Os Jogos do Vício escrita por Ryskalla


Capítulo 5
Capítulo 4 - O Favor




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Havia alguma coisa de errado. O Vício sentia como um aviso de uma tragédia eminente, de onde não fazemos a mínima ideia de onde virá. O que estava errado?

Myra olhava cuidadosamente para os três espelhos prateados sob os pedestais principais. Podia visualizar a garotinha, Amy, e seu novo amigo, Brooke. Estavam andando pela floresta tranquilamente, indo para onde o demônio planejava. Tudo ali corria bem.

No segundo espelho uma infeliz Eva chorava, seus lábios movimentavam-se numa prece silenciosa... Deus a estaria ouvindo? Que resposta daria a ela? Os longos e pálidos dedos de Myra tocaram o vidro que se tornou líquido por um instante. O demônio respirou fundo e afastou a mão. E o grande problema... Sim, com suas gargalhadas infinitas... Aquela que era tão difícil de esconder. Nyx estava indo cada vez mais para o Sul, o que preocupava Myra de certo modo. Ao menos ela não estaria ao alcance das garras infantis de Lucy... Sim. Lucy. Ela, sim, era a tragédia eminente.

As mãos de Myra passaram por cima de todos os espelhos, que passaram a mostrar o jovem e esquecido Cedric, sua promissora Brielle e então a entrada de seu esconderijo. Saindo da Floresta de Sangue, Lucy surgiu cantarolando como uma doce e inocente criança que não era. O Vício permitiu-se sorrir um pouco, fora um grande lance de sorte, de fato.

Retirou suas cartas de baralho do bolso e passou a brincar com elas como se nada lhe preocupasse. Com tantas formas de Vício no mundo, os jogos de azar eram os que mais lhe agradavam. Lembrava-se da época onde existia tempo para que ela mesma pudesse sair e viciar humanos, torná-los seus escravos... Detestava guerras, elas destruíam toda a diversão.

— Irmãzinha! — A voz infantil e irritantemente doce de Lucy anunciou-se antes mesmo que o demônio mostrasse sua face. Os cabelos negros e escorridos, os olhos vermelhos como os de Myra, porém em um tom ligeiramente diferente... A roupa de boneca. Tudo nela era nauseante. Myra a detestava e Lucy sabia disso. Lucy sempre sabia sobre esse tipo de coisa. — Tenho grandes notícias! Azzahar finalmente despertou!

— O... Azar? — Aquilo era uma novidade. Uma novidade incômoda. Um novo irmão. Um irmão que nunca havia lutado antes finalmente resolvera aparecer. Aquilo balancearia as coisas, daria vantagem aos demônios na guerra... O rosto de Myra era impassível e sabia que Lucy ficava especialmente irritada quando ela fazia isso.

— Sim! Agora assim que acharmos a loucura poderemos finalmente lutar de igual para igual. Os anjos irão perder e então vingaremos papai! Não é maravilhoso? — Papai. Seu mestre não era seu papai. Myra era sua serva e apenas isso, afinal... Lúcifer possuía apenas uma única filha. Os olhos de Lucy brilharam um pouco e ela sorriu. Havia se descuidado. — Nervosa, irmãzinha? Há algo errado?

— Sabe que não é certo chamar o Grande Mestre de pai, Lucy. Não somos tão importantes, deve se lembrar disso. — O sorriso da criança murchou. Ela era ardilosa e a que mais oferecia riscos para os jogos de Myra. Todo o tempo que passava acordada, o Vício treinava... Dominava suas emoções... Fabricava a melhor forma de enganar Lucy, ou ao menos esconder-lhe seus segredos. Funcionava a maior parte do tempo.

— Ainda com esse pensamento? Somos uma família! Uma poderosa família! Devemos nos unir. Sabe como é triste quando você não nos acompanha em nosso sono? Até papai e mamãe dormem! — Os olhinhos miúdos de Lucy se estreitaram, buscando qualquer sinal de Ira no rosto inexpressivo de sua irmã.

— Tu sabes... Há muito trabalho a ser feito, sono não é um privilégio que tenho, Lucy. — Respondeu-lhe enquanto fitava os quatro espelhos, que agora exibiam seu reflexo. Um rosto fino de pele pálida e olhos vermelhos vivazes a encarava de novo... O que ela estava fazendo? — O Vício não tem sono. O Vício não deve dormir.

