Eu Odeio Esse Fantasma! escrita por Julia


Capítulo 1
Julie Azar Evans.




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— Ai! Mas que merda!

Caro leitor, fique sabendo que não era com essas palavras que eu pretendia começar o dia. Tinha sorte por meus pais não estarem por perto para escuta-las naquele momento, já que há algum tempo atrás aquilo estava saindo um pouco fora do meu controle - os xingamentos, quero dizer. 

Ser uma estudante do ensino médio já é complicado o suficiente quando você não tem que lidar com os problemas de raiva que sua psicóloga diz existir.

No entanto, eu estava atrasada e bater a canela na mesa de centro da sala parecia ser uma boa desculpa para xingar alguma coisa. Além disso, meu atraso era justamente para o trabalho (sem pagamento, devo ressaltar) que fazia de vez enquanto na loja da minha queridíssima mãe. Ou seja, eu não poderia ser culpada por nada.

Ah. Suponho que deva me apresentar, antes de começar a divagar sobre minha vida difícil. Muito prazer, meu nome é Julie Evans. Dezesseis anos, com uma disposição similar a de setenta. Talvez não esteja interessado em saber, mas meu cabelo, no melhor dos dias, se assemelha a um ninho de rato - o que não ajuda nenhum pouco a autoestima, vou te dizer - e meus olhos não ficam muito atrás, possuindo a mesma cor de barro comum de tantos os outros.

Não que eu esteja dizendo que você, estimado leitor, tenha olhos cor de barro, entenda.

Graças a minha genética por parte materna, posso comer quase tudo o que for colocado em minha frente. Minha dieta, para muito desagrado de minha mãe, consiste em um cardápio variado com gorduras, calorias e açúcar em excesso. Minha constante obsessão por bolinhos é um frequente tópico de atrito entre a família (mas, sinceramente, essa comida deveria mesmo ser considerada algo divino - ou ganhar um prêmio por existir). 

Por falar em atritos, acho melhor deixar claro desde o começo que tenho alguns problemas hã, temperamentais. Eu poderia facilmente culpar os hormônios da adolescência por isso mas, quando você soca o nariz de um garoto na quinta série por colocar o dedo gordinho e cheio de meleca na sua cara, as pessoas começam a olhar diferente.

Mas eu posso ser uma pessoa meiga. Quando eu quero.

De qualquer maneira, eu havia batido a canela na mesinha de centro extremamente pontiaguda, você deve lembrar - então ainda me recuperava da dor durante minha corrida manca pela casa, procurando por uma roupa passável enquanto escovava os dentes. O gato do vizinho que sempre se esgueirava em meu quarto e que agora deitava de modo completamente relaxado em minha cama, balançava sua cauda preguiçosamente e me encarava com olhos avaliadores, parecendo rir da bagunça colossal que eu fazia por toda a casa.

Por fim, acabei optando por uma blusa qualquer e calça jeans qualquer enquanto enfiava um moletom grosso por cima da cabeça durante minha saída destrambelhada. Não foi nem mesmo possível executar a clichê cena de agarrar uma maça da fruteira pois se eu me atrasasse mais um segundo, perderia a desgraça do ônibus - que agora eu via com terror crescente, passava na frente da minha casa em uma velocidade alarmante em direção ao ponto mais próximo.

O grito estrangulado na garganta que soltei morreu no mesmo instante em favor de puxar todo o ar que eu conseguia para começar a correr, as pernas já queimando a cada passo. Meu sedentarismo se tornava cada vez mais evidente e no meio da corrida, já havia abandonado qualquer dignidade que tinha em favor de gritar com o motorista e agitar as mãos em um pedido universal de desespero.

Com minha grande sorte, o veículo só parecia acelerar e meus pulmões clamavam por socorro; naquele momento, eu sabia que ou uma intervenção divina me ajudava ou eu simplesmente morreria ali de ataque no coração. O ponto estava a apenas alguns metros, mas não via como eu poderia chegar antes que aquele inferno de transporte.

