(...)

P.O.V Lilá

Momentos. É disso que a vida é feita.

Lembranças, é disso que meu coração está cheio.

O jantar foi até sociável, digamos assim. O silencio reinou, e a tensão era perceptível. Will, Leo, Anna e eu. Tão parecidos, mas tão diferentes. Eu pensei que estava preparada para encarar esse momento, tirar de letra. Mas, eu não estava nervosa por minha causa. Eu estava nervosa por Anna.

Depois de tanto tempo longe de tudo e de todos, ela não estava tão preparada assim. Will e Leo travaram uma guerra de olhares, só faltavam rosnar. Anna ficava desconfortável, e as únicas conversas eram dos adultos ali presentes. Adultos que tem a função de nos deixar constrangidos. Eu não tive coragem de negar quando a Sra.Harries me chamou de norinha. Não por que queria ser delicada, mas sim porque ainda me sentia sua nora.

Eu sou e sempre vou ser de Will. Não tenho como mudar isso. Faz parte de quem eu sou, faz parte da minha alma.

Escutar Jill suspirando no outro dia era bonito de se ver. Nunca vi minha irmã mais feliz. Eu não tinha a menor ideia de que Charles gostava dela também. Pelo menos uma de nós merecia ser feliz. Confesso que não estou tão triste assim, tenho um pinguinho de alegria na minha vida.

É, e tem nome e sobrenome. Fred Baltimore, como nunca prestei atenção nele antes? Nos conhecemos há tanto tempo, e eu nunca percebi o quanto ele é legal. Legal e bonito, não vamos esquecer esse detalhe. Quando estou com ele, meus problemas somem. Mas é só virar para o lado e eu encontro Leo, Anna, Will..
Queria poder dar um tempo, sei lá, viajar. Esfriar a cabeça, me desligar. Não consigo mais dormir direito, não penso em outra coisa, até comecei a roer as unhas. Parece errado tudo o que fiz, e ainda sinto que não resolvi as coisas com Anna. Sei que aquela garota de quatro anos atrás não existe mais, mas eu não conheço essa nova Anna.

Segunda feira é um novo dia, um novo começo de semana. Levantei mais bem disposta, a alegria de Jill me contagiou. Era bom vê-la feliz de novo, a sensação de estar com ela assim, me lembrava dos tempos que papai e mamãe estavam vivos. Mas eu não fiquei triste, tenho certeza de que eles se orgulham em ter filhas como nós. Cada uma dá o seu melhor, e luta pelo que quer.
Nunca deixe o medo de errar impedir que você jogue, meu pai costumava dizer. Bons tempos de escolinha de futsal. Não adiantou muita coisa, só ajudou a matar os quilinhos a mais. Eu nunca fui boa em esportes mesmo.

A escola estava normal como sempre. Aulas, aulas e aulas. Eu odeio matemática, se ainda tivesse um Leo para ser meu professor. Não reclamo, fico feliz que ele passe um tempo com Anna. Ele merece, é um cara legal, engraçado, ele é demais. Falando nele, o vi encostado em um armário conversando animadamente com Anna.

Quando me viu, piscou com o olho direito e sorriu, fazendo com as mãos "Preciso falar com você depois". Anna virou para trás e eu acenei. Ela sorriu sincera e voltou a conversar com Leo. Fui para aula de história e depois aguentei mais sete. Almocei na escola mesmo, sozinha. A maioria dos meus amigoscolegas não quiseram ficar para o reforço. Já não é o meu caso, realmente estou necessitada.

Terminei de almoçar e fiquei encarando o refeitório quase vazio. Já estava atrasada, nem vi as horas passarem. Fui até a sala, mas não tinha ninguém. Talvez houve um atraso, ou coisa do tipo. Esperei por meia hora e ninguém apareceu, estava cansada de ficar em pé, então fui andar, procurar um lugar para sentar mesmo.