— Papai acha que você trabalha demais, irmãzinha. Sabe, quando eu vinha para cá avistei algo interessante. Sua rival voltou. — Tamanha era a empolgação de Lucy, que seu corpo balançava alegremente para frente e para trás.

— Hexabelle, hm? Então ela conseguiu... — Os olhos de Myra recaíram temporariamente sobre um conjunto de cartas amontoadas em uma estante. Lera aqueles papéis tantas vezes que as palavras se fixaram em sua mente.

— Poderíamos dar as boas vindas, para mostrar nossa boa educação. — Talvez... Poderia ser uma boa ideia ver o quanto Hexabelle lembrava... E se Cedric era tão importante para ela, como fez parecer em suas cartas. Ele agora era uma arma, uma ferramenta... Porém não seria ele que lhe daria um anjo.

— Imagino que seja uma ideia plausível, Lucy. Mostre o caminho.

— Não será difícil, veja... Estou sendo chamada. Segure minha mão, irmãzinha. — Conhecendo Hexabelle como Myra conhecia... Ela podia imaginar o sentimento que estava atraindo Lucy para perto dela. Ela sabia qual era o pecado...

Hexabelle era como uma tempestade, assim Theliel e Purah pensavam. O pobre anjo tentava acalmar a arcanjo sem obter sucesso. Estava sendo difícil para ela, muito difícil... Era disso que Theliel tentava se convencer. Ela passara muito tempo na companhia do rapaz chamado Cedric, era perfeitamente plausível sua ira. E sempre que ela fugia, eles a seguiam... Tentavam aplacar seu desespero, sua raiva. Theliel se perguntavam durante quanto tempo aquilo daria certo.

— Hexabelle acalme-se... A Ira é um sentimento perigoso. Seja sensata, por favor. — A voz calma de Purah buscava tranquilizá-la. O trio voava em círculos, conforme a mente da arcanjo, que se tornava mais confusa.

— Eu sonhei com ele... Cedric precisa de ajuda e nem fui capaz de ajudá-lo. E agora aquela desgraçada... Por que ela sempre tem que arrancar de mim tudo o que eu amo? — Os olhos dela encontraram os de Theliel e imediatamente fugiram. O que ele deveria fazer em uma situação como aquela?

— Hexabelle, querida! Você me chamou tão intensamente! Não fui capaz de recusar seu convite! — Lucy. Aquela era a voz de Lucy, mesmo que não tivesse sentido... Estavam longe do deserto e próximo demais do Reino dos Anjos. O que aquela Despertada pretendia? A figura infantil sorria meigamente e Hexabelle a encarava de forma confusa. Ela não a reconhecia, porém... A figura ao lado de Lucy...

Myra.

O Vício olhava tudo quase que tediosamente, como se nada ali lhe agradasse de fato. Seus olhares se encontraram e Myra sorriu. Sim, houvera um sorriso... Um sorriso fugaz. Hexabelle voou velozmente na direção do Vício, ela não sabia... Não lembrava...

Myra desviou-se com facilidade. Era a mais rápida dos Despertados, mesmo sem sua forma verdadeira. Era a mais covarde também. Lucy encontrou na brincadeira e atacou Purah, obrigando Theliel a ajudá-lo. Ao passe que Myra era a mais rápida, Lucy era, talvez, a mais perigosa. Sabia que deveria prestar total atenção aos seus movimentos... Porém... Hexabelle o preocupava.

— Eu irei lhe destruir! Não vou te perdoar por ter feito aquilo com Cedric. — A voz da ruiva estava ligeiramente tremida. Myra podia medir sua fúria. Era imensa. Esquivava-se sem nenhuma dificuldade de todos os golpes que a arcanjo deferia. Estava cansada... Odiava lutar, era algo terrivelmente entediante. Conversar, por outro lado...