No entanto, assim que meu pensamento terminou de se formar, o ônibus parou com um guincho estridente e não pude evitar de tropeçar no meio da corrida pelo choque (quase quebrando meu nariz no processo - seria isso o carma do pirralho da quinta série?), arregalando os olhos para a velhinha que agora atravessava a rua na faixa de pedestre com a paciência que só idosas de uma certa idade possuiam, arrastando o andador a sua frente com todo o tempo do mundo a seu favor.

Abrindo um sorriso maníaco, não perdi tempo em correr em disparada, contendo meus instintos mais infantis de levantar o dedo do meio para o motorista enquanto passava em frente ao ônibus, que rangia e grunhia como um animal enjaulado esperando para seguir em frente outra vez. 

Foi tomando grandes golfadas de ar enquanto subia no veículo já lotado - mesmo àquela hora do dia - que deduzi que as pessoas de hoje em dia não tinham mais educação; afinal, o que era uma cotovelada nas costelas ou um pisão no pé em uma segunda feira? Elas deviam ficar felizes, assim como eu estava, pelas pequenas bênçãos que o universo nos dá (no meu caso, velhinhas aposentadas vagando pela cidade só pela diversão de deixar motoristas putos da vida). 

No entanto, minha felcidade durou apenas até o trajeto final à loja de minha mãe, toda aquela sensação de vitória pela pequena aventura se desmorando ao ver a mulher, em seu terninho azul marinho impecável e sem nenhum vinco, com uma cara irritada, batendo o salto alto no piso de madeira em um sinal claro de impaciência.

Como eu ainda tentava recuperar o folego daquela corrida, minhas coxas queimando e algo latejava forte onde havia batido a canela, ignorei sua fúria e passei por sua figura raivosa para entrar na loja, tirando o moletom com pressa já que lá dentro estava muito mais quente, bem como meu corpo, depois daquela situação maluca. Sentei na cadeira que se encontrava atrás do balcão de madeira e me deixei relaxar antes que a voz alta de minha mãe cercasse todos os cantos da loja em um sermão sobre atrasos, irresponsabilidade, falta de elegância, feminilidade e tudo o que eu já havia ouvido umas 500 vezes.

Eu sabia melhor do que retrucar - mesmo já começando a ficar irritada com suas acusações e opiniões afetadas como sempre acontecia - então quando ela finalmente parou de falar, apenas concordei e pedi desculpas pelo atraso, como também sempre acontecia. Foi apenas depois de sua partida turbulenta e algumas regras que eu já tinha decorado, que comecei a mexer um pouco em minhas redes sociais (com aquele dinossauro que ela chamava de computador) e colocando-as em dia, porque, você sabe - sou uma pessoa muito popular.

{...}

Era chocante como ficar naquele lugar nunca falhava em fornecer uma montanha de tédio e decepção. Eu já devia estar acostumada, fazendo aquilo quase todo dia e sabendo que já era quase meu horário de aula, mas não conseguia impedir os suspiros fortes de impaciência que saiam de minha boca. E foi quando eu pensava que deveria aguentar só mais um tempo antes de sair correndo dali que o tilintar da campainha ridícula pendurada na porta, anunciou a chegada de um cliente. Me levantei num pulo, surpresa com o som.

A loja, de minha vó até seu falecimento e passada como herança para minha mãe, era considerada extremamente furreca por mais de algumas pessoas e tinha alguns bons motivos para isso: suas roupas na melhor das hipóteses, para um míope sem óculos ou um individuo sem noção do ridículo, se passavam como modernas; já os móveis e todo o resto pareciam ter cerca de mil anos de idade. O local se situava no centro da cidade, mas o bairro em que se encontrava era desértico (podia jurar que já havia visto um bolo de feno passar por ali) e para completar todo o quadro tenebroso ainda haviabem, eu.

Eu já não tinha o que se podia chamar de padrão de beleza ideal; porém, a camisa toda amarrotada (culpe as horas sentada, juro, minha bunda estava completamente quadrada), os pedaços do que era um subway jogados no meu cabelo, amarrado num rabo de cavalo muito mal feito e a aparência de quem correra atrás de um ônibus como um instinto de sobrevivência, não ajudava em nada a ter pelo menos 1% de chance do cliente ter interesse em comprar algo dali. 

