O Lado Cinzento escrita por Karinchan


Capítulo 3
Magia




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2. Magia

“Não há fatos eternos, como não há verdades absolutas.”

Friedrich Nietzsche

Acordei com uma dor de cabeça que me fez continuar de olhos fechados mesmo tendo despertado. Não podia dizer que já não estava habituado, afinal ter dor de cabeça era recorrente devido ao Louis mas esta dor era estranha… doía exactamente onde tinha a minha cicatriz com a forma de um raio na testa e tive a estranha vontade de lhe mexer mas algo me impediu.

Não foi uma força física mas um instinto.

Ter vivido uns bons anos numa casa onde a mínima actividade levava-me a ser espancado, fez-me ser uma pessoa cautelosa e, por isso, quando ouvi um suspiro ao meu lado, eu tive uma vontade imensa de me encolher todo. Se estavam no meu quarto, das duas uma, ou eu iria levar já um sermão ou então eu tinha ficado mesmo mal e eles estavam para confirmar que eu não tinha nenhum ferimento visível. De qualquer das formas isto queria dizer que eu tinha feito alguma coisa de mal e eu, realmente, não me lembrava.

Tentei pensar com mais força no dia anterior mas a pressão na minha testa impedia-me de pensar.

Quando senti uma mão sobre a minha, que estava pousada ao lado do meu corpo, senti todos os meus alertas virem ao de cima e ter uma vontade de me afastar com força dessa pessoa. A mão era suave e parecia fazer uma ligeira caricia, como se me tentasse dar força. Porque é que alguém me faria isto? Mãos suaves e pequenas só poderia ser a mãe da Rose… agora, sabendo a quem elas pertenciam só faltava descobrir o motivo.

Porque é que eu não me conseguia lembrar?

Raios, era mais fácil ser corajoso e abrir os olhos mas o meu corpo dolorido não me fazia ter muita vontade de mostrar que estava acordado para voltar a sofrer.

Ouvi passos e senti o meu corpo arrepiar-se ao pensar que era o Louis… se fosse ele, então é que eu seria espancado, até como bom-dia.

Suspirei e abri os olhos, espantando-me quando vi um tecto branco.

O tecto do meu quarto era ligeiramente amarelado.

Inclinei a cabeça, enquanto subi o meu torço um pouco na cama e vi com espanto um idoso, com uma barba gigante, a cara enrugada e uns brilhantes olhos azuis, que conjuntamente com o seu sorriso, o faziam parecer completamente inofensivo. No entanto, o seu fato colorido estranho, que incluía um chapéu pontiagudo fizeram-me duvidar da senilidade do senhor. Ou então da minha, por estar a ver uma pessoa tão estranha…

Ouvi um pequeno “Ah” de espanto e olhei assustado para o lado para a pessoa que estava a segurar a minha mão. Era uma pessoa que apesar de me parecer ligeiramente familiar, nunca a tinha visto antes. Ela era bonita, com um cabelo ruivo ondulado, uma cara fina, uns lábios finos e um nariz pequeno e delgado. Apesar da sua face ser muito bonita para uma mulher que aparentava ter mais de 30 anos, o que me prendeu foi claramente os seus olhos verdes vivos, que só tinha visto em mim, até aquele momento.

Ela abriu um sorriso fraco quando me viu, no entanto, as lágrimas soltas que caíam nos seus olhos mostravam que ela estava a sofrer. Ela soltou a minha mão para limpar as lágrimas e eu vi-me a suspirar, não conseguindo desviar-me daquele olhar que parecia tão doloroso mas tão feliz ao mesmo tempo, que simplesmente me fascinava.

Dei por mim a puxar o resto do meu corpo para cima para me sentar na cama e só despertei do meu estado, quando senti todas as dores outra vez. Pelos vistos desta vez tinha aleijado a minha perna, que parecia estranhamente sensível, alguma costela, se a impressão a respirar queria dizer alguma coisa e o meu braço que quis fraquejar, quando usei a minha força para levantar o meu torço e sentar-me. Contudo, o mais forte de tudo ainda era a minha cabeça. Desta vez não me controlei e mexi na cicatriz com a minha mão do meu braço direito, que era o braço bom que a senhora esteva a agarrar, segundos antes.

A cicatriz nunca me tinha doído antes, durante toda a minha vida, então porque é que ela parecia inflamada e me causava aquela dor de cabeça que me fazia querer voltar para dentro da cama e me esconder? No entanto, não podia fazer isso. Algo estranho tinha acontecido para estar ali, no que parecia uma sala de um hospital, se tivesse que arriscar, com pessoas estranhas. Será que eles tinham abusado tanto que eu tinha ido parar aquele sítio estranho para me curarem?

— Estás a sentir-te bem? – Perguntou o idoso, fazendo-me despertar da análise que estava a fazer ao local para ver se sabia que lugar era aquele. Parecia uma sala de hospital, com macas (estava deitado numa), alguns aparelhos estranhos e umas cortinas que dividiam a maca. Num armário estavam uns frascos com cores estranhas que me fez duvidar a minha análise. Mas mesmo assim, uma sala de hospital era a minha melhor aposta.

— E-estou. – Murmurei fracamente e odiei-me por estar a mostrar fraqueza à frente daquelas pessoas que eu nem sabia quem eram. Mas como resposta à preocupação do senhor, retirei a mão da cicatriz.

