Entre o amor e a morte escrita por Anne Lestrange, K Martins


Capítulo 2
Capítulo 2 - Distrito 7


Notas iniciais do capítulo

Comentem! O que estão achando da história? Ansiosos para o próximo capítulo? *-*



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Não que o meu pai seja um cara chato, é claro que não. Ele mede seus 1,80, tem cabelos grisalhos mal cortados, sua roupa é típica de qualquer pessoa do Distrito 7, tem um sorriso encantador, daqueles que conquista qualquer um. Minha mãe até diz que foi aquele sorriso que a conquistou. Na verdade, sinto um pouco de inveja dele. Meu sorriso nunca foi lá muito atraente. Quer dizer, meus pais falam que sim, mas os únicos momentos em que consigo sorrir é quando estou com Liam ou com minha família, fora isso, na escola, na floresta, nas vendas, qualquer lugar eu pareço um muro de tão fechado. Não é culpa minha, a capital me fez ficar assim. Agoniada pela vida, a espreita da minha própria morte.

– Vejo que não chegaram tão tarde dessa vez. - Um cara alto com pseudônimo de "Meu Pai", abriu a porta escandalosamente. Pulamos com o susto e saímos um de perto do outro.

– Pai! Que raiva, pra que isso? - Falei assustada.

– Isso o que? Eu não fiz nada. - Riu quando se tocou do que estava prestes a acontecer. - Hum...

– Hum o que? Ok, vamos dormir. Estou cansada. Boa noite Liam. - Dei um beijo na bochecha do meu pai o que fez ele abrir um sorrisinho. Fechei a porta e sai em direção ao quarto.

– Filha...

– O que? - Falei com muito mais emoção do que o planejado.

– Liam é um cara muito legal. - Disse sorrindo. Graças a Deus ele apóia! Quer dizer, deve apoiar, ele não é nenhum idiota. Sabe o que está acontecendo.

– Ele é sim pai, muito mesmo. - Fui em sua direção e dei um abraço de urso daqueles bem apertados. - Boa noite.

– Boa noite filha.

–---------

O sol começava a aparecer no céu e toda a minha família estava se levantando para mais um dia de trabalho na floresta. Escutei meu pai se espreguiçando no quarto ao lado, na verdade não soava muito como meu pai, parecia mais com um urso que acabara de acordar. Troquei de roupa, coloquei minha bota de trabalho e me dirigi a cozinha. As opções não eram muitas, pão velho ou pão velho, decidi ficar com um pedaço de pão antes que meu irmão acordasse e devorasse o que encontrasse pela frente. Não era algo saboroso mas matava a fome.

Fiquei pensando na Capital, que tipo de comidas teria, roupas e objetos. Aposto que o pessoal de lá nem sentia essa necessidade que todos os dias passamos. Aposto que nunca ouviram o choro de uma criança precisando de alimento. Um velho caído no chão por não ter mais forças ao andar, pois a comida que ele conseguia já não era o suficiente para repor suas forças. O socorro de uma mãe pelo desespero de sua família e a força de um pai pela mesma. Não. A Capital não faz nem ideia do que é ser forte.

– E ai monstrenga? Aposto que corto mais árvores do que você hoje! – Meu irmão interrompeu meus pensamentos, entrando na cozinha e roubando o pedaço de pão da minha mão.

– De jeito nenhum. Sabe que não pode ganhar de mim. – Ele sempre ganhava, mas eu gostava de implicar com ele e gostava da ilusão de que um dia ganharia em alguma coisa, mesmo que fosse algo tão bobo como cortar mais árvores do que meu irmão.

Meu pai e minha mãe entraram na cozinha e comeram os últimos pedaços do pão velho, logo em seguida nos levantamos e seguimos para a floresta. Por pior que seja a situação no Distrito 7, meu pai conseguia ser bem alegre, as vezes eu me perguntava se ele realmente era feliz assim, ou se simplesmente fingia alegria pra que a nossa família se sentisse melhor.

Ele começou a cantar aquela velha canção, uma das minhas favoritas. Ela falava sobre não se preocupar, que tudo iria se resolver. Minha mãe começou a fazer a segunda voz e eu acompanhei, meu irmão começou a assoviar. Desse jeito, em fila, pareciamos os 7 anões.

