Perfectly Wrong escrita por Juliiet, Nana


Capítulo 21
Cerveja e canela


Notas iniciais do capítulo

SE VOCÊS NÃO COMENTAREM NOS DOIS CAPÍTULOS, NUNCA MAIS FAÇO ISSO
Hhauehausheuahseuha #falando sério
E btw, só quem mandar o email no capítulo passado que vai receber o bônus. Acho que vou mandá-lo na terça feira, então vocês tem até lá!
Agora, vamos falar de milagres. Pois sim, eles acontecem. Eu escrevi esse capítulo aqui ONTEM, em TRÊS horas. Meus dedos doíam, mas eu não consegui parar, foi o maior surto de inspiração que eu já tive desde Ocean Eyes (pra quem não sabe, eu escrevi Ocean Eyes - mais de 30 mil palavras - à mão em uma semana).
E esse capítulo significa MUITO pra mim, então POR FAVOR, eu quero que vocês comentem nele. Eu amei todos os reviews do cap passado, principalmente o de uma pessoa super fofa chamada Babaloo Courier. Gata, seu comentário me deixou jogada no chão!
Espero muito que vocês gostem do capítulo - que eu já teria postado há 10 minutos se o nyah não ficasse comendo minhas notas.
Enjoy



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/360597/chapter/21

– Nero, é a última vez que falo com você – a irritação coloria minha voz enquanto eu apertava os olhos para aquele gato gordo e folgado. – Sai daí.

Era o dia seguinte ao casamento de Erin. Eu não havia dormido, mas não estava mais vestindo meu ridiculamente caro vestido de madrinha – trocara-o por jeans e duas camisetas com um moletom por cima, já que era uma manhã muito fria. Boa parte das minhas outras roupas estava agora em duas malas grandes e, em uma delas estava Nero, esparramado, mas com as unhas agarradas em um dos meus suéteres favoritos.

E ele não queria sair de lá por nada.

Eu estava me segurando para não dar simplesmente um chute naquele felino mal amado. Qual era o problema dele, afinal? Ele me odiava, não devia estar feliz por eu estar finalmente indo embora?

– Nero! – gritei. – Some!

Talvez o grito tenha sido demais, porque logo em seguida eu pude escutar uns ruídos na sala e, antes que eu pudesse correr e trancar a porta do meu quarto, ela foi aberta.

Asher estava, surpreendentemente, vestido com uma calça de flanela e uma camisa branca de mangas compridas, com gola em v, tão velha que eu podia reparar que tinha alguns furos na barra. Mas benção das bênçãos, ele não estava com o peito nu.

Então até ele estava sendo afetado pelo frio daquela manhã. Bom.

– Que gritaria é essa? – ele perguntou, esfregando um olho da maneira mais fofa, quase infantil, os cabelos parecendo um redemoinho em sua cabeça.

Afastei os olhos e os fixei na minha cômoda, que era o móvel mais perto de mim.

– Seu gato não quer sair das minhas roupas – falei, seca.

Lockwood piscou, finalmente parecendo reparar no estado do meu quarto. Minhas coisas estavam espalhadas por todo o canto, caixas estavam abertas, algumas meio montadas, pelo chão do quarto. E é claro, as duas malas transbordando com roupas e um gato laranja e gordo numa delas.

– O que significa isso? – ele perguntou, subitamente desperto.

Continuei sem encará-lo.

– Você me expulsou daqui essa madrugada – lembrei-o. – Ou já esqueceu?

Eu não o vi nem o ouvi se mexer. Só senti quando, de repente, suas mãos agarraram meus ombros e me fizeram virar para ele. E ele não me soltou, pelo contrário, suas mãos deslizaram para meus braços, logo acima do cotovelo, e me apertaram como se ele estivesse se segurando para não me chacoalhar.

– Será que você pode tentar não ser tão maluca? – falou, soando tão zangado que eu quase não notei a ironia da pergunta.

Não tentei me soltar porque, quando finalmente fitei aqueles olhos de tempestade, toda a fúria que parecia ter fugido de mim ontem à noite, resolveu aparecer.

– Não sou maluca! – afirmei.

– Absurda, então – ele retrucou.

– Absurdo é você! Você me expulsou!

– Eu tinha bebido!

– E isso é desculpa para ser um babaca? Porque você não precisa realmente da ajuda da bebida pra isso, você nasceu com um talento natural!

