Perfectly Wrong escrita por Juliiet, Nana


Capítulo 26
Solidão e neve


Notas iniciais do capítulo

Nem sei o que dizer aqui, faz séculos que não posto, não respondi aos reviews, vocês devem me odiar, minha vida tá uma bosta, minha faculdade tá outra bosta, o capítulo tá uma bosta ainda maior e eu vou bem ali cortar os pulsos.
Mas antes preciso agradecer à Carol, Becs, MissMaddox, Lubs e Pam Hutch por terem recomendado a história. Eu amei todas as recomendações e colocaria um coraçãozinho agora se o nyah não cortasse minhas notas sempre que eu faço isso.
Bom gente, leiam aí e sei lá, to depressiva hoje :(



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Correndo o risco de soar clichê, os dias longe de Asher pareciam se arrastar ao mesmo tempo que passavam como um borrão. Eu continuava na casa de JJ e nós tínhamos uma boa convivência, mas eu já estava começando a ficar cansada de invadir sua privacidade e dormir em seu sofá desconfortável. Apesar de JJ ser uma pessoa organizada, o fato de eu precisar viver com minhas coisas dentro de uma mala me fazia cada dia mais irritável.

E eu ainda não havia contado a ninguém que havia me mudado. Bom, a não ser JJ e Cherry. Na verdade, eu nem tinha contado a Cherry. O linguarudo do JJ é que acabou soltando que eu estava morando com ele.

Novembro passou e, antes que eu percebesse, estávamos no meio de dezembro. Estava tão frio que todo mundo na galeria estava apostando que teríamos um natal branco esse ano.

Eu detestava neve. Ali em Nova York, nas raras vezes em que nevava, as ruas ficavam cheias daquele gelo sujo misturado com lama que sempre estragava minhas botas e me fazia escorregar. A neve suja, as árvores nuas, as pessoas de preto – o que não era apenas uma característica do inverno, já que preto era a cor da moda em Nova York o ano inteiro, mas mesmo assim...tudo parecia meio deprimente.

Ou talvez eu apenas estivesse projetando minha própria melancolia.

Suspirei e percebi que havia passado a última meia hora olhando para o nada, com o queixo apoiado na mão. Peguei o celular para ver as horas e praguejei, Chris estaria ali para me pegar a qualquer minuto e eu ainda nem havia terminado a lista dos convidados para a inauguração da exposição dele.

Christopher estava sendo uma das poucas coisas boas que havia na minha vida naquele momento. Depois daquele primeiro almoço, havíamos saído para almoçar quase todos os dias. Ele era divertido, inteligente, cosmopolita...e parecia muito interessado no meu trabalho como fotógrafa amadora. Era bom ter alguém para conversar sobre a minha paixão por fotografia. JJ, Erin, meus pais e até mesmo James haviam sido sempre legais sobre isso, e nunca deixaram de me apoiar, mas eles viam minhas fotos mais como um hobby e não como algo com o qual eu pudesse me sustentar. Eles não entendiam o quanto isso era importante para mim e...sem querer, fizeram com que eu esquecesse também.

Eu havia ido para Nova York para perseguir o sonho de me tornar uma fotógrafa profissional, mas ao invés disso, estava trabalhando numa galeria, expondo os trabalhos de outras pessoas.

Christopher me fez lembrar meu objetivo, meu sonho. E isso era algo com o qual eu podia me dedicar e esquecer a bagunça que estava a minha vida pessoal.

– Ei, Max – JJ abriu a porta depois de dar uma batidinha, colocando só a cabeça para dentro. – O Hawk está aqui.

– Deixe-o entrar – pedi, finalizando a lista e salvando o arquivo.

– Tem certeza?

Fechei o notebook e olhei para JJ, que não parecia muito contente.

– O que foi, JJ? – perguntei, confusa.

JJ entrou na sala e fechou a porta atrás de si, apoiando as costas nela.

– Não gosto desse cara, Max – falou, parecendo preocupado.

Franzi o cenho, sem entender. Chris era educado, gentil, cavalheiro, inteligente, simpático, bonito, talentoso e bem sucedido. O que havia nele para não gostar?

Foi exatamente o que eu perguntei ao meu amigo, que só deu de ombros.

– Eu não tenho um problema com ele exatamente – respondeu, apertando o nariz entre o polegar e o indicador. – Ele realmente parece legal, o problema é que não gosto do que você está fazendo com ele.

– E o que eu estou fazendo com ele? – perguntei, começando a ficar irritada.

JJ fitou-me realmente sério, seus olhos parecendo meio cansados.

– Você está usando-o para tentar esquecer o Lockwood. E deixe-me dizer, não vai funcionar. E um cara como Hawk não vai gostar de ser usado – falou e foi embora, fechando a porta cuidadosamente atrás de si.

