7.Despedida

Passado é lição para refletir, não para repetir.

Mário de Andrade

Acordei naturalmente, depois de uma boa noite de sono e espantei-me quando senti um corpo pequeno encostado ao meu. Quando olhei para o lado, vi a Rose com o seu cabelo loiro a tapar-lhe a sua face angelical e não evitei um sorriso por a ver tão pacífica. Finalmente, ao fim daqueles dias todos, ela teria paz e poderia continuar a sua vida, não como se aquilo nunca tivesse acontecido mas de forma relativamente normal. Levantei-me tentando não a acordar e fui tomar um banho. Quando voltei, ainda vestido com aquela roupa estranha de hospital, vi que a Madame Pomfrey já tinha posto um tabuleiro com o pequeno-almoço, parecendo saber que estava acordado e fui comer. Comi calmamente enquanto acabava de ler o livro que o James e a Lily me deram e fui observar a rua pela janela no final da refeição.

Observar os estudantes já se tinha tornado um ritual para mim, pensando no que faria se fosse eu lá fora e espantei-me quando reconheci uma pessoa. Era a Natalie, com a sua face completamente sem expressão, que ouvia um rapaz loiro que tinha um ar tão arrogante que eu passei a desgostar dele naquele exacto momento, fazendo-me lembrar os meninos riquinhos da minha antiga escola que se achavam superiores a todos.

- Harry? – Ouvi um chamamento e olhei para o lado vendo que a Rose tinha despertado. Sorri para ela e assenti.

- Bom dia, Rose. – Eu disse, enquanto magicamente aparecia outro tabuleiro com comida enquanto o meu desaparecia.

Ela levantou-se e foi comer o pequeno-almoço.

- Eu ontem, quando cheguei, já estavas a dormir e, por isso, decidi dormir contigo. – Disse, enquanto começava a comer.

Eu sorri. Quando a Serena e o Louis discutiam nós tínhamos o hábito de dormirmos no mesmo quarto. Ela para poder ser distraída e esquecer-se da confusão, eu porque sabia que ali estava seguro.

- Eu calculei. Como é que estás em saber que vais para casa, hoje?

Ela deu-me um sorriso fraco e eu ri, tentando descontraí-la.

- Estou confusa. Por um lado quero estar aqui contigo mas por outro quero saber como vai ser a minha vida lá. Será que vamos poder estar ao pé dos bruxos? Será que não vamos ter complicações?

Eu sorri.

- Eu acredito que não vais ter problemas, Rose. Quando for para casa dos meus pais biológicos, tu vais ver-me quase diariamente, como antigamente, e vais ainda conseguir perceber como funciona este mundo. É da maneira que vais estar mais preparada.

- Eu estou desejosa para fazer a minha primeira magia. Será que vão-me deixar?

Eu ri-me sabendo que não, se aquele livro queria dizer alguma coisa, devido à regra de os menores não praticarem magia.

- Não sei. – Decidi dizer para não lhe estragar as esperanças. – Antes que me esqueça leva este livro contigo. – Disse entregando-lhe o livro que os meus pais biológicos me tinham dado. – Fala deste mundo e eu já acabei de o ler. Acho que vais gostar.

Ela agarrou no livro rapidamente e vi com prazer começar a lê-lo enquanto comia, de forma semelhante a mim.

Ficamos mais um tempo a fazer conversa amena enquanto ela tirava dúvidas sobre alguma parte do livro mas antes da hora do almoço, as visitas que estávamos à espera, chegaram. À frente vinha o Dumbledore, com a sua aura de sabedoria e simpatia normal, a falar com a Serena. Mais atrás vinham os meus pais biológicos e reparei que a Lily quando entrou, apesar de ter dito um “bom-dia” não conseguiu olhar-me nos olhos. Lembrei-me das palavras do Remus e comecei a ter dúvidas se ela não estava mesmo arrependida de ter dito o que disse no dia anterior.

- Olá mãe! – A Rose disse e foi a correr até ela, abraçando-a.

Eu não evitei sorrir ao ver aquele gesto. Pelos vistos a Rose tinha perdoado a mãe de tudo e mais alguma coisa e elas voltariam a ser as mesmas. Vi os meus pais biológicos trocarem um olhar e se eles pensavam ou esperavam aquela atitude de mim estavam muito enganados!

- Bom-dia. – Eu respondi e olhei para o Dumbledore à espera que ele dissesse alguma coisa para evitar o silêncio constrangedor.

- Tenho uma muito boa notícia Harry. – Ele disse, parecendo que nem de manhã ele estava maldisposto. – Vais sair também daqui e podes ir finalmente para os teus quartos. Acho que vais gostar das acomodações que te arranjei além de que vais ter o Charlie e as ocasionais visitas da Miss Black para te fazerem companhia.

- A Natalie? – Eu disse e devo ter deixado passar desprezo porque os meus pais mandaram-me um olhar de repreensão.

- Sim, ela é uma grande amiga. É como se fosse da tua família. Pensava que sabias isso.- Ele disse olhando para os meus pais biológicos.

- Sim, disseram. – Eu disse, lembrando-me da relação dela com eles… tia e tio…

- Vais gostar dela. É uma pessoa encantadora.

Eu não consegui evitar o sorriso irónico que me apareceu na face mas felizmente consegui voltar a uma face normal antes que pudesse ouvir alguma repreensão.

Eu olhei para como estava vestido e não consegui evitar perguntar:

- E vou assim vestido? Até aos quartos? – Eu perguntei pensando se nunca poderia sair daquele fato branco horrível.

- Desculpa. – A Lily disse e entregou-me um saco. – Nós compramos-te um uniforme daqui para poderes passar despercebido. No quarto vais ter mais roupas, por isso, se não gostares depois podes mudar. Acho que estão à tua medida mas depois podemos ir às compras para comprares o que gostares e arranjar esse fato, caso esteja demasiado largo ou apertado.

