O Lado Cinzento escrita por Karinchan


Capítulo 7
Nós somos humanos




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6. Nós somos humanos

“Não há nada que deprima mais o ser humano (mais depressa) do que a paixão do ressentimento. “

Friedrich Nietzsche

A Serena acabou por sair, um pouco depois, com os meus pais biológicos. Eu e a Rose ficamos na Enfermaria, sendo que eu fiquei entretido a ler enquanto a Madame Pomfrey ofereceu-se para apresentar Hogwarts à Rose. Assim, ela conseguia conhecer antes antes de ir para casa, o que aconteceria no dia seguinte.

Não posso dizer que não tive ciúmes porque tive, vendo-a ir conhecer Hogwarts, enquanto eu não podia, mesmo esse sendo o meu maior desejo. Porém, eu compreendia porque não me levavam.

Estranhamente, passado pouco tempo da saída delas, ouvi passos. Pensando que eram elas, não me dei ao trabalho de olhar para as pessoas que entraram na enfermaria, continuando a ler. Por isso, quando finalmente decidi olhar, ao ver que as pessoas que chegaram não falavam, vi, para meu completo espanto, 2 pessoas iguais, altas e ruivas e com um sorriso que parecia contagioso. Lembrando-me do aviso que era para me esconder, tentei enfiar-me debaixo de uma cama mas não fui a tempo.

— Olá! – Murmurou um, sorridente.

— É um prazer… - Começou o outro.

— Conhecer o fabuloso…

— O dado por morto…

— Herói do mundo mágico.

— Harry.

— Potter. – Completou o outro.

Eu fiquei estupidamente paralisado, a olhar para eles, com os joelhos no chão, a meio caminho de me esconder.

Eu tossi, tentando recuperar e levantei-me, já sem ideias de fugir, visto que eles sabiam a minha identidade.

— E quem são vocês?

Eles riram-se e cruzaram os braços de forma igual. Ambos eram iguais, ruivos, de olhos azuis, sardas pelo rosto, um nariz e uns lábios finos, umas sobrancelhas grossas e um sorriso gémeo. Eles tinham um ar tão descontraído que me faziam ter dificuldades em pensar que não os conhecia.

— Fred Weasley, meu Lord. – Disse um, fazendo uma vénia.

— E George Weasley. – Disse o outro, imitando-o.

Eu tentei ver diferenças entre eles mas, fisicamente, eles pareciam iguais e impossíveis de distinguir.

— Como é que vocês sabem quem eu sou?

— Quem não sabe? – Perguntou o George, inclinando a cabeça, parecendo pensativo.

— Fred, eu acho que ele queria dizer como é que sabemos que ele está vivo.

— Ah, tens razão, George. Mas não lhe podemos dizer, pois não? – Perguntou, olhando para o irmão como se a pedir confirmações, no entanto, pelo brilho no olhar deles, eu percebi que eles estavam muito provavelmente só a brincar.

— Não, é um segredo Fred! – Disse o outro meio histérico.

— Mas a existência dele também é. – Disse o outro e ficaram no final os dois a olhar para mim à espera de uma resposta minha.

O que era suposto eu dizer além de que achava que eles eram malucos?

— Ninguém pode saber que estou vivo se é isso que querem saber. – Eu disse, estreitando os olhos tentando ameaçá-los mas não sendo bem sucedido pela gargalhada que deram.

— E ninguém vai saber. Só nós. – Disse o George.

— Nós somos bons guardiões de segredos.

— E além do mais não nos importamos nada de saber coisas que as outras pessoas não sabem.

— E esta informação é extremamente secreta.

— Por isso, meu Lord, nós…

— Os seus fiéis seguidores…

— Vamos guardar o segredo.

Eu não me aguentei e ri-me pela estupidez daqui tudo. Eu ainda não tinha bem certeza se isto não era um sonho...

— Obrigada – eu disse entrando na brincadeira -mas porque é que continuam a chamar-me meu Lord? Eu não sou Lord.

Um riu-se, o Fred, e o George esclareceu:

— Quando nós sentimos a magia de alguém é porque ele é poderoso e tu derrotaste o maior bruxo das trevas com um ano. É claro que vais ser um Lord e vais querer conquistar o mundo e nós não vamos perder essa oportunidade. Vamos ser os seguidores mais leais e que estão sempre atrás de ti para não perdermos nada.

