Quando escrita por Samantha Silva


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Não é a melhor fic do universo, provavelmente falta um pouco de ação, mas quis mostrar como acredito que as coisas sejam para o Daryl, até o momento do fim da terceira temporada. O desenrolar, nada mais é que um devaneio meu.



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Tenho tentado não pensar no que tudo isso significa, no que isso que inunda meu peito pode estar querendo me dizer. Nunca fui do tipo que interpreta os sinais, embora, seja perito em fingir que eles não estão aqui.

É estranho pensar que o mundo “normal” não tenha feito por minhas emoções, o que este mundo destruído fez. Por ironia da vida, eu nunca me senti tão humano. Ironia, pois não é por conta dos muitos desses zumbis. Não. Nem mesmo por fazer parte de um grupo de sobreviventes que se fez família um do outro e minha também. Tudo isso é considerável, mas não é a real razão do despertar da minha humanidade.

É ela.

Ela acredita em mim, acredita na sinceridade dos meus gestos e palavreado chulo. Compreende as palavras do meu silêncio. É, também, a forma como ela olha para mim, como se eu fosse a ultima mão estendida do universo, o que, as vezes, me deixa fodido, porque não posso carregar toda essa confiança que ela lança sobre mim. Pesa como chumbo. O peso real de outra vida atrelada a minha.

Não podia esquecer ou me livrar disso. Não estava mais sozinho.

O ponto é que eu nunca fui dos mais espertos quando o assunto é romance, a simples menção a palavra me deixa confuso. E agora não sei dizer se é isso mesmo o que me tem faltado.

Eu olho para Glenn e Maggie e tento enxergar meus sentimentos revoltos através do deles, mas é em vão. Gostaria de beijar Carol daquela forma? Pensar na resposta me gela o peito. Mal sequer a toco, pois nas poucas vezes em que ousei tanto, meus pensamentos arderam como brasa.

Tudo é muito complicado para mim. Sei que algumas pessoas devem pensar que dentro do meu mundo – antes de tudo mudar, - eu tinha a mulher que quisesse, mas não era bem assim. Primeiro, porque um par de olhos miúdos e ariscos não é suficiente quando não se sabe como iniciar uma conversa e, segundo, porque nunca houve uma mulher que eu quisesse de verdade, minha atenção estava sempre voltada para outras coisas mais urgentes como, sobreviver ao meu pai e a droga de vida que levávamos. Não que não tenha havido algumas mulheres, mas nada duradouro ou importante, logo eu as espantava com meu jeito ou me cansava delas, pois o sexo não preenchia todo meu vazio.

Mulher era assunto do Merle, seu ponto fraco, na verdade. Ele estava sempre dependente de uma, não por sentimentalismo, mas por absoluta compulsão sexual. Lembro-me de desejar varias vezes nunca estar em situação semelhante. E do que adiantou desejar tanto, se agora me via em situação muito pior?

Pois por mais que meus sentimentos estejam confusos, ainda assim, é fato, eles existem. Eles estão aqui. Perturbando-me com toda essa incerteza.

Não sei se algum dia terei coragem para tirar a névoa dos meus olhos e enxergar o que está movendo-se dentro e fora de mim. É confortável levar os dias assim, tendo-a por perto, mas sem me preocupar demais com o porquê dessa necessidade tremenda.

Quando não estou com ela, por entre as brechas dos meus pensamentos, ela consegue aparecer e me pego pensando em como tudo nos levou até ali.

Penso em quando a conheci, na mulher frágil que não se impunha ao marido, na menina linda sempre a sua cola. Sophia. Aí me lembro de seu desaparecimento e de como abracei sua busca como algo indispensável. Era apenas uma criança e todo o mundo de Carol. Eu havia me separado de Merle sem saber se estava vivo ou morto, mas de qualquer forma, havia perdido meu vinculo com este mundo, não deixaria Carol perder Sophia, pois mesmo que minimamente, eu entendia o tamanho de sua dor.

Mas eu falhei e ela a perdeu.

A frustração me cegou por dias, nada parecia fazer muito sentido. Eu culpei a mim, culpei Carol e culpei o mundo. Mas como seria sempre dali pra frente: Carol tirou-me da dor reclusa e me colocou de volta no centro do mundo.

