O Lado Cinzento escrita por Karinchan


Capítulo 2
Sonhos nada perfeitos




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/373332/chapter/2

1. Sonhos nada perfeitos

Cinzento- O cinzento simboliza a ressurreição, mas também a dor, o luto e os estados de espírito de tristeza e melancolia.

O cinzento não é uma cor fria nem quente é um meio termo e uma espécie de estado intermédio, um permanente estado de indecisão, imprecisão e evolução.

Infopédia

Pelo bem ou pelo mal, o evento que claramente mudou a minha vida, foi a descoberta que os meus pais biológicos estavam vivos. Eu sempre pensei que eles estivessem mortos e nunca pensei muito sobre o que poderia acontecer caso isso não fosse verdade.

A maioria das crianças no orfanato sonhava em ver os seus pais, em finalmente sair dali e ser tratado como uma criança especial, em vez de ser só mais um, por muito que fosse bem tratado. Era impossível, cinco pessoas darem a atenção necessária a 30 crianças e isso fazia-os sonhar com os seus pais perdidos, que iriam retornar com lágrimas de felicidade por finalmente estarem lá. Mas isso NUNCA acontecia e eu via crianças retornarem ao orfanato porque os seus pais adoptivos descobriam que afinal ter crianças era trabalhoso, retornarem porque simplesmente não se adaptavam com os filhos ou retornarem, por simplesmente, não se conseguirem adaptar a uma casa nova. Via crianças ficarem adultas em questão de meses, enquanto perdiam o brilho no olhar por estarem longe da sua família biológica. Via bebés que só choravam, transformarem-se em crianças com as mais diversas personalidades. Até que parei de ver porque eu, uma criança que já tinha 10 anos, tinha sido finalmente adoptada por um casal que parecia adorável, com o seu sorriso amigável, os seus olhos brilhantes cheios de vida e um carisma que fazia as pessoas simpatizarem com eles. Eram pessoas da classe média, que aparentemente não tinham problemas financeiros, sendo ele um funcionário de um banco e ela uma autêntica dona de casa e a minha vida com eles seria aparentemente perfeita.

E não vou mentir, ela foi… durante os primeiros meses.

Eu tinha atenção e cuidados sobre mim que eu nunca tive antes, fazendo-me inclusive descer as minhas defesas e começar a abrir-me com eles. Sorrindo, participando das brincadeiras e, principalmente, tratando aquela menina de cabelos loiros, olhos azuis e sorriso angelical, como se fosse verdadeiramente a minha irmã, amando-a acima de todas as outras coisas. No entanto, o improvável, na rotina que já tinha dada por garantida, aconteceu. O marido, o homem perfeito da sociedade, devia ter feito alguma coisa que fez a minha “mãe” desconfiar que ele a traía porque cada dia ela estava mais paranóica, desconfiada e as discussões entre os dois eram cada vez maiores. Um ano passou-se nisto, onde eles cada vez mais se fechavam no seu mundinho de discussões e se esqueciam da sua filha biológica e de mim. No entanto, enquanto eu estava habituado a ser ignorado, ela não e ficava cada vez mais fechada e infeliz. E foi ao fim desse ano, que a minha vida começou a tomar todos os passos para eu estar onde estou…

Ela, habituada a ter atenção, cheia de energia, fez com que eles lhe dessem atenção obrigatoriamente. Durante a noite, depois de ir dormir, ela decidiu fugir de casa mas sem intenções de fugir para sempre e, por isso, fez barulho suficiente a sair de casa e fechou a porta com tanto barulho, que eu dei um salto da cama e fui espreitar pela janela, para ver o que estava a acontecer. Quando a vi ali, a andar, a olhar constantemente para trás, não pensei e corri atrás dela. É claro que os pais deram por nós quando ainda nem chegámos à estrada e o sermão que levamos foi um que eu nem me quero lembrar hoje. No entanto, o mal estava feito e a desconfiança agora para mim, o causador do comportamento rebelde da filha perfeita fê-los ser mais ásperos para mim, tratando-me como se fosse um animal e não uma criança. Já nem recebia um bom dia de manhã e tudo o que fazia era visto com desconfiança, não se acreditando em nada do que eu dizia. Afinal, eu era o rufia, a criança adoptada com os comportamentos que aprendi no orfanato, a tentar destabilizar a segurança de casa porque era só isso que eu conhecia. Nessa altura pensei mesmo que me iriam voltar a entregar como um brinquedo que já não tinha uso, mas um tempo mais tarde, percebi porque preferiram fazer da minha vida um inferno, em vez de me libertarem.