Eu ri-me ainda mais. Conquistar o mundo? Seguidores? Esta era realmente a ideia mais parva que tinha ouvido em muito tempo.

— Se eu vos disser um segredo, vocês não contam a ninguém? – Eu perguntei sentando-me, confiando, estranhamente, neles.

— Claro que não, meu Lord. – Disseram ao mesmo tempo, fazendo uma vénia.

— Eu nem sei fazer magia, por isso, não vou conquistar o mundo nem vou ser um grande mago. – Eu disse, rindo-me e vi-os arregalar os olhos, espantados.

— Não sabes?

— Não. – Disse com bom humor.

— Então nós ensinamos. Já viste a oportunidade George?

— Claro que sim, Fred.

— Vamos treinar o maior mago de sempre.

— O conquistador…

— O poderoso…

— Harry Potter! – Acabaram ao mesmo tempo, batendo uma mão contra a outra.

— Eu não vou ser conquistador nem poderoso. Por isso, desistam lá dessa ideia. – Eu disse e vi-os revirar os olhos para as minhas palavras como se fossem idiotice.

— Nós vamos fazer-te ver de forma diferente. – Disse o Fred com um sorriso de orelha a orelha.

— Ops, temos que ir. – Disse o George olhando para um papel. – Pomfrey, em 5 minutos.

— Foi um prazer. – Disse o Fred.

— O teu segredo está guardado connosco.

— Ninguém vai saber que o maior mago de sempre retornou ao mundo da magia.

— Até um dia, meu Lord. – Disseram ao mesmo tempo, fazendo mais uma vénia e saindo.

Ao vê-los sair eu não aguentei e ri-me pela estupidez daquela conversa toda. Eles eram pessoas estranhas mas eu tinha simpatizado com eles e, por norma, o meu sentido não se enganava. E como se eles tivessem adivinhado passado cerca de 5 minutos, a enfermeira chegou com a minha irmã. Achei estranho a viagem ser tão rápida, no entanto, disseram-me o motivo rapidamente quando esclareceram que haviam demasiados alunos nos corredores durante a tarde e era melhor fazer a visita à noite. Eu assenti e aprovei a tarde para estar com a Rose, a brincar e a falar coisas engraçadas que encontrava no livro que tinha estado a ler sobre o mundo mágico. Infelizmente, a tarde passou demasiado rápido e eu vi nas nossas expressões que nem eu nem ela nos esquecíamos que a partir do dia seguinte não íamos estar juntos. Senti o meu coração apertar-se com esse pensamento mas eu tinha de ser forte por ela e, por isso, forcei o meu sorriso e continuei a conversar com ela até não termos mais assuntos e ficarmos os dois a observar simplesmente a neve que caía pela janela. Não demorou muito para a Madame Pomfrey entregar o jantar e nós começarmos a comer, vendo a cara da Rose se começar a contorcer numa careta preocupada. Eu tentei descontrair o ambiente mas mesmo assim não estava a resultar e agradeci quando a Madame Pomfrey saiu para levar a Rose pelo resto da visita guiada por Hogwarts. Ela aceitou feliz e eu continuei a ler o livro, perplexo por como havia outro mundo paralelo cheio de magia e que ninguém desconfiava. Eles andavam com vassouras! Vassouras como nas histórias das bruxas e tinham até um desporto com elas.

Não me surpreendi quando ouvi passos outra vez, à espera de ver os gémeos, no entanto, surpreendi-me quando vi que eram os meus pais biológicos que abriram um sorriso ao ver-me. Ao lado deles, vinha o Remus Lupin que trazia um livro na mão.

— Olá Harry. – Ouvi-o dizer com a sua voz cansada.

— Como é que estás? – Perguntou a Lily, parecendo preocupada.

Eu suspirei e inclinei a cabeça, ligeiramente, num gesto claro de confusão.

— Bem porque haveria de estar mal? – Perguntei, guardando o livro que eles me tinham oferecido na pequena mesa e pousando-o lá.

— Porque a Rose vai-se embora amanhã . – Disse simplesmente o James, sentando-se na cama enquanto que a Lily só lhe mandou um olhar de repreensão por ser tão frontal.

—Eu já estava à espera… afinal foi por isso que eu fiz este acordo convosco. – Disse desviando o olhar para a janela ao ver o olhar de repreensão do Remus e a dor nos olhos da Lily.

