Perfectly Wrong escrita por Juliiet, Nana


Capítulo 40
Do jeito que uma faca ama um coração


Notas iniciais do capítulo

OLHA QUEM ESTÁ AQUI ALEGRANDO ESSA SEXTA FEIRA CALORENTAAA
Ok, menos, Jules D:
Enfim, como prometido, estou tentando postar mais frequentemente, e olha só mais uma atualização com menos de 20 dias da antiga (isso é ser super rápida pra mim, vocês sabem)
Um agradecimento especial para a Girl of Books, pela recomendação! < 3
Não sei mais o que dizer, só que espero que gostem :3



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Acordei, mas não queria me mexer. Um pensamento que costumava vagar por minha cabeça na infância, de que, enquanto eu não abrisse os olhos, a realidade não podia me tocar, fazia uma aparição agora, mesmo que eu já fosse adulta. Aquela ideia estúpida de que eu podia enganar o tempo se apenas continuasse de olhos fechados.

É, eu sempre havia sido muito boa em mentir para mim mesma.

Forcei minhas pálpebras para cima, não porque quisesse, mas porque não era mais criança. E adultos fazem coisas que não querem o tempo todo.

Asher estava acordado também. Estávamos deitados de lado, um de frente para o outro na cama com calombos do motel, a única parte do seu corpo que tocava o meu era sua mão, entrelaçada na minha. Seus olhos sempre pareciam mais claros de manhã, mesmo que estivessem pesados com o sono. A luz que vinha de uma fresta na cortina mofada fazia o cinza se tornar quase transparente em algumas partes, deixando suas íris parecerem ser feitas de bolinhas de gude.

Eu não sabia o que dizer. Nem sabia se devia dizer alguma coisa. A noite anterior era ao mesmo tempo um borrão e uma lembrança tão nítida que me fazia querer quebrar alguma coisa por ter sido tão patética. Mas não me arrependia. Eu não podia me arrepender por ter acabado nos braços dele. Por tê-lo embalando meus soluços e me observando chorar. Ele não podia fazer nada para parar minhas lágrimas e nem pareceu querer fazer algo. Apenas me segurou enquanto eu quebrava um pouquinho. E era tudo o que eu havia precisado.

– Você precisa voltar ao hospital? – Asher perguntou de repente.

Assenti. Parecia ser muito cedo, mas eu precisava ligar meu celular e ver se mamãe havia ligado ou deixado uma mensagem. Depois eu precisava voltar para casa, tomar banho e colocar roupas limpas. E ir ver meu pai.

Eu disse isso a ele, que também assentiu, mas nenhum de nós se moveu. Os olhos de Asher pareciam percorrer meu rosto, como uma mão o faria, acariciando. Havia algo neles que nem a luz da manhã podia apagar. Algo que não tinha estado lá antes. Ou talvez estivesse e eu não enxergara.

– V-você... – comecei, minha voz tão baixinha que, se ele não estivesse tão perto não poderia ouvir. – Você vai comigo?

Dessa vez, sua mão soltou a minha e ele tocou minha bochecha com as costas dos dedos.

– Sim, Max – respondeu, se aproximando tanto que nossos narizes se tocaram e eu fechei os olhos, a sensação daquele casto toque intensa de uma maneira que eu nem começava a entender. – Mas você vai ter que me apresentar para os seus pais – completou com um tom de brincadeira.

Que me fez rir.

Eu não achava que seria capaz disso tão cedo, mas rir era bom. O frio da noite anterior, que ainda não havia me abandonado totalmente, se tornou menos incapacitante. Levei minha mão ao seu pescoço e acabei com os centímetros que separavam nossos lábios, tocando os macios dele com os meus quebradiços.

Ele me abraçou e, embora eu quisesse ficar ali, naquele motel barato, usando o corpo dele como um cobertor para sempre, eu tinha a realidade para enfrentar. Ela não era fácil nem particularmente bonita naquele momento, mas ter Asher ao meu lado fazia com que tudo ficasse um pouco mais...suportável.

Levantamos depois de mais alguns minutos. Eu estava usando uma camisa de Asher e minhas roupas ainda estavam um pouco úmidas. Mesmo assim, coloquei meus jeans e meu casaco, sem ter coragem de tirar a camisa dele, não ainda. Se ele percebeu, não disse nada. Ainda estava vestido com os jeans da noite anterior e colocou uma camisa e um suéter antes de vestir a sempre surrada jaqueta. Passou os dedos pelo cabelo que parecia mais comprido do que eu me lembrava, de repente.