Eles eram um casal perfeito, viviam numa casa perfeita e tinham que ter a família perfeita. Logo, nunca entregariam uma criança porque isso não era uma acção perfeita.

Então eu fui vendo de ano para ano a situação deles piorar. Se antes havia amor naquela relação agora não havia nada que defendesse esse sentimento e isso fez com que eu estivesse a assistir a mais uma discussão deles. O meu pai, o Sr. Smith, gritava com a minha mãe a perguntar porque é que ela não tinha feito o jantar às horas combinadas e eu via a minha irmã, a minha pequena e angelical irmã, a chorar e a fazer o que nunca deveria ter feito… pôr-se no meio deles.

— Não discutam mais. – Ela disse, pondo-se à frente da mãe, enquanto olhava para o nosso pai com os olhos chorosos. – A mãe demorou mais tempo por minha causa.

Os olhos castanhos do meu pai faiscaram, quando ouviram o que ela disse e ele virou-se para mim, mais uma vez, levando as culpas.

— Rapaz! Quantas vezes tenho que te dizer para parares de importunar a nossa filha? Pára de lhe encher a cabeça com esses planozinhos...

Eu só levantei uma sobrancelha, inquisidor sobre o que ele queria dizer e senti o resto da esperança de que a minha mãe me defendesse, desaparecer, quando a vi só pôr uma mão em cima do ombro da Rose, protectora. Eu não fazia realmente parte daquela família e isso, estranhamente, doeu mais do que podia pensar… Porque é que eu alguma vez se quer sonhei que aquela era a minha família?

Acordei para o que ele estava a dizer quando o vi a levantar uma mão mas já era tarde de mais. A mão atingiu-me com força a bochecha e eu fiquei a olhar para o lado, directamente para o olhar assustado da Rose que se encolheu mais contra a nossa mãe, ou melhor, a mãe dela.

— Louis, já chega! O rapaz precisa de apanhar uma lição eu concordo – eu ouvia-a dizer. Ah, a ironia… para concordarem precisavam de estar a aleijar alguém… - mas o que vamos dizer se ele aparecer com nódoas negras?

Eu senti uma gargalhada sair da minha boca antes que conseguisse conter e isso foi o meu erro. Como é que eu tinha alguma vez pensado que isto era uma família perfeita e eles realmente gostavam de mim… que pelo menos ela gostava de mim? Ela que estava só preocupada com o que os outros diriam.

— Ainda te ris! – Ouvi-o rugir e surpreendi-me quando me deparei com ele a agarrar-me pela gola e a arrastar-me pela casa até ao meu quarto. – Eu vou-te ensinar uma lição.

E a verdade foi que ele realmente me ensinou uma lição… uma lição de como me aleijar sem fazer nódoas negras visíveis e uma lição de que os adultos só se interessavam por uma coisa e não era pelo bem-estar das crianças…

Era pelas aparências!

E aprendi também a lição mais importante da minha vida… eu não tinha realmente família! Aquele homem não era o meu pai! O homem que me abandonou ou simplesmente morreu, também não era o meu pai. Se eu tinha família ela chamava-se Rose Scout.

Esse acontecimento foi durante os meus 12 anos de idade e foi a primeira vez que eu servi como sítio para descarregarem a raiva. Eu, sinceramente, acredito que eles até não fossem más pessoas, afinal eles trataram-me bem durante um período de tempo e notava-se que eles até gostavam da Rose mas mesmo assim, nunca na vida os iria perdoar pelo que me fizeram durante estes três anos. Foram agressões, ameaças e, principalmente, não tomavam conta da Rose, a sua filha biológica. Foi por causa dela que eu não fugi de casa visto que sabia que assim iriam poder descarregar a raiva nela.