— Harry, nós… - O James começou a querer dizer mas eu interrompi-o, olhando para ele e fazendo um gesto para parar.

Eu queria magoá-los mas eu sabia porque queria magoá-los e isso era uma das coisas mais irracionais que eu já tinha feito. Eu queria magoá-los porque estava preocupado com a Rose, em saber como iria ser a minha nova vida sem ela, se ela ficaria bem e queria tirar essa frustração toda, magoando-os. Eu não posso dizer que foi a coisa mais lógica que alguma vez senti mas era a verdade…

— Eu sei… eu sei. Não precisam de continuar com essa conversa toda. Eu só disse uma verdade.- Eu vi a Lily abrir a boca e decidi falar antes que ela começasse com a conversa de sempre, de como eu era o filho desejado, blablablabla. – A Rose foi conhecer Hogwarts com a enfermeira. – Ao ver a cara de confusos deles eu decidi esclarecer. – Estou já a dizer antes que perguntem.

— Harry, tu vais voltar a vê-la. – Ouvi o James dizer, olhando com pena para mim… Odiava aquele olhar, de como se eu fosse um ser inferior que merecesse a caridade das pessoas superiores e foi isso que me fez reagir.

— Quem me garante isso? E porque é que vocês estão tão preocupados?

Eu cerrei o maxilar ao sentir a magia pulsar ao meu lado e os presentes arregalarem os olhos. Toda a irritação, todo o stress de ter passado o dia a fingir, atingiu-me e a minha raiva acumulada estava a ver-se ali. Levantei-me e olhei para a Lily, vendo que ela era o membro mais frágil.

— Têm medo que eu fuja? – Eu perguntei dando um passo em direcção a ela. – Eu não vou fugir porque dei a minha palavra.— Olhei para o James ao ver que ela não respondia. – E neste momento só estamos nós aqui então porque é que vocês fingem que se importam? – Vi-o abrir a boca mas eu calei-o. – E não me venham com essa conversa que eu já estou farto!

Eu virei-lhes as costas ao ver a repreensão clara nos olhos do Remus. Olhei para a noite e não sei bem porquê, se por causa da neve que se conseguia ver a cair mesmo sendo noite, a minha magia estar por todo o lado, a tentar acalmar-me ou se simplesmente porque eu tinha uma consciência e sabia que estava a acusar inocentes, eu decidi tentar fazê-los ir embora antes que eu ficasse completamente irritado.

— Por favor, eu preciso de um tempo para mim. – Eu murmurei mais fracamente.

— Harry, nós podemos dar-te o espaço que quiseres. Mas não te isoles porque tu tens a tua família aqui.

Eu virei-me e vi a cara fina e delicada da Lily. Ela parecia uma flor, delicada e frágil mas algo no brilho daqueles olhos verdes dizia-me que ela tinha uma força e uma garra que ainda não me tinha mostrado.

— Eu sei! E é esse o problema! Desde que isto aconteceu vocês estão em todo o lado. De manhã, à tarde, à noite, até nos meus pesadelos! – Eu exaltei-me, olhando para ela. – Eu preciso de espaço! Eu preciso de pensar! E com vocês aqui, em cima de mim, a fazer-me pressão, não consigo. Só consigo pensar no que a minha vida seria se vocês me tivessem procurado. Porque é que vocês estão a ser assim, pegajosos, carentes, quando era muito mais fácil admitirem somente que vocês precisam de mim? Sabem que eu nunca tinha adivinhado que vocês eram assim? Que nunca tinha pensado que vocês estavam realmente vivos? Que eu estava sozinho e isso era suficiente? Agora eu tenho uma família. Uma família que não me larga e que não me compreende porque não me conhece.

— Nós…

— Não! – Eu disse para o James. – Vocês nada. Eu aceitei-vos pela Rose. Eu vou estar com vocês pela Rose. Nada por vocês, tudo por ela! Como é que não compreendem isso? Porque é que estão sempre aqui? – Eu fechei os olhos, mas ao sentir a pulsação nos meus ouvidos como se a minha cabeça fosse explodir, só me fez irritar ainda mais. – Porque é que vocês não compreendem que eu só quero ser o Harry Smith e não o Harry Potter?

— HARRY CHEGA!

Eu parei a minha divagação ao ver os punhos fechados e a face vermelha da Lily, de raiva.