Era incrível o fato que uma simples canção podia trazer a alegria para o nosso dia. A simples companhia de quem nós amamos mesmo que fazendo trabalhos rigorosos me faz ver que não perdemos nada, apenas ganhamos. O que é uma tarde ardia de trabalho com a falta de amor? Acreditem, a solidão mata muito mais que a fome.

Certo dia voltando da floresta, vi um garotinho de cabelos castanhos escuros. Ele estava sentado no chão jogando uma pedra na parede e a pegando de volta, assim, com movimentos rápidos e repetitivos. Perguntei para Liam quem era o jovem e ele disse que ninguém do vilarejo o conhecia, mas sabiam da sua historia. Parece que o irmão tinha morrido nos jogos e o pai havia se matado de tanta tristeza. Ele ficou sozinho desde então, sem família e amigos. Algumas pessoas até tentavam falar com ele, mas o passado não é algo fácil de se esquecer. Ninguém sabia como ele conseguia comida e onde dormia, mas sempre viam ele sentado no mesmo chão jogando uma pedra na parede.

Uma semana depois ele estava enforcado em uma arvore. A realidade é insuportável para algumas pessoas e a morte as vezes, apesar de louca pode ser a saída mais sensata.

Eu me perguntava se era assim em todos os Distritos, cheios de histórias tristes e injustas. Nos últimos dias eu tenho me sentido tão feliz, mesmo com os pães velhos e a comida escassa, as vezes me sinto um pouco mal pela minha felicidade no meio de tanta tristeza. O que eu sinto é um tipo de felicidade incontrolável, eu simplesmente começo a sorrir só de pensar no quanto me sinto bem. Acho que a minha família inteira já percebeu as minhas fugidinhas no meio do trabalho só para dar um "oi" para o Liam, os meus sorrisos exagerados que nunca foram tão intensos, nem tão presentes, um dia dessa semana meu irmão até deu um sermão no Liam, nem acreditei no que vi.

–Olha só, cuida bem da minha irmã! – Ele disse para o Liam, ele não estava de brincadeira, dava para ver nos olhos dele que ele falava sério. – Se magoar ela eu quebro a sua cara. – Depois disso ele simplesmente voltou ao trabalho. Não sabia se achava fofo ou se me preocupava com o fato de o meu irmão assustar o Liam, mas acho que o Liam não é tipo de cara que se assusta fácil.

A semana foi passando assim, entre risos e beijos. Então, o dia da colheita ia chegando e tudo foi ficando triste lá em casa. Era o último ano de Liam e do meu irmão, mas o meu nome ainda estaria lá por mais dois anos. Mais dois anos de medo. Era só o que eu precisava suportar.

Suportar. Realmente não sou uma pessoa que consegue suportar muito bem algo, meu irmão sim aguentaria muita coisa, mas não eu. Se vejo alguém triste me da vontade de chorar junto, apesar do cotidiano não ser algo suportável, apesar das mortes freqüentes com a falta de água e comida, consigo ver o lado bom das coisas. Acho que essa é minha única vantagem. Ver o lado bom em tudo. Isso ajuda muito quando você está prestes a entrar na loucura. Se você pensa que pode morrer hoje, penso que posso conseguir alguma comida pelo chão amanhã. Você só precisa saber interpretar ou ver a vida como uma história de um livro. Ela é contada por quem a interpreta e não por quem a escreve. A Capital escreve a historia de todos os distritos, mas quem a interpreta somos nós mesmos.

Foi com esse pensamento que me levantei no dia da colheita. Nada mudará desde a primeira vez que entrei para a colheita. Eu havia chorado noite passada, como em todos os anos antes da colheita, eu estava assustada como em todos os anos, por mim, por meu irmão, por Liam. Como eu viveria sem eles?

Meu pai havia saído cedo aquele dia, os homens não tinham permissão para largar o trabalho nem mesmo na colheita, apenas as mulheres e as crianças. Ele entrou no meu quarto e me deu um beijo na bochecha, eu fingi estar dormindo, não queria que ele visse que eu havia chorado na noite passada. Queria que ele soubesse que era forte, mesmo que essa não fosse a realidade.