Asher estava no seu pior – ou melhor, dependendo de como você via a situação. Mas com aqueles jeans velhos, a jaqueta de couro, os cabelos desalinhados, a pele pálida e os círculos escuros embaixo dos olhos ele parecia o perfeito exemplo do viciado em drogas promíscuo que eu achava que ele era logo que o conheci. E eu estava prestes a apresentá-lo para meus pais.

E não me importava nem um pouco. Eles iam acabar amando-o como eu, cedo ou tarde. E eu não tinha vergonha nenhuma de Asher, mesmo com aquele visual perigoso. Pelo contrário, eu o achava irresistível daquele jeito mesmo. Porque eu sabia que ele era doce, que havia viajado centenas de quilômetros para me ver porque meu pai estava no hospital, mesmo que estivéssemos brigados. Eu sabia que ele era do tipo que encheria o teto de balões para me dar um céu colorido, que...

Que parecia me amar. Talvez não com palavras, mas com todo o resto.

Não, eu não havia esquecido todos os nossos problemas. Eles apenas não pareciam ter tanta importância, não agora.

Estávamos saindo quando eu o abracei por trás, apoiando minha bochecha em seu ombro, apenas porque precisava senti-lo perto de mim.

– Obrigada – sussurrei.

Ele não disse nada, apenas segurou minha mão. Soltei-o e experimentei dar um sorriso, que saiu com mais naturalidade do que eu esperava. Ele sorriu de volta e, mais uma vez, tocou minha bochecha com as costas dos dedos.

– Você quer dirigir? – perguntei, oferecendo as chaves. – Eu odeio dirigir na neve.

Uma vermelhidão começou a surgir por seu pescoço até suas bochechas e, oh meu Deus, aquilo era Asher ficando envergonhado? Eu não sabia que isso era sequer possível. Onde estava minha câmera? Eu precisava ter uma recordação física daquele momento que eu nunca pensei que presenciaria.

– Então... – ele começou, coçando a nuca e desviando o olhar. Acabou dizendo algo ininteligível e só depois de eu pedir que repetisse, soltou. – Eu não sei dirigir, tá bom?

Eu fiquei olhando, sem acreditar. Ele estava falando sério?

– Não me olha com essa cara, Max – falou, ficando mais impossivelmente vermelho e cruzando os braços como um menino mimado. – Eu nasci e fui criado em Nova York, você já percebeu como o trânsito lá é insano, certo? Por que eu me daria ao trabalho de colocar mais um carro na rua se posso muito bem usar os transportes coletivos?

Balancei a cabeça.

– Você sofreria tanto bullying aqui – comentei, sem conseguir segurar o riso por mais um segundo. – Aliás, ainda vai sofrer. Não conte isso pra ninguém, muito menos para o meu pai, ok? Ele ama carros.

Parei ao perceber o que havia dito e o sorriso morreu em meu rosto. Talvez...talvez Asher não pudesse dizer nada ao meu pai, de qualquer jeito. Talvez ele não pudesse escutar. Talvez ele ainda não estivesse acordado. Talvez...

Asher segurou meu rosto entre as mãos, como se soubesse para onde estava indo o fluxo dos meus pensamentos. Acariciou minhas bochechas com seus polegares e me fitou, os olhos cheios de esperança.

– Ele vai melhorar. Ele precisa. Não tem jeito que eu possa lidar com você sozinho – terminou com um sorriso.

Eu não correspondi, mas acenei com a cabeça, concordando. Meu pai precisava ficar melhor, mesmo que fosse para dizer que nunca me aceitaria com um cara que não soubesse o que fazer com um volante sob os dedos.

Entramos no carro, eu ao volante e Asher no banco do passageiro. Ele ainda parecia um pouco envergonhado, manchas vermelhas ainda eram visíveis em sua pele quase translúcida. Eu finalmente senti meus lábios se curvando um pouquinho pra cima e nos tirei daquele buraco.

...

No caminho eu pedi para Asher pegar meu celular no bolso do meu casaco porque precisava ver se havia alguma ligação da minha mãe.

– Preciso também ligar para os meus amigos – comentei com um suspiro.