— Chega de te fazeres um coitadinho! Chega de andares ai a dizer em como a tua vida foi complicada e como é que ela seria se não tivesse acontecido o que aconteceu. Achas que nós não nos culpamos? – Ela disse com tanta raiva e tanta mágoa que eu não consegui duvidar das suas palavras. – Achas que nós não sofremos todas as noites, ao ver o que tu sofreste porque nós acreditámos que estavas morto? Achas que eu não dava tudo para poder voltar atrás e ter o meu bebé comigo? Eu dava! E dava com muito gosto mas nada vai conseguir fazer o tempo voltar atrás. Nós errámos e sabemos perfeitamente disso mas acho que chegou a altura de parares de pôr as culpas em nós e olhares à tua volta. Olha para o teu pai. Olha para ele como pessoa e não como pessoa que odeias e diz-me o que vês. Diz-me! – Ela sibilou, forçando-me a olhar para o James que estava surpreso a olhar para a mulher.

Eu senti a minha irritação voltar, ao observá-lo e ver que ele estava simplesmente surpreendido a observar a mulher, não percebendo o que estava a acontecer. Eu estava pronto para responder à Lily, no entanto, quando voltei a olhar para os olhos verdes dela, vi algo que me fez voltar a olhar para o James. Não sei e nunca saberei o que foi que me fez voltar a olhar mas posso dizer que quando voltei a olhar, eu vi-o diferente. Ele ainda estava surpreso, com os seus olhos castanhos amêndoa presos na mulher, mas eu também vi as olheiras debaixo dos olhos que demonstravam o seu cansaço. Vi os ombros baixos, num gesto claro de derrota, vi os punhos fechados em raiva, vi uma dor enorme na sua face quando ele olhou para mim ao ver que ninguém falava e, principalmente, vi que apesar de ele ser o meu pai odiado, ele era humano. Um ser vivo que sentia, pensava, agia e, principalmente, também errava e sofria pelos seus erros, como estava a sofrer naquele exacto momento.

— Já consegues ver? Já consegues perceber que a vida tem mais do que um protagonista? – Ela disse, chegando ao pé de mim e para a minha surpresa agarrou-me a face, com os seus dedos finos e obrigou-me a olhar para ela. Devo ter demonstrado o meu choque porque ela deu um sorriso triste. – Eu não quero que tu nos perdoes, nem vou fazer um discurso como a Sra. Smith mas posso dizer-te isto. Nós sabemos que errámos e é por isso que não vamos desistir de ti como família. Nós errámos mas não vamos errar mais. Tu és um de nós para o bem e para o mal e, por isso, por muito que lutes, por muito que nos atires com coisas, nós vamos estar aqui, ao teu lado. Tu não estás mais sozinho. Não mais.

Qualquer vestígio de raiva que eu tinha evaporou-se ao sentir as palavras dela. Senti um peso enorme dentro de mim contrair-se e parecer esmagar o meu coração enquanto que uma lágrima rebelde caía pela minha face. Senti-a limpar a lágrima com a sua mão e eu fechei os olhos ao sentir o toque.

Eu não sabia o que era aquilo. Eu não sabia o que era ter uma família que não nos abandonasse e foi por isso que eu forcei-me a abrir os olhos, repetindo o mantra “ela está a mentir, ela está a mentir, ela está a mentir” para me manter concentrado e tentar convocar a minha raiva. Mas estava estupidamente demasiado cansado e sem forças para a voltar a ter e, por isso, só cerrei os olhos e murmurei:

— Eu não vos perdoei! Nem vou perdoar!

Ela sorriu e retirou a mão da minha cara.

— Eu não falei sobre perdoar, eu falei sobre compreender e aceitar. Tu aceitaste isto como se fosse um castigo, vires viver connosco mas tu devias de aceitar como uma oportunidade. Para ti e, principalmente, para nós. A triste verdade é que tu não sabes como nós somos, só tens preconceitos na tua cabeça, como nós não te conhecemos apesar de termos sempre imaginado como serias se estivesses vivo. Eu vejo-te como o meu Harry, o meu pequeno e irrequieto Harry mas tu estás grande, crescido e revoltado. Eu não sei tudo sobre o teu passado mas eu vou saber tudo sobre o teu eu agora. Podes bater, podes aleijar, podes fazer o que quiseres mas se há algo que eu estou decidida é a conhecer-te e ficas já a saber que eu não vou desistir. O tempo para viver no passado, está lá, no passado.