Fui até o ginásio, a educação infantil estava tendo aulas de natação. Eles eram tão fofos, tão pequenos, mas já estavam nadando. Eu não tem um bom histórico com agua, prefiro assim, distante. Não sei mais se sei nadar, e não quero descobrir se ainda sei. Fiquei escutando musica e nem percebi quando as crianças saíram. Fiquei lá sozinha, olhando a água cristalina. O cheiro de cloro me lembrava Will. O cabelo dele tinha esse cheiro, misturado com camomila. Fiquei ali rindo sozinha percebendo que até um cheiro me lembrava dele. Percebi que estava sendo observada.

–Ah, eu não vi que você estava aí - Falei pegando as minhas coisas espalhadas pela arquibancada. Olhei a hora no meu celular, era o horário de treino dele.

–Você não precisa fugir, Lilá - Falou vindo ao meu encontro.

–Eu não quero..ahn..te atrapalhar - É, ele estava só de sunga.

Era meio difícil prestar atenção no que eu estava dizendo, olhando para ele assim. Meu Deus, ele é o cara mais lindo do mundo. Calma, mantenha -se forte.

–Você sabe que não precisa ir, sua presença me acalma - Ele segurou meu braço.

–Tudo bem - Falei hipnotizada por aqueles olhos verdes.

Ele sorriu e pulou na piscina.

E eu fiquei lá, só babando. Will sempre foi o melhor atleta que o time de natação já teve, mas hoje ele parecia tenso. Não estava se concentrando. Até ele percebeu, saindo da piscina irritado.

–Você parece preocupado, aconteceu alguma coisa?

–É que, sei lá, eu nunca fui tão pressionado. O campeonato estadual é esse final de semana, e eu tenho que ganhar. Os olheiros estarão lá, e eu preciso de uma bolsa pela natação - Falou encarando o chão.

–Você vai se sair bem, é o melhor nadador que conheço, o melhor da escola - Ele me encarou e sorriu.

–Obrigada por não ter falado nada no jantar, sabe - Ele mexeu com as mãos - Por não ter contado sobre nós pra minha mãe. Você sabe como ela é, me xingaria quando chegássemos em casa dizendo como eu sou burro por ter deixado alguém como você escapar - Os olhos estavam fixos aos meus - E eu não teria resposta, porque nem eu sei.

–Eu tenho que ir - Falei me levantando.

–Você não precisa fugir, Lilá. Eu só não quero ficar longe de você, ficar sem você. Podemos pelo menos ser amigos?

–Claro - Menti. Aquilo seria impossível, como eu poderia vê-lo todos os dias, sabendo que minha vontade é bem maior do que o abraçar.

–Pelo menos isso - Ele me abraçou.

Ah, os braços dele. Todos os problemas pareciam ter ido embora, éramos só nós dois. Ele foi se afastando, então ficamos cara a cara. A vontade de beija-lo era grande, mas a lembrança de tudo me fez afasta-lo.

–Tchau, Will - Falei indo embora.

–Você sempre terá seu lugar aqui - Falou fazendo com que eu me virasse - Eu não estou falando do ginásio.

Virei e continuei andando, só que dessa vez sorrindo. Era impressionante o poder que ele tem sobre mim, é algo de outro mundo. Estava tão desconcertada que nem vi Leo me chamando, só percebi quando ele agarrou meu braço, me fazendo o atacar com bolsadas.

–Meu Deus - Ele rendeu os braços.

–Mas também, fica agarrando os outros - Falei rindo.

–Perdão! Perdão! - Disse fazendo graça - Eu preciso te fazer um pedido.

–Olha Leo, eu sei que nós somos parecidos, temos interesses em comum, mas, somos apenas amigos - Falei séria, brincando com ele - Eu sei que sou irresistível e tudo mais, mas você não é meu tipo.

–Há, há, engraçadinha - Ele revirou os olhos - É, sério. Preciso de você.

–Diga.

–Me ajuda com uma surpresa de aniversário pra Anna? Eu quero pedi-la em namoro, e tudo tem que ser perfeito - Ele sorriu, os olhos brilhando.

–Mas é claro! - Falei sorrindo, e ele me abraçou contente.

Ele parecia feliz, e Anna parecia estar feliz com ele.

Tudo estava se encaixando, a vida parecia estar tomando o rumo certo.

Mais uma vez.