Fiquei olhando a porta fechada por alguns segundos, sem acreditar. JJ não podia estar falando sério, afinal, meu relacionamento com Chris era apenas amigável. Em nenhum momento eu havia percebido qualquer sinal de romance vindo dele. Um homem não podia ser simpático e gentil sem ser acusado de dar em cima de uma garota? E uma garota não podia responder a essa gentileza e simpatia da mesma maneira, sem ser acusada de estar interessada?

Balancei a cabeça e peguei minha bolsa no momento em que ouvi duas batidas firmes na porta.

– Entre – falei.

A porta foi aberta e Chris entrou com um sorriso. Ele estava elegantemente vestido, com calças jeans bem ajustadas, suéter de caxemira cor de areia e um casaco preto por cima. Levantei-me e fui até ele, que segurou-me pela cintura e se abaixou para depositar um suave beijo na minha bochecha. Ele me cumprimentava daquele jeito desde o primeiro almoço que tivemos e, embora no início me incomodasse, havia me acostumado.

– Onde vamos comer hoje? – perguntei.

– Estava pensando no Raoul’s, na Prince Street – respondeu.

Era um restaurante francês ligeiramente mais caro do que eu normalmente estava disposta a pagar, mas como JJ se recusava a me permitir ajudar no aluguel, eu podia fazer uma pequena extravagância. Então assenti e deixei Chris me guiar para fora.

Não olhei para JJ quando saímos, ainda estava irritada com ele. Ele não entendia, ninguém entendia. Quando eu mostrava minhas fotos para ele ou para Erin, os dois apenas balançavam a cabeça e diziam que era bonito. Quando mostrei alguns dos meus trabalhos para Chris pela primeira vez, ele ficou extasiado.

– Estas são incríveis, Max! – exclamara, sem deixar de olhar as fotografias. – Você tem talento.

Eu havia enrubescido e murmurado um “obrigada” baixinho, embora por dentro estivesse quase desmaiando de emoção. O cara era meu ídolo, pelo amor de Deus! Eu me sentia quase no ensino médio, quando recebia um elogio do meu professor preferido.

– Essa aqui – ele falara, apontando uma foto em preto e branco de uma mulher passeando com dois cachorros, um buldogue e um chihuahua. Só dava para ver as pernas da mulher, que usava sapatos com saltos ridiculamente altos. E o contraste entre os dois cachorros era risível. – Tem algo de Elliott Erwitt, que há muito tempo eu não via nos trabalhos de fotógrafos jovens.

– Eu adoro o trabalho dele e talvez o tenha usado para me inspirar – confessara. – Eu tirei essas fotos logo que cheguei à cidade, no primeiro ano da faculdade.

E o cara continuara absorto com minhas fotos, de um jeito que nenhum dos meus amigos tinha feito alguma vez. Isso porque nós dividíamos essa paixão. E ele me entendia.

Fomos andando até o restaurante, que não era muito longe. Eu estava usando tênis confortáveis, então não foi um problema. Eu não era fanática por culinária francesa e o Raoul’s sempre pareceu meio careta para mim, com aqueles móveis escuros, as paredes cobertas por quadros e as toalhas brancas nas mesas. O maître nos levou até uma das mesas de canto, com bancos estofados e não cadeiras. Chris pediu uma salada de polvo e eu pedi uma massa.

– Você devia provar os frutos do mar daqui, são deliciosos – ele falou quando o garçom se afastou.

– Sou alérgica – respondi.

– Ah.

Ficamos calados por algum tempo e eu percebi que o restaurante estava completamente vazio. Para falar a verdade, eu nunca havia visto aquele lugar aberto de dia.

– Eu não sabia que eles abriam para o almoço aqui – comentei.

Chris sorriu, mostrando seus brilhantes dentes brancos. O cara tinha um sorriso legal, eu precisava admitir. Do tipo que podia fazer uma garota se sentir especial, como se ele só sorrisse daquele jeito para ela.

– Não abrem – falou, colocando a mão direita em cima da mesa, com a palma para baixo. – Mas o dono me devia um favor, então...

Sorri, mas me senti desconfortável. Ele havia feito um cara abrir o restaurante só para nós dois?

– Você não precisava ter se dado ao trabalho – afirmei, tirando minha mão que também estava em cima da mesa. – Eu teria aceitado comer algo no McDonald’s.

Ele continuou sorrindo e balançou a cabeça.

– E que tipo de cara eu seria se levasse uma mulher bonita para comer no McDonald’s?

Assenti com a cabeça, mas então me lembrei das milhares de vezes em que Asher levava fritas e cachorro quente da rua para mim, ou quando comprava comida chinesa do restaurante mais barato e nojento do SoHo, porque eles tinham o melhor rolinho primavera da cidade. Ainda que essa fosse apenas a opinião do meu colega de quarto.