Asher me soltou tão abruptamente que eu quase perdi o equilíbrio por um momento. Quando me estabilizei, voltei a fitá-lo e vi que ele tinha me dado às costas.

– Ok, eu fui um babaca noite passada, mas você foi uma vadia completa – falou, passando os dedos furiosamente pelos cabelos bagunçados.

– Você me deixou plantada no casamento da minha melhor amiga – argumentei, porque aquele tinha sido a primeira ofensa.

Ele se virou, ainda parecendo furioso, os olhos cinzentos apertados na minha direção.

– Por que você me convidou, para começar? – sua voz saiu um tom mas alta.

– Você não precisava ter aceitado se não queria ir! – gritei de volta.

– Eu queria ir!

A fúria foi saindo dos seus olhos em ondas. E então era apenas Asher, meu colega de apartamento, olhando-me com aqueles olhos lindos e tristes. Sua respiração saía em jorros, assim como a minha, como se nossa briga tivesse sido física e não verbal.

– Então por que não foi? – perguntei, depois de um momento, sentindo a minha própria raiva me deixando murcha ao sair de mim.

Ele mordeu o lábio, como se realmente quisesse me falar, mas estivesse se controlando. Como se me contar fosse deixar as coisas piores do que eram.

– Me desculpe, Max – falou, esfregando o último vestígio de sono do rosto com as duas mãos e suspirando alto. – Por ontem, por tudo. Realmente apareceu uma coisa que me impediu de ir, mas eu deveria ter pelo menos ligado para avisar.

– Ou atendido minhas ligações – completei, ainda sem entender o rumo que nossa briga estava tomando.

Ele assentiu.

– Então por que não fez nada disso? – me forcei a perguntar.

Ele voltou a morder o lábio, lançando-me aquele olhar tão triste e parecendo pensar se deveria me dizer ou não. Ele acabou dizendo, com um dar de ombros:

– Tive medo de que sua voz me afastasse do que devia fazer. Se tivesse falado com você, Max, teria corrido para aquele maldito casamento. Estaria ao seu lado, como você pediu. Mas não podia.

O dar de ombros dava uma casualidade que as palavras em sua afirmação não tinham. Eu não sabia o que pensar daquilo. Seria mentira? Seria ele querendo derreter meu coração?

Ou, se fosse verdade, o que significava? O que significava que minha voz o fizesse ir correndo até mim?

Resolvi que não queria pensar naquilo, então falei outra coisa que veio na minha cabeça.

– Desculpe por ter sido a maior vadia com você ontem à noite – se ele tinha se desculpado, por que eu não deveria?

Ele assentiu e me presenteou com o menor dos sorrisos.

– Você que tem que me desculpar – falou, se aproximando. Fitei seus pés descalços que apareciam através da barra de sua calça. – Eu fui o maior idiota.

Concordei:

– Sim, você foi. E me expulsou – minha voz saiu um pouco embargada, fazendo-me querer enfiar as palavras de volta na boca.

Asher se aproximou ainda mais e voltou a colocar as mãos em meus braços, delicadamente dessa vez, não apertando-os, apenas segurando-os.

– Olha pra mim – pediu.

Levantei os olhos dos seus pés para seu rosto, que estava exatamente no mesmo nível que o meu, o que era estranhamente íntimo.

– Me perdoa? – perguntou.

– Eu deveria ir embora – sussurrei.

Ele negou com a cabeça e me abraçou. Passei imediatamente minhas mãos por sua cintura, como se fosse a coisa mais normal do mundo, e apoiei minha cabeça na curva do seu pescoço, sentindo seu cheiro de balas de canela, meio misturado com uísque.

– Você não vai embora, Max – o ouvi dizer, enquanto uma de suas mãos acariciava meu cabelo e minha nuca.

Seus dedos quase me faziam cócegas, mas não era bem isso. Era bom.

– Por quê? – perguntei, meus lábios quase tocando a pele sensível do seu pescoço. – Me dê um motivo pra ficar.

Ele não falou nada por quase um minuto. Apenas me segurou como eu precisava ser segurada. Não era apenas nossa briga de ontem. Eu havia acabado de perder minha melhor amiga. Sim, ela havia se casado, não morrido, mas era uma fase que acabava. Era, de certa forma, uma morte. A morte de um momento. Nós nunca voltaríamos a ser jovens e irresponsáveis. Erin se casara, teria um bebê. E parecia feliz com isso. Feliz em deixar de ser o que fomos por tanto tempo. E eu sabia que o que me esperava era um destino parecido.