Eu aceitei o saco, feliz por finalmente ter uma roupa.

- Obrigado e não é necessário. – Disse, indo buscar o saco.

Surpreendi-me quando a mão dela largou o saco para segurar a minha.

- Desculpa por ontem, eu…

Eu não tinha coragem para lhe dizer que ela estava certa mas tinha coragem o suficiente para evitar um pedido de desculpas que ela não precisava de dar.

- Dizer a verdade não é errado. – Eu disse, simplesmente, e sai para a casa-de-banho para trocar de roupa. Apesar de ter sido rápido a ir para lá reparei no olhar surpreendido que o James tinha trocado com a Lily, que tinha aberto ligeiramente a boca.

Quando voltei, vestido com umas calças pretas, uma camisa com uma camisola e uma capa, que achava estranhamente encantador. Vi todos os presentes olharem para mim e não consegui fixar o meu olhar no James e na Lily que pareciam orgulhosos devido ao sorriso parvo que tinham no rosto.

- Fecha a capa. – Disse o James, chegando-se ao pé de mim e fechando-a. – Como ainda não tens casa assim as pessoas não reparam que não tens gravata. Em princípio ninguém vai reparar mas é melhor prevenirmo-nos.

Olhei para a Serena e a Rose, à espera de saber o que elas fariam mas para minha surpresa quem esclareceu foi o Dumbledore.

- Elas só vão para casa depois de almoçar. Agora vamos todos para lá, que como somos muito pode ser que ninguém repare no Harry.

Eu como quando tinha ido para ali estava inconsciente nunca tinha observado o castelo por dentro além da enfermaria e do corredor mas ao andar por ali, vendo as paredes rústicas, as estátuas, as janelas que deixavam a luz entrar, o chão que fazia os nossos passos ecoarem não evitei sorrir. Era como se tivesse numa história da idade medieval e achava aquilo tudo espetacular.

Chegamos rapidamente a um corredor que tinha um quadro com dois cavaleiros que fizeram uma vénia ao nos ver. Lembrei-me estranhamente dos gémeos Wealsey e ri-me, não aguentando ouvir o Dumbledore dizer:

- Final feliz.

O quadro moveu-se para o lado, depois do Dumbledore dizer aquela frase, mostrando uma entrada. Ele foi o primeiro a entrar, levando-nos a uma ampla sala, com 3 sofás grandes e com 6 escadas para o andar superior, 3 de cada lado. No centro dos 3 sofás estava uma lareira que estava acesa e dava um ar acolhedor à sala. A sala estava decorada neutralmente e eu, sinceramente, gostei daquele sítio.

- Esta sala é feita para aceitar os convidados que às vezes temos. Tem 6 quartos, 3 vão ser ocupados por vocês os outros 3 desconfio que também vão ser ocupados mas já não depende de mim. – Disse o Dumbledore trocando um olhar com o James. – Se quiseres depois podes ir ver o teu quarto, Harry, que é o do meio. O teu irmão que ainda deve de estar a dormir tem alguns jogos para te manter distraído. De qualquer forma, eu ontem disse ao Remus que podia começar a ensinar-te os feitiços mais básicos desde que te emprestem uma varinha. Se quiserem até pode ser a minha. – Ele disse bondoso mas eu lembrei-me da sensação que tive ao usar a varinha dele, de como se a minha magia não pertencesse a ela que foi coisa que não senti com a varinha do Remus e, por isso, decidi recusar.

- Não acho que seja necessário mas obrigado na mesma.

- Sim, ele se quiser pode usar a minha. – Disse o James.

- Ou até a minha. – Disse o Sirius que vinha a descer de umas escadas. – Mini-Prongs bem-vindo. – Ele disse abraçando-me quando chegou ao pé de mim.

- Sirius! O que estás a fazer aqui? Devias de estar na reunião. – Disse o James irritado com ele.

- Calma Prongs. Tanto stress faz rugas. – Ele brincou, afastando-se de mim e pondo as mãos nos bolsos das calças. – O Dumbledore disse que podia ficar cá e eu disse que estava doente. Estou farto de ouvir velhos políticos que só gostam de cuscar na vida alheia em vez de trabalharem. Sabes perfeitamente que este não é o trabalho para mim.

- Sirius… - Avisou a Lily cerrando os olhos.

- É verdade e hoje não há nenhuma votação importante. Além do mais temos o Frank, por isso, se acontecer alguma coisa eu pus a representá-lo a casa dos Black e dos Potter. Está tudo em boas mãos.

- Mas abandonaste-o com os lobos.

- Não, eu vim ter com um lobo. Acreditas que a Natalie está com uma crise de ciúmes e diz que eu não passo tempo nenhum com ela? Então, eu vim aqui passar algum tempo com o meu afilhado – disse apertando-me o ombro – e com a minha filha. Quero ver a cara dela quando me puser a falar com ela quando ela estiver com o Malfoy. Até vai deitar fogo pelas narinas. –Disse e eu tive a impressão que ele era uma criança adulta pelo tom que usou.

- Sirius, tu sabes porque ela está a fazer isso. – Disse o Dumbledore e para meu espanto, ele perdeu o brilho no olhar. – Ela precisa do teu apoio.

O Sirius passou a mão pela cara cansado e suspirou, perdendo o ar brincalhão.

- Eu sei mas eu fiz nestes anos tudo por ela e espero que ela perceba. Eu não tenho culpa que ela esteja a ser mimada e a pensar só em si. Foi o que disse e o que vou dizer. Só houve um culpado e quando o apanhar ele vai pagar. Se lhe custa também me custa a mim. – Ele disse desviando o olhar com dor nos seus olhos cinzentos e eu percebi que havia alguma história mal resolvida.