Asher nunca me levara para almoçar ou jantar em um restaurante chique. Nunca se dera ao trabalho de fazer qualquer coisa especial para mim.

E o fato de Chris ter feito e eu não ter ficado nem um pouquinho emocionada dizia o quanto eu era idiota. E o quanto estava ridiculamente apaixonada por um cara, não pelo que ele fazia por mim, mas simplesmente pelo que ele era. Sem esforço, sem tentar me impressionar.

Chris e eu ficamos falando sobre a possibilidade de eu ter minha própria exposição. Eu tinha medo, mas ele me pressionava – ou devia dizer incentivava? – dizendo que eu era talentosa e estava pronta. Que eu não deveria esperar mais.

Depois da comida, eu insisti que deveria voltar logo para a galeria, já que eu não queria dar razão para Cherry – que estava ainda mais estressada que o normal – me dar uma bronca. Até porque quando ela fazia isso eu me sentia de volta ao Ensino Médio, sendo pega matando aula pela inspetora. E não era uma sensação boa.

Chris insistiu em pagar e eu estava querendo sair logo de lá, então não discuti. Peguei minha bolsa e me levantei, depois que Chris puxou a cadeira para mim. Algo estava diferente com ele naquela tarde. Chris sempre tinha sido simpático e gentil, mas ele parecia estar agindo como se fosse mais do que apenas meu amigo. Enquanto saíamos do restaurante, ele colocou a mão na parte de baixo das minhas costas, como que para me guiar.

Como um namorado faria.

Dei dois passos mais rápidos para tentar fazê-lo parar de me tocar, mas então parei abruptamente, na calçada em frente ao restaurante. Do outro lado da rua, saindo do Nagomi, um restaurante japonês, estava um casal de namorados. De verdade. Asher parecia meio sério – e mesmo assim sexy, com seus jeans de sempre, botas e casaco de couro desgastado –, mas a pequena e graciosa mulher agarrada ao seu braço não. Ela sorria como se fosse o dia mais feliz de sua vida. Era a mesma que eu havia surpreendido no apartamento dele, na noite em que me expulsou. Seren Jacobs. Ela estava vestida com calças jeans, sobretudo preto e botas de cano curto com saltos altíssimos – e ainda assim, parecia uma coisinha pequena perto do meu ex-colega de quarto.

Eu não podia ouvi-los, mas ela pareceu ter dito algo para ele, que finalmente sorriu. E se inclinou para beijá-la nos lábios. Meu estômago se contraiu e eu fiquei realmente preocupada com o fato de que poderia acabar vomitando meu delicioso almoço.

– Max, você está bem? – Chris perguntou, olhando fixamente meu rosto. – Você ficou pálida de repente.

Desviei meus olhos do casal do outro lado da rua com dificuldade. Eles pareciam estar tentando pegar um taxi.

– Sim, sim – respondi a Chris, fitando mecanicamente seus olhos verdes. – É só uma dor de cabeça repentina. Acho melhor eu voltar logo para o trabalho e tomar uma aspirina.

– Sim, claro. Quer pegar um taxi?

Com o canto do olho, vi Asher e Seren finalmente entrarem num carro e irem embora.

– Não, vamos andando.

Chris assentiu e segurou minha mão. Eu estava atordoada demais para dar muita importância a isso, então apenas ignorei. Sua mão era ligeiramente morna na minha, embora estivesse frio ali fora.

E tudo em que eu podia pensar era que Asher nem tinha reparado que eu estava ali.

Como se eu fosse invisível para ele.

...

De volta à galeria, eu me fechei num dos cubículos do banheiro feminino. A despedida entre mim e Chris havia sido tensa. Não por culpa dele; eu ainda estava abalada por ter visto Asher e Seren que tinha estado distraída e agitada.

E agora, trancada no banheiro – para evitar JJ e suas teorias – eu sentia que tinha atingido o fundo do poço. Quer dizer, não dava pra ficar pior que isso, não é? Esconder-se no banheiro para fugir das verdades que o melhor amigo joga na sua cara era tudo menos elegante e corajoso.

Já podíamos estabelecer que eu não era elegante nem corajosa.

Acho que a melhor palavra que se encaixava ultimamente era patética.

Um ruído baixo de choro me tirou de minhas divagações. Apurei o ouvido, percebendo que o barulho vinha da cabine ao lado da minha. Saí do cubículo e parei na frente da porta do outro, franzindo o cenho.

– Cherry? – perguntei, incerta.

Soava como ela, mas eu nunca vira minha chefe chorando. Aliás, eu não sabia se ela era capaz disso. Afinal, seu coração era de pedra. Mas sim, era Cherry Hart ali, chorando no banheiro.