Eu era forte, ela era só uma criança.,,

Por isso, aguentava e tentava não pensar muito nisso… pelo que tinha visto no orfanato eram todos assim… eles eram só mais um que nos viam como uns animais, não como umas crianças e, apesar de tudo, eles alimentavam-me e davam-me coisas com qualidade. Tudo para manter as aparências mas mesmo assim davam. E isso foi o suficiente para eu me manter lá, a ouvir as discussões, a servir como meio de descarregar a raiva e, principalmente, a servir como apoio para a Rose. Para o resto da sociedade, eu era um aluno quieto mas brilhante, uma vez que tinha das melhores notas e apostavam em mim para ser uma pessoa com um grande futuro. Os meus “pais” apoiavam-me sempre, dizendo que iriam fazer tudo para me darem o que pudessem mas eu sabia a verdade. Se queria continuar a estudar teria que trabalhar e, por isso, comecei a fazer part-times. Às vezes simplesmente a servir de jardineiro, outras ajudando numa loja. As pessoas conheciam-me e caso precisassem de alguém, eu estava lá. Os meus “pais” sorriam para os meus patrões e apoiavam a causa, dizendo que aquilo era o que me faria um homem e que este dinheiro estava a ser guardado todo para a faculdade. Nesse aspecto, acredito que tivessem a falar a verdade, afinal, bens materiais era uma coisa, a única coisa, onde não me podia queixar.

E fui me mantendo assim, a ver a minha irmã crescer, até aos 11 anos que foi quando o mais improvável aconteceu e eu fiz o impensável… pela primeira vez, em 4 anos, eu respondia ao Louis.

O que aconteceu foi a coisa mais estranha de sempre… a minha irmã fazia 11 anos e como em todos os dias em que fazia anos, se levantou feliz e foi a correr para a cozinha. Os pais dela, lembrando-se da data sorriram e abraçaram-na enquanto eu ficava simplesmente no canto da sala, a sorrir pela felicidade dela. Enquanto os deixei para tomar pequeno-almoço em família, aproveitei e fui buscar as cartas. Surpreendi-me quando vi uma carta para a minha irmã e a pensar que era de algum amigo dela, levei para a mesa. Quando cheguei à cozinha, perfeitamente arrumada, e quase tão grande quanto a minha do orfanato, vi os meus dois pais adoptivos olharem para mim com desconfiança à espera que eu fizesse alguma coisa de mal, para terem uma desculpa para me mal tratarem, mas eu simplesmente sorri e olhei para a Rose com o meu melhor sorriso:

— Rose, recebeste uma carta. – Vi os olhos dela brilharem e saltar da mesa com um salto enquanto corria até mim. Eu não consegui evitar gargalhar enquanto peguei nela, contra o seu gosto e a rodei. – Feliz aniversário pequena. – Deixei-a finalmente pousar no chão e dei-lhe um beijo na testa. – Está aqui a tua carta. – Disse entregando-lhe a carta.

Vi-a abrir a carta com rapidez e a mãe dela levantar-se, enquanto lia a carta por cima. Vi-a contrair a sua bonita cara até se notarem as rugas de expressão, ficando com a testa toda enrugada. Os seus olhos azuis prenderam-se em mim com uma expressão tão furiosa que eu fiquei a pensar o que tinha feito de errado. O marido dela, ao ver o mesmo que eu, levantou-se também, olhou para a carta, leu e antes que eu reparasse estava outra vez a ser agarrado pelo colarinho e mandado contra a parede.

— Qual-foi-a-tua-ideia-de-mandares-esta-carta? – Ele sibilou entre os dentes, com uma fúria que apesar de já estar habituado, me fez contrair.

— Não fui eu. – Eu murmurei fracamente e olhei para a mulher dele, na esperança de que ela me ajudasse. Eu já estava habituado a isto mas à frente da Rose não, principalmente, no dia de aniversário dela.

A Serena só olhou para mim, com um olhar triste enquanto fazia um gesto negativo com a cabeça. Olhou para a Rose e pegou-lhe na mão:

—Rose, querida, o teu pai precisa de falar com o teu irmão. Essa carta foi só uma brincadeira. – Ela disse a última parte mandando-me um olhar ameaçador. O que raio estava escrito naquela carta para eles reagirem assim?