- Não vamos falar disso. – Disse o James apressadamente. – Anda, vou apresentar-te o quarto. – Disse, puxando-me pelo pulso e levando-me para a segunda escadaria do lado esquerdo. O olhar que ele trocou com o Dumbledore deu-me a certeza que havia mesmo uma história mal resolvida e, por algum motivo, não queriam que eu soubesse. Eu pensei em insistir só para irritar mas a dor que tinha visto nos olhos do Sirius tinha sido real e ninguém merecia que eu fizesse isso, por isso, só me calei, guardando uma nota mental para investigar isto depois. Olhei para trás e ao ver a Rose a olhar para mim, agarrada à mão da mãe decidi chamá-la antes de entrar no quarto. Vi com prazer, ela correr até mim e entrarmos os dois juntos.

A primeira coisa que pensei quando entrei foi que o quarto era grande. Tinha uma cama de casal espaçosa, uma estante que estava cheia de livros ao lado, uma secretária que tinha uma pena e alguns pergaminhos. Do outro lado estava uma porta que o James explicou que era a casa-de-banho e ainda tinha um roupeiro que tinha espaço para pôr as roupas da minha família toda.

- Os livros estão ali. – Disse o James, apontando para a estante. – Tens todos os livros do primeiro e segundo ano e outros que achamos que podias gostar. Se vires que queres mais algum, diz, que nós compramos-te. Compramos também pergaminhos e penas para poderes escrever. – Disse, indo para a secretária e abriu uma gaveta. – Aqui tens alguns jogos, tanto bruxos como muggles. Tens que experimentar jogar snap explosivo que vais adorar! – Ele fechou a gaveta e ficou uns segundos a olhar para mim, provavelmente, sem saber o que dizer. – E bem, acho que é tudo… Ah, tens também roupas ali. – Ele disse apontando para o roupeiro. Compramos-te um pouco de tudo como não sabemos o que preferes vestir mas se quiseres mais alguma coisa que não pusemos, avisa. – Ele coçou a cabeça claramente constrangido. – E agora acho que está mesmo tudo.

- Harry, o teu quarto é tão grande. – Ouvi a voz da Rose ao meu lado, depois de ver tudo e eu distrai-me a olhar para ela que pulou na cama. – E a cama é tão fofa. Se ficares aqui mais que uns dias venho visitar-te e depois posso ficar aqui… - Ela disse sonhadora e eu não aguentei e ri. Ela estava no seu normal e isso era reconfortante.

- Sempre que quiseres. – Disse e olhei para o James que assentiu.

- Sim, se quiseres manda uma coruja.

A Rose assentiu, desejosa de saber mais mas controlando-se. Eu sentei-me ao lado dela que estava deitada, completamente à vontade na cama.

- Realmente é confortável. – Eu disse e era verdade. Era um dos colchões mais fofos que já tinha estado deitado.

Deitei-me ao lado dela e observei que o teto tinha uma cor amarelada.

- Harry?- Ouvia-a chamar ao meu lado.

- Hum? – Disse começando a ficar estranhamente cansado para quem tem passado os dias a descansar.

- Eu não vou mesmo parar de te ver pois não?

Eu estiquei o meu braço e agarrei-lhe a mão para lhe mostrar que iria estar sempre com ela.

- Não vai ser esta distância que nos vai afastar. Eu prometi que tu vais ser sempre a minha irmã e isso será sempre verdade Rose. Nunca irei quebrar uma promessa.

Eu senti a mão pequena dela apertar a minha que devia de ser o dobro do tamanho e sorri. Era bom saber que tinha uma pessoa que eu sabia que ia ser sempre a minha família, independentemente, do que acontecesse.

- Obrigada.

- Não existe nada para agradecer. Nós somos uma família.

Ouvi uma porta abrir e fechar-se e insultei-me mentalmente por me ter esquecido que o James estava ali.

- Às vezes queria que o tempo parasse. – Ouvi-a murmurar. – Era tão bom, ficarmos sempre juntos, sem preocupações, não achas?

Eu assenti por reflexo mas fiquei a pensar nas suas palavras. Será que eu queria mesmo que o tempo parasse? Eu ficasse congelado ali, com a minha irmã, uma família que me fazia todas as vontades para eu fingir que gostava deles, longe do Louis e tendo, finalmente, paz?

Não me parece que eu quisesse. Oh, eu queria a Rose comigo e, por isso, eu sacrificaria até a minha paz de espírito mas naquele momento, com a Rose ao meu lado, eu queria mais. Eu queria viver, eu queria experimentar, eu queria descobrir o que a vida tinha para me dar. Havia tantas possibilidades, tantas coisas a aprender, tantas coisas a fazer que eu não tinha coragem de dizer completamente não ao meu futuro. Eu preferia ignorar os meus pais biológicos, agarrar a Rose e viver a minha vida mas isso não era possível e eu sabia perfeitamente disso então eu faria a minha segunda melhor escolha. Continuar com a Rose da forma que me fosse possível, aprender tudo, aproveitar tudo, viver ao máximo, para que depois, no final desta confusão toda, eu pudesse decidir finalmente o que queria e aí, com uma escolha racional da minha parte, querer congelar o tempo.