– Vá embora – ela disse, em voz embargada, e eu tive certeza.

Eu não podia ir embora e deixá-la ali. Os homens fazem muitas piadas a respeito de amizade feminina e de como as mulheres utilizam quaisquer meios para atacar uma à outra, mas a coisa não era bem assim. Eu não conhecia uma única mulher que fosse deixar outra – mesmo uma desconhecida – sozinha num banheiro, chorando daquele jeito. Então mesmo que Cherry não fosse minha pessoa preferida no mundo, afinal, ela era minha chefe e uma vadia mandona, eu não podia dizer tchauzinho e ir cuidar da minha vida.

– Cherry? – falei de novo, tentativamente. – Está tudo bem?

– Claro que sim! – falou ironicamente. – Estou aqui chorando porque minha vida está perfeita, muito obrigada. Agora some!

Certo, mesmo na merda, Cherry ainda conseguia ser insuportável. Mas eu já tinha aguentado coisa pior na vida, então persisti.

– Anda, Cherry, abra a porta. Eu não vou embora.

– Eu vou te demitir!

– Ok, então eu vou chamar o JJ.

A porta foi aberta apenas o suficiente para uma mão puxar meu braço e me forçar para dentro da cabine. Cherry voltou a trancar a porta uma vez que eu estava lá dentro com ela.

– Não se atreva a falar nada pro JJ! – rosnou. Seu rosto estava vermelho e com riscos pretos por causa do rímel, seus olhos verdes parecendo meio desesperados. Seu longo cabelo cacheado estava uma bagunça completa. Sua roupa estava amassada e Cherry sempre parecia impecável, mas agora, pude ver até que ela não estava usando saltos. Ela estava usando keds.

Algo estava muito errado ali.

– Isso o quê? – perguntei, meio assustada, achando que minha chefe tinha perdido um parafuso e massageando meu pulso. Ela podia ser pequena, mas suas mãos eram incrivelmente fortes.

Foi então que eu percebi que ela segurava algo na mão, meio escondido. Um palitinho branco, parecia. O palitinho mais assustador do mundo.

Era um teste de gravidez.

– Não me diga que você...? – comecei, totalmente sem tato.

Só a ideia de Cherry estar grávida era risível e chocante. Eu nem sabia que ela tinha um namorado. Mas houve aquele episódio com as flores...

– Sim, eu estou grávida! – surpreendeu ao me responder, até porque eu achava que ela me mandaria lamber grama e cuidar da minha vida. Sua voz estava chorosa e incerta, nada como era normalmente.

Aquele lugar era realmente apertado e quente. Eu estava começando a suar. Fale sobre situações desconfortáveis...

– Devo dar os parabéns? – perguntei, franzindo o cenho.

– Não! – chorou.

É, eu devia ter imaginado.

Cherry sentou-se – ou melhor, se jogou – no vaso sanitário com a tampa abaixada e escondeu o rosto nas mãos, começando a chorar desesperadamente, seus soluços enchendo o ambiente. Eu não tinha ideia do que fazer. Nunca, em um milhão de anos, eu esperaria ver a controladora Cherry Hart perdendo a cabeça daquele jeito. Tudo bem, uma gravidez indesejada abalaria até a mulher mais certa de si, mas mesmo assim...

– Fique calma – falei tentativamente, dando palmadinhas no cabelo dela de maneira patética. Onde estavam minhas habilidades de consolo? – Vai ficar tudo bem...

– Não, não vai – ela retrucou, ainda com o rosto enterrado nas mãos. – Ele fez de propósito...

– O quê?

Ela levantou o rosto e segurou na barra do meu suéter, chorando.

– Ele fez de propósito, Max! Eu disse a ele...eu disse...

E falou coisas ininteligíveis, voltando a chorar. E então, me veio um pensamento absurdo. Por que a Cherry não queria que o JJ soubesse? Será que...

– Cherry... – comecei, pensando o quão louca eu deveria estar só por pensar aquilo. – Esse filho não é do JJ, não é?

Cherry parou de chorar por um segundo, depois soltou:

– Claro que não, sua estúpida! Como se você não soubesse que o negócio do JJ é outro...

Bom, minha suposição idiota teve pelo menos um efeito positivo. Cherry havia parado de chorar agarrada ao meu suéter. O que ela bom, porque ela estava manchando ele de rímel. Eu aproveitei que ela estava parando com as lágrimas e me agachei na frente dela, segurando suas mãos. Era um daqueles momentos de empatia feminina, que não importa se você é próxima daquela outra mulher ou não, durante aqueles segundos, é como se fossem melhores amigas. Eu já estivera no lugar de Cherry, ou melhor, pensara que estivera. Eu não tinha nem vinte e dois anos na época, e achara que estava grávida de um homem que não me amava. Um homem que não sentia nada por mim. E eu havia me iludido pensando que era especial para ele, quando tudo que ele queria era me levar para a cama.