– Eu falei com eles – Asher disse enquanto ligava meu celular. – Liguei pro JJ logo depois que falei com minha avó, para saber o que tinha acontecido. Foi ele que me disse que você estava vindo pra cá.

Tirei meus olhos da estrada por um segundo, mas como eu era muito parecida com James no volante, logo voltei minha atenção ao caminho. Eu não era lá uma boa motorista em condições normais, com aquela neve toda, então, preferia não arriscar.

– Você falou com meus amigos? – perguntei, surpresa.

– Sim. Cherry mandou dizer para você não se preocupar com ela ou com a galeria e ficar aqui o tempo que precisar. Erin estava histérica, segundo JJ. Acho que ela vai aparecer por aqui mais cedo ou mais tarde.

Abri bem os olhos, reprimindo uma lágrima idiota. Era só que...ouvir Asher falando tão casualmente sobre meus amigos...era quase como se fôssemos um casal mesmo. Um de verdade. Como se tivéssemos uma vida juntos.

Nós temos. Nós moramos juntos por meses. Nós estamos namorando. Eu acho.

Por algum motivo, mesmo agora, isso soava um pouco irreal. Como se eu estivesse esperando que fosse acabar a qualquer minuto.

Quando eu havia me tornado tão insegura?

Havia uma chamada perdida da minha mãe no meio de todas as dos meus amigos e eu fiz Asher ligar de volta imediatamente, colocando o aparelho no auto falante. Meu coração batia forte e rápido contra minhas costelas e eu fiquei dizendo a mim mesma que não podia entrar em pânico, não agora.

– Seu pai está acordado, Max – mamãe correu para dizer assim que atendeu, sabendo que eu estaria uma pilha de nervos. – Ele está bem, está perguntando por você.

Soltei um soluço e quase soltei a direção. O alívio caindo sobre mim como uma pancada de água gelada, nada tenro ou calmo, mas eu agradecia por ele mesmo assim.

Consertei o volante, com uma pequena cantada de pneu, e me concentrei mais uma vez para não sair da estrada, respirando profundamente algumas vezes.

– Maxine Olivia Hyde, você está dirigindo? – a voz da minha mãe soou tão rígida quanto soava na minha infância quando ela me pegava fazendo algo errado. E, oh merda, ela tinha usado meu nome completo.

– Sim, mãe, mas – comecei, mas Pam Hyde era uma mulher que levava a segurança da sua única filha muito a sério e nem me deixou terminar.

– Pare o carro ou desligue esse celular agora mesmo, Maxine – chiou, obviamente querendo gritar comigo, mas sabendo que seria uma coisa muito indelicada para se fazer num hospital. – Ou melhor, eu vou desligar. Você traga esse seu traseiro para cá agora mesmo. Mas não corra! As estradas estão cheias de neve – e sem dizer sequer um adeus, para provar que ela estava de fato com raiva, desligou.

Fiz uma careta. Mamãe era muito séria sobre essas coisas e ia provavelmente me dar um sermão na frente de todo mundo, mesmo que eu já fosse uma mulher adulta e independente. Mas até isso eu suportaria sem reclamar, já que significava que meu pai não devia estar tão mal, se ela estava pronta para distribuir broncas por aí.

– Ela te ama muito – a voz de Asher me tirou dos pensamentos sobre a fúria da Sra. Hyde.

– Han? – relanceei em sua direção com um pouco de surpresa. – Sim, é claro. Ela é minha mãe – respondi com a facilidade de quem tem certeza de algo.

Mas no segundo seguinte, ao ver a expressão no rosto de Asher, desejei ter mordido minha língua.

Ficamos em silêncio por algum tempo, embora eu quisesse lhe cravejar de perguntas. Talvez eu pudesse dizer que o momento não parecia certo ou que finalmente estava aprendendo com meus erros, mas para ser sincera, não podia dizer o que havia me feito ficar calada e apenas esperá-lo falar. Se é que diria algo.

Mas ele disse. Eu desviei meus olhos da estrada por alguns segundos de novo para ver que ele estava com a cabeça encostada no banco e tinha os olhos fechados.

– Não posso culpá-la, embora uma parte de mim sempre o tenha feito – ele murmurou, tão baixo que eu mal podia ouvi-lo. – Racionalmente, eu sei que não posso pedir por algo que ela mesma nunca teve para me dar. Sei que me deu tudo de si, que fez todas as suas escolhas pensando no que era melhor pra mim. Mas, às vezes...eu gostaria de poder dizer o que você acabou de dizer com a mesma confiança. É claro que ela me ama. Ela é minha mãe.