Eu vou admitir, eu sabia que o meu desejo daquele dia não era real. Eu poderia viver e fazer aquilo tudo, no entanto, nunca seria tão feliz sem haver contrariedades. Era só pensar nos meus pais biológicos e pensar no que eu iria sofrer por estar sempre com eles. Eu não iria conseguir ignorá-los, raios, eu nem conseguia ignorá-los naquele momento, estando ainda pouco tempo com eles. Eram demasiadas emoções, demasiados se… uma vozinha na minha cabeça dizia-me que a melhor coisa a fazer seria mesmo sentar-me e falar com eles racionalmente para arranjar uma maneira simples de lidar com eles mas era impossível para mim. Eu tentava ser racional, eu tentava argumentar mas os meus sentimentos eram irracionais. A raiva, a angústia, o medo, eram todos juntos e eu simplesmente não me controlava. Queria que eles vissem o que eu tinha passado e sofressem como eu sofria todos os dias ao olhar para eles. Eles deviam de ser a minha família, as pessoas que me tinham criado, que me compreendessem em todos os momentos e eles abandonaram-me, com acidente ou sem acidente.

Eles não me procuraram, não me quiseram e ainda se tentavam fazer de inocentes?

Eu podia não ser inocente mas eles também não eram e por isso, mereciam sentir tudo o que eu sentia! Era por isso que lhes respondia mal sem pensar, só na esperança que eles sentissem uma décima do que eu sentia. Eu queria ignorá-los, odiá-los, qualquer coisa, menos aquilo. Aquela mágoa que não era ódio, aquela raiva que continuava a não ser ódio, aquela esperança que não era, realmente, ódio. Eu queria matar todos estes sentimentos e transformar-me na pessoa racional que eu era antes, sabendo sempre o que fazer e aguentando tudo. Eu tinha aguentando o Louis, o orfanato, tudo, então porque é que não aguentava aqueles dois? Porque é que eu continuava a ter esperança?

- Harry? – Ouvi a Rose que me fez prestar-lhe atenção outra vez.

Eu sorri para ela e assenti com um rápido “claro que sim” enquanto me virava para a observar. Aquilo tudo não interessava, o meu passado ou o meu futuro porque o importante era o presente e no presente eu tinha uma certeza, a Rose era a minha única família. Porque família não é a família de sangue ou até a adotada mas a que sentimos. O meu laço com ela era muito mais importante do que os laços que tinha com os meus pais adotivos ou biológicos porque era um laço verdadeiro sem ser fabricado. Nós conhecemo-nos, brincámos, discutimos, confessámos os nossos segredos, fizemos a nossa vida sabendo que havia uma segunda pessoa que estaria sempre lá, nos bons ou maus momentos. Isso sim era família! Aquele laço criado com o tempo e a confiança por sabermos como a outra pessoa era melhor do que nós eramos. E aquele laço era tão forte que era o motivo para eu ter a certeza de que poderíamos estar longe, sofrer pela distância mas a nossa relação não iria mudar porque ela era a minha irmã. Em relação aos meus pais, tanto adotivos como biológicos? Só poderia dizer que eles não me eram indiferentes mas nunca na vida teriam metade da importância ou da confiança que eu tinha com ela, mesmo ela sendo uma criança…

Não sei se foi pelas poções que eu tomava, pelo stress dos últimos dias ou simplesmente devido à formação do meu coro mágico, eu acabei por adormecer lá, com a Rose encostada em mim. Acordei com alguém a mexer-me no braço ligeiramente e surpreendi-me quando vi a Serena a acordar-me.

Eu abri os olhos, alarmado e sentei-me rapidamente na cama, acordando a Rose com o meu movimento.

- Calma, era só para dizer que é hora de almoço e depois nós… - Ela não acabou mas o olhar que mandou à Rose disse tudo. Depois elas iriam embora e eu iria passar algum tempo sem a ver.

Eu assenti, ignorando os sentimentos que me queriam atingir e espreguicei-me, bocejando e levantando-me de seguida. Vi a Rose fazer o mesmo e juntos, com a Serena atrás descemos outra vez para a sala.

Para meu espanto, a sala tinha daquela vez, num canto da sala, duas mesas juntas, tornando-a numa grande mesa onde já estava tudo preparado para se começar a almoçar, até a comida. Eles já estavam sentados, estando os meus pais biológicos num canto, com o Sirius do lado esquerdo e o Remus do outro e o Charles ao seu lado. Eu sentei-me ao lado dele e vi a Rose sentar-se ao meu lado enquanto a Serena sentou-se ao lado dela, fechando o quadrado.

- Então, ouvi dizer que alguém adormeceu lá em cima… - Disse o Sirius, com um sorriso de lado que passei a associar a ele.

Eu corei mas a minha irmã respondeu com a sua personalidade normal.

- A cama era demasiado fofinha, era impossível estar acordada.

Para meu espanto todos se riram, com o ar descontraído que eles pareciam ter sempre que se reuniam.

- Eu compreendo, afinal estás a falar com o preguiçoso chefe. – Respondeu o Sirius, piscando-lhe o olho.

- Hey, eu não sou preguiçosa! – Ela respondeu chateada fazendo-os gargalhar.

O resto do almoço passou-se com boa disposição e eu decidi falar com o Charles que estava outra vez a querer fechar-se no seu próprio mundo.

- Então Charles, alguma ideia de como vamos passar os próximos dias já que vamos estar aqui fechados?

- Eu combinei com a Natalie para ela me fazer companhia. Podemos jogar snap explosivo todos juntos!

Eu franzi a testa, lembrando-me que aquilo era um típico jogo bruxo mas não me lembrando de como se jogava.

- Eu não sei jogar. – Eu disse abrindo um sorriso e vi-o arregalar os olhos.

- A sério? – Eu assenti. – Então eu explico-te. – Ele disse e foi a correr até ao quarto trazendo um baralho de cartas.

Pelo que percebi tínhamos que construir um castelo com as cartas e a piada no jogo estava em que como o nome dizia, ele explodia. Acabei por passar uma grande parte da tarde a jogar com eles todos, inclusive, a Serena e não conseguíamos evitar rirmo-nos quando as cartas explodiam diretamente na cara das pessoas.