Mesmo assim, toda a balela de "regras de vendedora" que minha mãe sempre insistia em mencionar, agora martelava em minha mente enquanto eu tentava melhorar minha aparência. Nada realmente adiantaria muito e fiquei vendo derrotada, uma mulher muito bonita entrando acompanhada de... Um deus grego.

Espere. Não estou brincando. Ele era incrivelmente bonito. Desde os cabelos loiros espetados, rebeldes, que lhe davam um charme perigoso até seus olhos azuis de um tom até então desconhecido para mim (ah, meus olhos cor de cocô, que vontade me deu de furá-los com uma tesoura agora). Seu físico, não pude deixar de notar, fazia jus ao casaco de futebol americano que cobria todos os seus ombros largos e torso esculpido. 

Casaco esse que agora eu notava, enquanto eles se aproximavam, me parecia extremamente familiar por alguma razão. 

O garoto parecia bastante irritado com alguma coisa, não afetando muito sua beleza, ainda que parecesse menos convidativo para amizades. Como eu também tinha uma cara assassina para o mundo 90% do tempo, não liguei muito para o fato e segurei o suspiro, me levantando enquanto ajeitava a blusa ao máximo para, bem, tentar parecer apresentável.

— Olá, boa tarde! Querem ajuda para escolher algo? – Perguntei usando minha voz mais simpática, contornando o balcão para me fazer mais disponível. 

— Óbvio? Você tem mais alguma coisa para fazer? – A voz irônica do garoto se fez presente e dei um passo para trás de maneira involuntária. Aquilo tinha sido rude e desnecessário e quando meu choque inicial passou, fiquei com a vontade incontrolável de retrucar cruelmente sua resposta idiota, mas, além de manchar a já parca reputação da loja, sua mãe estava ali, olhando de cara feia para o filho e lançando um sorriso de desculpas em minha direção. 

— É claro, senhor, desculpe – Sorri falsamente e tive que falar entre os dentes para evitar xinga-lo de nomes sujos. Um xingamento por dia, esse era o limite que tinha imposto a mim mesma.

O ouvi bufar irritadinho e a ideia de socar sua cara do mesmo jeito que eu havia socado o garotinho metido da quinta série ficava cada vez mais convidativa. Ainda sim, o ignorei e passei a mostrar as peças em exposição para a mulher ao seu lado.

Um tempo depois, a gentil mulher e o filho idiota dela saíram com três sacolas na mão (o que sinceramente eu não entendia, mas, gosto é gosto eu acho) e a loja com o primeiro dinheiro no caixa há meses. Comecei a dar pulinhos histéricos felicitando a mim mesma pela venda e não percebi que a porta tinha sido aberta outra vez. Apenas parei de fazer minha dança esquisita quando ouvi um pigarro alto atrás de mim.

Me virei de supetão, o coração martelando nas costelas pelo susto e vi o mesmo babaca de antes me encarando divertido. Ele levantou algo pequeno nas mãos e balançou o objeto para enfatizar.

— Minha mãe esqueceu a carteira. Não se preocupe, já estou de saída, pode continuar a dançar ou... o que quer que seja isso.

— Ha. Ha. Estou morrendo de rir - Coloquei as mãos na cintura com um rosto impassível, mas sabia que estava ficando vermelha pela forma como o meu pescoço e bochechas esquentavam.

Ele deu um sorriso brilhante, uma risada anasalada e foi embora outra vez. Suspirei, ajeitando o cabelo e resolvi que já havia passado vergonha suficiente para um dia; a funcionária sempre atrasada e mal paga que ficava em meu lugar já estava chegando (pelo menos ela era paga, ao contrário de mim; ah, os lados negativos do nepotismo) e eu sabia que não podia perder a aula outra vez.

Botei o meu moletom e tranquei a loja, checando tudo como de praxe, antes de me dirigir com bem menos pressa do que no começo daquela manhã, até ao local onde o ônibus escolar passava. O suspiro de desolação que soltei enquanto levantava o capuz ao me proteger do frio, foi o suficente para indicar meu descontentamento com as horas futuras dentro de uma sala de aula. 

