Eu Odeio Esse Fantasma! escrita por Julia


Capítulo 2
O sobrenatural faz o seu retorno.




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Eu sinceramente não sabia qual era exatamente a logística por trás de despertadores.

Quero dizer, eu sabia, teoricamente, que servia para acordar seu dono, ajudar a manter o horário, pontualidade e tal. O que eu não conseguia entender, era como algo minúsculo e inofensivo podia fazer alguém tão delicada e calma como eu sentir vontade de quebrar o aparelho a machadadas e caçar todos os fabricantes que já ousaram criar o objeto.

Então, como eu não podia realmente quebrar aquela desgraça a machadadas, me limitei a acordar com o barulho irritante e colocar meu travesseiro sobre a cabeça, tentando abrir as pálpebras ainda grudadas.

— Eu não mereço isso. Realmente não mereço.

Ou talvez merecesse. Depois do dia anterior, todos tinham sido dispensados e os cochichos agitados começavam a crescer. Julie Evans? A garota maluca que gritou com o pobrezinho e inofensivo Ryan? Que vagabunda. Descarada. Malcriada e sem modos. Uma selvagem. 

Eram o que diziam. Eu não dava ouvidos, obviamente, mas ficava cada vez mais... difícil fingir que não era verdade.

A diretora acabou nos obrigando a ir para a escola no final de semana, o velório do falecido Rayn Miller - eu teria que me acostumar com isso - seria lá. Não era minha culpa e com certeza seria um inferno ter todos os olhares da escola voltados para mim, destilados de ódio, mas eu me sentia bem em saber que haveria uma despedida. 

Só que esperava que o garoto não voltasse a noite para puxar meu pé.

[...]

Quando cheguei na escola, foi inevitável não notar a primeira coisa que entrou em meu campo de visão de maneira tão abrupta: a maioria das garotas. Tive que torcer um pouco o nariz; eu não queria estereotipar mas todas as lideres de torcida iam do médio ao máximo na produção - maquiagens completas, vestidos de marca, paninhos para enxugar as lágrimas e estavam suspeitosamente perto ou agarradas aos caras do time de futebol, que pareciam genuinamente tristes com a situação toda. 

Olhei de relance para minha blusa preta, calça jeans e rabo de cavalo que achei que estavam de bom tamanho. Os olhares de todos diziam o contrário.

— Jules!– Adrian abanou enquanto vinha em minha direção, prontamente me abraçando quando tinha chego perto o suficiente e consequentemente se tornando um escudo entre mim e o resto da escola.

— Oi. A Stay já chegou?

— Já, está lá dentro prestando condolências aos pais, sabe como ela é... Muito prestativa – Falamos a ultima frase juntos e suspiramos uma risada fraca. Ele me deu um aperto mais forte e me deixou ir, não se afastando muito enquanto andávamos até o ginásio como se pudesse me proteger dos olhares de desprezo que eu recebia.  

 Se o clima fora da escola estava tenso, dentro era quase palpável. Havia várias cadeiras espalhadas pelo local, tomado por estudantes de roupas pretas e rostos que iam do tédio a total devastação. Ryan, eu tinha descoberto, era um cara popular - amado por muitos e odiado por outros, mas um nome que todos conheciam.

Bem, todos menos eu, ao que parecia.

Que grande maneira de descobrir. 

 — Oi gente – Stacy veio em nossa direção, parecendo abatida e cansada. Estava mais arrumada que nós e tentava aparentar o mesmo rosto sorridente de sempre, sem sucesso – Nossa, vocês não fazem ideia de como estão os pais do Ryan, eu estava tentando o meu máximo para não chorar, mas foi difícil. Hã, Julie, sem ofensa mas sério, que roupa é essa?

Revirei os olhos com seu olhar de desaprovação e enfiei minhas mãos no bolso frontal do jeans surrado, me encolhendo um pouco defensiva.

— É só uma roupa Stacy, boa como qualquer outra. Não é como se o cara fosse se importar - Vi minha amiga abrir a boca, com uma expressão que ia de compreensiva a indignada e rolei os olhos antes que o sermão gentil começasse - Vou lá me sentar ok? 