Eu senti mais do que vi, quando foi a hora de despedida. Só foi necessário mandar um olhar para a Serena para perceber que ela estava muito tensa para o clima descontraído. Eu não queria que a Rose fosse mas eu sabia que era necessário e, por isso, levantei-me e chamei a Rose. Eu precisava de ter uma conversa sincera com ela e iria-a ter agora.

- Rose, eu sei que te vais embora agora e vamos passar um tempo sozinhos mas promete-me que se acontecer alguma coisa, uma mínima coisa, tu dizes-me.

Eu vi a face dela passar de confusa, para uma decidida, num instante e sorri, ao ver o rápido raciocínio dela.

- Claro. E a Sra. Potter ensinou-me a usar corujas. Até me ofereceu uma! – Ela exclamou feliz. – Por isso, mando-te uma carta todos os dias. Pode ser?

Eu sorri e abracei-a.

- Nem quero outra coisa! Quero saber tudo, desde o que aconteceu até quem é que te está a chatear.

Ela riu.

- Eu sei proteger-me, já sou grande mas eu vou dizer-te, como espero que também me digas.

- Claro que te vou dizer. – Disse, afastando-me dela. – Até os pormenores mais chatos da minha vida. – Eu disse, fazendo-lhe cócegas e, consequentemente, fazendo-a rir até me mandar parar.- Certo, parei. – Disse levantando-me e olhei para o resto dos presentes que pareciam entretidos a observarem-nos. – Não te esqueças da minha promessa. – Disse-lhe pondo a mão na cabeça e mais uma vez me baixei. – Sempre irmãos! – Eu beijei-lhe a testa e afastei-me de vez.

Vi que ela tinha uma lágrima no canto do olho mas mesmo assim sorriu e agarrou a mão da mãe. Dai até elas saírem foram minutos. Os meus pais foram com elas, aparentemente, para as levarem a casa e eu fiquei com o Sirius, o Remus e o Charles. Eles continuaram a jogar aquele jogo mas eu estava sem apetite para continuar e, por isso, fui ao quarto e peguei no livro que o Remus me tinha dado. Sentei-me na cadeira da secretária que estava perto da janela, a observar o lago.

Era estranho estar sem a Rose e não era no bom sentido. Ela era tão importante para mim como respirar e eu sentia uma estranha necessidade de saber que ela estava bem. Eu sabia que o que custava mais era a adaptação, ou seja, aqueles dias mas era tão estranho ter saudades de uma pessoa que tinha acabado de ver.

- Harry, não fiques assim. – Ouvi uma voz e espantei-me ao ver o Sirius na porta, a olhar para mim com um olhar, estranhamente, triste.

- Eu estou bem. – Eu murmurei, dando um sorriso.

Ele suspirou e sentou-se na cama.

- Não precisas de fingir comigo. Tudo o que me disseres vai ficar só entre nós.

Eu desviei o olhar dele, olhando para a janela. Estava a nevar como nos últimos dias em que tinha estado ali e haviam alguns adolescentes na rua, brincando entre si.

- Eu não tenho nada a dizer.

- Harry… - Ele ia para dizer alguma coisa mas parou. Eu olhei de volta para ele e vi-o abrir e fechar a boca como se estivesse a lutar com o que tinha que dizer. – Harry, eu sei que é complicado e eu sei que não vais confiar em nós de um dia para o outro mas podes ser sincero. Não precisas de te esconder atrás de máscaras. Nós somos a tua família.

Eu estreitei os olhos para ele mas só vi tristeza no rosto dele.

- Vocês só me conhecem à dias como é que querem que vos trate como família?

- Porque nós amamos-te. – Disse o Sirius, levantando-se. – Família não é o sangue, não é algo que se ganha com papéis assinados, é o sentimento. É saberes que nós vamos estar sempre disponíveis para ti e vamos sempre acreditar em ti. Que tu és um de nós. Isto é que é família. Eu posso ter passado treze anos a pensar que o meu afilhado morreu, posso ter passado esses anos sem o ver crescer mas eu amava-o e ainda o amo. Esse sentimento não morre e não está morto. Então, sim, tu és da minha família, como a Rose é da tua sem partilhares laços de sangue com ela, nem teres visto toda a vida dela. É o sentimento!

Eu pisquei, sentindo-me estupidamente emocional e desconfiei que andavam a pôr alguma coisa nas poções que me davam para ficar assim. Ele falava a verdade. Era impossível ter os olhos tão cheios de emoção como ele tinha se ele não sentisse o que dizia. No entanto, era tão mais fácil que ele mentisse, fosse mau, agressivo como eu sempre tinha imaginado.

- Mas vocês não me procuraram. – Eu consegui dizer e eu vi os olhos deles se fecharem em dor e se ajoelhar à minha frente agarrando a minha mão. Quando voltou a abrir os olhos tinham tanta tristeza, tanta mágoa que eu fiquei hipnotizado a olhar para eles, sentido a dor dele.

- Tu não sabes como foi aquele tempo. Não sabes o que é estar em guerra e ver os nossos amados morrerem à nossa frente. – Ele engoliu em seco e pareceu ganhar coragem para o que iria dizer. – Ver cada pessoa importante para ti cair para nunca mais se levantar. É tão mau que a única hipótese é aceitar e tentar esquecer. – Ele apertou a minha mãe e eu vi uma lágrima cair pelo seu rosto. – Mas nunca se esquece e nunca se perdoa. Eu não vou falar mais sobre isso quem tem que te explicar tudo são os teus pais. – Ele disse levantando-se. – Mas fica a saber que se houvesse uma esperança, uma pequena ideia de que poderias estar vivo nós iriamos te procurar nem que fosse pelo mundo todo. A altura em que tu desapareceste foi uma altura de festa para todos os bruxos mas acredita que para nós não foi. Nós perdemos muito nessa guerra e mudamos até devido a isso. Nunca duvides disso e nunca duvides que os teus pais, mesmo pensando que tu estavas morto, te amaram este tempo todo e estão, genuinamente, felizes por te ter ao lado deles.