Estranhamente, ao ouvir o sermão dela, eu senti-me uma criança pequena devido ao tom dela. Além disso, eu tinha de admitir que havia sabedoria lá e tinha muitas dificuldades em duvidar dela, devido à força que ela colocou no seu discurso. Eu fiquei ali sem saber bem o que dizer até que o James falou:

— Lily, foste demasiado agressiva…

Eu vi-a olhar para ele e depois para mim, com uma velocidade tal que eu tive dúvidas se ela tinha mesmo olhado para o marido.

— Ele compreendeu a mensagem. – Ela disse simplesmente, olhando fixamente para mim e, para a minha surpresa, afastando-se de mim e indo em direcção à porta.

Eu senti um vazio quando a vi afastar-se de mim e o James levantar-se indeciso sobre o que fazer. Vi-o trocar um olhar com o Remus que só deu de ombros e ficou no lugar, fazendo-o tomar uma decisão por si. Ele foi ter com a mulher parando com ela, ao lado da mesma.

— Desculpa a Lily, ela está…. – Ele disse para mim.

— A Lily nada! – Disse a Lily e para meu espanto estreitou os olhos na minha direcção. – Ele precisava de ouvir a verdade. Tu viste o que aconteceu ao Sirius por ser tão suave com a Natalie! Eu não quero que aconteça o mesmo com ele. Ele precisa de ter consciência das outras pessoas, não só de si próprio e eu acho que ele percebeu, finalmente, isso.

Eu senti uma vontade de rir, vendo pela primeira vez, que ela estava a agir como uma mãe, dando um sermão ao filho e tentando fazer com que ele visse o lado dela das coisas, gritando e não desistindo.

— Eu não vou mudar. – Eu disse.

— E eu não vou desistir! – Ela respondeu, agarrando no braço do marido e saindo dali, deixando-o completamente confuso.

Estranhamente, algo naquela saída me fez repensar sobre ela e eu comecei a vê-la como Lily Potter, a minha mãe, em substituição da Lily, a mulher que me tinha abandonado.

Ouvi um riso e surpreendi-me ao ver o Remus tentar evitar uma gargalhada, fazendo uma careta para isso. Eu estreitei os olhos, tentando ser ameaçador mas isso só o fez rir, não se controlando.

— O temperamento da Lily não mudou nada. – Ele disse rindo.

Eu só levantei uma sobrancelha para ele e perguntei:

— Se é amigo deles não devia de ir atrás deles?

Ele riu-se ainda mais.

— Oh, não. Conhecendo a Lily que conheço quando chegar ao quarto e finalmente se acalmar vai ter tantos remorsos que vai fazer o James ter vontade de arrancar os cabelos. Eu não quero realmente estar lá quando ela explodir.

— E então fica aqui?

Ele riu-se ainda mais, sentando-se na cama onde o James estava sentado.

— Vou, aqui estou seguro. Ela apesar de querer voltar para aqui vai respeitar o pedido de privacidade porque apesar de não demonstrar, ela estava a ouvir-te. E percebeu quando pediste uma distância.

— E vai ser o meu conselheiro? É isso que veio fazer aqui?

— Eu sou o teu professor, lembraste? – Ele perguntou, abrindo um sorriso.

Eu sei que arregalei os meus olhos de espanto.

— Vai-me ensinar a praticar magia?

— Não, para isso precisas de uma varinha ou a de alguém emprestada. Primeiro, vais saber a teoria toda. – Ele disse. – Mas antes de continuarmos eu preciso de me certificar de umas coisas.

— O quê? – Eu perguntei, sentando-me na minha cadeira.

— Eu não sei como vais reagir quando estiveres completamente calmo mas não reajas demasiado mal ao que a Lily te disse. Ela tem este temperamento que arde à coisa mais pequenina mas ela só agiu assim porque te ama. Se não te amasse acredita que ela não faria isso.

— Eu não quero saber.

— Ah, isso é que queres saber. – Ele disse com uma convicção tal que eu senti as minhas bochechas corarem e tive que desviar o olhar.

— Eu não quero.

— Afinal acho que não preciso de justificar o comportamento da Lily, tu és igual.

Eu senti algo revirar-se dentro de mim, ao ouvi-lo dizer que eu era igual à minha mãe mas mesmo assim preferi ignorar esse sentimento.