– Você é só uma diversão de final de semana, Max – dissera ele quando eu contei, desesperada, sobre minhas suspeitas. – Não vou largar minha esposa por você. E acho bom você resolver logo esse...problema.

Eu não tinha ideia de qual era a situação da minha chefe, mas sabia que se descobrir grávida daquela maneira, quando é a última coisa que você quer, não era fácil. Eu entendia o que ela estava passando. Mesmo que, no fim, para mim, tivesse sido só um susto, já que eu não tinha estado grávida de verdade, quando eu achei que estava, era real para mim. Então eu apertei as mãos de Cherry entre as minhas e disse:

– Nós vamos te ajudar. JJ e eu. Vamos estar aqui para o que você precisar.

Ela me olhou assombrada por um momento, os olhos muito grandes no seu rosto, alguns fios de cabelo grudando na pele úmida pelas lágrimas. Depois, ela apenas assentiu. Sabia que eu estava sendo sincera.

– Eu não quero ter esse filho, Max – sussurrou, sua voz ainda embargada. – Eu não posso.

Eu assenti e fiz algo que nunca pensei que faria. A abracei.

– Vá para casa – disse, ainda segurando-a entre meus braços. – Tome um longo banho quente, coma alguma coisa e descanse. Você tem que pensar bastante sobre isso, Cherry – soltei-a e fitei seu rosto. – Mas é você que decide. E JJ e eu vamos ajudar você, não importa o que você decidir.

Mais lágrimas se formaram nos olhos verdes, mas ela se esforçou para não deixa-las cair.

– Por que você está sendo tão boa comigo? – perguntou.

– Porque, um dia, uma pessoa foi boa comigo – respondi.

E era verdade. Quando eu pensei que estava grávida de Kenneth e ele me dispensou tão friamente, eu fui até James. Contei tudo. Disse que entenderia se ele nunca mais quisesse ver meu rosto. Mas eu estava tão quebrada, tão destruída que sabia que, se James me desse às costas, eu talvez nunca superasse. Mas ele não fez isso. Ele me perdoou, me segurou. Disse que tudo ficaria bem. Disse que casaria comigo e que aquele filho seria dele. Prometeu que o amaria como se fosse.

Eu não podia me oferecer para casar com a Cherry, até porque eu sabia que ela tinha tanta vontade de casar quanto eu. Mas eu podia oferecer um ombro amigo. Eu queria fazer isso.

Cherry assentiu e se jogou em mim, chorando mais um pouco. Eu a deixei chorar.

...

Erin e Mitch voltaram para Nova York alguns dias depois de eu ter descoberto que Cherry estava grávida. Eles não iam visitar a família dela para as festas, porque queriam passar seu primeiro natal como marido e mulher em sua casa nova, com os amigos. Eu não podia voltar para casa mesmo porque precisava trabalhar, então seria perfeito para mim. JJ ia passar rapidinho na casa dos seus pais, mas não ia passar muito tempo lá. Segundo ele, era difícil esquecer o Ryan se toda vez que os dois se encontravam, era como se ele se apaixonasse mais uma vez.

Já com a Cherry, a história era meio diferente. JJ e eu meio que a tínhamos adotado. Não foi surpresa descobrir que ela não tinha amigos, então nós decidimos que a mulher precisava de uma boa companhia. JJ já sabia que ela estava em problemas. Encontrou-a acidentalmente quando ela estava “fugindo” do cara que teria, propositalmente, a engravidado. Eu ainda não tinha entendido a história direito, até porque Cherry não era a pessoa mais aberta do mundo e parecia não querer falar sobre o assunto.

Mas ela já não parecia tão insuportável como antes. Então ganhou um ticket para passar o natal com a gente.

– Que roupa você vai usar hoje à noite? – Cherry perguntou enquanto zapeava pelos canais da TV de JJ.

Dei de ombros. Eu estava arrumando as toalhas de JJ no armário por tamanho e cor.

– Eu comprei um vestido tem uns meses – respondi. – Nunca usei. E ele é vermelho, então acho que vai ser esse mesmo.

– Me mostra – Cherry pediu. – Quem sabe eu não me animo para vestir alguma coisa festiva? Do jeito que eu ando ultimamente, vou acabar indo de preto funeral.

Eu ri e terminei de organizar as toalhas, indo direto para a minha mala. Cherry ultimamente andava com um humor um pouco melhor, já que começara a fazer piada com a própria miséria. O clássico “rir para não chorar”. Funcionava.

Comecei a procurar pelo vestido, tirando as roupas da mala e colocando-as organizadamente em cima do sofá, mas acabei tirando tudo e o vestido não estava lá. Eu arrumara minhas coisas às pressas e provavelmente tinha deixado o vestido na casa de Asher, junto com o resto das minhas coisas.