Eu olhei para a face dele, decidida, a demonstrar mais sentimentos do que deveria e reconheci o olhar por trás daquela face. Ele estava a ser sincero e a querer esconder grande parte da dor daqueles tempos para não me assustar. Eu sempre simpatizei com aquele homem, com o seu riso que mais parecia um latido e que conseguia ter uma elegância digna da realeza. Acho que foi isso que me levou a levantar e a dar um pequeno sorriso para ele. Ele não era a minha família mas ele podia ser um futuro amigo. O meu instinto dizia-me isso e eu acreditava-me nele.

- Eu não sei o que acreditar. – Disse, sinceramente. – Eu… existem tantas mentiras no mundo, tantos se… porque é que vocês querem que eu ignore a minha vida toda até aqui se eu não posso? Foi esta vida que me fez ser quem eu sou e eu não vou ignorar isso. Até posso aceitar que sou o Harry Potter mas eu não sou o Harry Potter que vocês conheciam com um ano. Eu sou o Harry Potter que é o Harry Smith só que com outro nome. Eu não vou mudar por vocês e nem vou querer mudar porque é a maneira que eu sou. EU não me consigo acreditar neles, não consigo parar de imaginar que isto é tudo um plano deles porque é a minha maneira de ser.

Ele ficou em silêncio, observando a minha figura que era mais pequena que ele uns 20 centímetros. Quando voltou a falar, foi com a voz rouca:

- E tu queres acreditar-te?

Eu fechei os olhos dolorosamente.

- Eu não vou mudar por eles nem por ninguém. – Eu disse abrindo-os outra vez e vendo a face do Sirius desiludida.

Ele suspirou e eu vi espantado, ele assentir.

- Pelo menos és verdadeiro. – Ele disse e deu-me um sorriso, pondo uma mão no ombro. – Mas vais ver que às vezes o que interessa não é o querer nem é o desejar, a vida tem caminhos que ninguém consegue imaginar. Agora, o que nós temos que fazer é ir lá para baixo, que tens um irmão que só quer passar tempo contigo, conviver e levar a vida normalmente. O teu e o nosso problema é que estamos a tentar levar tudo demasiado rápido. Obrigado por me teres feito ver isso. – Ele disse, abrindo outro sorriso, este mais sincero.

Eu olhei confuso para ele mas eu percebi que não era para eu entender, então segui o conselho dele e fui para a sala, passar a tarde com o meu irmão que se mostrou uma criança estranhamente energética. Eles podiam não ser a minha família mas eu podia pelo menos aceitá-los como pessoas que eu não conhecia e mereciam uma oportunidade. Isto era difícil para os meus pais biológicos mas para os que estavam ali, sentados nos sofás, o Remus, o Sirius e o Charles, não havia problema.

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- Pettegrew, temos que falar! – Disse um homem altivo, com todo o seu corpo a exalar realeza. Olhou superiormente para o pequeno homem, gordo, que estremeceu.

- Sim, Malfoy. – Ele disse parando e olhando para o homem. Parecia ter uma certa dificuldade em olhar para os olhos azuis acinzentados do outro, visto que estava constantemente a olhar para os seus pés.

- O Lord pôs-me na tua missão, por isso, não podes falhar. O nosso plano vai ser adiantado.

O outro fixou o maior, com espanto nos seus olhos.

- Já? Quando vai ser o primeiro passo?

- No último jogo de Quiddich. – Disse o maior, com um sorriso frio no rosto. – Demoramos um ano para construir este plano, Pettegrew, por isso, não me desiludas!

- M-mas o Dumbledore… nós não podemos nada contra ele.

O sorriso do outro tornou-se ainda mais frio.

- Ele, os Potter e o Black vão estar ocupados, não te preocupes. Não vai ser desta vez que vais ver os teus velhos amigos.

Ele estremeceu mais uma vez, lembrando-se deles.

- Mas como vou encontrar o menino? Eu pensava que tinha dias…

O outro agarrou-lhe o ombro, fazendo-o olhar fixamente para si.

- Nós não podemos adiar mais. O Dumbledore não vai passar muito mais tempo com as defesas em baixo agora que tem o Potter no castelo. Tu tens que o matar! Não me falhes Peter porque se falhares não vou ser só eu que vou sofrer a ira do nosso Mestre.

Ele encolheu-se mais, lembrando-se dos olhos cor-de-sangue do seu mestre.

- Eu não vou falhar mas eu preciso de saber onde ele está. O castelo é gigante.

O Malfoy estreitou os olhos, tendo um mau pressentimento devido à ineficácia daquele rato. Levantou e baixou a bengala que tinha na mão e sorriu quando ela fez um barulho alto e o Peter se encolheu com medo.

- Vais ter no máximo 4 horas. Aconselhava-te a seguir a Black. Ela vai querer ter com o pai… sim, isso. – Ele disse, criando um plano. – Uma carta a dizer para ela ir ter com o pai… o meu filho pode ajudar. – O sorriso frio nasceu outra vez na sua face. – Peter, não vais ter desculpas nenhumas para falhar. A Bela vai contigo, por isso, é bom que não hesites em matá-lo ou se não sabes o que ela te vai fazer, não sabes?

Quando o homem se encolheu e deu um passo para trás, ele não evitou dar uma gargalhada.

