Capítulo 6

Eu já abrira os olhos preparada para o que estava por vir. Não sabia exatamente o que era, mas eu estava preparada. Queria muito que tudo não passasse de fruto da minha imaginação, mas, como diz uma das minhas personagens preferidas, de um dos meus livros preferidos: aparentemente, o mundo não é uma fábrica de realização de desejos. Olhei em volta, procurando pelo garoto que eu ainda não sabia o nome e o vi no canto mais distante do quarto. Ele parecia estar com o corpo retesado, sentado no chão e recostado na parede. Parecia querer sumir dali, parecer menor e eu me perguntei porque ele não saia.

Vi-o se levantar no lugar e, indecisamente, se aproximar de mim aos poucos. Pulei da cama, indo parar do outro lado do quarto, o mais longe possível dele. Peguei uma bola de beisebol que eu mantinha em cima da cômoda - não me pergunte por que. Longa história. Dei graças a Deus que na noite passada eu tinha resolvido colocar um pijama mais decente, já prevendo que poderia encontrá-lo em meus sonhos. Dessa vez eu estava com uma calça de moletom preta e uma regata cinza. Você pode se perguntar o que eu tinha de vantagem com uma bola de beisebol na mão em comparação a um psicopata lindo que invadiu meus sonhos. Acredite, se eu souber onde mirar - e acredite, eu sei - e com a força necessária eu posso deixá-lo estéril.

Ele parou a alguns poucos metros de mim, parecendo querer uma distância segura de mim.

- Saia da minha mente. - ordenei, mas ele não sumiu e eu muito menos acordei. - Ou você sai, ou eu não me responsabilizo.

Ele olhou para a bola em minha e fez uma careta, parecendo que estava segurando o riso. E então a raiva subiu à minha cabeça. Mirei e taquei a bola. Ela acertaria bem a sua testa. Se a bola não tivesse parado no ar por uma força que desconheço. Segundos depois, a bola foi voando em direção à cama, sendo ali depositada. Olhei confusa e assustada para o menino, que apenas se aproximou mais e se sentou na minha cama. Fiquei meio atordoada quando ele sorriu para mim e tirou o boné. Passou a mão por seu cabelo negro, desgrenhando os fios levemente. Olhou em meus olhos e pude ver que não eram castanhos como havia visto antes. Eram azuis. De um azul lindo e límpido que, por um segundo, me deixou sem fala.

- Relaxe, não vou te machucar. - ele disse em uma voz rouca e grave, porém extremamente charmosa, que me fez arrepiar da cabeça aos pés.

- Ainda duvido um pouco. - eu disse, pensando em várias possibilidades de atacá-lo.

- Se eu quisesse, faria na primeira vez que apareci nos seus sonhos.

Toquei meu pulso direito, que ainda estava enfaixado para que não vissem as marcas de dedos. - Mas você fez.

Ele olhou rapidamente para meu pulso, com ar de desculpas. - Desculpe por ontem. Mas eu não estava falando de ontem. Eu disse a primeira vez que apareci em seus sonhos. E não foi ontem.

Fiquei mais atordoada ainda, sem saber o que pensar ou o que fazer a respeito do que ele disse.

- Quem é você? - perguntei, ainda afastada e na defensiva.

Ele sorriu para mim. - Meu nome é Nicholas Parker*.

- Beatriz Carter**. - me apresentei, ainda chocada pela beleza do menino. Me encolhi mais, sem saber se poderia confiar nele ou não. - Ainda não entendi... Como assim você já tinha aparecido?

Ele suspirou, parecendo cansado. - Olha, eu não vou te machucar. Não vou e não quero. Mas respondendo à sua pergunta...

Eu não consegui ouvir nada, pois sentia que estava perdendo a consciência. Ele arregalou os olhos e correu para me segurar antes que eu batesse a cabeça, mesmo sendo apenas um sonho.

- BIA! - ouvi uma voz grave e masculina me chamando. Espera... Masculina?! No meu quarto?!

Abri os olhos rapidamente e senti a luz forte da lâmpada me cegando. Fechei os olhos no mesmo instante, sentindo-os arderem, enquanto ouvia risadas ao meu redor. Abri primeiramente um olho e depois o outro, encontrando três criaturas no meu quarto que eu imaginei que nem poderiam estar aqui.

- Poxa, gatinha, você dorme demais. - reclamou Travis. Era mesmo pra ele estar aqui?!

- O que vocês estão fazendo aqui? - perguntei, curiosa.

- Viemos fazer uma visitinha. - disse Caroline, sorrindo marotamente.

- Mas e a escola?

- E quem liga?! - perguntou Trevor e nós três o encaramos perplexos. Desde quando ele não se importa com a escola?!

- A vida é uma só, eu também quero aproveitar! - ele disse e por um momento me perguntei se eu tinha pensado alto demais. Ao que parece sim.