Ela parou de olhar para a carta, com os seus olhos arregalados fixos em mim. Olhou de mim para o pai dela, que me desagarrou rapidamente ao ver isso. Deve ter percebido o que iria acontecer porque simplesmente negou com a cabeça e olhou para mim com um sorriso:

— Não quero! Quero estar com o Harry!

Eu fiz um sorriso involuntário para ela mas vi que esse foi o gesto errado porque senti o meu braço ser agarrado pelo Louis com força. Ele queria que eu a mandasse embora.

— Eu já lá vou ter. – Murmurei, tentando sorrir mesmo tendo o meu braço a ser comprimido. – Eu prometo.

Ela olhou para mim e os seus olhos azuis fixaram-no no pai dela, cheios de palavras não ditas, mas mesmo assim foi, mais porque tinha sido puxada pela mãe do que porque queria. Ainda vi o olhar dela para mim, antes de sair pela porta, com receio.

— Então rapaz – o Louis disse, com os seus olhos a brilharem ameaçadores – não me queres contar nada sobre a carta?

Eu encolhi-me mais uma vez, ao ouvir o tom dele. Ele usava aquele tom sempre antes de me bater.

— Eu só a fui buscar. Juro! – Apressei-me a explicar mas ele só sorriu.

— Esperas mesmo que eu me acredito que uma carta daquelas iria parar nas tuas mãos por acaso? A gozar com a minha filha? – Ele rugiu agarrando-me pelos ombros e olhando directamente nos meus olhos verdes. – Eu já te disse para a deixares em paz é assim tão difícil? Agora, tinhas mesmo que vir com mentiras? Mentiras onde a única pessoa que se iria acreditar era ela! Porque raio foste fazer isso?

Eu olhei para ele atentamente, tentando descobrir o que é que a carta dizia para eles reagirem assim.

— Mas não fui eu… o que é que estava lá a dizer? Alguém estava a ameaçar a Rose?

Ele soltou-me num gesto brusco e só abanou a cabeça, não se acreditando numa única palavra:

— Eu juro que tentei cuidar de ti… gostar de ti mas tu não deixas! Como esperas que alguém possa gostar de ti fazendo estas coisas, hã? Inventando coisas, destabilizando uma família, fazendo partidas para nós nos acreditarmos que coisas estranhas acontecem e ainda por cima a mandar cartas daquelas! Que mal te fizemos? Nós não te demos comida, as coisas que precisavas? O que querias mais, o QUÊ? – Ele gritou abanando-me pelos ombros e eu estava demasiado chocado com as palavras dele para reagir.

A minha não reacção deve ter sido uma má atitude porque ele largou-me mais uma vez mas desta vez não ficou a olhar só para mim, deu-me um murro tão forte que eu bati contra a parede e fui escorregando por ela, completamente desnorteado.

— Este foi a última coisa que eu vou ouvir de ti! Se fizeres mais uma, só mais uma, eu juro que te vou prender, nem que tenha que inventar provas para fazer isso! – Ele rugiu olhando para mim e dando-me um pontapé. Eu solucei com o embate e agarrei as pernas, fazendo uma concha sobre mim. Assim eu sabia que as maiores partes do meu corpo estavam protegidas e pelo menos ninguém notaria as nódoas negras.

Eu não sei quanto tempo fiquei ali, enrolado sobre mim mesmo, a ouvir os insultos dele enquanto mais uma vez eu imaginava-me na minha casa de sonho, ao lado de uma lagoa, a ver alguns patos nadarem e a sentir o vento a bater-me na cara, abstraindo-me completamente do que estava a acontecer ao meu redor. No entanto, este estado foi interrompido por um grito fino e quando abri os olhos, vi lágrimas nos olhos da minha irmã, ofegante pela corrida que fez e uma raiva tão grande para o pai que até eu tremi só de olhar para eles.

— Não acredito! Pai! Pára já!

E como uma pessoa bem mandada ele parou, olhando para ela chocado, sem saber o que fazer. Desde a primeira vez que me bateram, evitaram ter algum tipo de gesto de violência comigo, com ela perto. Ser descoberto pela filha não deve ter sido uma coisa boa de acontecer. Eu ainda me tentei levantar mas estava demasiado fraco para isso, tendo que me limitar a ouvir a conserva deles, encostado à parede.