- O fim do Harry Potter está perto, agora não queiras que seja também o teu fim…

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Estranhamente, os dias passaram-se rapidamente e quando dei por mim, já se tinha passado uma semana. Todos os dias recebia uma carta da Rose ou entregue por coruja ou entregue pessoalmente por algum dos presentes. O clima entre mim e os meus pais parecia mais calmo mas eu sabia que era tudo fingimento. Via a Lily olhar para mim, congelada, sempre que eu não estava a olhar diretamente para ela e eu sabia que o facto de termos ignorado a nossa discussão a estava a matar por dentro, aos poucos e poucos. O James parecia sempre bem-disposto, querendo dar uma impressão de pai simpático, no entanto, com quem eu tinha criado estranhamente um laço mais profundo foi com o Sirius. Não sei se foi por ter simpatizado com ele à primeira vista, que era um feito raro, ou se era somente porque ele parecia não querer agradar a ninguém especial e fazia tudo o que lhe apetecesse. Ele não fazia jogos com as pessoas e era sempre direto, dando-me um sermão sempre que eu fazia algo de que ele não gostava (como ler livros durante a madrugada) e brincava e ensinava quando achava por bem assim fazer. Verdade seja dita, ele também raramente me dava sermões, sendo uma pessoa brincalhona mas era bom saber que havia uma pessoa que não me tratava como se fosse de vidro. Também gostava do Remus, com a sua expressão amigável mas naquela semana tinha passado muito pouco tempo com ele. Pelo que tinha percebido, ele tinha uma loja com o Sirius e os meus pais biológicos e havia alguns problemas com ela. Então quando ele aparecia era sempre para me fazer perguntas sobre o que estava a aprender com os livros ou então para servir de psicólogo, o que só me irritava. Outra pessoa de quem eu estava a aprender a gostar era o Charles. Ali, com a sua família ele estava sempre bem-disposto e com uma energia que me fazia lembrar a Rose. Ele brincava, ele corria, ele saltava, ele fazia tudo nunca parando para respirar. Uma das pessoas que eu também tinha visto, ao fim do dia e que mal tinha trocado mais de duas frases além dos cumprimentos normais, era a Natalie. Ela continuava a exalar aquela postura altiva e sempre que vinha era para ver o pai, os meus pais biológicos ou o Charles (ou seja, todos menos eu), sendo que ela gostava de passar muito tempo com este último. Eu refugiava-me no quarto sempre que a ouvia entrar e observava a rua. Eu queria tanto ir lá fora que tinha uma inveja enorme sempre que via o Charles sair, por norma, à noite. Tinham-me dito, que mal os alunos saíssem para as férias de Natal, como iriam ficar menos alunos, eu poderia sair e eu vou ser franco, eu estava desejoso por isso.

Hoje era o tal dia em que acabavam as aulas e eu estava ansioso a olhar pela janela, vendo muitas pessoas, com as suas capas a saírem. Se aquilo tudo, eram alunos eles eram mesmo muitos. Eles riam, brincavam e saíam. Eu já tinha saudades de estar com pessoas da minha idade, ou melhor, eu já estava com saudades da minha antiga escola. Eu nunca fui muito popular, preferindo não me ligar a ninguém caso quisessem descobrir mais sobre mim e como era a minha vida em casa mas algo em mim despertava o interesse nos outros. Por muito, que eu não desse confiança a eles, tinham pessoas que acabavam sempre por se aproximar de mim e assim criei algumas amizades. Eram frágeis e eu sabia que eles se esqueceriam de mim, agora, que não estavam comigo mas era bom saber que eu tinha pessoas da minha idade com quem falar. A Rose pelo menos continuaria a ter pessoas com quem falar. Pelo que tinha percebido fizeram-na mudar de escola, para a mesma do Charles, perto de casa e, por isso, ela teria que abandonar os seus amigos mas iria criar novos. Eu só iria para Hogwarts e temia muito o que seria de mim naquela escola porque eu era uma celebridade. Como é que eu iria conseguir distinguir os que estavam verdadeiramente interessados em mim ou os que só queriam a minha fama? Eu suspirei e passei uma mão pelo cabelo, tentando-me acalmar. Quando chegasse essa hora, eu pensaria no que fazer agora tinha que seguir somente a minha vida. Por isso, desci para a sala e espantei-me ao ver o Charles e a Natalie a jogarem um jogo de xadrez.

- Então Char, a fazer-me ganhar assim? – Ela disse rindo e eu espantei-me em como o seu riso podia ser cristalino e verdadeiro. Sempre a tinha visto como uma pessoa fria que nem devia de saber o que era rir.

- Oh, mas eu não fiz de propósito! Tu é que me ganhas!

Ela riu-se ainda mais e até deitou a cabeça para trás numa gargalhada. Aquilo era mesmo a Natalie? Descontraída, relaxada, leve e parecendo uma pessoa perfeitamente normal? Acho que a minha boca se abriu sozinha, não me acreditando no que estava a ver.

- Char, tu sabes tão bem como eu que tu és o melhor estrategista entre nós os dois. – Ela parou parecendo séria. – Passa-se alguma coisa?

Vi o meu irmão evitar o olhar dela e eu próprio fiquei confuso pela reação dele.

- E-eu vi os meus pais discutirem ontem. – Ele disse, ainda não olhando para ela.

Vi a face da Natalie mudar para uma de confusão e eu continuei espantado pela maneira como ela estava a demonstrar as suas emoções.

- O que se passou? – Perguntou, genuinamente preocupada.

- Eles… eles estavam a falar do Harry. – Espantei-me pelo que o Charles disse e mais ainda pela forma como a Natalia ficou com uma face, completamente sem emoções à menção do meu nome. Ela desgostava assim tanto de mim? – Eles estavam a dizer que… que ele… - Ele calou-se, não conseguindo continuar.

- Que ele o quê? – Perguntou a Natalie, agarrando a mão do Charles, fazendo-o olhar para ela.