Eu só não estava preparada para ele.

E, sinceramente, não sabia se um dia estaria.

– Eu quero que você fique – a voz de Asher era baixa, quase um sussurro, enquanto seu carinho em meu pescoço e cabelo continuava, fazendo-me fechar os olhos. – Fique por isso.

Por um segundo, eu quis que suas palavras significassem algo diferente do que significavam. Por apenas um segundo, eu desejei que ele realmente quisesse que eu ficasse, não como sua colega de quarto ou amiga, apenas como...sua. Apenas porque não pudesse me deixar ir, como se um pedaço dele fosse chorar minha partida, como se ele não fosse ser o mesmo sem sua monstrinha por perto.

Quando nos afastamos, ele procurou a resposta em meus olhos. Eu assenti. Ele sorriu. Nero finalmente saiu de cima do meu suéter e foi até ele, que o pegou no colo e foi embora.

E apenas por aquele segundo, eu desejei que ele ficasse.

Desejei que me abraçasse de novo, porque há muito tempo meu mundo girava rápido demais e me deixava tonta. E em seus braços, pela primeira vez em meses – talvez anos –, eu senti o mundo desacelerar.

E parar.

...

Os dias passaram meio estranhos para mim. Erin estava em lua de mel com Mitch na América do Sul, JJ estava a cada dia mais depressivo no trabalho, Cherry estava mais mal humorada do que nunca e Asher e eu quase não nos falávamos desde aquele episódio esquisitíssimo no meu quarto. Quando ele me pediu para ficar.

E me abraçou.

Por algum motivo, eu andava tento dificuldade para tirar aquele momento da cabeça. Quando meus lábios quase tocavam sua pele, quando suas mãos acariciavam meu pescoço, quando ele disse que queria que eu ficasse.

Eu fiquei.

Mas estava tendo problemas para dormir. Ficava horas fitando apenas o teto do meu quarto. Não conseguia atender o telefone quando James me ligava, não conseguia falar com ele. Chorei nas duas vezes em que minha mãe me ligou e agora eu sabia que ela estava muito preocupada comigo. Eu mal podia esperar para voltar para casa para o Dia de Ação de Graças, que era em alguns dias. Há muito tempo eu não sentia uma necessidade tão grande de voltar para casa, de deitar minha cabeça no colo da minha mãe, de rir das piadas sem graça que meu pai sempre fazia.

Uma vez, minha avó me dissera que, quando sentimos tanta saudade de casa é porque estamos confusos. Estamos incertos. E a família é a maior certeza que podemos ter na vida. E eles fazem tudo simplesmente voltar ao eixo de novo.

Realmente esperava que fosse verdade. Porque minha vida estava uma bagunça e eu não sabia como arrumá-la.

Porque eu não sabia o que estava errado.

– Você viu o buquê de rosas vermelhas que chegou para Cherry essa manhã? – JJ perguntou, entrando na minha sala e sentando na ponta da mesa.

Ele estava usando um terno – o que era uma novidade – muito bem cortado e sapatos italianos. Seu cabelo estava na perfeita arrumação com gel de sempre, mas, apesar de estar lindo, parecia como se seu melhor amigo tivesse morrido.

E parecia assim há semanas.

E o motivo era Ryan e sua noiva que, segundo JJ, era o diabo encarnado e sempre dava um jeito de fazê-lo parecer mal na frente do noivo.

Aparentemente, nenhum de nós estava tendo uma semana boa.

– Desgraçada sortuda – JJ murmurou, quando eu não falei nada. – Ela ainda chegou aqui com umas olheiras do tamanho da Califórnia. Aposto que passou a noite tendo mais diversão do que eu tive em meses.

Ri amargamente.

– Não sei não – comentei, mordendo a ponta da minha caneta. – Se ela está se dando bem, por que anda tão mal humorada ultimamente?

JJ deu de ombros.

– Vai ver o cara é ruim de cama – ele opinou.

– Você acha que as flores são por isso? – perguntei. – “Desculpe por ter dormido antes de satisfazer você ontem à noite, querida”?

JJ começou a rir escandalosamente, fazendo-me acompanhá-lo.

– Ri mais baixo ou a Cereja Assassina vai acabar aparecendo aqui para enfiar os espinhos das rosas nos nossos olhos! – falei, eu mesma segurando o riso.