A cada contração da sua voz ficava mais evidente o quanto aquilo era difícil para ele. Asher não era do tipo que falava sobre os problemas, ou sua vida, ou qualquer coisa que o fizesse se sentir vulnerável. E vulnerável ele estava enquanto tentava me contar um pouco de si para mim.

Eu era mais esperta agora. Ou era como me sentia. Já não achava que não sabia nada sobre o homem que amava, como poderia amá-lo se não sabia nada sobre ele? A verdade é que Asher era mais que seu passado ou sua família e, embora eu ainda quisesse conhecer cada pedacinho dele, eu não me sentia mais ameaçada pelo desconhecido. Eu sabia quem ele era. E sabia que era exatamente o que eu queria.

Quando parei o carro na frente de casa, desprendi meu cinto de segurança e, antes que Asher pudesse fazer o mesmo, inclinei-me para ele e depositei um beijo casto em seus lábios.

– Dar tudo de si para outra pessoa, fazer suas escolhas pensando no que é melhor para ela... – comecei, presenteando-o com um pequeno sorriso. – Isso soa muito como amor pra mim.

– Eu sei – ele respondeu com um sorriso triste. – Gostaria que tivesse sido o suficiente pra mim.

Assenti e o abracei, apoiando minha cabeça em seu peito, respirando seu cheiro. Ele passou os dedos carinhosamente por meus cabelos embaraçados.

– Não devíamos nos apressar? – perguntou depois de uns poucos minutos. – Sua mãe disse que seu pai está perguntando por você.

Fechei os olhos, apenas aproveitando o alívio muito mais terno que suas palavras me proporcionavam. Meu pai estava perguntando por mim. Ele estava bem.

Sorri, ainda de olhos fechados, esfregando meu rosto descaradamente em Asher, como um gatinho satisfeito.

Ouvi sua risada e então ele beliscou minha bochecha.

– Vamos andando, Maxine Olivia – falou, dando ênfase ao meu segundo nome.

Abri os olhos e encarei-o. Ele estava arqueando as sobrancelhas para mim e sorrindo.

– Ah, cala a boca – falei, dando um soco fraco em seu ombro e saindo do carro, sentindo-me leve pela primeira vez desde que havia recebido aquela primeira ligação da minha mãe.

...

Levamos menos de uma hora para chegar ao hospital. Como eu não havia levado nenhuma muda de roupa, precisei me contentar com os restos da minha adolescência: um suéter extra largo dos Parsons Vikings e jeans rasgados nos joelhos tão apertados que eu mal conseguia respirar neles.

Eu continuava com a camisa de Asher por baixo do suéter e nenhum de nós dissera uma palavra sobre isso.

James não estava lá quando chegamos, coisa pela qual eu agradeci internamente, mas cheia de culpa. Eu não tinha ideia do que teria sido do meu pai se ele não tivesse estado lá para ajudar, mesmo que não tivesse nenhuma responsabilidade. Ele não precisava nos ajudar, não precisava ter estado lá para me consolar, não depois de como tudo havia terminado entre nós, mas fez todas essas coisas mesmo assim. E era por isso mesmo que eu não queria que ele estivesse lá quando eu apresentasse Asher para meus pais.

Entramos no quarto e minha mãe estava discutindo com meu pai que não, ela não ia contrabandear um whopper para ele e que ele teria que se contentar com o purê de batatas sem sal do hospital. Ambos olharam para ver quem estava chegando e eu só não me joguei em cima do meu pai porque isso sim podia acabar matando-o. Mas foi perto. Apressei-me até sua cama e o abracei com cuidado, sem conseguir impedir as lágrimas e os soluços. Papai me segurou, dando tapinhas de leve em minhas costas, enquanto eu sofria pelo fato de quase tê-lo perdido.

– Eu estou bem – ele ficou me assegurando, sabendo o quanto eu precisava ouvi-lo dizer isso. – Eu estou bem, Max.

...

De fato os médicos haviam conseguido desfazer o coágulo antes que o coração do meu pai sofresse qualquer grande dano permanente, mas ele teria de tomar anticoagulantes para o resto da vida, provavelmente. Sabendo que tudo podia ter acontecido de maneira bem pior,

Essa perspectiva não me deixava tão triste. Ele ainda ficaria o restante da semana no hospital, para se recuperar, antes de voltar para casa. Os médicos diziam que era mais uma precaução e que ele não sofria nenhum perigo.

