É claro que depois daquilo fui mandada imediatamente para a espécie de diretoria do hotel onde o professor de biologia realmente ficou muito furioso comigo. É sério, acho que eu nunca tinha ouvido tantos palavrões saindo da boca de um professor antes e olha que eu já escutei muitos...

No final das contas, tentaram ligar para os meus pais virem me buscar, mas a minha querida mãe não podia porque – sintam a novidade – ela estava viajando. Então o senhor-eu- sou- fodão do professor de biologia me trancou em um quarto isolado até a viagem acabar, só porque eu quebrei o nariz de uma garota. Por favor!

E ainda por cima tirou todos os meus aparelhos eletrônicos. Lindo isso, como se o meu celular com lanterninha e jogo da cobrinha fosse me ajudar a sair daquela prisão.

__Você não pode fazer isso! – Eu falei quando ele me empurrou dentro da sala lotada de arquivos, com uma janela minúscula e um colchão de ar furreca, tacando a minha mala sem a mínima delicadeza – Nem tem banheiro nessa merda!

__Srta. Evans, eu sinto muito, não queria ter que fazer isso mas você não me deu escolha... – Aham, velho mal comido, eu to vendo o teu “sinto muito” nesse sorrisinho descarado – Você vai ficar aqui até a viagem acabar. O cartão do seu quarto ficará comigo e qualquer coisa o segurança Paul, estará aqui fora caso precise fazer suas necessidades fisiológicas. E nem tente fugir.

Ele bateu a porta com força e o ouvi dando instruções para o armário do lado de fora.

Como assim gente? Eu só quebrei o nariz dela!

Começei a socar a porta repetidamente.

__ME TIRA DAQUI DESGRAÇA! EU VOU PARTIR SEU NARIZ EM TRES PARTES SE VOCÊ NÃO ABRIR A DROGA DESSA PORTA AGORA!

__Garota, dá pra você calar essa boca? – Ouvi o mamute falar.

Abri minha boca mas nenhum som saiu dela, estava chocada demais para falar alguma coisa.

Ouvi uma risada histérica atrás de mim.

__Eu tenho que dar o Nobel pra esse cara. É sério.

__O que eu fiz pra merecer você Miller? - Suspirei irritada

Ele parou de rir.

__Você acha que eu não quero saber? Por que só você me vê Evans?

__Olha, depois a gente conversa sobre isso ok? Eu tenho que sair daqui! Não posso passar a viagem inteira nesse lixo.

Rayn de uma risada de escárnio.

__Boa sorte.

Mostrei a língua e pensei em alguma coisa para sair daquele lugar.

__Como eu vou sair daqui se a única coisa que eu tenho é... Ah! Ah!

__Eu conheço essa cara. Você vai fazer alguma merda. Ah, isso não é bom... – Ele comprimiu os lábios, formando uma linha fina de preocupação.

__Que cara Rayn? Ta maluco? – Balancei a cabeça

__Deixa pra lá...

Dei de ombros e comecei a arquitetar meu plano.

__Tudo bem, voce vai ter que me ajudar Miller – Eu olhei para ele e o vi fazer uma cara de horror

__Nem pensar Evans! Eu não vou me meter nas suas loucuras!

__Olha Rayn, primeiro: Você é um fantasma seu cabeção! Ninguém vai te ver ou te ouvir! E segundo: Eu não vou ficar a viagem inteira aqui. Você vai me ajudar ou não?

Ele bufou e bagunçou o cabelo, me tirando do ar por alguns segundos.

__Tudo bem... Você não iria conseguir sem mim mesmo – Ele deu um sorriso sacana

Foi a minha vez de bufar.

__Aham, ta. Escuta, tudo o que você tem que fazer enquanto eu distraio o segurança é pegar a chave da porta que está no cinto dele. Que coisa clichê... – Rolei os olhos

__Uh! Legal! Vamos ser tipo espiões!

Olhei para ele com descrença.