Não que eu fosse uma "nerd" humilhada pela turma e essas breguices de filme ruim, caso você esteja perguntando o porque da amargura. Só não gostava de falar com pessoas e os únicos amigos que realmente tinha eram Stacy e Adrian - melhor amiga desde o jardim de infância e o moleque que me dedurou para a diretora depois do soco da quinta série, respectivamente. 

Apenas vamos dizer então, que sou uma garota pouco comunicativa.

De qualquer forma, desci daquele ônibus socado de gente fedida, barulhenta e sem noção, avistando Stacy conversando com Adrian alegremente; eles riam sobre alguma coisa e meu mau humor criado pelo sermão de minha mãe e encontro com o idiota arrongante crescia rapidamente.

Decidindo então não estragar a felicidade deles por hora, fui por outro caminho, até me acalmar e botar os pensamentos em ordem como a terapeuta havia tentado me ensinar a um tempo atrás. Eu nunca havia atravessado o corredor antes do sinal bater, preferindo ficar do lado de fora com meus amigos até ter que obrigatoriamente entrar na sala (eu já via aquele zoológico tempo demais entre quatro parede entediantes para aguenta-los fora também) e era um pouco assustador, para falar a verdade.

Assim, quando pus os pés no corredor apinhado de adolescentes, minha boca foi ao chão. Aquilo era uma literal zona de guerra. Líderes de torcida ensaiavam seus passos, idiotas do futebol jogavam a bola de um lado para o outro e um garoto magrelo, meio encurvado em si mesmo, tentava desviar do bolinho que se formava sobre ele.

Eu normalmente não era defensora dos fracos e oprimidos, porém, ao ver aqueles brutamontes jogarem os livros dele no chão e rirem como se fosse a piada do ano, me descontrolei. Eles não tinham esse direito.

— Ei! Você! – Gritei, marchando em direção ao idiota que ria do garoto jogado no chão catando os papéis espalhados. Ele se virou com uma expressão confusa e eu o reconheci imediatamente. O deus grego da loja! Ah nossa. Como se eu não tivesse azar suficiente para uma vida.

—Nos conhecemos? – Ele me olhou de cima abaixo e tentei não ficar vermelha (porque, ele podia ser idiota, mas era um idiota charmoso); eu tinha prioridades aqui.

Cruzei os braços e revirei os olhos de forma dramática.

—Não e sinceramente, espero que nunca precise – Menti na cara dura, enquanto encarava seu rosto e ele arqueou uma sobrancelha perfeita com a resposta.

Aproximando seu rosto mais perto do meu e pude notar que os olhos azuis dele pareciam mais escuros do que antes em uma raiva mal contida. Que ótimo.

—Você sabe quem eu sou garota? – Com aquilo, tive que segurar o riso. Que comédia. Ele realmente achava que aquilo intimidava alguém? 

Não mexa com uma Evans se não sabe como vence-la, seu otário.

—Você sabe quem eu sou garoto? – Peitei ele, erguendo a cabeça para poder encará-lo.

O loiro apertou os olhos, me observando mais tempo que o necessário e seu rosto pareceu clarear com a revelação. Vi a resposta que ele daria antes mesmo que saísse da sua boca, agora enfeitada em um sorrisinho sacana.

—Na verdade, acho que sim. Você é a garota maluca da loja não é? Desculpe por não ter me apresentado antes. Sou Rayn Miller, muito prazer.

Meu olhos faiscaram de raiva com a frase sugestiva e sua mão levantada, a espera de um cumprimento que ele não receberia. Aproveitei a deixa para me abaixar e ajudar o garoto a se levantar.

—Julie Evans e não tenho nenhum prazer em conhecer você.

O coro dos amigos de cochichos e piadinhas às suas costas aumentou consideravelmente e o sorriso do idiota se desmanchou, dando lugar a uma expressão incrivelmente maligna.

—Olha como você fala comigo sua pirralha – A frase veio baixa e rouca, irritada e capaz de fazer um lutador de vale tudo sair correndo implorando pela mãe. Nessa hora, mais do que tudo, a ideia de dar um soco no nariz dele surgiu novamente.