— Quando quiser parar de ser o conselheiro sentimental pode começar a dar a aula. – Eu disse, pegando no livro que tinha depositado anteriormente na mesa, preparado para voltar a lê-lo caso ele continuasse com aquela conversa.

Ele riu-se e levantou as mãos num gesto de derrota.

— Certo, certo. Estou a ver que estás bem adiantado no livro. Isso é muito bom.

Eu, inconscientemente, sorri ao pensar no que tinha aprendido com aquele livro.

— O livro é bastante interessante e além do mais é pequeno.

— Isso é bom. – Ele repetiu. – Porque eu tenho aqui este livro que queria que começasses a ler. – Disse entregando-me um livro que parecia novo, tinhas muitas páginas e dizia “Teoria da magia” de Adalberto Waffling.- É o livro do primeiro ano de feitiços e eu queria que começasses a ler para perceberes o básico. Se te queremos pôr ao nível do quarto ano temos que trabalhar bastante rápido. Com sorte no Natal estás em casa e podemos começar as aulas práticas, mesmo que seja com uma varinha emprestada, caso ainda não tenhas total controlo da tua magia.

Eu pensei na magia, que parecia mais uma amiga que um objecto, vindo sempre ao meu socorro e parecendo extremamente interessada em ajudar-me.

— Eu preciso de controlar a magia? Ela parece ter vontade própria…

Ele arregalou os olhos e ficou uns segundos em silêncio tentando organizar os seus pensamentos.

— Podes… hum, mostrar a tua magia? – Ele perguntou parecendo confuso com a sua escolha de palavras.

Eu fechei os olhos e concentrei-me, tentando chamar a minha magia. Para o meu contentamento ela veio, percorrendo-me e quando abri os olhos, vi-a à minha volta, tendo constantemente uma bola branca que percorria o meu corpo como se estivesse a correr. Olhei para o Remus e ele estava perplexo a olhar para a bola.

— Estás a controlá-la?

— Não. Eu só a chamei.

Ele ficou mais uns segundos em silêncio e foi ter ao armário e tirou de lá um frasco fechado com uma poção com a cor roxa.

— Tenta levitar este frasco.

Eu olhei confuso para ele.

— Como?

— Tenta concentrar-te no frasco. Melhor, fecha os olhos – eu fechei, acreditando-me nele –e tenta visualizar este frasco. – Eu tentei, usando todas as minhas forças para isso. – Imagina a tua magia a chegar ao pé do frasco, a rodeá-lo completamente – eu tentei imaginar a minha magia, branca, a rodear o frasco e senti algo mexer-se dentro de mim – e agora imagina a tua magia a levantá-lo e levitá-lo até à tua mão que tu vais abrir agora. – Eu abri a mão e imaginei a minha magia levantar calmamente o frasco e trazê-lo até à minha mão, de forma lenta e segura. Quase saltei, quando senti um peso na minha mão e espantei-me quando vi o frasco parado lá. Eu arregalei os olhos e olhei para o Remus.

— O que aconteceu?

Ele sorriu com alegria.

— Fizeste magia.

Eu sorri também e quando levantei o frasco até ao nível dos meus olhos, senti algo mudar dentro de mim. O meu peito parecia muito pesado e estava tão cansado que só consegui agarrar-me à mesa que estava ao meu lado.

— O que foi isto?

— O cansaço normal de usar magia sem varinha. – Ele sentou-se mais uma vez na cama e começou a explicar. – Nós usamos varinhas para canalizar a magia. O principal motivo é porque a maioria dos magos não consegue controlar, nem consegue ter magia suficiente para fazer esse tipo de magias mas existem exceções. Quando somos crianças, ao sentir grandes emoções, conseguimos fazer acontecer o que queremos através do desejo que foi o que aconteceu aqui. Isto acontece porque o nosso coro mágico, nessa altura, ainda se está a formar e tem muita magia solta, sem estar presa. No entanto, tu apesar de ainda teres essa magia solta só conseguiste realizar este feitiço pelo motivo que alguns magos adultos conseguem… tu tens muita magia e ainda tens o benefício de ela não estar completamente presa e, sinceramente, não me parece que vai ficar. Ela tem demasiado liberdade e o facto de a teres preso por tanto tempo acho que vai ter como consequência teres essa magia solta que não vais conseguir controlar totalmente. – Eu arregalei os olhos assustado com a perspectiva de ter magia solta que poderia realizar algum desejo que eu só pensasse mas não quisesse. – Não precisas de te preocupar. Ela faz parte de ti e como tal muito dificilmente irá fazer alguma coisa que não desejes com todo o teu coração.