Meu coração pareceu começar a bater normalmente de novo.

Papai parecia bem, para ser sincera. Havia até cor em suas bochechas. E ele parecia muito bem ao analisar Asher de cima a baixo, claramente colocando-o na categoria “precisa ficar bem longe da minha filhinha inocente” logo depois que eu os apresentei.

– Oh, Max, você não disse que tinha um namorado novo – mamãe exclamou, mas sem muita emoção. Ela venerava James e ele sempre seria “o namorado” para ela enquanto Asher teria de se contentar em ser “o namorado novo”. – Eu sou Pam, é um prazer – falou, cumprimentando-o.

– É meio recente – falou com um sorriso nervoso, mas agradável, praticamente citando o que eu havia dito para Chris naquele dia fatídico.

Papai bufou.

– E por que você não nos contou nada, Max? – perguntou, sem tirar os olhos de Asher.

Suspirei, desejando subitamente estar em qualquer outro lugar que não fosse ali.

– Nós tivemos uns problemas – comecei a explicar, mas meu pai bufou de novo.

– Relacionamentos que já começam com problemas não tem futuro nenhum – murmurou rudemente.

– Brice! – mamãe admoestou. – Não é porque você teve um cabo enfiado nas artérias que pode esquecer os bons modos!

Papai murmurou mais alguma coisa, ininteligível dessa vez, enquanto eu derrubava o rosto nas mãos.

– Não ligue para ele, querido – mamãe disse em tom de desculpas. – Ele está mal humorado desde que acordou porque quer que eu lhe traga comida do Burger King.

Asher sorriu e disse que entendia, o tempo todo com o olhar encontrando o meu, que o fitava através dos meus dedos. Vi-o dar de ombros, como se realmente nada daquilo o estivesse incomodando e foi quase como se eu pudesse ouvir sua voz sussurrada me dizendo que o que importava era que nós estávamos juntos. Oficialmente.

Títulos não pareciam ter muita importância agora, não como antes, mas deixar meus pais saberem sobre Asher, mesmo que estivessem um pouco contrariados, me fazia feliz. Fazia tudo mais real.

Eu era grandinha e tomava minhas próprias decisões. Tinha certeza que, com o tempo, eles talvez se dessem conta do que eu via naquele homem, muito mais que o cabelo sujo, a jaqueta de couro e a vibe de gigolô.

Baixei as mãos e devolvi o sorriso, ainda que fosse apenas um curvar dos lábios.

Quando finalmente desviei o olhar e me voltei para ver meu pai, ele estava com uma expressão que era, ao mesmo tempo, curiosidade e confusão.

Ficamos com meu pai pelo tempo que durou o período de visitas. Podíamos voltar no final da tarde, apenas. Ofereci para ficar no lugar da mamãe, que parecia exausta, mas ela foi firme em sua resolução de não sair do lado do marido ainda. Aceitei, mas apenas com a condição de que ela voltasse para casa mais tarde e me deixasse passar a noite com ele. Ela precisava descansar.

Quando saímos, a primeira coisa que vi foi que Erin estava na sala de espera. Ela se levantou, a bonita feição uma máscara de preocupação e medo. Corri para abraçá-la, mesmo que não fosse tão fácil com sua barriga que parecia ter crescido desde a última vez que a havia encontrado.

– Ele está bem? – perguntou, quando se desprendeu de mim. Eu sabia muito bem que ela amava meu pai como a um tio. – Não consegui encontrar ninguém que soubesse de algo e James não atende a porra do celular!

Eu assenti e disse:

– Ele está bem agora, Erin – e passei a explicar o que havia acontecido.

Asher fez o favor de ir buscar café para nós, deixando-nos sozinhas por um momento.

– Oh, Max, ainda bem – ela falou quando terminei de contar tudo. – Eu não sei o que faríamos se algo pior tivesse acontecido.

– Eu nem quero pensar nessa possibilidade – falei, balançando a cabeça. Apenas a ideia já me fazia sentir um frio por dentro que nem uma fogueira seria capaz de afastar. – Às vezes eu acho que não passamos tempo suficiente com nossas famílias, sabe? Isso serviu como um aviso também. E-eles não estão ficando mais jovens, Erin.

