A tempestade tropical insistia em castigar Southport, com a chuva caindo na maior parte do tempo, trabalhei só até o meio dia na clinica. Era difícil trabalhar em dias assim, precisava trazer as crianças para dentro e incentivá-las a jogar aqueles joguinhos educativos, mas elas não gostavam da mesma ideia. Eu havia pegado o jipe de Peeta emprestado e, depois de ir até a biblioteca, fui até a padaria para entregar o carro. Quando Peeta me deixou em casa, o convidei para jantar hoje com as crianças.

Passei o resto da tarde me sentindo quieta e estranha. Gostaria de pensar que era por causa do mau tempo, mas, enquanto olhava a chuva pela janela da cozinha, sabia que não era isso. Senti que algo de errado estava por acontecer. Estava tudo certo e perfeito. Meus dias com Peeta e as crianças preenchiam um vazio que eu nem me dera conta que tinha. No entanto, eu sabia que o que era bom não durava para sempre. É estranho, já que essa alegria era como uma estrela. Uma hora ela perde o brilho e some.

[...]

– Você está muito quieta essa noite. Está tudo bem, Katniss? – perguntou Peeta.

– Está tudo bem... Apenas fiquei chateada por causa do mau tempo. Fazia anos que não via uma chuva assim – falo.

– Ah sim, é sempre entediante quando isso acontece – concordou ele.

– Quanto tempo você acha que a chuva vai durar? – perguntei.

– Acho que não muito tempo. Por quê?

– Estava pensando que a chuva estragaria as coisas lá no parque de diversão e, claro, a viagem de Johanna.

– Johanna vem pra cá de qualquer forma, aliás, a natureza não seria tão cruel para estragar seus planos. Ela ama aqui e vim para Southport acalma seus nervos.

Sorri. – Você sabe que está fazendo uma boa ação, não é? Ajudando Johanna dessa maneira.

Peeta deu de ombros como se aquilo não fosse nada de mais. – Vocês vão se divertir muito amanha.

– No parque de diversões ou na sua casa com as crianças?

– Em ambos os lugares. E, quem sabe, no caminho se você me pedir com carinho, lhe compro até mesmo um sorvete frito.

– Sorvete frito? Peeta, que nojo!

– Na real, até que é bem gostoso.

– Vocês só comem frituras aqui por acaso?

– Bem, o que a gente puder fritar, fritamos. Anos atrás uma família meio estranha se mudou pra cá. Eles vendiam manteiga frita.

Arregalei os olhos. – Você está brincando comigo.

– Não estou. As pessoas formavam fila pra comprar aquele treco. É como entrar em uma fila para ter um ataque cardíaco.

Lavei o último prato e o entreguei a Peeta.

– Você acha que as crianças gostaram do jantar? Kristen não comeu muito.

– Ela não é de comer muito. Mas o importante é que eu gostei. Você tem talento pra coisa.

– Obrigada – falo – Estou ansiosa para passar a noite em sua casa.

– Você já esteve lá antes.

– Mas não assim. Além do mais fiquei só alguns minutos. Agora posso ver como você vive. Ainda não tive a chance de ficar no seu quarto e bisbilhotar suas coisas.

Peeta colocou as mãos na cabeça, fingindo estar horrorizado. – Você não ousaria em fazer isso.

– Talvez eu fizesse, se tivesse uma chance.

– Fique a vontade para passar quanto tempo quiser em meu quarto – falou Peeta, guardando os pratos.

Gargalhei. – Isso ai é papo típico de homens.

– Só estou dizendo que não me importaria. Você pode fuçar o quanto quiser. Não tenho segredos.

– Isso é o que você fala, Mellark – digo, o provocando – Você fala como alguém que tem vários segredos.

– Não em relação a mim mesmo.

Concordei com uma expressão seria no rosto.– Não em relação a você mesmo.

Peeta pigarreou. – Posso te perguntar uma coisa? – assenti – Não quero que me entenda mal, mas eu preciso falar.

– O que?

– Você casaria comigo? Quero dizer, já pensou na possibilidade de nos casarmos daqui algum tempo?

Senti meu corpo ficar travado enquanto lavava o resto da louça. – Você teria que pedir minha mão antes.

– E se eu a pedisse?

– Eu acho que diria a você que o amo.

– Katniss, mas você aceitaria?

Hesitei. – Não quero me casar novamente.

– Você não quer ou não conseguiria?

– Qual a diferença?

– Katniss... – começou Peeta – Você mudou, as coisas mudaram também. Não está tudo totalmente bem, mas você...

– Você não entende?! Por que você não pode aceitar as coisas do jeito que elas são? Por que você tem que me pressionar tanto a ser a pessoa que você quer que eu seja em vez de me deixar ser a pessoa que eu sou?

Ele recusou. – Eu amo a pessoa que você é.

– Mas você está estabelecendo uma condição para isso!

– Não estou!

– Está sim! – insisti, batendo as mãos contra a pia e me virando para ele. Sabia que estava quase gritando, mas não dava pra evitar – Você tem uma ideia fixa sobre o que quer da sua vida e está tentando fazer com que eu me encaixe nessa ideia!

– Não é nada disso – protestou Peeta – Eu só te fiz uma pergunta.

– Mas você está querendo uma resposta especifica! Você quer a resposta correta e, se não conseguir obtê-la você vai tentar me convencer a fazer o que você quer. Como se eu devesse fazer o que você quer! Como se eu devesse fazer tudo o que você quer!

Pela primeira vez que eu havia conhecido Peeta, essa era a primeira que ele me lançara uma olhar duro. – Não faça isso – disse ele.

– Fazer o que, hein Peeta? Dizer a verdade? Dizer como me sinto? Por quê? O que você vai fazer? Vai me bater? Fique à vontade!

Peeta se afastou de mim, como se tivesse levado um soco. Sabia que minhas palavras haviam atingido o alvo. Entretanto em vez de se irritar ou me bater, Peeta deixou o pano de louça sobre o balcão e deu um passo pra trás.

– Eu não sei o que está havendo, mas peço desculpa pelo o que disse. Não sabia que tocar nesse assunto te deixaria assim. Me desculpe. Estava apenas tentando conversar.

Peeta me olhou como se esperasse que eu dissesse algo, mas fiquei em silêncio. – Obrigada pelo jantar – murmurou.

Com passos firmes e com a cabeça baixa, Peeta deu meia volta e foi para sua casa.