Era realmente o que faltava.

Apenas a ideia de precisar ir até o apartamento de Asher me enchia de medo e antecipação. Eu queria e ao mesmo tempo não queria ir. Sabia que um dia teria que ir até lá para pegar o resto das minhas coisas, mas até agora pensara nisso como um futuro distante. Sim, idiotice a minha, até porque Asher precisaria do meu quarto para outra pessoa, provavelmente. Eu nem sabia como ele pagava a sua parte do aluguel, já que o cara nem tinha um emprego.

– Está na casa de Asher – falei com um suspiro, começando a colocar todas as roupas de volta na mala. – Vou ter que ir até lá.

Havia contado a Cherry uma versão resumida do que tinha acontecido. Deixei de fora toda a parte de estar loucamente apaixonada por aquele desempregado vagabundo e só falei que nós tínhamos tido uma briga depois que eu voltei do Kansas e ele me colocou para fora.

– Ainda está cedo e as lojas ainda estão abertas – Cherry falou. – Podemos ir comprar alguma coisa.

Eu podia ter dito que estava tentando não gastar muito, afinal, estava procurando por um apartamento – e tinha decidido pedir demissão do meu emprego logo depois da exposição de Chris, embora não tivesse dito nada para ninguém ainda. Não queria que a primeira pessoa a saber fosse justamente a minha chefe. Também poderia dizer que queria muito usar aquele vestido ou que precisava ir lá de qualquer jeito, por algum outro motivo.

Mas a verdade era que eu não tinha nenhum. Não havia nada que eu tivesse deixado no apartamento de Asher de que precisasse desesperadamente. Eu podia facilmente usar qualquer outra roupa ou mesmo pedir emprestado algo de Erin. Era só ir mais cedo para a sua casa e assaltar seu guarda roupa. Eu estava louca para vê-la mesmo, já que não tinha ido visitá-la ainda para deixá-la aproveitar aquele restinho de lua de mel.

Não havia absolutamente nenhum motivo para ir até Asher. Então eu não inventei nenhum, eu apenas disse:

– Não, eu preciso ir até lá.

Sob o olhar escrutinador de Cherry, eu calcei minas botas e coloquei um suéter por cima da minha blusa, peguei um cachecol e meu longo sobretudo.

– Sabe, Max – Cherry começou, devagar. – Acho que você deveria ir morar comigo.

Estanquei no caminho para a porta.

– Eu tenho dois quartos e, apesar de ser um pouco mais longe do trabalho, ainda é aqui na ilha – continuou.

Eu me voltei para ela e sorri.

– Se nós acabarmos matando uma a outra, a responsabilidade vai ser sua.

Ela sorriu.

– Boa sorte – falou, como se soubesse que eu não estava indo até o apartamento de Asher apenas para pegar um vestido.

Assenti e saí, colocando o casaco e passando o cachecol pelo pescoço. Estava frio o bastante lá fora para eu pensar em pegar um táxi, mas um ônibus passou quase na hora que eu coloquei os pés na rua e eu embarquei. O caminho não era longo. Desci na Broadway e quando cheguei à esquina da Broome Street, começou a nevar. Andei rapidamente e, ao chegar ao prédio de Asher, o porteiro não me parou, apenas sorriu. Aparentemente, meu ex colega de quarto ainda não havia avisado ninguém de que eu não morava mais ali.

Eu ainda não tinha devolvido as minhas chaves. Asher também não me pedira. Sabia que era errado e, se ele estivesse em casa, provavelmente ficaria puto, mas eu não bati na porta. ao invés disso, usei minhas chaves e entrei.

O apartamento estava mergulhado em escuridão. Não que estivesse muito claro lá fora, mas as cortinas fechadas da sala não deixavam nenhum fio de luz passar. Pisquei por um momento, acostumando meus olhos à escuridão e tentando esconder de mim mesma o quanto estava decepcionada por ver o lugar vazio.

Não tive muito sucesso com a segunda coisa.

Suspirei e fechei a porta atrás de mim, tirando meu cachecol e sobretudo para colocá-los em cima do balcão, e depois caminhando na escuridão sem esbarrar em nada, afinal, eu conhecia aquele lugar tão bem que podia muito bem andar pelo apartamento vendada. Segui até meu quarto – ou o que um dia foi meu quarto – e abri a porta.

Asher estava jogado – essa era precisamente a palavra – no chão do quarto, aparentemente desmaiado, ou sei lá, morto. Em sua mão direita, uma garrafa de Jack Daniel’s com quase nenhum conteúdo e na outra, um cigarro apagado. O quarto estava destruído. Cada centímetro do chão estava coberto por garrafas de uísque, latas de cerveja e pontas de cigarros. O cheiro era quase insuportável, para quem odiava nicotina como eu. Ainda lembrava de como proibira Asher de fumar dentro de casa e ele aceitara com um resmungo. Até tinha acreditado que ele havia largado aquele hábito.

