun? Eu não... Não quero deixar... Alguém como eu... Abandonado... Solitário... Nós dois... Já sofremos demais...

- Então o que você propõe? – perguntou ele, aproximando-se do lado dela na cama.

- Que tal... Se fizéssemos... Os nossos dias... Mais felizes? – sugeriu a morena, esboçando um sorriso fraco, porém, animador.

Sasuke não teve como não sorrir diante daquela nova perspectiva de vida. Naquele dia, os dois juraram permanecer sempre juntos, apoiando-se e fortalecendo um ao outro, para que aquelas ideias sobre o adiantamento do seu final não voltassem á mente. E assim os dias foram passando. E quanto mais tempo passava, Sasuke e Hinata percebiam como as pessoas ao redor deles tinham os mesmos medos e anseios que eles tinham antes de se conhecerem. Eles percebiam que as pessoas ficavam tristes sem ter uma perspectiva, como eles tinham agora. E mais uma ideia brilhante surgiu.

O Uchiha entrou com sua parte financeira, a Hyuuga com a criatividade, e quando menos esperavam, as pessoas do setor de oncologia tiveram uma reviravolta em sua rotina triste. Num dia, o casal de amigos visitava o setor infantil e fazia várias peripécias com a criançada, distribuindo presentes e acrescentando um sorriso á cada carinha triste. No outro, juntavam um grupo de idosos para fazer uma pequena apresentação teatral, contando histórias de amor, aventura, amizade, com direito até ao dia do stand up para maiores de idade, trazendo a felicidade aos corações feridos. Sasuke promovia batalhas em videogames e jogos de tabuleiro para os homens, Hinata ensinava artesanato ás mulheres e dava aulas de canto para as crianças, tomando o devido cuidado para não agravar o seu quadro clínico. E assim, as pessoas se sentiam cada vez melhores, o tratamento ficava mais eficiente.

Nada melhor do que um sonhador para entender o outro. E assim, mais um sonho invadiu as noites e os dias do belo jovem de olhos ônix... Um sonho com um anjo de cabelos negro-azulados, olhos lilás perolados e o sorriso mais bonito de todos. Sim. Sasuke Uchiha finalmente tinha se apaixonado, e justamente por sua melhor amiga. Mas, como contar á Hinata sobre seus sentimentos? E se ela o repelisse? Se dissesse que os dois só poderiam ser amigos? O tempo dos dois estava passando... Não haveria uma segunda chance. Então, ele não tinha tempo há perder!

Na tarde segunte, a jovem Hyuuga ouviu três batidas características á sua porta, fazendo com que um sorriso animador desabrochasse em seu rosto.

- Pode entrar...  – disse ela, sentada á penteadeira.

- Olá, Hina. Tenho um presente pra você... – disse Sasuke, entrando pelo quarto com um embrulho nas mãos.

- Pra mim? Mas, o que eu fiz pra merecer um presente? – gesticulou ela, antes de receber o embrulho das mãos dele.

- Você simplesmente merece. – respondeu ele, concedendo á ela um de seus sorrisos arrebatadores – Espero sinceramente que goste...

- Oh! Sasuke... – murmurou ela, pegando nas mãos o vestido carmim de tecido leve com que o rapaz lhe presenteara – É simplesmente maravilhoso! Eu não mereço tanto...

- E isso ainda não é tudo. – completou o moreno, adiantando-se e dando um beijo na testa dela – Esteja lá fora dentro de uma hora. Nem um minuto á mais, nem á menos!

- O que você está aprontando? – questionou ela, erguendo uma das sobrancelhas.

- Você vai ver... – respondeu ele com um sorriso maroto – Não se atrase, viu?!

Quando o amigo saiu do quarto, Hinata se levantou e experimentou o vestido em frente ao espelho. Seu coração ribombava no peito de tanta felicidade, que até mesmo as dores não lhe incomodavam naquele momento. Quando foi que ela se percebeu tão apaixonada por Sasuke? Como ela poderia dizer á ele o sentimento que estava nutrindo? Talvez... Talvez ela tivesse uma oportunidade naquele dia. E ela não iria deixar passar!

Como o combinado, a moça de olhos lilás perolados desceu para o jardim do hospital uma hora depois da visita de seu amigo. Ela foi se encaminhando para o local onde os dois haviam montado um pequeno palco, onde faziam suas apresentações diárias para os outros pacientes. A morena tinha seus suas madeixas negro-azuladas pesas numa trança que caia por seu ombro esquerdo, e usava o vestido carmim que ganhara de presente. Era um vestido simples, que vinha até os joelhos e deixava os ombros á mostra. Ela estava singela, porém, magnífica. Em nenhum momento passou pela cabeça da jovem que seu amigo estivesse planejando algo grandioso, portanto, quando viu todos os pacientes, um pequeno coral e uma orquestra no jardim, ficou simplesmente sem palavras. Foi então que escutou o começo dos acordes de um piano logo sendo acompanhado pela voz mais arrebatadora que ouvira em toda a sua vida.