Fomos parando devagar, JJ enxugando os olhos enquanto o riso morria em seus lábios. Mas o que sobrou não foi nem um sorriso. Ficamos subitamente sérios, sérios demais.

– Ryan me pediu para diminuir a frequência com que apareço por lá – JJ disse de repente. – Ele disse que Margareth – essa era a tal noiva – se sente desconfortável perto de mim.

Seu olhar partia meu coração. Mas eu não sabia o que dizer para consolá-lo, então apenas disse:

– Há dias eu não observo os vizinhos com Asher. Eu não sei mais o que está acontecendo com a Joker e sua amante proibida, nem com o Sr. Tweed.

Ele riu, mas não era um riso bom.

– Você realmente se importa com isso, não é?

Assenti. Ficamos algum tempo calados, exceto por um suspiro ou outro.

– Estamos ferrados, não estamos, Max? – JJ perguntou de repente.

Neguei.

– Fale por você – falei, provocando-o.

Ele sorriu e me jogou o lápis que estivera segurando.

– Nem venha com essa – falou, levantando da mesa. – Você ainda está mais ferrada do que eu. Porque você nem sabe disso.

E dizendo isso, foi embora, deixando-me estática e confusa.

Por acaso havia algo acontecendo na minha vida que eu mesma não sabia e JJ sim?

...

Acordei atrasada na manhã seguinte. Vesti-me apressadamente, não esquecendo meu cachecol verde musgo e minhas luvas de couro. Era uma manhã congelante. E eu não teria tempo para tomar um café.

Saí do quarto com minha bolsa e cheia de pastas e papéis. A exposição com Hawk aconteceria em janeiro e as coisas já estavam bem adiantadas. E era bem provável que eu fosse conhecê-lo depois do natal.

Mas nem a perspectiva de conhecer meu ídolo fazia minha existência naquelas semanas parecer menos árida. Eu me sentia tão vazia e tão sozinha que eu mal lembrava como era ser feliz.

Eu era infeliz, essa era a verdade. Eu desaprendera a ser feliz.

Enquanto fechava a porta do meu quarto e tentava equilibrar tudo o que tinha nas mãos, percebi que Asher estava na cozinha. Ou melhor, ele estava sentado num dos bancos do balcão da cozinha, a parte superior do corpo totalmente deitada contra o dito balcão. Ele parecia quase morto e eu realmente suspeitaria disso se não pudesse ver suas costas se mexendo ligeiramente com sua respiração.

Parei, incerta do que fazer. Ele estava obviamente com algum problema e parecia estar tendo um dia pior que o meu – e o dia tinha apenas começado. Há dias não nos falávamos direito, a não ser educados e desconfortáveis “olás” e “tchaus”.

Mas, naquele momento, eu senti que seria simplesmente cruel deixá-lo ali sem nem perguntar se estava tudo bem.

Então eu deixei minhas coisas no sofá e me aproximei dele, perguntando:

– Algum problema, Asher?

Ele demorou longos segundos para se virar e me olhar, ainda sem tirar a cabeça do balcão. Estava usando um pesado moletom cinza com mangas tão longas que cobriam suas mãos e seu cabelo era a bagunça de sempre.

A bagunça que meus dedos queriam tocar.

Espantei o pensamento e esperei que ele me respondesse.

– Na verdade, sim – ele respondeu, surpreendendo-me. – Hoje é meu aniversário.

A notícia me pegou meio de surpresa e deixei que ela transparecesse em meu rosto. Eu morava com o cara há quase seis meses e não sabia o dia do aniversário dele.

Por que isso me parecia tão errado?

– Então por que você parece tão acabado? – perguntei, genuinamente curiosa e desconfortável para lhe desejar um feliz aniversário.

Ele sorriu, mas não era um sorriso feliz.

– Estou ficando velho, isso não é motivo o suficiente para estar acabado?

Balancei a cabeça, discordando.

– Você não parece do tipo que se preocupa com isso – comentei e ele assentiu.

– É verdade.

Sentei-me no banco ao lado do seu.

– Então qual é o problema? – tornei a perguntar.

Seu sorriso agora era um pouco mais caloroso, mais bonito. Me fez sorrir sem perceber que o fazia.

– Não é nada, Max – acabou me respondendo. – É só que meus aniversários tem sido um pouco solitários. Só isso.