Assim que ele partiu, levantei da cama e fui tomar banho. Penteei meus cabelos e o prendi bem no alto, fazendo um rabo de cavalo. Era incrível como a capital nos forçava a ficar bonita mesmo no dia da nossa suspeita morte. Eles vão botar para rodar a mesma filmagem de todo o ano, nos forçando a ver o porquê de estarmos nessa situação e falando com toda aquela maquiagem e sorriso falso no rosto. É mesmo deprimente. Será que conseguiria ver Liam antes de tudo?

Eu terminava de arrumar meu cabelo quando ouvi uma batida na porta. Acho que meu irmão abriu a porta. Ouvi a voz dele e logo em seguida a voz de Liam. Ele veio. Me senti um pouco mais calma por saber que o veria antes da colheita. Sai do banheiro e fui ao encontro dele. Pulei nos braços dele e ele instintivamente abriu os braços e me abraçou. Ouviu meu irmão resmungar um ARGH! Mas não me importei, só queria me sentir segura, nem que fosse por um minuto.

– Que bom que você está aqui, acho que não suportaria isso sozinha. - Continuei abraçada com ele, falando no seu ouvido.

– Claro que estou aqui. Eu vou estar sempre com você. – Disse-me abraçando mais forte. - Bem, você esta linda, mas acho melhor irmos, infelizmente não podemos nos atrasar.

Saindo de casa ele segurou minha mão e me guiou até a fileira separadamente por homens e mulheres. O desespero bateu quando ele soltou minha mão. Meu olhar só pode ter sido de muito pânico, pois logo ele a segurou de volta. Uma semana foi o suficiente para me tornar dependente daquele amor, daquela segurança que era estar com Liam.

– Ei, relaxa, está tudo bem. Vão ser só alguns minutos, certo? Logo estaremos juntos. - Dizendo isso ele beijou minha testa e seguiu em frente. Eu apenas balancei a cabeça em concordancia. Um suspiro. E pronto. Estava refeita. Nada de emoções agora.

Me dirigi para a fila da garotas e ele foi para a fila dos garotos. Eu tentei manter a expressão séria. A fila andou rápido e chegou a minha vez.

A picada no dedo. Então, meu sangue em um papel com meu nome. A mulher estranha da capital reclamando de como as garotas por aqui eram todas tão devagar. Porcaria minhas mãos estavam suando.

Segui para a fila das garotas da minha idade, em alguns minutos o hino começou a tocar, e aquele velho vídeo de como a guerra aconteceu e blablabla começou a passar no telão. Eu aproveitei e me virei e olhei ao redor tentando procurar por meu irmão e Liam no meio dos garotos. Meu olhar se encontrou com o de Liam que estava algumas filas atrás.

O sorriso que ele me deu me acalmou instantaneamente e lembrar que esse sorriso é só meu também me fez sorrir.

Logo, um homem de cabelos azuis e sobrancelhas enormes começou a falar jogando um monte de bobagens de como os jogos eram importantes para todos nós e de como deveríamos nos sentir felizes por ter alguém lutando por nós e pelo nosso Distrito. Olhei novamente para Liam e ele revirou os olhos, me fazendo sorrir. Eu sei que isso é aterrorizante, tudo o que ela estava falando era sem nexo. Mas ele só estava querendo me fazer sentir bem.

Era estranho como minutos pareciam uma eternidade no dia da colheita. Kento, o homem de cabelos azuis naquele momento parecia que nunca pararia de falar. Esfreguei minhas mãos no meu vestido, elas continuavam suando. Ele parou de falar. Meu coração acelerou. Ele começou a mexer nos papeis com os nomes das meninas. Não estava tão agoniante, quer dizer, já foram tantos anos, mas minhas vantagens de ser chamada aumentam assim como as de Liam. Talvez seja por isso que eu não estava tão desesperada, porque esse ano ele estava comigo. Não que nos outros anos ele não estivesse, mas esse ano é diferente. Ele está comigo e nada mais importa.


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