— E… e se eu desejar mas souber que é errado?

— Não tenho certezas, afinal és um caso único mas posso dizer-te que não precisas de te preocupar. A tua magia não é agressiva, até a cor dela mostra que ela não pretende fazer mal, só quer liberdade por ter estado presa tanto tempo.

Eu sentei-me erecto na cadeira tentando pensar no que dizer.

— Então eu vou conseguir fazer sempre estes feitiços?

— Sim mas vão-te esgotar. O outro motivo pelo qual os magos que conseguem fazer esse tipo de magia evitam fazê-lo é porque é desperdiçada muita magia. Ao realizares magia, sem canalizares, estás a mandar sem grande precisão e, consequentemente, só uma pequena parte é que é útil. Quando canalizas, ela vai directamente para o teu objectivo até porque a encantação assegura-se disso.

Eu olhei para a minha mão e vi a bola branca brincar com o meu corpo, subindo e descendo pelo meu braço a uma velocidade tão grande que parecia que o meu braço brilhava.

— Então eu vou estar sempre assim? Com esta magia incontrolável?

— Não. – Espantei-me quando vi que quem respondeu não foi o Lupin mas sim o Dumbledore que tinha entrado e estava a caminhar na nossa direcção. – O teu coro mágico está quase no seu tamanho normal. Ele ainda vai crescer mas vai ser a um ritmo normal conforme fores aprendendo mais sobre a magia e te desenvolveres. No entanto, a tua magia vai ser diferente. – Ele disse trocando um olhar com o Remus e só depois é que voltou a falar. – Tu agora és um mago muito poderoso, tão poderoso, que sentimos a tua magia como já te dissemos. No futuro, o Remus vai ensinar-te a esconderes a magia para conseguires ter uma vida normal em Hogwarts mas, por agora, isso ainda não é possível porque tu estás a recolher magia dos lugares à tua volta. Esse é o principal motivo para te mantermos aqui e não em casa visto que já estás completamente curado das tuas feridas físicas.

— Recolher magia? – Eu perguntei, ficando confuso. Será que eu estava a roubar magia das pessoas? Além de não conseguir controlar a minha magia ainda estava a roubar?

— Sim e não. Não, não estás a roubar a minha magia normal e a fazeres-me ficar mais fraco que sei que é isso que estás a pensar agora mas, sim, estás a tirar magia à tua volta para ti. Só que essa magia é a magia latente que é desperdiçada. Por exemplo, estás a tirar magia do castelo mas não estás a roubar magia a mim ou ao Lupin, pondo-nos mais fracos e menos poderosos.

— Ao castelo? Ele não é um objecto?

O Dumbledore riu-se e trocou mais um olhar com o Remus.

— Quando vieres estudar para aqui vais perceber que não é só um castelo e tem magia própria.

— Então, eu estou a enfraquecer o castelo?

— Não. O castelo tem a sua própria forma de gerar magia sendo um objecto e não sendo um objecto. É complicado mas digamos que não estás a pôr as defesas do castelo em perigo, tirando uma pequena parcela para ti porque ele vai recuperar essa magia. No entanto, isto poderia não acontecer numa casa normal, que é o motivo para não te pormos em casa até a tua magia estar calma visto que podes, inconscientemente, diminuir as defesas que colocamos lá.

— Eu sou um perigo, não sou? Eu não posso bloquear a magia?

Como se protestasse senti mais magia sair de mim e me rodear, percorrendo agora o meu corpo todo.

— Acho que consegues ver que essa não é a solução. –O Dumbledore disse, rindo-se e observando a magia que eu estava a soltar. – O teu coro vai acalmar-se e a partir daí vais ser como qualquer mago. Se calhar com uma magia mais forte afinal estás com magia de Hogwarts e com mais tendência a fazeres magia sem varinha sem te cansares tanto, mas de resto normal. Sem colocares em perigo a tua casa ou as pessoas à tua volta. Podes estar descansado.

— Eu não estou mesmo a prejudicar as defesas do castelo? – Eu perguntei tendo o pressentimento de que ele estava só a dizer uma parte da verdade.