Quis abraçá-lo. Tanto que minhas mãos quase se moveram, mas eu as impedi. Queria tanto abraçá-lo que não me permiti fazer isso. Também não disse nada, porque de repente não sabia o que dizer.

– Você não está atrasada? – ele perguntou, finalmente levantando a cabeça. Havia um ponto vermelho em sua testa, de onde ele a havia apoiado na dura superfície. – Vá para o trabalho, Max.

Eu fui. E não desejei a ele um feliz aniversário.

E isso ficou martelando em minha cabeça durante todo o dia. Eu estava tão distraída e cometi tantos erros que Cherry gritou comigo duas vezes e eu quase derrubei café na calça branca de JJ. Então, quando pedi para sair mais cedo, foi quase um alívio para todos. Cherry disse que o melhor era que eu fosse mesmo e me liberou.

Era meu último dia trabalhando naquela semana de qualquer maneira. Em dois dias, eu iria para o Kansas e já tinha sido dispensada.

Saí pelas ruas quase correndo, e assim fui até uma antiga loja de livros e CD’s usados que Asher adorava. Eu não pensei em nada antes de entrar nela e começar a procurar incansavelmente por algo para dar para Asher. Tive sorte. Em pouco tempo achei um disco de vinil do Daft Punk e pensei que Asher talvez fosse gostar. Eu sabia que ele tinha uma coisa com discos de vinil – que eu nunca iria entender, eu gostava de ouvir música sem som de ruídos de fundo, obrigada.

Pedi para o atendente embrulhar e mais uma vez saí quase correndo pelas ruas. Fui até uma confeitaria ali perto e perguntei se havia algum bolo pronto que eu pudesse levar. Acabei com uma torta de maçã e morangos, que era a única coisa que ela pôde arranjar assim tão depressa. Eu sabia que Asher não gostava de doces, mas todo mundo deveria ter um bolo no seu aniversário.

Bem, ele teria que se contentar com uma torta.

Passava um pouco das sete da noite quando eu finalmente saí da confeitaria e comecei meu caminho para casa. Um sorriso brincava em meus lábios enquanto minha respiração saía condensada por meu nariz.

Eu me sentia bem como não me sentia em dias. Estava feliz por fazer algo por Asher, mesmo que ele não merecesse. Talvez eu pudesse me dar ao luxo de ser magnânima. Enquanto andava rapidamente pela calçada, fiquei imaginando a expressão em seu rosto quando visse o presente e o bolo (torta). Ele ficaria muito surpreso? Ficaria contente?

Apressei o passo, querendo chegar logo.

Quase não esperei o elevador e só não subi de escadas porque tive medo de derrubar a caixa com a torta. Quando finalmente saí no corredor do nosso apartamento, um barulho quase ensurdecedor de música agrediu meus ouvidos.

E foi quase com horror que percebi de onde ele vinha.

Girei a maçaneta da porta e percebi que ela não estava trancada. Abri-a e me deparei com uma cena quase grotesca.

Era como um daqueles filmes em que os pais viajam e os filhos resolvem detonar a casa fazendo uma festa. Havia mais pessoas ali do que eu pensei que o espaço pudesse comportar. Entrei, empurrando duas garotas que dançavam perto da porta e percebi que não havia sequer um rosto conhecido ali.

Alguém gritou:

– Feliz aniversário, Asher! – e todos levantaram seus copos.

Certo, então aquilo era uma festa de aniversário.

Sentindo-me imediatamente ridícula com minha torta de maçã e morango, e um maldito disco de vinil, lutei para chegar ao meu quarto. Quando finalmente abri a porta, foi quase uma surpresa encontrá-lo vazio. Suspirei audivelmente e fechei a porta atrás de mim. no segundo seguinte, escondi o presente e a torta embaixo da cama.

Solitário, claro. Como eu fui acreditar naquilo?

Dava para ser mais idiota?

Sentei-me na cama e arranquei minhas botas, colocando-as ordenadamente na sapateira. Troquei minha roupa por um moletom confortável e estava escovando os cabelos quando alguém bateu na minha porta. Foi uma batida forte o suficiente para fazer a porta tremer e, do contrário, eu não conseguiria tê-la ouvido.

Antes que eu respondesse ou abrisse a porta, alguém a abriu, apenas uma fresta.

Asher colocou a cabeça para dentro e me viu.

– Você já está aqui? – perguntou estupidamente. Percebi que ele havia bebido. – Por que não veio me cumprimentar?