Minha cama, ainda com a colcha azul bebê e meus travesseiros de plumas, estava intocada. Aliás, todas as minhas coisas pareciam intocadas, embora cada espaço restante do quarto parecesse estar apodrecendo. Rapidamente percebi que Asher não estava morto, embora meu coração tenha parado por um segundo ao vê-lo caído ali. Seu peito subia e descia ritmadamente e uma mecha do seu cabelo caíra em seu rosto, e sua respiração a fazia balançar de modo quase imperceptível.

Instintivamente, a primeira coisa que queria fazer era acordá-lo, fazê-lo tomar um banho e enfiá-lo em sua cama, para depois ir limpar toda aquela bagunça. Eu reclamaria comigo mesma e o infernizaria no dia seguinte, mas...

Eu não morava mais com ele. Aliás, eu nem era amiga dele. Suas últimas palavras para mim tinham sido exatamente essas. Você não é nada para mim, Hyde. Desapareça. Meu coração doía por ajudá-lo, mas eu simplesmente não podia. Não achava que ele estivesse correndo algum risco de vida, do contrário, teria feito alguma coisa. Era só uma bebedeira.

Mas era sempre uma bebedeira.

Não importava. O problema de Asher com álcool não era da minha conta, ou pelo menos foi o que disse a mim mesma. Depois de alguns minutos apenas observando, balancei a cabeça e fui até o guarda roupa procurar pelo vestido vermelho. Afinal, tinha sido para isso que eu fora até ali.

Certo.

– Max?

A voz soou atrás de mim, rouca, baixa e incerta. Eu já estava com a mão na porta do guarda roupa e o abri, ignorando Asher, mas sentindo minhas costas enrijecerem.

– É você mesmo?

Suspirei, ainda mexendo nos cabides, embora fosse inútil. Eu nem conseguia prestar atenção o suficiente no que estava fazendo para encontrar o vestido. Duvido que a tarefa tivesse sido mais fácil, ainda que ele fosse amarelo neon e piscasse.

Virei-me e reparei que Asher sentara e começava a tentar se levantar.

– Você devia ir tomar um banho – falei, casualmente.

Ele balançou a cabeça e apertou os olhos, finalmente conseguindo se levantar, embora cambaleando. Ele usava calças de flanela e uma camisa folgada e seus pés descalços pisaram em cima de uma pilha de cigarros, mas ele não pareceu notar.

– É você mesmo – falou e sorriu, um sorriso lento e mau. E feliz. – É você, Max.

Eu suspirei alto e resolvi que não poderia encontrar nada ali com aquele desempregado bêbado me atrapalhando. Então, colocá-lo no banho seria mais para me ajudar do que a ele.

A desculpa soava esfarrapada até dentro da minha cabeça.

– Vamos, eu te ajudo a ir até o banheiro – falei, aproximando-me e tocando seu braço.

Para a minha surpresa, Asher me segurou pelos ombros e me puxou para ele. Por causa do seu estado, perdeu o equilíbrio e nós dois acabamos caindo – felizmente, na cama.

– Que diabos...? – comecei, mas as palavras morreram quando senti os lábios de Asher em meu pescoço, sua barba por fazer arranhando minha pele, seus fios de cabelo me fazendo cócegas.

– Max – ele sussurrou, afastando meu suéter para beijar delicadamente minha clavícula. – Maxine.

Em minha defesa, meu momento de absurda passividade durou pouco. Foi mais a surpresa do que qualquer outra coisa, que me deixou sem ação por um momento. E eu estava prestes a empurrar aquele homem bêbado de cima de mim, quando ele falou a única palavra que podia me fazer hesitar.

– Monstrinha.

Meus olhos se arregalaram e meu coração pulou uma batida, acelerando tanto em seguida, que eu podia ouvir a pulsação em meus ouvidos.

Os lábios de Asher encontraram os meus e eu os abri, mesmo temendo que ele não tivesse escovado os dentes pela última semana. Aparentemente, ele não tinha descuidado da sua higiene dental. Seu hálito não era ruim, seu gosto era apenas de uísque e, bem fraquinho, de cigarro.

Confesso que o beijei de volta. Não porque ele queria me beijar, mas porque eu queria beijá-lo. Não pensei na bonita britânica, na anônima Georgie do telefonema e nem nas milhares de mulheres sem rosto que já haviam experimentado daqueles lábios. O beijo de Asher tinha aquela estranha qualidade que fazia com que eu me sentisse única no mundo. Como se ele nunca fosse parar de me beijar e, se parasse, seus lábios ainda seriam meus.