— Rose, foi ele que te mandou a carta! Eu só estava a ensinar-lhe uma lição!

— A carta é real! – Ela choramingou. – Eu sei que é! E pára de bater no meu IRMÃO! – Ela gritou, correndo até mim e abraçando-me pelos ombros.

Eu acredito que se alguém tivesse visto aquilo, seria uma visão estranha. Um rapaz de 14 anos, provavelmente sangrento e com aspecto esfarrapado, a ser abraçado por uma menina de 11 anos, que enfrentava o pai que só olhava para aquela situação como se não se acreditasse.

— A carta não é real! – Ele rugiu. – Eu já te disse que magia não existe! – Vi-o fechar a mão e por um momento desejei ter forças para me pôr à frente da Rose.

— Existe sim! Eu sei o que fiz! Queres ver? – Ela perguntou, esticando-se toda e enfrentando o pai que era o dobro do tamanho dela.

Eu tentei usar todas as minhas forças para me levantar, querendo impedi-la de fazer o que estava prestes a fazer, mas mal pus o braço no chão para apoiar a subida, senti-o fraquejar e bati mais uma vez contra a parede. Vi nesse meio tempo a mãe dela chegar e abrir a boca, assustada, mas o mal já estava feito e ninguém conseguiria parar a Rose. Ela esticou o braço e o prato que ainda estava na mesa, atrás do pai dela começou a flutuar. Eu já estava habituado a essas demonstrações e apesar de nunca perceber o que aquilo queria dizer, sabia perfeitamente que o pai dela não gostaria nada.

Ele arregalou os olhos, olhou para ela como se a tivesse visto pela primeira vez e nem a mãe dela conseguiu chegar a tempo de impedir a chapada que ele lhe deu, com tanta força que ela caiu sobre mim.

— NUNCA.MAS. NUNCA. MAIS FAÇAS UMA COISA DESSAS OUTRA VEZ! – Ele gritou, olhando para nós. – Eu não sei o que fizeste à minha filha mas retira já o quer que tenhas feito!

Eu abri a boca, tentando protestar ou pelo menos protegê-la mas não saiu som nenhum. Senti algo dentro de mim revoltar-se quando ele olhou outra vez para ela com o mesmo olhar que me mandava.

Ódio.

Eu não poderia deixá-la passar pelo mesmo que passei e, por isso, tentei e consegui levantar-me. Encostei-me à parede, tentando usar todas as minhas forças para não cair e sabia que estava a ser mal sucedido mas eu precisava de chamar a atenção para mim, não para ela. Ela não aguentaria uma coisa dessas.

— É verdade Rose. – Eu murmurei e senti um coágulo formar-se na minha boca, provavelmente sangue, se o sabor metálico queria dizer alguma coisa. – A culpa é minha. – Virei-me para ele que ainda estava preso a olhar para a Rose. – A culpa não é dela, por favor, deixa-a.

Ele olhou para mim, mais uma vez e eu fechei os olhos sabendo o que viria e não me surpreendi quando mais uma vez bati contra a parede pelo impacto do murro. As minhas pernas fraquejaram e quando dei por mim estava deitado no chão, com a cabeça encostada a ele e a minha visão a ficar completamente nublada.

— Não! Larga o Harry! Ele está só a proteger-me!

— Tu és uma anormal! Eu não sei o que ele te fez mas eu vou ter que te ensinar a ser diferente dele! – O pai dela murmurou e eu forcei-me a focar os olhos… isto não podia estar a acontecer.

O Louis levantou a mão, para bater à Rose, que estava em pé, outra vez, e quando estava quase a acertar na Rose algo aconteceu porque ele milagrosamente caiu para trás. A Rose soltou um gritinho e o Louis levantou-se mais uma vez, mais irado do que alguma vez eu tinha visto e eu sabia que a Rose não iria sair nada bem do confronto.

Era os anos dela porque eles não podiam ser uma família feliz só por aquele dia?

Ela merecia e além do mais ela não pedia muito. Só um bolo e um dia com a família, onde iriam provavelmente passear para o parque. Porque não podiam fazer isso pelo menos por um maldito dia! Só um!