No final das contas, algo foi encontrado em toda minha busca por Sophia: Carol encontrou a mim e eu a ela.

Não era o que queríamos, nem o mais importante, mas tem sido nosso consolo desde então.

De repente, eu era importante para alguém, na verdade, para todos ali e eles tinham a mesma importância para mim. Foi preciso um mundo como aquele para que eu, finalmente, encontrasse meu lugar.

E é ao lado deles, principalmente dela, desde que meu irmão morrera.

Meus pensamentos me levavam para longe, vagando em cada membro daquele grupo, quando, como se para me dizer que nada era tão fácil assim, ela apareceu.

– Oi – cumprimentou ela, sentando-se em frente a mim dentro da cela minúscula.

– Oi – respondi secamente, como sempre.

– Vim lhe trazer comida, porque se não o faço, você nunca come.

Era verdade, no começo era necessário, pois a comida era tão escassa e não me sentia bem comendo a comida que poderia estar alimentando um dos mais novos ou as mulheres. Então, Carol sempre aparecia com um pouco de comida e me fazia comer.

Mesmo agora, quando atingimos certa estabilidade, embora a comida ainda seja racionada, eu não conseguia ir me servir. Gostaria de dizer que era para economizar, mas não. Como uma criança mimada e dependente, eu esperava Carol me trazer comida, não que ela fosse minha mãe ou eu fosse preguiçoso, eu apenas queria aquela breve atenção, o prazer da sensação de saber que alguém se preocupa com você.

– Obrigado – agradeci pegando a tigela que ela me estendia.

– Não por isso – e saiu, mas não sem antes me jogar um daqueles seus sorrisos genuínos.

Estava com a primeira colherada a caminho da boca, quando ela voltou a aparecer na porta da cela.

– Eu posso... - ela vacilou um pouco, antes de acrescentar: - ficar por aqui?

Minha resposta foi um discreto aceno com a cabeça, que ela compreendeu, sentando-se na beirada da cama onde eu estava.

Um longo silêncio se assentou, estava concentrado em minha comida, ou pelo menos tentando estar, já que era tão difícil me concentrar em algo que não fosse sua presença.

Não sabia o que ela queria ao permanecer ali, quer dizer, provavelmente não era nada. Nós tínhamos mesmo adquirido o hábito de nos procurarmos para ficarmos em silêncio na companhia do outro. Sempre acreditei ser nossa forma de dizer que queríamos descanso de todo o resto e de que éramos os únicos capazes de entender o silêncio aflito do outro – o que logicamente não é verdade, uma vez que, todos ali tinham seus pesares. Era apenas mais uma coisa nossa, uma particularidade da nossa “relação”.

Mas havia alguma coisa diferente na expressão dela, como se tivesse algo a dizer, mas não sabia como.

– Está tudo bem? – Acabei perguntando.

– Sim, tudo como sempre.

Seus olhos me fitaram cheios de ansiedade e tive certeza de que realmente estava escondendo algo.

– Desembucha de uma vez, mulher! – acabei por dizer. Não eram as palavras mais cavalheiras, mas costumava funcionar.

Como resposta às minhas palavras, ela deu um meio sorriso e abaixou a cabeça, mas logo começou a falar, enquanto olhava para as próprias mãos como se as lesse.

– Hoje seria aniversario da Sophia se ela estivesse viva.

As palavras me atingiram como um tiro no meio do peito. Por um instante o ar me faltou e não consegui dizer nada.

Carol, notando que eu havia arfado, me encarou e aqueles olhos buscando consolo e compreensão, também se mostraram prontos para compreender e consolar. Nada muito novo, tratando-se de nós dois, na verdade.

– É estranho, não é? – ela perguntou com a voz embargada.

Não entendi o sentido da pergunta. O que era estranho? Eu reagir daquela forma? Aquilo nos agredir tanto, mesmo depois de todo o tempo que se passou? Sophia ainda estar na superfície de nossas emoções? O mais estranho, para mim, em todo caso, era ela ter demorado tanto para me contar aquilo, pois já se passava das sete horas da noite, logo iríamos dormir e o dia teria terminado sem que ela contasse, nem mesmo contou antes, em nenhum dos outros dias que antecederam aquele.