Logo o velório começou. Na verdade, eu só fiquei jogando joguinhos com o meu celular, já que metade das pessoas que se levantavam para prestar condolências a Ryan naquele púlpito, ficavam me encarando com ódio e tentando ser discretos em me alfinetar com palavras ácidas. Decidi ser a babaca que todos esperavam e de praxe ainda fechar meus ouvidos para aquela ladainha; grande coisa honrar o falecido quando era mais fácil ficar culpando a garota que nem tinha grande participação na história, não é? Otários.

Foi naquele momento que recebi uma mensagem de Stacy e tive que dar um sorriso discreto.


Enviada às 11:30
Amor da minha vida ♥ diz:
TENHA RESPEITO GAROTA!! Para de mexer nesse celular!

Arqueei a sobrancelha e respondi na mesma hora.

Enviada às 11:30
Eu? Mexendo no celular? Olha quem fala. Você mandou mensagem como?

Via carta?

Naquele momento, ouvi um barulhinho indicando uma nova mensagem e revirei os olhos com tanta força que quase podia ouvi-los. 


Enviada às 11:32
Maior babaca da terra diz:
PAREM DE ESCREVER!! Olhem essa gata que vai falar agora.

Bufei outra vez com a mensagem de Adrian, mas olhei em direção ao caixão e vi uma das lideres de torcida loiras (tinham quatro delas ok? Eu não saberia identificar) chorando desesperadamente (e falsamente) em cima do caixão. Rayn estava ao lado dela, tentando não rir com a cena.

Espera.

Rayn?!

Senti o celular escorregar da minha mão e cair com um estalo no chão, no mesmo momento que em que me levantava com um salto e apontava um dedo acusatório e tremulante em sua direção. Todos agora me encaravam, mas aquela com certeza era a menor das minhas preocupações no momento.

A garota havia parado de chorar, assustada e Rayn me olhava com os olhos confusos e esbugalhados. 

— C-Como você pode estar aqui?! - Botei uma das mãos na frente da boca e senti que tremiam loucamente - Ai meu Deus, ai meu Deus! Eu estou ficando doida. É isso, eu perdi o juízo de vez, a culpa está corroendo meu cérebro. 

Se possível, ele arregalou mais ainda os olhos e escancarou a boca em uma descrença óbvia.

— Você pode me ver? – Perguntou assustado e tremi violentamente. Abracei meu corpo e neguei com a cabeça, fechando os olhos e torcendo para aquela alucinação passar logo. Os olhares dos outros estudantes tinham mudado de desprezo e agora partiam para algo como choque e diversão, talvez pensando se eu não era possivelmente uma viciada em drogas pesadas.

Mesmo de olhos fechados eu ainda conseguia ouvir, e seu gemido de desagrado foi alto e claro no silêncio chocado do ginásio. 

— Ah, mas que grande merda. Justo você?!

Franzi a testa e abri os olhos, vendo sua pose de irritação, tão igual àquela mesma manhã da briga que me assustou. 

— Como assim justo eu?! – Era incrível que mesmo o cara estando morto - ou não, eu já não sabia mais. O que estava acontecendo? - ainda conseguia ser o maior idiota com quem eu já tinha lidado.

Era essa a minha sorte.

— Hã, Julie? Você... você está bem? Se o choque da morte do Ryan foi muito grande, eu vou entender. Pode ir pra casa e descansar – Stacy sussurou enquanto me encarava preocupada, de olhos arregalados, assim como Adrian, algumas fileiras mais a frente.

Olhei para ela e depois para todos os outros que ainda tinham a mesma expressão de incredulidade no rosto que lentamente se transformava em uma diversão silenciosa. Ah sim, a culpada de tudo finalmente enlouqueceu, bem feito para ela. 

Encarei por fim, o garoto de pé perto do seu suposto caixão.

— Eles também podem te ver, não é? – O loiro bufou e balançou a cabeça desolado.

— Como é possível que eu acabei ligado a pessoa mais burra da escola? É óbvio que eles não conseguem me ver, sua tapada. 

Arregalei os olhos, nem registrando a ofensa enquanto as coisas se assimilavam rapidamente na minha cabeça. Acabei por decidir em dar um sorriso amarelo para todos e fiz a coisa mais sensata a se fazer naquele momento.

Saí correndo.


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