A mulher fez um barulho estranho outra vez e eu vi-me mais uma vez preso naqueles olhos. Ela agora claramente chorava e tentava abafar o som, com as mãos na boca. Olhei mais uma vez para o idoso à espera de uma explicação.

— Eu não me apresentei pois não, Mr. Potter? – Ele perguntou com uma gargalhada e eu senti a minha cara contrair-se numa careta. Potter? Quem quer que seja que ele estava a pensar que estava a falar, não era claramente a minha pessoa. Eu tentei abrir a boca mas ele continuou a falar, parecendo não perceber a minha confusão. – Eu sou Albus Dumbledore, director da escola de Magia e Feitiçaria de Hogwarts.

A minha única reacção foi piscar os olhos.

Uma.

Duas.

Três vezes.

Ninguém fez barulho, nem aquela estranha mulher com os seus soluços.

Magia? Feitiçaria?

Ok, aquele homem era claramente maluco e se a crise de choro da mulher queria dizer alguma coisa, ela também era. Ou então estava a sonhar… sim, essa era uma boa hipótese. Belisquei-me e senti-me desiludido quando não aconteceu nada.

— Eu não me chamo Potter, deve de estar a fazer confusão com alguém. – Eu murmurei, tentando criar teorias para o que estava a acontecer. – Mas tenho que admitir que estou confuso sobre o porquê de estar aqui. – Olhei pelo canto do olho para a mulher e vi que ela estava completamente absorvida na minha imagem. Não duvido que durante todo aquele tempo, ela não tenha olhado sequer para o senhor que se autodenominava Dumbledore. Era como se nunca me tivesse visto antes e eu fosse a coisa mais fascinante do mundo.

O Dumbledore perdeu toda a sua felicidade aparente e ficou com uma cara séria, como se odiasse o que estava para dizer.

— Mr. Smith, então, se não estou em erro?

Eu assenti com a cabeça e a mulher agarrou mais uma vez a minha mão fazendo-me olhar para ela. Ela tinha parado de chorar, mas ainda continuava com lágrimas na face e toda a sua cara estava destorcida numa careta de dor.

— Harry, desculpa. – Ela murmurou tão baixo que mais pareceu um suspiro.

Harry? Potter me chamou o outro senhor no início? Porque é que isto me parecia familiar. A face dela e até a face do Dumbledore, se me concentrasse com força o suficiente.

Harry Potter.

Albus Dumbledore.

Magia. De repente uma imagem da minha cozinha a arder veio-me à cabeça e eu olhei assustado para a mulher.

Ela agarrou com mais força ainda a minha mão e isso fez-me ter estranhamente outro flash, de o Louis a gritar, a minha irmã a pôr-se no meio…

Não!

Ela a levar com o prato na cabeça.

NÃO!

Ela a cair no chão, numa poça de sangue e o fogo por todo o lado.

NÃO! A MINHA IRMÃ!

Olhei para ela outra vez e afastei-me, dizendo a única coisa que me vinha à cabeça:

— A Rose… por favor, digam-me que a Rose está bem! – Eu olhei freneticamente à minha volta, à espera que ela saltasse de algum lado mas não via nada. Parei pra olhar para os dois e a mulher abriu a boca para falar mas um frasco de dentro do armário explodiu, com um som tão alto que me impediu de ouvir.

Eu senti todo o meu corpo tremer ao pensar que eles não estavam a responder porque ela não estava bem e de repente até as janelas que estavam naquela sala explodiram… a minha irmã… onde é que estava a minha irmã… por favor, que não lhe tivesse acontecido nada.

Ouvi uma troca de palavras entre os dois mas não consegui perceber com tanta coisa a explodir. Só ouvi as palavras “poção…tanta magia… impossível… desculpa” e a última coisa que me lembro é de ver uma luz vermelha e sentir a escuridão se abater contra mim outra vez.

— Por favor… - ainda consegui murmurar. – Rose

***

Quando voltei a acordar, estava demasiado cansado para levantar sequer a cabeça, no entanto, a minha mente estava ativa. O lado bom desta situação era que eu não sentia as dores que sabia que devia de sentir se as minhas lembranças do outro despertar queriam dizer alguma coisa. O lado mau era que eu me lembrava de tudo, incluído do porquê da minha aflição. O que tinha acontecido à Rose? Foi com esse pensamento que abri os olhos e nem me espantei ao ver que tinha outra pessoa desconhecida a olhar para mim. Era uma pessoa com mais idade que a mulher que esteve antes, tendo já alguns cabelos brancos entre os seus cabelos castanhos e possuía algumas rugas, que se notaram quando ela sorriu para mim, maternal. No entanto, os seus olhos castanhos ficaram fixos em alguma coisa ao meu lado enquanto ela murmurava alguma coisa.

Eu suspirei, por ter outra pessoa estranha, mas mesmo assim fui directo ao assunto:

— A-a Rose?- Eu perguntei, sentido a minha garganta seca. Ela pareceu ler os meus pensamentos porque pousou o pau que tinha na mão e deu-me um copo de água aos lábios, fazendo-me beber uns golos antes de me responder.

— Ela está bem, não te preocupes. – Ela murmurou, continuando a sorrir. Ela pisquei confuso, tentando absorver a notícia mas aquele ar maternal dela estava a desconcentrar-me.