– O que é estranho? – Me vi perguntando. – Por que está me contado isso só agora? Você teve todo o dia, na verdade, toda a semana, o mês... – ela me olhou um pouco assustada, eu estava elevando a voz gradualmente.

Quando ela fungou, percebi que estava realmente me excedendo, ao invés de proporcionar o consolo que ela estava precisando.

– Você devia ter me contado antes, eu... – cobrei sem muito empenho.

– Do que adiantaria? Você planejaria uma festa?

– Não, mas... - as palavras certas não ocorriam, estava difícil pensar com ela tão fragilizada daquele jeito. Uma dor lancinante crescia dentro de mim e eu não estava acostumado a ter que lidar com esse tipo de angustia.

Com ambos mergulhando na própria lamuria, o silencio ameaçou assentar-se ali, mas a respiração afundada em lágrimas de Carol o impedia.

Eu já tinha deixado de lado minha comida, nada passaria por minha garganta apertada. Agora eu apenas não conseguia desgrudar os olhos dela, ela estava a menos de um metro de mim e tudo que eu queria era ser corajoso o suficiente para chegar ainda mais perto e abraça-la, mas sabia que não conseguiria tanto, ou pior, não conseguiria nada, nem mesmo repousar uma de minhas mãos em um de seus ombros.

Sempre fora tão difícil toca-la, tão difícil reconhecer a mim mesmo que era isso que eu queria. Assim como sempre fora difícil demonstrar tanta preocupação por ela ou qualquer outro. Para minha sorte, ela conseguia enxergar a intenção nos meus olhos, mas por mais que tenhamos nos tornado próximos, exteriorizar a dimensão dos meus sentimentos, ainda era tabu para mim.

– Eu tenho lutado tanto para parecer corajosa, mas...

– Você é – completei interrompendo-a, enquanto agradecia mentalmente por suas palavras terem interrompido o duelo em minha cabeça.

– Se fosse não estaria nesse estado.

– Humpf! Não seja boba, Carol. Você perdeu uma filha, sofrer por isso não tem nada a ver com falta de coragem.

Para mim foram apenas palavras previsíveis, mas para Carol deve ter sido algo diferente, pois ela ergueu o rosto, me encarou e, definitivamente, por mais absurdo que possa parecer, havia um leve sorriso nascendo nos cantos de sua boca pequena.

– E agora você sorri, pode ser menos maluca?

– É que gostei do que disse – explicou, arrastando o corpo e se aproximando de mim. – E da forma como disse, também. Você sabe usar bem as palavras, quando se esforça.

Ela merecia uma resposta, mas eu estava perturbado por sua proximidade, ridiculamente lisonjeado com o elogio debochado e tentando me manter fiel e preso ao sentimento de perda em relação à Sophia. Era esse o assunto, certo?

– Tem que aprender a lidar melhor com a dor, já é bem grandinha. Você se tornou muito corajosa, não é mais aquela mulher sempre assustada e frágil. Pensei que já soubesse disso. Ficar choramingando para os outros não resolve nada, nem melhora. A dor é sua.

Minhas palavras causaram o efeito esperado, ela esqueceu qualquer outro assunto e deixei de ser o centro da conversa. Suas mãos tremiam de leve com o efeito das minhas duras palavras. Talvez minha intenção não fosse a mais genuína, mas disse o que devia ser dito.

Independente da situação era apenas a verdade.

– A que custo não é? – a pergunta saiu entrecortada por entre seus lábios, e me amaldiçoei por causar novas lágrimas.

– Mesmo que Sophia estivesse aqui, você já seria essa mulher que é agora, pois não foi a morte dela a responsável por isso, foi toda a nossa vida desde que o mundo mudou.

Tentando se restabelecer emocionalmente, ela esfregou as mãos no rosto, secando as lágrimas. Logo em seguida, seu rosto virou para encarar o meu e tive consciência do quanto havia escurecido, pois mal conseguia enxergar sua expressão.

Como se tivesse tomado ciência do mesmo fato, ela repousou uma das mãos sobre meu joelho e meu coração pareceu parar por um instante.

– Obrigada – agradeceu ela, flexionando os dedos sobre minha calça jeans.