Forcei um sorriso e coloquei minha escova de cabelo na cômoda.

– Estou meio cansada – menti. – Queria dormir um pouco.

– Com esse barulho? – perguntou, como se eu fosse doida. – Você não vai conseguir. Vem aqui e toma uma cerveja.

Suspirei e decidi que seria melhor que eu fosse mesmo. Não queria que minha porta ficasse aberta por muito tempo ou as pessoas poderiam ter a brilhante ideia de entrar no quarto. Coloquei meias e chinelos – JJ não estava ali para dizer que eu estava matando a moda – e saí, não esquecendo de trancar a porta e guardar as chaves no bolso da calça.

Asher sorriu para mim e conseguiu uma cerveja com alguém, passando-a para mim. agradeci baixinho e bebi um gole. Não estava no clima para festas. Ou bebida. Ou pessoas.

Ou qualquer outra coisa que não fosse ficar sozinha no meu quarto.

Era estranho como meu humor havia mudado tão rapidamente. Eu não era dada a mudanças tão abruptas assim, nem mesmo na TPM.

Asher me apresentou a algumas pessoas e depois sumiu quando mais amigos chegaram para cumprimentá-los. Aproveitei que estava fora do seu radar e resolvi fugir. Não voltei ao meu quarto, fui até a janela da sala e passei uma perna por ela.

Não, eu não ia me matar. Eu estava indo apenas para a escada de incêndio. Estava frio demais para ficar lá fora, mas eu decidi ficar assim mesmo e fechei a janela atrás de mim. Sentei nas escadas e abracei meu próprio corpo, deixando a garrafa de cerveja quase intocada no degrau ao meu lado.

Fiquei fitando o prédio vizinho por algum tempo, mas não era a mesma coisa sem o binóculo do Asher.

Ora, quem eu estava enganando? Não era a mesma coisa sem Asher.

Senti uma repentina vontade de chorar e me odiei por isso. O que havia de errado comigo?

Alguém abriu a janela e eu vi que era exatamente a pessoa que confundia minha cabeça.

– Então é aqui que você se escondeu, monstrinho? – perguntou, saindo para a escada de incêndio também.

Percebi que, em uma mão ele tinha uma cerveja, mas na outra, tinha um cobertor. Fiquei parada, vendo-o se sentar ao meu lado e colocar o cobertor sobre nós dois. Sorri, mesmo sem saber por que sorria. Olhar para Asher simplesmente me fez querer mover os lábios para cima.

Ele usava jeans e uma camiseta listrada, com um casaco preto por cima. Ele parecia mais novo, não mais velho. Seu cabelo estava quase arrumado, embora algumas mexas fossem bagunçadas pelo vento gelado ali de fora.

Percebi que o estava encarando e virei meu rosto para a frente, tomando um gole da minha cerveja só para ter alguma coisa para fazer.

– Por que você está aqui? – ele perguntou.

– Muito cheio lá dentro – respondi, simplesmente.

Ele assentiu e não disse mais nada. O silêncio não era desconfortável, pelo contrário, era melhor do que quando eu estivera ali sozinha com meus pensamentos. Mas eu não conseguia relaxar. Algo estava simplesmente diferente.

– Me conta um segredo – pedi, de repente, antes que pudesse controlar o que saía da minha boca.

Para minha surpresa, Asher riu e perguntou:

– Qualquer um?

Assenti.

– O que você quiser me contar.

Ele apoiou o queixo na mão e olhou para mim, parecendo pensar profundamente na minha pergunta. Acabou por dizer:

– Adotei o Nero quando me mudei para cá. Tenho medo de ficar sozinho.

Aquilo me pegou de surpresa. Asher com medo de alguma coisa? Queria poder rir, mas não parecia certo. Porque ele parecia verdadeiro.

– Sua vez – falou.

Neguei.

– Eu não disse que iria te contar um segredo se você me contasse um, eu só pedi um segredo.

Ele sorriu e empurrou meu ombro de leve.

– Por favor, Max – pediu. O por favor me fez perceber que ele estava bêbado. – Então pelo menos me conte algo que você já fez de errado. Ah, eu esqueci, você é perfeitinha demais para ter feito qualquer coisa errada.

Isso me deixou meio irritada.

Principalmente por não ser verdade.

– Eu já fiz coisas erradas, Asher – retruquei.

– Matar aula na escola não vale.

– Fiz mais que isso.