Eu tossi e tentei levantar-me mas não tinha força nos braços e ela pôs rapidamente a mão nos meus ombros enquanto me voltava a puxar para baixo.

— Querido, não te podes levantar. Estavas demasiado ferido quando vieste para aqui e as tuas últimas demonstrações de… - ela tossiu, parando de falar como se tivesse dito de mais. – Eu tive que te medicar por isso não vais conseguir levantar-te. Amanhã ou depois de amanhã já vais ficar normal. – Ela sorriu para mim mais uma vez e eu espantei-me ao reparar que ela parecia estar quase a chorar.

— A Rose está mesmo bem? Posso vê-la?

— Sim, está. – Ela assegurou-me. – Agora está a dormir, já é de noite como podes ver. – Disse apontando para as janelas onde se via que já estava realmente de noite. – Amanhã já vais poder falar com ela. Ela só tinha um ferimento na cabeça.

Eu senti-me estreitar os olhos não gostando da descrição dela. Só um ferimento da cabeça? A última coisa que me lembrava era ela a deitar sangue por tudo o que era lado!

— Ela estava muito ferida!

A enfermeira riu, para meu espanto. Porque raios estava a gozar com os pacientes assim?

— Se dizes que estava ferida foi porque não te viste. Ferimentos em todo o corpo, como é que fizeste isso rapaz?

Eu pisquei os olhos outra vez e quis não responder mas o ar sério que ela ganhou na conversa fez-me perceber que tinha que o fazer. Eu não iria dizer a verdade, isso eu sabia, se aquele fato de enfermeira queria dizer alguma coisa era de que caso dissesse a verdade eu era tirado dos meus pais adotivos e isso eu não deixaria acontecer. A Rose precisava de mim.

— Um conjunto de situações improváveis. – Murmurei simplesmente e fiquei espantado quando ela não disse mais nada sobre o assunto.

Houve um momento de silêncio onde ela tirou outra vez aquele estranho pau e começou a abaná-lo enquanto murmurava coisas. Será que eu estava num hospital de malucos?

— O que está a fazer? – Perguntei, passado um minuto, não aguentando a curiosidade.

— A ver como é que estás, claro! – Ela exclamou, como se tivesse dito alguma pergunta muito idiota e parou de repente, olhando-me como se nunca me tivesse visto antes. – Desculpa, sou a Pomfrey, a enfermeira da escola.

Escola? Isto não era um hospital? E porque estava numa escola?

— Onde é que estou mesmo? – Eu perguntei.

— Pensei que aquele idiota do Albus tivesse explicado. – Ela murmurou para si, olhando para mim outra vez com um sorriso, desta vez forçado. – Esta é a escola de Magia e Feitiçaria de Hogwarts e tanto tu como a tua irmã foram trazidos aqui devido aos vossos ferimentos. Não precisas de te preocupar com a casa, que o fogo foi apagado e ninguém se feriu. – Ela parecia querer dizer mais alguma coisa mas calou-se e ficou só a observar-me.

Ok, escola de magia e feitiçaria? Já o outro tal Albus tinha dito mas esta senhora também? E os ferimentos da minha irmã e meus? Onde é que estavam os pais da Rose?

— O que aconteceu? – O que eu realmente queria perguntar era o que vocês achavam que aconteceu mas tive que me contentar com esta pergunta.

— Alguém fez muita magia na tua casa e o ministério recebeu um aviso, mandando os seus aurores para lá, para averiguarem o que estava a acontecer.

Eu tossi mais uma vez, mais para ter tempo de organizar os meus pensamentos do que qualquer coisa.

— Ok, eu preciso de esclarecer uns pontos. – Eu tentei perguntar o mais calmamente possível, afinal se eles fossem malucos convinha ser cauteloso. - O que são aurores? E como o ministério recebeu um aviso de magia? E que raio de brincadeira é esta toda sobre magia?

Ela abriu a boca mais uma vez e parou ficando silenciosa.

— Eu vou chamar alguém para responder a todas as perguntas, pode ser?

— Porque é que não pode ser a senhora?

— Porque eu não sei o que tu sabes ou não. Aqui só há uma pessoa completamente informada e ela não fez claramente o que lhe era pedido, que era informar-te. Volto já.

E saiu deixando-me sozinho naquela divisão. Suspirei e olhei para o tecto tentando processar a informação. Eu tinha a má mania de não perguntar as dúvidas que tinha mas agora já eram demasiadas para me calar. Então, estava numa escola de magia? Isso era a piada do ano! E o que eram aqueles nomes estranhos?

Ouvi a porta bater mais uma vez e ela trazia consigo o senhor da outra vez, o tal Dumbledore que sorriu para mim mal me viu acordada.

— Estamos bem dispostos, Mr. Po-Smith? – Eu estreitei os olhos ao ver que ele estava quase a chamar-me de Potter outra vez.

— Tanto quanto uma pessoa que não faz a mínima ideia do que está a acontecer pode estar.

Ele sorriu e, estranhamente tirou uns rebuçados do bolso.