Never knew... I could feel like this... Like I have never seen the sky before. I want to vanish inside your kiss...

Nunca imaginei... Que pudesse me sentir assim... Como se eu nunca tivesse visto o céu antes. Quero desaparecer num beijo seu...

Aos poucos, os olhos de Hinata se encheram de lágrimas, ao mesmo passo que Sasuke se adiantava entre o público para ficar frente á frente com ela.

Seasons may change, winter to spring.... But I love you until the end of time!

Come what may... Come what may... I will love you until my dying day!

As estações podem mudar, de inverno a primavera... Mas eu amo você até o fim dos tempos!

Haja o que houver... Haja o que houver... Eu amarei você até o dia da minha morte!

Ele sorriu para ela, quando viu que finalmente tinha alcançado o seu objetivo. Pouco á pouco, os dois foram se aproximando, até ficarem frente á frente para juntar suas mãos. E aí, mais um milagre aconteceu...

Suddenly the world seems such a perfect place... Suddenly it moves with such a perfect grace... Suddenly my life doesn't seem such a waste. It all revolves around you!

And there's no mountain too high... No river too wide... Sing out this song and I'll be there by your side! Storm clouds may gather and stars may collide...

But I love you (I love you) until the end (until the end) of time!

De repente o mundo parece um lugar tão perfeito... De repente se move com uma graça tão perfeita... De repente minha vida não parece um desperdício. Tudo gira em torno de você!

E não há montanha tão alta... Nem rio tão extenso... Cante esta canção e eu estarei ao seu lado! Nuvens de tempestades podem se formar e estrelas podem colidir...

Mas eu amo você (eu amo você) até o fim (até o fim) dos tempos!

Sim! Ela estava realmente cantando novamente! Com ele, para provar o seu amor. Não existia câncer, não existia dor... Tudo era amor naquele momento, não importando o que houvesse em seguida.

Todos os presentes ficaram boquiabertos, sem saber se riam ou se choravam por ver uma cena tão linda como a que aqueles dois estavam protagonizando.

Come what may... Come what may... I will love you...

Haja o que houver... Haja o que houver... Eu amarei você...

Na parte do solo do piano, Hinata sentiu sua garganta fisgar por um momento. Era o sinal de que ela estava extrapolando. Sasuke notou a mudança na fisionomia da amada e até mesmo cogitou a possibilidade de parar com a declaração. Mas ao ver no rosto dela, o amor e a determinação, ele soube que ela só precisava de um tempo.

O coral e os pacientes continuaram e ajudaram á partir daquele momento, como um incentivo aos dois. Ela precisava continuar... Não só por ele, mas por ela também. Nem que fosse pela última vez.

Come what may... I will love you! Come what may... Yes, I will love you!

Come what may... I will love you until my dying day!

Haja o que houver... Eu amarei você! Haja o que houver... Sim, Eu amarei você!

Haja o que houver... Eu amarei você até o dia da minha morte!

E assim, todos terminaram... Juntos! Os pacientes, seus familiares e até mesmo os funcionários do hospital aplaudiam fervorosamente, com seus corações transbordando de alegria.

Mas nenhum deles era mais feliz do que Sasuke e Hinata. Os dois amigos que se tornaram amantes, os condenados que voltaram á sonhar. Finalmente, conseguiram encontrar aquilo pelo qual eles tanto ansiaram.

- Casa comigo... – Sasuke pediu, olhando bem dentro dos olhos de sua amada.

- Como...? – Hinata se surpreendeu.

- Você é a razão por eu querer continuar vivo, Hinata. – ele disse, segurando o rosto dela entre as mãos – Você é o que me faz esquecer de todas as dores, toda a tristeza... Eu te amo. Casa comigo, Hina...

- Sim... – murmurou ela, chorando de tanta felicidade – Sim... Eu caso... Eu amo você... Sasuke... Eu amo... Você...

Á partir daquele momento, não era preciso mais nenhuma palavra. Abraçando Hinata com paixão, Sasuke fechou os olhos e colou seus lábios frios aos lábios trêmulos dela, fazendo com que um calor preenchesse seus corações e suas almas. Um beijo tão fervorosamente ansiado, tão deliciosamente apaixonado, que quase um sonho.

E o sonho se multiplicou, naquela noite e nos dias que se seguiram, até o dia do casamento dos dois e ainda mais além. Mesmo com todas as dificuldades, com todas as dores e desilusões, os dois conseguiram alcançar tudo aquilo que desejavam. Apoiando-se, cuidando-se, amando-se.

E assim foi, até o fim de seus dias... E há quem diga, que será por toda a eternidade.