—Pirralha? Olha como você fala comigo. Seus amigos podem lamber o chão onde você pisa, mas tratar um garoto assim – Apontei para o menino que olhava tudo de olhos arregalados – não é motivo para se orgulhar.

Eu tremia de raiva e indignação. Como eu pude achá-lo lindo?! Credo Julie, o seu bom gosto está afetado.

Ele deu uma risada cruel e cruzou os braços sob o peito largo.

—Vai defender o seu namoradinho? Pensando bem, vocês combinam. Ele é um perdedor, você não tem um pingo de beleza, o casal perfeito  - Ele me olhou de cima a baixo e seus olhos ficaram ainda mais escuros - Espero que não fique chateada querida, acho melhor ser eu a falar a verdade antes que alguém minta pra você.

Naquele momento, senti novamente uma vontade imensa de rir da sua cara. Na verdade, foi o que fiz.

—Acha mesmo que eu me ofendo com o que você diz? Ao contrário de seja lá com quem que você fica, eu tenho amor próprio, querido. Com certeza não preciso da sua aprovação.

Tentei usar minha melhor voz de nojo e desgosto e ergui ainda mais a cabeça, sorrindo com sarcasmo.

O tal Miller me olhou com mais ódio do que achei ser possível e acabou soltando uma risada forçada de deboche, saindo com os outros cachorrinhos no enlaço e sem argumentos.

Me virei preocupada para o garoto, parado feito uma estátua atrás de mim desde o começo da briga. Ele não era feio, na verdade, mas tinha um fisíco magro que ficava desproporcional nas roupas largas. Seus ombros se curvavam para frente como se o garoto quisesse se esconder do mundo e os óculos grossos escorregavam do nariz a cada milessegundo.  

—Puxa! M-Muito obrigado! Ninguém nunca fez isso por mim antes. Como posso agradecer? – Ele me olhou com os olhos brilhando. Eu ri de sua avidez por agradar e me abaixei, catando algumas folhas que foram esparramadas pelo chão, olhando feio para outros estudantes que apenas passavam reto e pisavam nos papéis. 

—Você não tem que agradecer nada. Mas acho que se não quer ser um alvo tão grande, já que sabemos que aqueles babacas não vão mudar, devia começar a usar umas roupas do seu tamanho pra variar ou talvez trocar essa armação para uma mais moderna. Sem ofensa, mas isso meio que te torna bastante vulnerável para aqueles caras. É toda uma aura de  – Fiz um movimento com as mãos em sua direção e sorri culpada - presa. 

Ele tinha os olhos arregalados e as bochechas coradas, mas parecia se agarrar a cada palavra que eu falava e acenava freneticamente com a cabeça. Bem, eu estava meio que brincando, já que claramente não era especialista em popularidade, mas o garoto nunca pareceu mais sério sobre o assunto. 

— Julie Evans sua tapada! Onde você estava? – Eu e o garoto levamos um susto, quando Stacy Mongomery berrando a plenos pulmões, se pendurou em meu pescoço e não pude deixar de soltar um sorriso em sua direção.

— Você não sabe? Eu estava salvando vidas Stacy – Fiz uma pose de super herói ridícula, com o olhar mais pensativo que tinha e ouvi uma risada debochada atrás de nós.

—Sério Stacy, o que você fez com ela? O cérebro dela esta afetado com sua esquisitisse? É melhor eu ficar longe, vai que é algo contagioso - Meu amigo falou, enquanto dava alguns passos para trás de forma exagerada e revirei os olhos.

— Cale a boca Adrian! Me deixe ser uma adolescente feliz! Eu realmente estava fazendo uma boa ação, não é? – Me virei para onde o garoto estava minutos atrás, mas ele tinha sumido de vista sem ninguém notar. Dei de ombros, entendendo que talvez nós três podíamos ser demais para alguém tão envergonhado quanto ele e decidi guiar meus pés relutantemente até a sala de aula.

— Não, mas falando sério, conta aí, onde você estava?

— Porque vocês não acreditam em mim seus otários? Eu sou uma ótima pessoa! 