— Rebuçados de limão? – Perguntou fazendo-me franzir a testa e negar com a cabeça quando vi que ele ainda esperava uma resposta. – Certo, então primeiro de tudo eu preciso de me desculpar pelo meu comportamento anterior. – Ele disse pondo um rebuçado na boca. - Eu pensava que tinhas algum conhecimento sobre o nosso mundo e agora já sei que não. Por isso, vamos de ter uma longa conversa onde eu vou explicar tudo. – Disse, puxando uma cadeira e sentando-se.

E tivemos realmente uma grande e longa conversa.

***

Pelos vistos havia um mundo paralelo ao meu mundo. Um mundo onde as pessoas usavam varinhas, chapéus pontiagudos e podiam fazer tudo com uma varinha. Para me convencer, o Director fez aparecer um esguicho de água e eliminou-o antes de chegar a mim. Se isto não fosse o suficiente para eu me acreditar, ele ainda transformou a cadeira que estava ao lado da minha cama numa poltrona, confortável, que foi onde ele se sentou depois de exemplificar isto tudo.

Quando o vi sentar-se lá, mais perto de mim do que qualquer coisa eu soube que vinha má noticia. O brilho no olhar que ele tinha desde que o conhecia, de repente desapareceu, e ele pareceu instantaneamente mais velho e mais cansado. Como se o fardo que tivesse que carregar era demasiado pesado para a sua pouca energia e eu percebi o motivo quando ele disse o assunto: eu.

Segundo ele, eu tinha família. Um pai, uma mãe e inclusive um irmão! Uma família que me adorava mas que me tinha perdido quando um tal bruxo das trevas, tinha atacado a minha casa, tinha morto a pessoa que estava a tomar conta de mim e me tinha atacado. Esse tal bruxo das trevas foi dado como morto porque a divisão onde estava explodiu e não sobrou quase nada dela. A partir desse dia todos pensaram que o Harry Potter e o Voldemort tinham morrido.

Tudo o que ele disse, fora a parte fantasiosa do mundo da magia, era o que qualquer órfão quereria ouvir. Os pais que amavam o filho perdido e que tinham pensado que ele estava morto devido a uma tragédia mas que agora, que sabiam que ele estava vivo, davam tudo para o ter de volta. Para o abraçar, beijar e acarinhar como um verdadeiro membro da família. Quantas vezes eu não tinha ouvido este discurso, no orfanato? Vezes e vezes sem conta. No entanto, conforme cresciam as pessoas perdiam esta história, tornando-se mais realistas e sabendo que era só uma história. Na verdade, os pais abandonavam as crianças, maltratavam-nas e não queriam saber delas. Havia pais que se preocupavam mas esses já tinham os seus filhos. Eu tinha visto na escola pais que iam buscar os filhos, lhe davam tudo o que podiam e não podiam e os filhos reagiam como se aquilo fosse perfeitamente normal.

Como é que não conseguiam perceber a sorte que tinham?

Eles faziam ideia do quanto eu tinha dado, para no primeiro dia da escola ter tido um pai ou uma mãe que me abraçasse, desejasse um bom dia e ficasse a olhar para mim, com uma lágrima no canto do olho enquanto eu entrava na escola? Ou uma mãe que me acordasse com um beijo na testa e me desse os parabéns quando tivesse uma boa nota ou fizesse anos? Parasse de ser só mais um e passasse a ser UM? Parasse de ser uma criança do sistema para ser a sua criança? Eles não faziam ideia porque para eles aquilo era o seu dia-a-dia. Tinham amor, atenção e estavam tão habituados que não conseguiam notar o quão bom era ter isso. Mas eu notava! Eu e todas as outras crianças que entrassem comigo. Eramos capazes de ficar quietos a observar um pai deixar o filho, só porque aquilo era um acto tão simples, tão querido, tão delicado que era fascinante. A forma como olhava para ele, sorria corajosamente e se despedia, com um sorriso mais fraco, como se lhe custasse deixar o filho ali. Lembro-me perfeitamente que na primeira noite da escola, eu sonhei que era aquela criança, a ser deixada por um pai que era uma cópia quase exacta do que sou hoje, que sorria e me abraçava, desejando-me boa sorte. Acho que essa foi uma das poucas vezes que chorei à noite. Eu queria tanto…tanto, tanto ter um pai! Poder ter alguém que me fizesse aquilo! Eu não pedia muito, só que me dessem um pouco de atenção. Mas ela não veio, como não veio para as outras crianças. Nós tínhamos sido abandonados essa era a verdade. Ou então, na visão mais bonita, os pais tinham morrido e eles não tinham familiares. Ninguém gostava de nós porque nós eramos as crianças que estavam fora do sistema. Os filhos de ninguém, os queridos de ninguém.

Foi claramente, nesse ano que eu mudei a minha personalidade e essa foi a minha salvação até aquele momento. Afinal, se eu tivesse ainda esperanças de ser completamente amado quando tivesse sido adoptado tinha sido destruído emocionalmente, ao sentir os maus-tratos. Assim, só aceitei porque eu continuava a ser um fora-do-sistema que não tinha pais, só tinha pessoas que fingiam que gostavam de mim e eu sabia que seria assim para o resto da minha vida. Os adultos não iriam gostar de mim de alguma forma especial, essa era a verdade da minha vida. Por isso, por muito que este senhor que parecia simpático, dissesse que eu tinha pais que me amavam, que estavam ansiosos por me ver, eu não me acreditava. Havia algum motivo escondido para isso e por isso é que sorri quando ele me contou o motivo.