- Que ele nunca os iria perdoar. – Ele disse finalmente e eu espantei-me ao ouvir a dor na voz dele. – Que ele já tinha passado por muito e que nunca os iria conseguir perdoar e eu ouvi a mãe chorar… - Ele disse e mais uma vez voltou a olhar para o chão.

Vi a Natalie, com a sua face completamente sem emoções enrijecer na cadeira, ficando sentada numa posição ainda mais ereta. Ela parecia querer dizer alguma coisa mas fechou a boca quando me viu no cimo das escadas. Ela demonstrou tanto ódio ao olhar para mim, no primeiro segundo em que trocamos o olhar que eu tive uma súbita vontade de voltar para o quarto. No entanto, a sua face voltou a ser uma perfeita máscara de mármore nos segundos seguintes.

- Potter. – Ouvia-a dizer, com a sua voz estranhamente dura. – A ouvir conversas alheias. Nunca te cansas de me espantar. – Ela disse e vi o seu sorriso frio, sem emoção nascer outra vez na sua face, muito diferente, do que ela tinha minutos atrás para o meu irmão.

- Black, sempre querida como eu me lembro. – Eu disse dando-lhe um sorriso que a fez fazer-me uma careta. – Olá Charles. – Disse, quando cheguei ao chão e me dirigi para os sofás.

- Harry. – Ouvi-o dizer e vi os olhos arregalados com medo de que eu tenha ouvido o final da conversa. Sinceramente, não me interessava que os meus pais biológicos estivessem a falar de mim nas minhas costas e nem queria saber o que eles achavam sobre eu os perdoar ou não. Uma vozinha no fundo da minha mente, contradizia este pensamento mas eu calei-a fixando-me no Charles.

- Então, a jogar xadrez. – Eu disse sentando-me no sofá e tentando distraí-lo desse pensamento. – Temos que jogar um dia destes. – Eu disse, brindando-o com um sorriso verdadeiro. – Quero ver se me ganhas.

Vi-o corar e negar com a cabeça. Por muita energia que aquele menino tivesse ele tinha sérios problemas de auto-estima.

- Não te preocupes, se não me ganhares é só porque ninguém me vence. – Eu disse piscando-lhe o olho e vi-o sorrir.

- Hum, quero ver-te a ganhar ao Char. Só se ele te deixar vencer! – Ouvi a Natalie dizer levantando-se. – Nem deves de conseguir pensar mais do que uma jogada à frente com esse cérebro minúsculo.

Eu assobiei para ela e vi o Charles olhar confuso para a nossa interacção.

- Natalie, querida, esse charme é extremamente contagioso. Um dia destes não me consigo controlar com tanta simpatia que demonstras. – Disse, dando-lhe um sorriso preguiçoso, vendo a face dela contorcer-se numa de desgosto.

- Não tenho culpa que não me consiga controlar ao olhar para essa cara que é tão bonita como a de um Troll. – Ela respondeu-me e eu ri-me fazendo-a paralisar.

- Bem, pelo menos é só cara que ouvi eles cheiram tremendamente mal.

Vi-a estreitar os olhos para mim e vendo a reacção do meu irmão, que parecia chocado, eu levantei-me.

- Já que parece que não vais jogar vê como  profissionais jogam. – Disse, empurrando-a para o lado, com o meu braço num gesto gentil para ela não me acusar de lhe bater e sentei-me no antigo lugar dela, vendo-a ficar em pé, ao lado da mesa, a olhar para nós.

- Por favor, Char, ganha-lhe para lhe dar um bocadinho de humildade.

Eu levantei uma sobrancelha, olhando para ela e não vendo a expressão surpresa do meu irmão.

- Acho que quem precisa aqui de humildade não sou eu. – Eu disse, voltando a olhar para o Charles, ignorando o cruzar dos braços dela. – Vamos lá Charles, mostra-me como és um campeão no xadrez. – Disse, piscando-lhe um olho.

No primeiro jogo, eu ganhei, para tristeza da Natalie que começou a dar um discurso ao Charles em como não estava a dar o seu melhor e para ele fazer isso por ela. Estranhamente, aquele discurso deve ter resultado porque no segundo, ele ganhou-me com uma técnica rápida de quem era experiente a jogar. Espantei-me ao ver um menino mais novo do que eu jogar assim e ignorei os comentários ofensivos da Natalie. Fizemos um terceiro jogo, onde eu estava mais atento e mesmo assim o Charles ganhou-me fazendo ficar-me a olhar para ele confuso.

- Com que então és o campeão. – Disse a Natalie, pondo cada mão nos ombros do Charles.

- Não tens mais nada que fazer? – Eu perguntei, recusando-me a responder ao insulto dela. A culpa não era minha, o Charles é que era demasiado bom! – Ir para casa ou alguma coisa do género?

Vi os olhos dela perderem o espírito brincalhão que demonstravam segundos atrás e voltarem a ficar duros.

- Infelizmente, estou presa aqui até que certas pessoas vão para casa.

- Se for por minha causa eu não preciso de ti aqui!

- Mas precisas do meu pai! – Ela disse e eu esperei que ela dissesse mais alguma coisa mas para meu espanto, ela rodou nos calcanhares e dirigiu-se à saída. – Até logo Char. – Ela disse simplesmente e saiu dali sem dizer mais nada.

Eu pisquei confuso e olhei para o Charles à espera de uma resposta. No entanto, ele parecia tanto ou mais confuso do que eu.

- Ela é sempre assim? – Perguntei, apontando para a saída, por onde ela tinha acabado de sair.

- Não. – Ele disse. – Nunca a tinha visto assim antes. – Ele disse pensativo.

Eu espreguicei-me e sorri, tentando aliviar a tensão do lugar.

- Então vamos a mais um que quero a desforra?

Ele sorriu e assentiu. Escusado será dizer que eu perdi….