Além da escuridão, devido às nossas palavras sussurradas, foi fácil notar o silêncio geral. Até pouco tempo atrás se ouvia burburinhos ao fundo, pois estavam todos os outros muito próximos dali, mas de repente, nada se ouvia.

Todos deviam ter se encaminhado para dormir e sendo do Rick, a primeira hora de vigília, com certeza não havia nada para se ouvir, tamanho sua capacidade de movimentar-se sutilmente.

Não sei quanto tempo passei pensando nisso, mas quando voltei a mim, Carol permanecia a minha frente e sua mão em meu joelho.

Mesmo na escuridão, dava para perceber que ela não olhava para mim, na verdade, sua cabeça estava virada na minha direção, mas seus olhos – agora duas órbitas negras ilegíveis – pareciam ver além. Senti meu rosto esquentar.

Oh Cristo! Eu estava corando! Bendita seja a escuridão que não a deixou ver isso.

– Você fez muito por ela. – E lá estava ela retomando o assunto. – Já lhe disse isso, mas não me cansa dizer de novo, você fez mais por ela, do que o pai dela faria ou fez. Isso é algo realmente valioso para mim.

Pensei em interrompê-la, mas ela mal respirava entre uma palavra e outra, então, não havia espaço para interrupções. Ela estava descarregando toda a carga que tinha carregado durante muito tempo, então, mesmo precisando explicar que eu não fizera nada demais, era melhor deixar para depois.

– Sophia era todo meu mundo – continuou ela. – E, de repente, ele se fora. Eu mal tive tempo para ficar de luto, esse mundo não te deixa tempo para lamentações. Queria ter podido chorar mais por ela: dias, semanas e meses. No dia que seria o primeiro aniversário dela, após sua morte, nós estávamos tão fracos, tão cansados de pular de casa em casa procurando abrigo e comida, que mesmo lembrando, não tive tempo para ficar me lamuriando, mas aqui, agora que estamos mais estabilizados, tempo não me falta e... Ela merecia todas as minhas lágrimas, mas não. Não nesse mundo. Aqui, quando você perde uma pessoa, no segundo seguinte você já está lutando para não perder outra ou a própria vida. As vezes, eu fico me perguntando qual o sentido disso tudo, por que ficar adiando o inevitável? Todos aqui sabemos que teremos uma morte antecipada. Eu só... – as lágrimas a engasgavam, a cada palavra ficava mais difícil falar. – Eu só queria minha filha aqui. Só isso.

Tendo concluído, ela parou de falar e chorou em silêncio.

Seus ombros movimentando-se, discretamente, quase imperceptíveis no escuro, não era a mais reconfortante das visões. Ela estava em cacos, só agora me dava conta do fardo que ela carregara todo esse tempo. Tal constatação massacrava meu peito e mais uma vez me vi com dificuldade para respirar.

Por que tinha que doer tanto? Por que aquelas duas, mãe e filha, tinham se emaranhado em minhas entranhas daquele jeito? Toda uma existência cuidando da própria vida, arruinada pela vida de outras pessoas. Eu havia superado Sophia, não havia? Afinal, eram as regras daquele mundo e eu as seguia. Por que Carol não sofria sozinha? Por que foi dividir comigo toda aquela dor?

Ah droga! Meus olhos estavam úmidos e queimando, não era possível que eu estivesse prestes a chorar.

Pisquei várias vezes, até meus olhos pararem de frescura. Adiantou, mas não tanto quanto o esperado. Os olhos estavam secos, mas dentro de mim ainda era tempestuoso. Olhava para Carol e tinha vontade de gritar com ela, de culpa-la por tudo, assim como fizera na época em que encontramos Sophia, mas sabia que não resolveria, que estaria fugindo da real razão da minha dor de cabeça.

A verdade é que, apesar de toda a sincera dor por Sophia e Carol, todo meu desnorteamento estava no único fato de querer abraça-la. Apenas isso.

Queria envolver meus braços ao redor dela, queria que ela repousasse a cabeça em meu peito e, enquanto a acariciava os cabelos, ia lhe dizendo que tudo ficaria bem, que eu estava ali e não a abandonaria, assim, logo suas lágrimas cessariam, ela pararia de tremer e tudo estaria calmo outra vez.