Segundo ele, no ano anterior, o Voldemort, esse tal bruxo das trevas, tinha feito um seguidor raptar o meu irmão e tinha conseguido restituir a sua força anterior através de um ritual estranho. Vi o Director franzir a testa ao ver a minha não reacção quando ele me avisou e eu simplesmente não reagi. Ele queria que fizesse o quê? Me risse? Que era a minha vontade, naquele momento? Então, eu tinha voltado para os meus pais porque o meu irmão tinha sido raptado e o Voldemort tinha voltado a aterrorizar o mundo mágico. Que salvador mais poético pode haver do que a reencarnação do herói, que tinha destruído o bruxo mau, o salvador do mundo mágico, o Harry Potter.

O Harry Potter que não era eu!

Que foi o que lhe disse mas ele continuou a insistir que foram feitos todos os testes que identificassem e confirmaram que eu era mesmo filho dos meus pais e que eu iria reparar quando eles voltassem do jantar, que era onde eles se encontravam naquele momento.

Eu suspirei, quando ele parou finalmente de dar desculpas sobre eles, em como tudo seria bom e eu não precisava de me preocupar. Ficamos em silêncio uns segundos, a olhar um para o outro, ele demasiado perto para o meu gosto, com o seu rosto preso numa expressão de tristeza e eu finalmente disse a falha na lógica dele.

— Eu sei que essa história é muito bonita – eu ouvi-me dizer , com uma voz fria e impessoal, que fez o Director suspirar – mas há uma grande falha. Eu não tenho magia. – Eu disse rindo. – Eu vi a minha irmã levitar coisas mas eu não tenho nada, nadinha, nada de nada. É tudo ela. Como posso ter derrotado um bruxo todo poderoso se não tenho poderes? E em bebé, ainda por cima!

Ela passou uma mão pela cara, como se fosse a acordar e quando olhou para mim o seu brilho no olhar tinha voltado mas continuava com uma cara tão cansada que se eu não soubesse que tinha que fazer aquilo, calava-me só para o deixar descansar.

— É verdade o que disseste sobre não teres magia no passado mas agora tens. – Ele suspirou e inclinou a cabeça, pensativo. – Ainda não existem certezas mas eu desconfio que com o susto, com o medo e com o choque de veres uma pessoa ser assassinada à tua frente, a maldição te acertar e fazer essa cicatriz – disse, apontando para a minha cicatriz na testa – tu ficaste traumatizado. Tão traumatizado que conseguiste bloquear toda a tua magia, de uma forma que todo o mundo mágico pensou que tivesses morrido, porque até aqui, nas escrituras dos alunos inscritos em Hogwarts, o teu nome desapareceu.

— M-mas então não tenho magia, certo? – Perguntei, não percebendo bem o que estava a acontecer e para meu espanto ele sorriu.

— Tens. Até nas escrituras o teu nome voltou. O quer que seja que aconteceu em tua casa, ontem foi tão forte, tão traumatizante, que tu soltaste a tua magia como resposta. Não tentes fazer magia agora que ela está suprimida por uma poção porque está a acontecer uma coisa muito curiosa contigo.

Eu estreitei os olhos, não gostando de o ouvir insinuar que eu era uma cobaia que ele estava a usar

— Que coisa? – Perguntei desconfiado, fazendo-o rir.

— O teu coro da magia está a formar-se e é como uma avalanche. A tua magia foi tão suprimida que ela está em todo e qualquer lado. Se eu não te tivesse dado a poção que te faz impossível de usar magia agora, tu estarias com um poder tão grande que eu sentiria daqui. – Ele riu ainda mais quando viu a minha cara de desacreditado. – Eu sei que não parece grande coisa mas não é suposto sentir-se a magia de outra pessoa. Só quando um mago é muito poderoso é que isso acontece e isto acontece contigo. A tua magia é das coisas mais bonitas que já vi mas como uma criança irrequieta também é demasiado perigosa. Tu tens tanto poder agora, enquanto desenvolves o teu coro até o seu tamanho normal que qualquer coisinha pode te fazer explodir coisas ou até incendiar casas, que foi o que aconteceu lá.

Eu abri a boca espantado. Tinha sido eu que tinha incendiado a casa… eu! A culpa tinha sido mesmo minha! Agora, mesmo que eu conseguisse inventar uma história sobre o porquê de aquilo ter acontecido, onde não culpasse os pais da Rose, eu não iria conseguir fazer com que eles continuassem comigo e proibir-me-iam de ver a Rose. O que aconteceria à Rose sem mim? Eu fique tão perdido nos meus pensamento que o Director disse apressado:

— Não precisas de te preocupar, nós chegamos a tempo.

Eles iriam me proibir de ver a Rose. Estes meus pais se calhar iriam querer-me, se o que o Director estava a dizer queria dizer alguma coisa e eu nunca mais veria a Rose. E se ela fosse também maltratada? Eu poderia fazer queixa deles mas não se iriam acreditar em mim, afinal o mundo era dos adultos. Eu poderia tentar fugir com a Rose mas ela não iria querer. O que iria fazer?

Senti algo borbulhar dentro de mim, algo que não tinha antes e lembrei-me das palavras dele. Era a magia que tinha sentido a minha confusão, o meu sentimento de ineficácia e estava pronta a ajudar e a agir ao mínimo sinal. Eu dei por mim a sorrir, ao senti-la percorrer o meu corpo, dando me energia para me sentar, fazendo o Dumbledore olhar espantado para mim.