__Você tem quantos anos? Cinco?

__Acho que você já me perguntou isso...

__Só... Cala a boca. Depois de você pegar a chave, vai avisar a Mile sobre o que está acontecendo e fala pra ela inventar alguma coisa para o mamute cair fora. E depois vamos para a segunda parte do plano.

__Cara que demais! Eu vou ser tipo... Um James Bond do século vinte e um!

__Você acha que o James Bond é de que século idiota?! – Me controlei para não dar um soco em seu braço.

__Ah... é verdade...

Dei um tapa em minha própria testa. Ninguém merece...

[...]

Já era noite e Rayn estava preparado quando comecei a distrair o gorila que estava na frente da minha porta.

Dei alguns socos na mesma para chamar sua atenção.

__O DA PORTA!

__ O que foi garota?

__Eu to com vontade de ir ao banheiro...

__Você não estava antes quando eu perguntei...

__É né querido! As coisas mudam! Eu não vou ficar com a bexiga cheia só quando você me perguntar – Revirei os olhos. Adultos...

__Por que eu acho que você está mentindo?

__Sei lá madame Creuza! Vê na sua bola de cristal e me diz! - Ergui as mãos para o alto mesmo sabendo que ele não podia me ver.

__Sua mãe não te deu educação não? – Senti a sua irritação e sorri. Eu tinha um dom.

__Deu sim, mas eu só uso com pessoas que não me batem, não me xingam e não me deixam presas em almoxarifados de hotéis. Pera ai, deixa eu ver aqui na minha lista... Oh! Vejam só!

Vocês sentiram todo o meu sarcasmo e ironia escorrendo da tela do computador?

Juro que ouvi ele rosnar.

__Por mim, você ficaria ai pra sempre! – Ele cuspiu as palavras

__Obrigada pela sua preocupação.

Rayn apareceu atrás de mim balançando umas coisinhas brilhantes.

__Mandou bem. Eu tava quase te espancando junto com o segurança. Você é muito irritante!

__Me sinto honrada! – Coloquei a mão no peito - Agora vai falar com a Mile!

Ele me entregou a chave e uma descarga elétrica correu dela até a palma da minha mão.

Bizarro...

Rayn me deu um sorriso e sumiu.

Começei a preparar as minhas coisas para conseguir correr sem deixar minha mala de trezentos quilos me atrapalhar. Ta, nem era tão pesada, mas meus ombros são frágeis e delicados ok? Ok.

Pouco tempo depois ouvi uma movimentação do lado de fora e colei meus ouvidos na porta para conseguir entender o que diziam.

“Ah meu deus! Graças a Deus eu achei um segurança por aqui! Sério, eu achei que teria que levar ele para o hospital sozinha!”

“Se acalma moça. Levar quem?”

“Meu amigo! Ele está machucado! E ele é muito pesado para eu carregar sozinha!”

“E-Eu não posso sair daqui. Sinto muito!”

“O que? Por que não pode sair? Ele está ferido! Seja lá o que você tem que fazer, não vai demorar! Por favor...”

Uau! Se eu não soubesse a verdade, até eu teria acreditado...

Senti que o segurança hesitou por um momento antes de sair atrás de Mile.

Coloquei a mala no ombro com uma velocidade impressionante e busquei a chave certa naquele molho de prata. Abri a porta e sai correndo feito uma doida, tomando cuidado para que ninguém me visse.

Saí da porta de entrada e me escondi em uns arbustos onde era possível ver todo o hotel. Demorou um tempo até o Miller aparecer, mas ele sempre me encontrava. Ele sempre sabia onde eu estava.

Isso era bem constrangedor as vezes.

Senti alguém do meu lado e me virei para reclamar com Rayn, mas minha voz se perdeu no meio do caminho.

Rayn estava vestido para combate. Calça jeans escura, uma blusa com gola v preta –que ressaltava seus músculos - coturnos pretos e o cabelo se escondia sob uma touca preta que pendia para trás.

Ele estava altamente gostoso naquela roupa.