E, por isso, não sei onde arranjei forças mas levantei-me mais uma vez e pus-me à frente dela, no exacto, momento em que ele lhe ia acertar com um murro, levando-o eu na barriga e fazendo com que eu mais uma vez me segurasse contra a parede.

— Não toques nela. – Eu mais balbuciei do que qualquer coisa mas o olhar que lhe mandei deve ter passado a mensagem porque ele encolheu a testa e encerrou o maxilar.

— Este assunto não é sobre ti. Sai daqui! – Ele tentou empurrar-me mas a força que me estava a manter em pé, fez com que eu continuasse ali mesmo ele estando a usar toda a sua força.

— Mãe fá-los parar!

Eu ouvi o grito da Rose mas estava demasiado concentrado em manter o meu equilíbrio naquela guerra com o Louis para lhes prestar atenção. Eu não podia e não iria deixá-lo tocar mais nela.

— Não vais magoar mais a Rose, nem que seja a última coisa que faça.

Ouvi um baque de alguém a cair e, por instinto, estava para olhar para o lado mas o murro que senti contra o meu braço fez-me concentrar só nele. Se era guerra que ele queria, seria guerra que ele teria. Desencostei-me da parede, com as forças que estavam a aparecer do nada e consegui dar um murro com sucesso na cara dele, fazendo-o cambalear e olhar chocado para mim.

— Parem!

Mais uma vez a Rose gritava do meu lado esquerdo mas mais uma vez eu a ignorava. Eu não queria e não a poderia deixar em perigo. Iríamos fugir de casa e nunca mais aparecer naquela casa de malucos nem que para nos sustentar eu tivesse que roubar.

Foi com esse pensamento que eu tentei agredi-lo mais uma vez mas ele protegeu-se e empurrou-me com tanta força que eu desta vez perdi as forças e fiquei no chão, tonto pela batida contra a parede e pelo choque. Só conseguia pensar que iria ficar muito machucado quando reparei que nesse intervalo de tempo, ele tinha agarrado um prato e ia-me mandar com ele à cabeça. Eu não tinha forças para me proteger, até as que me tinham aparecido milagrosamente desapareceram e sentia cada bocadinho do meu corpo doer, por isso, só fechei os olhos e esperei o impacto mas ele nunca veio. O que veio foi um grito com tanta dor que eu abri os olhos e vi a minha irmã, a minha pequena irmã, cair no chão, com sangue pela sua cabeça toda.

Posso garantir que na minha vida nunca senti tanta raiva, tanta impotência e que só desejava mesmo que eles todos morressem. Algo dentro de mim mudou enquanto observava a Rose, sem lançar mais nenhum som, cair no chão ao meu lado com cacos dos vidros espalhados por todo o chão. Estava tão preso nela que nem reparei o olhar chocado do Louis. Tudo o que  eu via era Rose, o meu pequeno e delicado anjo, magoado… por minha causa e dele.

Virei-me e a minha cara para ele foi com tanta fúria que ele andou um passo para trás, sem saber o que fazer. Eu estava com tanta raiva, tanta vontade de lhe bater, de o agarrar pelos ombros e mandar de um lado ao outro da sala como se ele fosse uma marioneta que fiz o que nunca pensei em fazer.

Gritei, gritei com os meus pulmões todos, num grito de guerra, que só parou um bom tempo depois. Não sei o que esperava que acontecesse com aquele grito só sei o que não esperava, que foi exactamente o que aconteceu. Os vidros da cozinha partiram-se todos em sintonia, o Louis foi lançado para trás contra a mesa e desmaiou e a última coisa que eu vi antes de adormecer, foi o fogão começar a arder… Eu sei que iria morrer ali mas pelo menos aquele desgraçado iria comigo… só esperava que pelo menos a Rose sobrevivesse com a magia dela por um milagre. Foi o meu último pensamento antes de cair desta vez definitivamente contra a chão, sem forças, não vendo entrar um grupo de pessoas com roupas estranhas, sendo que a liderar o grupo estava nada mais, nada menos do que uma cópia minha, que mais tarde saberia ser o meu pai… o meu pai biológico.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Lado Cinzento" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.