— Tu estás a controlar a magia, não estás? – Ele perguntou, parecendo genuinamente fascinado. – Estás a sentir a magia?

Eu olhei para as minhas mãos onde parecia ver uma pequena coisa branca sair dos meus dedos se olhasse com força o suficiente.

— A magia é linda. – Eu murmurei observando essa luz, passar da minha unha para o outro dedo como se estivesse a brincar.

O Dumbledore pareceu ver o mesmo que eu pois ficou só a olhar fascinado, como se nunca tivesse visto antes.

— Posso experimentar uma coisa? – Ele perguntou, levantando-se.

Eu olhei para ele e vi a varinha levantada na minha direcção. Eu sabia que devia de ter medo mas eu não conseguia porque sentia a magia em todo o meu corpo. Ela estava comigo e enquanto estivesse comigo eu nunca mais estava indefeso, por isso, acenei com a cabeça afirmativamente. Vi com espanto um raio vermelho sair da varinha dele, na minha direção mas uma parede branca pôr-se à minha frente, desaparecendo de seguida, conjuntamente com o raio.

— Lindo! – Ele murmurou parecendo completamente perdido em pensamentos até que pareceu se lembrar de mim e sorriu. – Se eu não estou enganado, vais-te sentir cansado daqui a uns minutos e provavelmente até dormires mas o que acabaste de fazer devia de ser impossível. O teu coro mágico está a formar-se e está a formar-se com toda a magia que tem ao seu redor mais a tua que tinha sido comprimida. Isso faz um poder tão grande que a magia pode parecer agir por si própria, defendendo-te mesmo quando tu não sabes o que é uma ameaça. Não acredito que tivesse conseguido defender nenhum feitiço forte mas o facto de já fazer isto quando ainda se está a formar faz-me pensar como é que ela será quando tiveres o coro mágico completo. Estou ansioso para ver o seu progresso, Mr. Potter. – Ele murmurou, quando me viu fechar os olhos e a minha última lembrança foi de ele puxar-me para baixo, deitando-me e ajeitando-me os cobertores. – Mas por agora descansa. – Murmurou e a última coisa que senti foi um sentimento agradável na testa, do que parecia um beijo na testa.

Acordei estranhamente irritado. Já estava farto de estar sempre a acordar e acabar por adormecer sem ser escolha minha. Por isso, sentei-me na cama com rapidez e abri um sorriso quando vi que na cama ao lado da minha se encontrava a Rose, a observar o tecto como se fosse a coisa mais interessante do mundo.

— ROSE! – Mais gritei do que chamei e fiquei feliz ao ver que ela olhou para mim com um sorriso.

— Harry! – Ela também me chamou, saltou da cama e quando vi, estava a abraçar-me, sentada também na minha cama. – Estava tão preocupada. Eles diziam que tu estavas bem mas eu só te via a dormir e ontem foi tão mau… - Ela calou-se como se se estivesse a lembrar dos acontecimentos e provavelmente foi o que aconteceu, porque só senti os braços finos dela apertarem-me com força pela cintura e ela encostar mais a sua cabeça no meu peito enquanto chorava.

— Calma… - Eu murmurei, puxando-a mais contra mim e recostando-me na cama. Odiava-a ver sofrer e ela estava completamente destroçada.

Não sei por quanto tempo ficamos ali, eu sentando, com ela a abraçar-me e a chorar enquanto eu fazia pequenos aconchegos nas costas e murmurava palavras de apoio mas sei porque paramos. Um menino que não devia de ser mais velho do que a Rose tinha entrado.

Ele tinha olhos castanhos claros, era pequeno e atlético, tinha uma face ligeiramente fina, com bochechas coradas, um queixo firme, umas sobrancelhas definidas, uns lábios grossos e um cabelo preto, desalinhado muito parecido com o meu. Ele pareceu-me estranhamente familiar e eu pus-me a observas as nossas parecenças… tínhamos o formato da face parecido, o cabelo igual e eu comecei a recear verdadeiramente o que ele iria dizer e o que ele era, quando ele ficou boquiaberto a observar-me, parecendo estupefacto.

— Eu não acredito! – Ouvi a voz da enfermeira que saia da sala ao lado. – Saia já daqui. Não devia de estar com os seus pais? Ainda não é hora para o ver e o menino é um convidado. Como é que entrou? – Ela gritou para o menino e eu fiquei desconfiado que ela tinha visto o meu reencontro com a Rose e tinha ficado simplesmente calado.

Senti a Rose parar de chorar e largar-me para observar os recém-chegados. A criança parecia constrangida sobre o olhar da mulher, mas ela pareceu não desistir.

— Tu vais vê-lo depois, agora sai! – Ela gritou e eu vi-me a agir contra a minha vontade ao ver os olhos castanhos dele, baixarem-se com tristeza e começar a virar-se.

— Acho que isso não é necessário. – Murmurei e toda a atenção foi para mim, fazendo-me ter vontade de encolher. O menino só olhou para mim, franzindo a testa e depois para a Rose.

— Quem é ela? – Ele perguntou com uma autoridade que eu não gostei nada.