Então, com a minha tara por toucas, não me julguem se a primeira coisa que eu falei foi:

__Onde você arranjou essa roupa?

Rayn me olhou empolgado e respondeu com uma rapidez impressionante como se aquilo não fosse nem um pouco importante.

__Eu me concentrei e mudei a roupa para ficar mais camuflado. Como um ninja.

__Huh...

__O que foi? Não gostou? – Ele me olhou com aqueles olhos azuis penetrantes.

__NÃO! Quer dizer... Você ficou bem nessa roupa. Preto fica bom em você. Não estou te chamando de gótico nem nada é só que ficou ótima a roupa. O caimento. Ressalta seus mus... Hm... Ficou... Legal.

Ele me olhava com divertimento e malicia para a minha confusão agora.

__Julie?

__ O-Oi?

__Você acha que eu fiquei bonito nessa roupa? – O desgraçado se divertia com a minha vermelhidão sob a luz da lua.

Olhei diretamente para a frente, onde avistei o professor de biologia saindo da porta de seu apartamento. Era a hora de pegarmos o meu cartão.

Olhei para Rayn que ainda esperava uma resposta.

__Rayn?

__Diga.

__Você ficou muito gostoso nessa roupa.

E sai correndo, totalmente vermelha enquanto Rayn ficava paralisado. SIM PESSOAS! EU SAI CORRENDO! O QUE EU PODIA FAZER? BEIJAR ELE?

Parei em um outro arbusto, perto da porta do quarto daquele leão marinho com óculos. Rayn chegou no meu lado com os músculos tensos e olhou de relance para mim.

__Hm, vamos lá. – Ele ajeitou a touca na cebeça e eu quase tive um derrame.

__Hm, ok, vamos.

Rayn foi primeiro, passando pela porta, enquanto eu olhava para conferir que aquele professor maldito não viesse para o quarto.

Segundos depois a porta se abriu para mim e sorrateiramente, eu entrei no quarto cheio de bichos nojentos, espalhados e dentro de vidros com um liquido verde.

Ajeitei a minha mochila no ombro e tirei de lá pó de mico, jogando na cama do professor. Sim eu tinha pó de mico para zoar com a Mellany.

Comecei a procurar meu cartão. Tentei não bagunçar nada, para que não existissem pistas que nos delatariam.

Abri a porta do armário, já impaciente, e avistei um cofre. Meus olhos possivelmente brilharam.

__Rayn? – Falei sussurrando

__Que foi? – Ele perguntou no mesmo tom

__Vem aqui.

Ouvi seus passos atrás de mim.

__Ah. Um momento. – Ele esticou a mão e a mesma atravessou no cofre com facilidade. Ah, como eu amo fantasmas!

Logo, a mão dele voltou a surgir, junto de um cartão que acenava para mim.

Bem, eu achei que ele tinha acenado.

__Vamos dar o fora daqui.

Quando nos viramos para ir embora, o barulho da porta sendo destravada preencheu meus ouvidos e eu entrei em pânico.

Me atirei no chão, machucando minhas costelas e rolei para debaixo da cama, em uma velocidade surpreendente. Pude ver a porta se abrindo e os pés de morsa dele se movimentando pelo quarto.

__Como assim ela fugiu?! - Ele berrava furioso ao telefone.

Prendi o riso e Rayn apareceu ao meu lado, sorrindo sacana.

__Impossível! Dê um jeito de acha-la imediatamente! Essa garota não pode ter ido longe!

Senti o colchão afundar. Rayn estava de frente para mim, me olhando com curiosidade. Ele estava muito perto mesmo.

__Você também está muito gostosa Evans.

Quase engasgei com aquela declaração.

__O que?! Vai falar sobre isso agora?!– Sussurei nevosa.

Ele soltou um risinho pelo meu ataque de pelanca. Seus olhos azuis analisando os meus.

__Mas que merda Evans! Você só dá trabalho hein?! - A voz do professor se sobressaiu, irritada.

Com essa declaração. Dois sorrisos surgiram.

Embaixo de uma cama de hotel.