– Monstrinha – sussurrou contra meus lábios e sua voz ébria tinha um ligeiro toque de ansiedade, de medo. – Eu não aguento mais. Eu não posso mais...

Espalmei minhas mãos em seu peito e o empurrei um pouco, para tentar ver seu rosto, mas ele continuava me beijando em qualquer lugar que seus lábios alcançassem. Quando mordeu fracamente meu queixo, minhas pernas viraram geleia e era uma coisa boa eu não estar de pé.

– Eu tentei – ele balbuciava e eu não o entendia completamente. – Eu tentei ter tudo, mas você é terrível, Max. Você é cruel. Sem coração.

Suas mãos tinham se esgueirado para a minha cintura, embaixo de todas as minhas camadas de roupa, e seus polegares faziam círculos deliciosos em minha pele.

– Asher... – comecei, tentando colocar um pouco mais de empenho em repeli-lo, mas falhando.

– Eu achava que não podia viver assim antes – ele não me deixou falar e continuou, seus olhos nunca encontrando os meus. Sua boca voltando à minha em um beijo longo. Seus dentes prenderam meu lábio inferior e eu ofeguei. – Mas se não posso ter tudo, fico com as migalhas...

– Asher, você está bêbado...

– E você está linda – seus olhos encontraram finalmente os meus. As pupilas tão dilatadas que quase escondiam a íris. – Seus lábios vermelhos dos meus beijos, seus olhos enevoados por meu toque...Max, eu aceito o que você quiser me oferecer. Mesmo que seja patético, mesmo que seja humilhante.

– Eu não entendo...

– Fica comigo essa noite. Me deixa te tocar. Me deixa te ter. Só hoje.

As mãos e os beijos de Asher pararam. Ele estava imóvel em cima de mim, apenas esperando minha resposta.

Eu queria dizer sim. Eu queria uma noite com Asher. Eu era livre, eu era dona de mim mesma, eu podia simplesmente fazer o que quisesse. E eu queria envolver meus braços ao redor do pescoço do homem acima de mim e beijá-lo até ficar tonta. Queria tirar nossas roupas e sentir sua pele contra a minha. Queria sentir seu toque, suas mãos, sua boca. Queria-o dentro de mim até não conseguir saber o que era ele e o que era eu.

Mas eu não consegui.

Eu o queria mais do que já quis qualquer outro homem. Eu até dissera a mim mesma que ficaria satisfeita em tê-lo por apenas uma noite.

Mas não era verdade.

Se fosse qualquer outro cara, não teria tanta importância. Não era por moralismo. Eu apenas...sabia que fazer amor era diferente de fazer sexo. Seria amor para mim e sexo para Asher e, se isso não fosse o bastante para me destruir, ter a lembrança daquela noite e nunca mais poder ficar com ele de novo, o faria.

Instintivamente, eu sabia que uma noite com Asher acabaria com minhas chances de me apaixonar por qualquer outro homem. Não por causa das habilidades do meu ex colega de quarto na cama, embora eu nunca tenha ouvido nenhuma das suas mulheres reclamar. Era só que...eu o amava. Eu já havia me apaixonado antes, mas aquilo era diferente. Era errado, era certo. Era desesperador.

Era como se eu nunca fosse amar de novo.

– Não – foi minha resposta.

A dor, a solidão nos olhos de Asher quase me fizeram voltar atrás. Mas fui firme. Eu podia aceitar ser machucada. Eu podia aguentar, eu podia ter cicatrizes. Eu podia viver com isso.

Mas eu não me destruiria assim. Podia soar estúpido e idiota, eu não me importava.

Eu o amava demais para aceitar migalhas, como ele fazia.

Empurrei-o e dessa vez, Asher saiu de cima de mim, caindo de costas na cama.

Não peguei o vestido. Não peguei nada. Nem meu cachecol nem meu sobretudo. Nem minhas chaves. Apenas saí correndo.

Ainda nevava lá fora.


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Notas finais do capítulo

"Não diga nas notas do capítulo que ele ficou ruim. Se acha que está mesmo ruim, reescreva. Tenha confiança, nunca deprecie seu próprio trabalho." - tá gente, meuj capítulo tá maravilhoso, o nome, então...
Bom, obrigada por chegar até aqui e desculpe se eu estou sendo insuportável. Vou ficar logo de férias e postar com mais frequencia. Ah, e vou postar ainda essa semana aquele bônus ANTIGO que eu mandei por email pra algumas pessoas, até porque meu email deu pau e não foi pra todo mundo.
Beijos e não esqueçam de comentar, mesmo que o cap não esteja tão bom (:
— Eu reviso sempre, mas qualquer erro, me avisem que eu corrijo-