Ela encostou a cabeça de lado no meu ombro e segurou minha mão.

– Eu sei – murmurou. – Eu também penso nisso, mas...mas nós construímos nossas vidas em outro lugar. Não dá pra voltar atrás tão facilmente. E eu não posso mais pensar somente em mim. Eu agora tenho o Mitch e nosso filho.

– Você voltaria, se pudesse? – perguntei.

– Não sei. E você?

Não consegui responder. Eu realmente não sabia.

...

– Senti sua falta, Max – Mitch disse, me abraçando. – Assistir Jersey Shore sem você não tem a menor graça – completou, bagunçando meu cabelo.

Mitch havia aparecido alguns minutos depois de Asher ter retornado com os cafés. Ele tinha ido alugar um carro ou coisa assim, depois de deixar Erin no hospital de táxi.

– Vamos aproveitar e ficar um pouco com meus pais – Erin dissera quando eu perguntei quanto tempo ela ia ficar. – Daqui a alguns meses eu não vou poder viajar e tudo – sua expressão parecia meio triste e eu sabia que havia mais ali do que ela podia dizer no momento. Sabia que ela estava se sentindo abandonada por Mitch estar de repente trabalhando tanto.

– Como está seu pai, Max? – ele perguntou depois de cumprimentar Asher friamente. Ainda estava na cara que Mitch achava que ele era um vagabundo aproveitador, mas era inteligente o bastante para não vocalizar suas opiniões.

Eu expliquei tudo mais uma vez e, como o horário de visitas havia acabado, eles não podiam vê-lo agora. Fomos os quatro andando para fora do hospital. Erin e Mitch insistiam que fôssemos para a casa dos pais de Erin, onde poderíamos conversar mais confortavelmente e comer alguma coisa. Eu não pude recusar, mas Asher disse que precisava resolver algumas coisas.

– Eu larguei tudo em Nova York sem avisar ninguém – falou, colocando um fio do meu cabelo atrás da orelha. – Preciso fazer uns telefonemas.

Não queria ficar longe dele, não agora. Eu precisava dele.

– Qual é, Asher? – soltei, sem pensar. – Não é como se você estivesse cheio de responsabilidades.

Ele estreitou os olhos para mim, mas apenas perguntou:

– Quer que eu a encontre aqui ou você vai me buscar no motel mais tarde?

Suspirei e disse que ia buscá-lo. Ele me deu um beijo rápido e se despediu de Erin e Mitch antes de entrar num táxi.

– Vamos lá, eu estou morrendo de fome e mamãe me mandou uma mensagem dizendo que está fazendo bolo de laranja – disse Erin praticamente nos empurrando na direção do estacionamento. – E comer bolo de laranja com café e jogar scrabble se tornou a única diversão que essa garota aqui pode ter.

Sorri fracamente e assenti, indo até meu carro enquanto eles iam até o que haviam alugado. E em seguida, seguindo-os até a casa dos pais de Erin.

...

A tarde havia sido agradável, na medida do possível. Não apenas bolo de laranja, havia várias coisas gostosas nos esperando para o almoço. A mãe de Erin era boa na cozinha e estava encantada de nos ter ali, embora triste e preocupada pela razão. O pai de Erin e Amy também estavam lá – eu não sabia que a faculdade de medicina dava folgas tão longas aos alunos – e, depois de tranquilizar a todos sobre o estado de saúde do meu pai, nós pudemos almoçar e conversar quase normalmente.

Erin, Mitch, Amy e eu acabamos realmente passando boa parte da tarde jogando scrabble (Erin ganhou três partidas e Amy duas), pelo menos até Mitch se retirar dizendo que precisava resolver algumas coisas do trabalho. Eu pude ver que Erin havia ficado chateada com isso, mas ela não quis dizer nada, então eu não a importunei. Acabamos no sofá assistindo reprises de Gossip Girl enquanto Amy tagarelava sobre a faculdade.

– James é um gênio, é claro – comentou com os olhos brilhando depois de algum tempo. – É facilmente o aluno mais inteligente do seu ano e é super legal com todo mundo... – foi se calando ao olhar para mim, como se tivesse cometido uma gafe.

Suspirei, um pouco irritada. Não é como se fôssemos um bando de adolescentes no ensino médio, era claro que ela podia falar sobre meu ex na minha frente.