– Eu duvido.

Rolei os olhos.

– Você não sabe de nada.

Ele deu de ombros e dei mais um gole em sua cerveja. Pensei que ele não insistiria, mas logo disse:

– Então me fale. Eu quero saber – virei para olhá-lo e uma mecha de cabelos negros se prendera em seus cílios compridos. Ele usou a mão que não estava segurando a cerveja para tirá-la. – Você é tão perfeitinha que às vezes seria bom saber que fez algo errado na vida.

Mais uma vez em menos de trinta minutos, eu tive vontade de chorar. Ao contrário de Asher, eu queria não ter feito tantas coisas erradas. Coisas que eu não poderia apagar, que me machucavam mesmo que fossem apenas lembranças. Lembranças que eu nunca conseguira esquecer.

Sim, eu queria não ter sido tão errada.

– Estou longe de ser perfeita – foi só o que disse, olhando para longe.

– Prove.

Eu não precisava provar nada. Asher era um babaca que não sabia de nada. Mas...eu nunca falara disso com ninguém – bom, exceto uma pessoa e não era como se eu pudesse desabafar com ele – e meu colega de apartamento estava bêbado. Ele provavelmente não lembraria daquilo pela manhã.

Mas era ridículo. Eu não contaria a minha vida, meus erros para ele.

Minha boca se abriu quase contra a minha vontade.

– No último ano da faculdade – comecei, incerta – eu tinha um professor de fotografia. Não sei se já mencionei, mas eu amo fotografia. As fotos em meu quarto foram eu que tirei, é algo que realmente...realmente me faz bem. Eu nem sei explicar...

Respirei fundo algumas vezes e continuei.

– Ele era incrível, digo, meu professor de fotografia. Eu nem percebi quando me apaixonei por ele.

Senti a surpresa de Asher mesmo sem virar para vê-lo. Eu não podia vê-lo, não podia me permitir olhar para ele ou nunca conseguiria continuar.

– Ele não era tão mais velho que eu, apenas uns oito anos. Não era exatamente bonito, não do jeito comum. Mas algo nele me atraía. Talvez fosse sua experiência, sua inteligência, segurança, charme. Era algo totalmente novo para mim. Eu lembro de pensar que a primeira vez em que ele me beijou foi a coisa mais incrível que já tinha me acontecido.

Parei de falar, precisei engolir para conseguir respirar e parar o fluxo de lágrimas que se acumulava em meus olhos. Eu jurara nunca mais chorar por aquilo. Era passado. Não podia mais ter o poder de me machucar.

Mas tinha.

– Mas seu namorado? – Asher perguntou, hesitante. – Eu pensei que...

Soltei o ar pela boca, no que era para ser um riso amargurado, mas nem um riso conseguiu ser.

– Sim, eu o traí – finalmente me virei para Asher e o movimento fez uma lágrima escapulir de um dos meus olhos. Sequei-a rapidamente. – Errado o bastante, ferrado o bastante para você?

Mais uma vez, virei o rosto para frente, para não ter que olhar para aqueles olhos arregalados, chocados. Eu sabia o que encontraria se continuasse fitando-os. Condenação. Então eu era só uma vadia qualquer que traía o namorado, não é?

– Mas e... o que aconteceu? – ele perguntou, sua voz neutra. Pontos para ele por isso. – Seu namorado nunca descobriu?

Mordi os lábios. Essa era, de alguma forma, a pior parte. Tentei resumir.

– Nosso caso acabou mal. Quase acabou comigo. E...eu contei tudo a James. Ele me perdoou e foi quem me ajudou a juntar os pedaços de mim mesma.

Silêncio.

– E é por isso que você o ama?

Surpreendi a mim mesma ao responder:

– Sim.

– Não é uma boa razão para amar alguém.

Quis dizer que não era da sua conta. Quis dizer que o problema era meu, que o coração era meu. E que eu amava quem eu quisesse.

Mas isso seria uma mentira.

– Eu sei – acabei respondendo.

O tempo foi passando e não nos mexemos. Não falamos. Eu não chorei, exceto por aquela solitária lágrima. Minha cerveja acabou, a de Asher provavelmente também, ele bebia mais rápido que eu. Não nos levantamos para pegar outra. Ninguém veio nos procurar. Ali fora, com a janela fechada, o som da festa era abafado, quase um ruído de fundo. Irritante, mas suportável. O frio era quase um incômodo, mas não era. O cobertor fazia seu trabalho, assim como o corpo quente de Asher ao meu lado.