— A minha irmã! – Disse, vendo-o encolher-se ao ouvir o meu tom e tendo um estranho prazer nisso.

— T-tu… - ele murmurou, franzindo a testa e parecendo genuinamente confuso – mas tu… tu és o meu irmão!

Vi a Rose soltar um grito de espanto, olhar para mim assustada, a Madame Pomfrey negar com a cabeça, como se não se acreditasse nisso e ele continuar a olhar para mim, com um olhar de cachorro perdido.

— A minha única família é a Rose. – Murmurei, recusando-me a olhar outra vez para ele e olhando para a Rose que estava completamente confusa. – Se era só isso que vinhas dizer, podes ir.

A Rose abriu a boca em protesto mas voltou a calar-se pelo barulho que vinha da porta. Quando olhei, vi a Madame Pomfrey empurrar o menino pela porta, enquanto ele parecia demasiado chocado se quer para andar. Vi de relance uma adolescente olhar para mim, do lado de fora, com repreensão nos seus olhos cinzentos. Estranhamente, não senti pena nem raiva pela minha acção. Se eles pensavam que por aparecerem à minha frente, eu me ia ajoelhar e submeter-me à vontade deles, eles estavam enganados. Eu ia ser independente, tratar da Rose e nunca mais ouvir falar deles.

— É o teu irmão? – A Rose perguntou espantada, fazendo-me suspirar e olhar para a Madame Pomfrey que somente sorriu e voltou para a sua sala.

— Não sei. – Murmurei francamente. – Provavelmente, sim. – Ela voltou a abrir a boca mas eu interrompi. – Disseram-me ontem que eu tinha uma família que achava que eu tinha morrido e que agora me queriam de volta. Só me estão a dar tempo para assimilar a ideia antes de os ver.

— E-então, vais-nos abandonar? Vais parar de ser meu irmão? – Ela perguntou e vi espantado uma lágrima no canto do olho.

— É claro que não. – Eu disse sorrindo e abraçando-a. – Tu és a minha única família, a única pessoa que eu preciso. Não te preocupes.

Eu ouvi-a soluçar e sentir a minha camisola ficar húmida e repreendi-me mentalmente por a fazer chorar.

— Mas tu mereces uma família melhor do que nós. O que o pai fez… ele…ele. – Ela não continuou, ficando só a chorar e fazendo-me afastar dela e olhar directamente para os olhos azuis dela.

— Rose, tu não és o Louis. – Vi-a contrair a face ao ouvir-me dizer o nome dele, em vez de pai, mas eu nunca mais chamaria aquele homem de pai, ele não merecia esse título. – Tu és a melhor pessoa que eu alguma vez poderia ter na minha vida por isso não fiques assim. Eu adoro-te e vou continuar a adorar-te. O Louis não interessa.- Disse, abraçando-a com força e vendo-a descontrair no abraço.

Ficamos assim por um tempo, com ela a abraçar-me com toda a sua força, como se não se acreditasse que isto estava a acontecer. Quando vi que ela se acalmou e estava só a descansar decidi finalmente perguntar:

— O que aconteceu realmente?

Ela afastou-se do meu peito e olhou para mim com confusão:

— Não te lembras? O-o…

Eu interrompi-a antes que ela continuasse, ao ver a dor que dizer aquelas palavras lhe traziam.

— Isso eu lembro-me… mas o depois?

Ela franziu a testa pensativamente, provavelmente pensando na melhor maneira de dizer o que estava a pensar:

— Eu quando acordei estava aqui. – Ela murmurou, olhando à volta. – Fiquei assustada afinal não sabia onde é que estavas mas aquela mulher, a enfermeira – disse apontando com a cabeça para a porta onde se tinha refugiado a Madame Pomfrey depois de expulsar o menino – explicou-me que estava numa enfermaria, que tu estavas bem e os pais estavam a ser interrogados mas estavam bem.

Eu abri a boca espantado. Então mesmo não parecendo eles, os bruxos, sempre souberam o que tinha acontecido realmente. No entanto, para não me terem dito nada devem ter achado aquilo normal… típico de adultos.

— E depois? – Eu perguntei, revoltado comigo próprio por estar chateado por ver que eles não iriam fazer nada… como é que ao fim de tantos anos eu ainda tinha uma esperança mínima que eles fizessem alguma coisa?

— Perguntaram-me o que aconteceu e-e – ela desviou o olhar, nervosa – e eu contei tudo. O que aconteceu. – Ela disse voltando a chorar e eu senti uma raiva inexplicável por aqueles bruxos. Fizeram a minha irmã relembrar aquele acontecimento para nada? Só para o prazer estúpido deles? – Depois uma mulher começou a fazer-me perguntas sobre ti. Como eras, etc… estás com problemas Harry? – Ela perguntou com os seus olhos azuis brilhantes, preocupados e eu não me contive e abracei-a.

Ela era realmente um pequeno anjo. Tinha enfrentado o pai para me proteger, tinha sofrido mas mesmo assim disse tudo o que sabia, prejudicando os pais dela e ainda estava preocupada porque eles tinham feitos perguntas sobre mim? Como é que ela poderia ser tão desinteressada nos seus interesses e preocupar-se tanto comigo? Quando eu é que era o irmão mais velho e a função de a proteger era toda minha?