– James e eu continuamos amigos, Amy – ou quase, mas deixei essa parte de fora. – E eu sei muito bem que ele é inteligente, você não precisa pisar em ovos comigo sobre esse assunto.

Ela deu de ombros, mas parecia duvidar e deixou isso bem claro.

– Não é o que parece – disse, fitando-me como se o fato de eu ter terminado meu namoro com o cara que ela obviamente idolatrava fosse uma afronta pessoal. – Ouvi dizer que ele encheu a cara no bar noite passada por sua casa.

– Cala a boca, Amy! – Erin mandou, jogando uma almofada na irmã mais nova. – Ei, Max, não está na hora de você ir buscar o Asher?

Ignorei o olhar raivoso que Amy lançava de Erin para mim e me levantei do sofá.

– É verdade – falei, ajeitando minha roupa amassada e passando os dedos pelos cabelos. – Eu ainda preciso passar em casa e pegar algumas coisas, já que vou passar a noite no hospital. Bem, vou indo, então.

– Mitch e eu vamos encontrar vocês no hospital logo mais – falou, levantando-se e me dando um beijo na bochecha.

Despedi-me de todos – menos de Mitch, que ainda estava desaparecido em algum lugar da casa – e fui embora. Ainda no carro, mandei uma mensagem para Asher avisando que estava indo buscá-lo, mas ele não respondeu.

Apesar de não ser nem seis da tarde, já estava escuro lá fora e apesar de não ter nevado durante o dia, ainda havia neve nas ruas, então demorei mais do que normalmente levaria para chegar até o lugar onde Asher estava hospedado. A aparência do motel não havia melhorado durante as horas em que eu estivera longe, nem eu tinha esperado que mudasse.

Estacionei o carro e fui até o quarto de Asher. Eu não precisei de ajuda para achá-lo, lembrava exatamente onde era.

– Asher, sou eu – chamei, depois de bater algumas vezes, sem resposta. – Asher!

Girei a maçaneta e encontrei-a aberta. Talvez ele estivesse no banho e não tivesse me ouvido. Entrei e o quarto estava mergulhado em escuridão. Procurei o interruptor na parede e quando a luz foi ligada, percebi que o quarto estava vazio.

Completamente vazio.

Não somente Asher não estava lá, como todas as suas coisas haviam desaparecido.

Meu coração começou a bater violentamente no peito. Fui até o banheiro, mas não havia nada lá também. Peguei o celular no bolso do casaco e vi que ainda não havia nenhuma resposta para a mensagem que eu havia enviado mais cedo. Imediatamente liguei para Asher, voltando ao quarto com as pernas tremendo. Mas foi direto para a caixa postal.

Encerrei a ligação sem deixar nenhum recado e varri o quarto com os olhos, me controlando para não jogar o celular contra a parede.

– Merda – murmurei, esfregando o rosto com a mão.

Foi então que olhei para a cama e vi algo nela que não havia notado antes. Ela estava perfeitamente arrumada e, bem no meio dela, havia um envelope branco. Peguei-o rapidamente, mas não havia nada escrito nele. Abri-o; dentro havia apenas uma folha de papel fotográfico. Reconheci imediatamente que era uma foto, ou melhor, uma tirinha de fotos. Eu reconhecia o nome nela. A Softer World, minha webcomic preferida.

Virei a folha. Era uma foto dividida em três frames, como era comum deles. Era uma garota, encostada em algo, com os braços para cima. Não era possível ver o rosto dela, apenas o queixo e a boca.

Mas o que importava era o que estava escrito nela.

“I love you the way a knife loves a heart

the way a bomb loves a crowd

the way your mother warned you about, essentialy.”

(Eu amo você do jeito que uma faca ama um coração

do jeito que uma bomba ama uma multidão

do jeito que sua mãe te alertou, essencialmente.)


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Notas finais do capítulo

Então, gente, pra quem não conhece, o A Softer World existe mesmo e eles criam CADA COISA LINDA, então eu quis roubar esse print porque sou apaixonada por ele. Então ele existe mesmo, a foto, as palavras, é tudo emprestado mesmo ehuaheuha. Aliás, dá mesmo pra comprar as "tirinhas" e eu tenho várias que estão na listinha esperando eu ter dinheiro pra pagar ehuahesuh
(e gente, eu não revisei o capítulo ainda, então qualquer erro, só me falem, por favor?)
Espero que tenham gostado :3