Parecia tão simples na minha cabeça, mas a mera expectativa de execução estava deixando meus músculos doloridos de tensão.

Tentei enxergar sua expressão, mas estava escuro demais e foi essa mesma escuridão que me deu o mínimo de coragem que precisava.

Foi tudo tão rápido, em questão de instantes descruzei minhas pernas e a puxei em direção ao meu corpo. Logo ela estava encolhida entre minhas pernas, com meus braços ao seu redor, a cabeça reconfortada em meu peito ofegante.

– Pare já com isso, está bem? – disse com suavidade, embora as palavras soassem grosseiras – Lágrimas não a trarão de volta e você deve agradecer por estar viva e com amigos.

Ainda queria mais, queria acariciar seus cabelos, mas a primeira dose de coragem não servia para tanto. Minhas mãos estavam espalmadas em suas costas, petrificadas.

– Não é tão fácil – ela resmungou em resposta ao que eu disse.

– Eu sei, eu sei.

E, de repente, lá estavam minhas mãos em movimento. Uma alisando suas costas, a outra enroscando meus dedos em seus cabelos, numa caricia desajeitada.

Minha atitude a surpreendeu, por fim, e ela ergueu o rosto para me olhar. Mesmo no breu, pude ver seus olhos brilhantes por trás das lágrimas e meu coração acelerou. Seu rosto estava tão próximo ao meu, mas ela abandonou meus olhos e analisou a situação, percorrendo os olhos por nossos corpos. Tão próximos.

Carol já havia me tocando antes, até mesmo beijou-me no rosto, mas era notável o quanto aquela proximidade a tinha embaraçado, logo ela, que de vez em quando arriscava sorrisos significativos e conversas provocativas.

Pensei que fosse se afastar abruptamente, mas não o fez. Apenas voltou a me encarar, segundos antes de afundar o rosto no meu pescoço e estender seus braços ao meu redor.

Meu coração batia descompassado tentando acompanhar a linha dos meus pensamentos, mas era em vão. Tudo estava embaralhado, distorcido e incompreensível.

Nenhuma palavra fora dita e o único movimento era o de nossos braços apertando um ao outro como se pudéssemos nos fundir. Não havia mais lágrimas, mas também não havia risos. Eram emoções demais para que houvesse tempo de qualquer órgão responder a cada uma delas.

Não sei o que ela estava pensando ou sentindo, pois aquilo já não era mais um abraço de consolo, não estávamos mais nos entregando a dor ou ao alivio, mas ela correspondia ao meu contato.

Afundei meu rosto na curva do seu pescoço e o cheiro de sua pele entorpeceu meus sentidos. Eu precisava de mais. Eu queria morrer daquilo.

Nós estávamos em ebulição.

Sem conseguir conter, um gemido escapou da minha boca e isso trouxe os olhos dela de frente para os meus.

Nada sobre nós dois havia sido dito entre nós, se nunca fui capaz de reconhecer meus sentimentos, o que dirá, expô-los. Tudo sempre foi silencioso. Como se não falar sobre, significasse não existir.

E naquele momento, toda essa “prática” de ler em nossos olhos o que devia ser dito e o que não devia, o que se estava omitindo e o que se mostrava, fez com que as palavras fossem desnecessárias, pois já sabíamos o que queríamos e como aquele impasse terminaria.

Foi um alivio saber que eu não era o único a querer ainda mais.

Talvez não fosse o melhor momento. Muito provavelmente eu me arrependeria depois, quando constatasse que tinha criado um vinculo perigoso em um mundo como aquele. A partir dali não seria apenas uma questão de alguém a quem proteger e lamentar a perda. Eu estava condicionando a minha existência à dela.

Era o meu fim.

Tudo isso me ocorreu nos segundos nos quais se sustentou o seu olhar no meu. Era um lampejo de alerta, mas eu o ignorei.

Minhas mãos subiram por suas costas e estenderam-se por sua nuca, puxando-a em minha direção. Logo meus lábios cobriram os dela e suas pernas se entrelaçaram em meu quadril.

E, então, eu era fogo, nós éramos fogo.

Nós explodimos.


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Notas finais do capítulo

E é isso.
Agradeço a paciência, a quem chegou até aqui.