— Não, pequena. – Murmurei, sentindo a minha camisola ficar mais uma vez molhada por ela estar a chorar. – Não fiques assim, tu fizeste o que era justo, nada mais.

— M-mas eles são bruxos! – Ela murmurou. – Eles conseguem fazer coisas magnificas com a varinha… E eu vou ser uma deles. Como é que eu posso estar tão excitada por isto quando acabei de passar por isto? E os pais, eles podem estar com problemas e eu não os ajudei e…

Eu calei-a, afastando-me e pondo um dedo na sua boca. Ela tinha a mania de falar tudo o que pensava quando estava nervosa e se eu não a impedisse era o que iria acontecer.

Ela estava confusa e com as emoções completamente descontroladas. Por um lado estava nervosa, afinal sabia que os seus pais estavam a ser interrogados, os bruxos estavam interessados em mim, eu tinha aparentemente uma família mas por outro ela sabia que a magia dela era real e que iria aprender mais.

Quando ela levitava coisas, notava-se a felicidade na cara dela, por ser especial, diferente das outras pessoas e apesar de isto ser uma coisa egoísta, notava-se que era o sonho dela. Ela queria ser diferente, a melhor pessoa que pudesse tendo em consideração as suas limitações e a sua magia permitia-lhe isso. Daí ela estar completamente feliz, por saber que iria saber como usá-la mas nem ela, com os seus 11 anos, conseguia ignorar o fato que a nossa vida iria mudar bruscamente.

— Não te preocupes, tudo se vai resolver. – Eu disse, tirando o dedo e vendo-a se ajeitar à minha frente, sentando-se e observando a minha face, como se estivesse a vê-la pela primeira vez.

— Naquela interrogação havia um homem que era muito parecido contigo. – Ela murmurou inclinando a cabeça para o lado. – Só os olhos é que eram diferentes e ele estava com uma cara tão triste… - ela murmurou relembrando-se. – Estava abraçado a uma mulher ruiva que foi a senhora que os mandou parar de me interrogar sobre essa noite e começou a fazer perguntas sobre ti. – Ela parou mais um pouco, franzindo a sua pequena testa enquanto pensava. – E ela começou a chorar quando eu falei de ti. Tanto que teve que sair dali levada por esse homem… - Ela observou. – Serão os teus pais?

Eu acho que parei de respirar por um segundo com a pergunta dela e a descrição. Mulher ruiva… a mulher que me parecia familiar e estava comigo da primeira vez que acordei, será que era a mesma? Que tinha vindo ver o seu filho? Se fosse, será que esperava que eu a tivesse reconhecido e abraçado? Ou será que estava só a observar para ver se eu valia a pena de ser reconhecido como um membro da família? Aqueles olhos verdes pareciam tão tristes quando ela esteve comigo… seria isso fingimento?

— Harry?

Eu abanei a cabeça para sair da minha confusão mental e sorri para a Rose, tentando ser claro e parar de ter aquelas emoções baratas que só me iriam por em confusões se eu as seguisse.

— Não sei… Eu não faço ideia de como eles são mas não te preocupes eu nunca te vou abandonar.

A Rose sorriu para mim e ficamos num silêncio confortável enquanto quando um pensava nas suas coisas.

— Harry? – Ela voltou a perguntar, incerta.

— Sim?

— O que vai acontecer?

Eu mordi o lábio ao ouvir a pergunta dela, cheia de incerteza. Ela não devia de estar a passar por isto! Como é que ela poderia voltar à sua vida com a energia e felicidade dela, depois disto tudo? Mesmo que não houvessem consequências? Ela nunca esqueceria a dor que sofreu, o meu estado, esta dúvida e incerteza. Ela nunca mais seria a mesma e era tudo por culpa dos estúpidos jogos dos adultos!

— Não sei mas vai ficar tudo bem. – Eu disse puxando-a contra mim outra vez, de forma a ficarmos os dois meio deitados na cama, com o meu peito a servir de almofada para ela. – Só sei que vais voltar para casa, vamos fazer uma grande festa, vais aprender magia e isto tudo vai passar.

— M-mas e o pai? Ele agrediu-te! Isso é crime!

— Não lhe vai acontecer nada! Se não dissermos a mais ninguém, ninguém vai fazer nada.

— Mas eu não quero! E se ele repete? Ele estava possuído! Podia-te ter morto!

Eu suspirei. Eu nunca a faria ficar sem pai, como eu. Ela não merecia isso e se para isso eu tivesse que sofrer aquilo, vezes e vezes sem conta, eu não me importaria. Seria só um preço para a felicidade da Rose.

— Ela não vai voltar a fazer. Não te preocupes.

O que eu não lhe disse foi que provavelmente nós nunca mais seriamos uma família. Por muito, que eu não fizesse queixa dele, eu seria tirado deles. Ou pelo menos eles não me quereriam de volta. No entanto, eu tinha magia e iria fazer de tudo para vir para esta escola mesmo que para isso tivesse que aceitar aquela família. Seria uma troca, a minha presença na luta contra o Voldemort pela oportunidade de ver a minha irmã.

Ficamos mais uns minutos em silêncio e senti o abraço dela no meu torso, relaxar e ela murmurar com uma voz fraca:

— Harry, como é que estás sem qualquer marca?

— Magia. – Murmurei, simplesmente, também fechando os olhos e descansando com ela.


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