— Vou-te ser sincero. Se houvesse a mínima dúvida de que pudesses estar a prejudicar, eu não te dizia nada sobre isto.

— Vocês estão a esconder-me alguma coisa, não estão?

— Nada com intenção.

— Isso é a desculpa mais parva de sempre. – Eu disse, voltando a estar irritado.

— Mas é a verdade pura. – Ele disse calmamente. – Se te estou a esconder alguma coisa? É o mais provável mas é sem intenção. Ainda és novo no mundo mágico, por isso, é normal eu esquecer-me que não sabes de alguma coisa e não te informar disso.

— O Senhor sabe do que estou a falar…

Ele sorriu e os seus olhos azuis pareceram brilhar ainda mais, fazendo-me concluir que ele devia de usar magia para ter uns olhos tão brilhantes.

— Sei mas acredita-te na minha palavra. Tudo o que te disse hoje são especulações mas que acredito que sejam a pura verdade.

— Mas podem estar erradas, não podem?

— Quem julga que sabe toda a verdade é um tolo. – Ele disse simplesmente e eu suspirei, sentido o cansaço de ter usado magia e o cansaço daquela conversa e, por isso, desisti.

— Certo. Então quando acha que posso sair daqui?

— Daqui a uns dias podes ir para os quartos que foram preparados. Eu não queria usar magia em ti para te disfarçar mas se for necessário posso arriscar, para conheceres Hogwarts, que sei o quão secante é estar fechado aqui. Até lá, acredito que as visitas diárias que vais ter podem socorrer-te no teu tédio.

Eu assenti, distraidamente, pensando no que faria quando pudesse sair dali.

— Eu acredito que foi feita magia aqui pelo Harry, estou certo? – O Dumbledore perguntou para o Remus que assentiu, fazendo-o sorrir.

— Hogwarts sentiu a magia e avisou-me. – Ele disse estranhamente orgulhoso.- Bem, eu vou retirar-me. Foi um prazer ver-te Harry e caso seja necessário alguma coisa manda chamarem-me. Até logo, Remus. – Ele disse e saiu dali, no seu passo calmo.

— Eu também vou sair. – O Remus disse levantando-se. – O objectivo era só entregar-te esse livro mas acabei por exceder-me. – Ele disse sorrindo. – Até amanhã, Harry e não te preocupes.

— Até amanhã. – Disse, distraidamente, pensando no que tinha aprendido naquela noite. Eu era um mago com muita magia que ainda não estava controlada. Ou seja, eu era poderoso como tinha desejado e perigoso como não queria. Suspirei e fui para a cama demasiado cansado para pensar mais e adormeci facilmente esquecendo-me completamente que aquela iria ser a última noite da Rose ali.


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Notas finais do capítulo

N.A. Aqui está mais um capítulo. Eu vou só aproveitar esta nota para explicar o que é o coro mágico.

Na minha visão de um bruxo, a principal diferença entre ele e os Muggles é que eles têm algo na sua alma, onde guardam a magia que é usada. Este coro (como lhe chamei) é invocado pela vontade do utilizador e restaura-se com o tempo. Ele é único e varia de pessoa para pessoa, fazendo com que alguns possam usar mais magia do que outros. Até a idade de 17 anos, ele vai estar em crescimento mas é como o nosso crescimento de altura, é normal e as pessoas não reparam que estão a ficar mais poderosas. Consegue-se treinar também para se ficar com um coro maior do que normalmente se ficaria. Depois dos 17 anos é difícil ele continuar a crescer mas não é impossível. Situações excepcionais, como rituais, podem fazê-lo mudar a quantidade de magia que armazena. No caso do Harry, como ele tinha bloqueado a magia, ele tinha o seu coro todo guardado num ponto minúsculo e, por isso, não conseguia produzir magia. Ele era um Muggle completo. Contudo, com as emoções fortes que ele sofreu naquele dia, o seu corpo reagiu instintivamente e o seu coro expandiu-se, soltando a sua magia que estava presa, naquele ponto. Depois desse momento até o deste capítulo, o seu coro, ou seja, a sua magia esteve a expandir-se até atingir níveis normais. É devido a ele não ter toda a sua magia presa no coro, ainda tendo muita magia que se está a formar, que as pessoas desde o primeiro dia que sentem a magia dele. Eu não sei se me estou a explicar muito bem mas se tiverem dúvidas, avisem



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