Assim que terminei de contar o que havia ocorrido para os dois, pude ouvir o sinal da aula tocar indicando o seu início. Stacy ainda parecia preocupada com o que tinha ouvido sobre o garoto. 

— Eu estou meio chocada, pra falar a verdade. Eu tenho uma matéria com ele e... ele é meio perseguido mesmo, mas nunca foi tão sério assim; todo mundo acha ele esquisito, sempre sentando longe, nunca falando com ninguém - Ela se encolheu na cadeira, possivelmente se sentindo culpada de nunca ter feito algo para ajudar - Não sei se foi burrice sua ou coragem enfrentar aqueles caras do time de futebol. Vai que isso se volta para você também?

— Que seja, eu não tenho medo deles. Alguém precisava parar essa merda de acontecer. Eles ficam se achando os gostosões mas só são um bando de manés.

— Você realmente usou a palavra "mané", não ironicamente? Eu achei que fosse piada você falar que tem setenta anos, mas estou começando a acreditar. 

Adrian, ao que parecia, estava mesmo querendo um olho roxo até o final daquela manhã. 

Antes que mais do que um gemido de dor saísse da boca do garoto, depois de eu soca-lo com força no braço e Stacy tivesse tempo de terminar de matar sua curiosidade sobre o assunto, a professora rabugenta chegou com os saltos batendo no piso de modo autoritário, olhando para todos os alunos como se fossem sua maior sina e finalmente começou a passar a matéria no quadro impecavelmente branco.

Entre ouvir milhões de perguntas sobre aquela manhã ou anotar coisas que eu apenas entendia metade, pela primeira vez em algum tempo, fiquei feliz por escolher a segunda opção. 

{...}

Foi quando já estávamos na última aula e eu já conseguia ver os raios da liberdade, que bateram na porta. Era a diretora Morine (uma senhora de cabelos brancos e cara de quem chupou limão a vida toda), colocando a apenas a cabeça para dentro da sala com uma expressão abalada e sinais de choro recente, coisa que intrigou todos os alunos que conheciam sua fama de 'ditadora'.

— Srta. Stuart pode vir aqui um segundo? – Quando a professora saiu, todos começaram a cochichar a respeito do que poderia ser, pois parecia algo muito mais sério do que normalmente era.

A sala caiu em um silêncio ansioso quando ambas voltaram. A professora tinha a mesma cara desolada, que a diretora ostentava segundos atrás e caminhou cambaleante, se apoiando na mesa antes de conseguir falar alguma coisa.

— Bem, turma, é... horrível ter que dar essa noticia, e espero que todos mantenham a calma, mas... o aluno Rayn Miller. Ele, ele faleceu esta manhã – Houve uma batida de silêncio sepulcral antes que um engasgo coletivo varresse a sala. Mais ou menos, todos ficaram chocados com a informação, algumas lideres de torcida começando a chorar compulsivamente e outros ainda estáticos sem seus assentos. 

Um som terrível veio de trás de mim, um "não" sofrido, de choque e descrença e dor, e antes que eu pudesse virar o corpo na cadeira para procurar sua fonte, ouvi um estrondo alto, uma mesa contra a parede, cadeiras caindo e gritos chocados. O garoto passou por mim ao sair da sala transtornado, lágrimas nos olhos e no rosto, além de tristeza, com alguma coisa muito semelhante a culpa.

— Espera. Espera um minuto. Rayn Miller? Julie! Não era o garoto com quem você brigou hoje? – Stacy disse. E ainda que eu já soubesse, foi como se um estalo alto soasse na minha cabeça, finalmente entendendo todas as nuances do que estava acontecendo.

“Sou Rayn Miller, muito prazer”.

Ah não. Não. Eu não podia ser tão azarada assim. Não podia ter brigado justamente com a pessoa que a escola toda agora parecia sofrer junto; não podia começar a pensar na única e última conversa que eu havia tido com ele; não podia começar a entrar em espirais de pensamentos autocorrosivos e culpados.

Eu não podia ser tão azarada assim.

O pior de tudo? Mal sabia que meu azar estava apenas começando.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Eu já tenho mais dois caps prontos :) Desculpem qualquer erro.

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