- Bem, um pouco difícil convencer o manézinho, mas agora que conseguimos, não vai amarelar. - pediu Travis.

Revirei os olhos e assenti, sorrindo marotamente. - Qual é o plano dessa vez?

Eu já disse que adoramos prejudicar e humilhar os populares do colégio?! Não?! Bem, então eu digo agora.

- Eu te explico enquanto você troca de roupa. - Caroline se levantou indo ao meu guarda-roupa (que, infelizmente, não me leva a Nárnia!).

Os gêmeos ficaram olhando para nós, como se esperassem alguma coisa.

- Saiam daqui, seus tarados! - ordenei, me desembrulhando das cobertas e empurrando-os para eles.

- Ah, Bia!

- Estraga prazeres! - reclamaram ao mesmo tempo, enquanto eu fechava a porta na cara deles. Literalmente, pois pude ouvi-los reclamando do outro lado.

- TARADOS! - eu e Caroline gritamos ao mesmo tempo.

Caroline me jogou meu conjunto favorito - jeans pretos rasgado, regata preta com uma caveira vermelha, jaqueta de couro e meu all star preto com taxinhas - para que me vestisse.

- E então, como foi seu sonho com o garoto misterioso?! - ela perguntou tão de repente, me deixando tão chocada, que eu parei no meio do ato de enfiar uma perna na calça, o que resultou numa destranbelhada cainda de bunda e uma amiga da onça rindo até a alma.

- O QUÊ?! - resmunguei, quando consegui me levantar, mesmo ainda estando com minha linda bundinha doendo.

- Ah, Bia, nem tente esconder! Quando chegamos aqui você estava murmurando algo como "saia da minha mente". Era no mínimo estranho, então esperamos um tempo para ver o que mais você falava, e como foi só isso, resolvemos te acordar de uma vez. - ela explicou, sorrindo marotamente.

- Eu e minha mania de falar dormindo. - resmunguei indignada.

- Agora me diz... - pediu, enquanto me entregava a jaqueta. - O menino é bonito?!

Abri a boca, chocada. - Sua cavala piriguete! - esganicei, ainda sem acreditar. Ela revirou os olhos, ainda esperando por uma resposta descente. Fiz uma pausa dramática, enquanto amarrava o cadarço que faltava. - MUITO!

Ela abriu a boca e disse. - Ganhou na loteria, hein! Mas descobriu o nome do príncipe das trevas?!

Arqueei uma sobrancelha e cruzei os braços abaxo dos seios, pedindo uma explicação.

- Ah, para né?! Vai falar que você não pensou a mesma coisa?

- Sinceramente? Não! - respondi cinicamente. Parei um segundo para pensar se falava ou não. Quando respondi, senti algo se remexendo no meu estômago, como se eu conhecesse esse nome de algum lugar. - Nicholas Parker.

- Uau! - exclamou ela, parecendo surpresa com o nome e me perguntei qual ela pensou que seria. - Um nome de efeito, se quer saber. Bonito e aposto que o dono deve ser um deus grego.

- E como, viu?!

Assim que disse isso, ouvi um barulho atrás da porta e rapidamente desviei meu olhar para lá. Olhei pelo buraco que havia embaixo da porta e vi dois pares de pés ali. Troquei um olhar cúmplice para Caroline, que rapidamente entendeu o que eu pretendia e devolveu meu sorriso maroto.

- Sabe o que mais que aconteceu?! - perguntei cinicamente para ela, dando uma piscadinha para mostrar que o que eu estava prestes a falar era mentira.

- O quê, me diga? - perguntou, entrando na brincadeira.

Aproximei-me sorrateiramente da porta, ouvindo a respiração dos gêmeos do outro lado da porta. - ELE ME BEIJOU! - eu gritei, para não parecer que eu estava falando de perto da porta. Pude muito bem ouvir Travis perguntando "O QUÊ?!" numa voz chocada e esganiçada. Abri a porta de uma vez, vendo os dois esburrachando no chão aos meus pés. - Seus salafrários! - acusei entre risadas minhas e de Caroline.

- Me explica que história é essa! - exigiu Travis, levantando-se com sua expressão mais irada. Sabia que era um ponto fraco dele.

- Não aconteceu nada, idiota, eu conto no caminho para escola. Temos muito o que fazer.

Ele bufou, mas concordou.

- Vamos, mariquinha. - disse Trevor, empurrando seu irmão para fora do quarto. - Ainda temos que encontrar a irmã gostosa da Bia.

Foi minha vez de revirar os olhos. Ele era a fim da minha irmã, mesmo que eu ainda achasse que quem combinava com ele era a Caroline. - Já disse que você não vai pegar a minha irmã. - decretei, enquanto saíamos da minha casa, com duas mochilas preparadas, e íamos em direção ao carro de Travis.