Depois do que me pareceu quase uma hora, Asher se levantou. Ou melhor, tentou. Acabou tropeçando nos próprios pés e quase caindo. Levantei-me imediatamente e o ajudei a recobrar o equilíbrio. Segurei em seus ombros e, como estava num degrau acima dele, seus ombros estavam bem abaixo dos meus. Suas mãos foram imediatamente para a minha cintura, talvez para fazê-lo conseguir se equilibrar. Talvez ele estivesse mais bêbado do que eu pensava.

– Você está bêbado – afirmei, olhando para baixo, para seu rosto.

– Eu sei – concordou, já conseguindo se equilibrar nos próprios pés.

Mas não me soltou.

– Você não me deu um presente de aniversário – falou, olhando para cima, para mim, com aqueles olhos de tempestade, pegando-me totalmente de surpresa.

– E-eu esqueci – menti.

– Tudo bem – murmurou.

E a próxima coisa que percebi foi que ele subiu no degrau onde eu estava parada, ficando novamente da minha altura, me empurrou contra a janela e me beijou.

Seus lábios eram frios, sua língua, que imediatamente tocou minha boca, era quente. Entreabri os lábios sem pensar sobre isso, sentindo uma de suas mãos no fim da minha espinha e a outra, atrás da minha cabeça, os dedos roçando de leve a pele do meu pescoço. Meus braços foram, como por vontade própria, parar ao redor do seu pescoço, minhas mãos em seus cabelos.

Eu finalmente podia sentir o quanto eram macios.

Sua boca tinha gosto de canela e cerveja. Não era uma combinação ruim. Meus olhos, há muito fechados, tremularam quando a mão em minhas costas subiu um pouco, levando minha blusa com ela e fazendo com que seu dedo mindinho tocasse minha pele nua. Apenas esse toque fez meu corpo todo estremecer e se apertar mais contra o de Asher.

Ele beijava como eu imaginei que beijava. Só que melhor. Seu beijo não era possessivo, não era sobre controle. Era exigente, mas suave. Pedia, não mandava. Deixava-me livre para escolher se o beijaria ou não.

E eu o beijei.

Beijei com uma vontade que não conhecia. Com um uma naturalidade que fazia com que aquele não parecesse nosso primeiro beijo, mas ao mesmo tempo, havia algo que era tão novo, tão diferente, na maneira em que ele me beijava que parecia que aquele era o primeiro beijo da minha vida.

Seus dentes roçaram meu lábio inferior, depois prenderam-no levemente. Ele sorriu no meio do beijo, o que me fez sorrir também, e nossos dentes acabaram se batendo, o que nos fez rir mais. Mas não paramos de nos beijar. Minhas mãos se moveram para seus ombros, meus dedos tocando levemente a gola de sua camisa, no limite para tocar sua pele.

Não saberia dizer exatamente quando o beijo acabou, mas depois de algum tempo seus lábios, fechados, apenas encostavam levemente nos meus, no mais leve dos beijos, no mais suave dos carinhos. Suas mãos estavam dos dois lados do meu rosto, segurando-me no lugar. Mas ele não precisava. Eu não me moveria.

Acabamos apenas olhando um para o outro, suas mãos ainda em meu rosto. Asher sorriu, o que me fez sorrir também.

– Eu estou bêbado e beijei você – falou, a voz rouca e baixa, os olhos fixos nos meus.

Assenti, não confiando em minha voz para falar qualquer coisa.

– E você me beijou – continuou. – E está sóbria.

Suas mãos soltaram meu rosto e imediatamente eu senti o frio da perda.

E sem outra palavra, Asher abriu a janela e passou por ela para dentro da casa, deixando-me sozinha na escada de incêndio. Com gosto de canela e cerveja na boca.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

QUEM MAIS TA JOGADO?
Hhuahsuhueh
Gente, eu AMEI escrever esse capítulo! Eu to querendo escrever essa última cena HÁ SÉCULOS. Sei que não vai ser como muita gente esperava, mas eu sou assim. Se eu visualizo uma determinada cena de um jeito, eu PRECISO ser fiel à minha imaginação.
Espero de verdade que tenham gostado.
Comentem e me façam feliz (olha só, dois capítulos em dois dias - sei que isso é normal pra muita gente, mas não é pra mim, então...)
Beijos!