— Cedric pediu que eu fizesse isso, sabes? Imagina... A dor de ter perdido aquela que ele mais amava... Alice estava morta em seus braços e ele não podia suportar a dor. — Um sorriso de triunfo surgiu nos lábios de Myra, enquanto ela descia para o chão. Como nos velhos tempos. — Sim... Cedric amava Alice mais do que ele poderia algum dia te amar. Tu és a culpada... Pela morte de Alice. Tu realmente desejas que ele se lembre? Posso devolver as memórias... Tu poderias suportar o ódio?

A arcanjo parou. Uma expressão de terror se espalhava em seu rosto. Sim, a culpa em parte era sua... Não deveria ter acordado Cedric, não deveria ter falado que Nyx estava ali... Eles estariam em segurança se não fossem para a Praça naquele dia. Ou poderiam ter morrido queimados... Sim, houvera fogo naquela ocasião. Hexabelle não conseguia lembrar-se dos detalhes...

Aquilo poderia ter sido tão fácil? Myra pensava de forma amarga. A antiga Hexabelle não se deixaria abalar por tão pouco... Essa nova Hexabelle não era divertida... Deveria ter ficado em seu esconderijo... Replanejando o jogo. A entrada do azar era um estorvo.

— Não... Cedric jamais me odiaria. Se há algo que Cedric não é capaz... É de odiar alguém. — As palavras eram tão baixas que Myra tivera dificuldade para ouvir. Sentou-se no chão e fitou a ruiva longamente. Hexabelle não se lembrava. Tudo o que lembrava era de Cedric e sua vida como humana. Os olhos vivazes do Vício se dirigiram para Theliel. Ele estaria sofrendo? Um anjo era capaz de sofrer? Se Lucy não estivesse presente... Poderia divertir-se ainda mais.

— Tens razão, Hexabelle. Todavia, essa capacidade te sobra, não é? Sempre foi teu maior problema. Responda-me, Theliel já falou de seus sentimentos para ti? — Pela reação da arcanjo, o Vício pode ver que sim. Hexabelle voltara a lutar, a Ira não estava tão presente, o que era estranho... Ela deveria estar mais acentuada com a presença de Lucy.

Myra invocou as crianças, será que ela se lembraria? O pequeno exército tentava atacar a ruiva, que não sabia o que fazer. Ela buscava desviar dos ataques e tentava acertar Myra de alguma maneira, mesmo que mais crianças surgissem e formassem um escudo ao redor do Vício.

Lágrimas rolavam pelo rosto de Hexabelle. Por que era tão difícil? Por que Myra era tão covarde? Usando crianças para se esconder! Aquilo era imperdoável. Tinha que atrair Myra, uma forma de irritá-la. Como isso poderia ser feito? Havia aquela coisa... Que Cedric havia ajudado a construir. Não sabia ao certo o que era, porém se fingisse que soubesse...

— Seu plano está funcionando? Sabe, você usou Cedric para construí-la. — Uma discreta preocupação tomou conta de Myra. Permitiu que um leve sorriso se formasse em seu rosto. — Eu não sou a mesma de antes, Myra. Irei destruí-la. Frustrarei todos os seus planos.

Lucy desaparecera repentinamente. Parecia que tudo o que ela queria era causar sofrimento... Abandonou Myra sem que esta percebesse, talvez quisesse que a irmã fosse derrotada. O corpo sem vida de Purah repousava no chão. Um companheiro havia partido e Theliel não conseguia encontrar nenhum tipo de sentimento. Estava triste, porém não queria vingança. Era como se a morte fosse algo natural... E era.

O que havia de errado com ele? Tinha que ajudar Belle, mas... parecia errado abandoná-lo desse modo. Sussurrou um pedido de desculpas e virou-se para a luta de Hexabelle e do Vício.

Um vulto azul abandonou um exército de crianças e voou em direção à Hexabelle. Alguma coisa estava errada. Tentou voar o mais rápido que podia, tinha que salvá-la, porque Hexabelle ainda não estava pronta, porque ela não sabia...

As mãos mortalmente pálidas de Myra agarraram as asas da ruiva. Theliel continuou avançando, mas a sensação que tinha era de estar paralisado. Um jato vermelho tingiu os cabelos azulados do Vício, quando este arrancou as asas da arcanjo. Hexabelle estava caindo e estava tão próxima do chão! Seus braços seguraram firmemente o corpo de Belle, que tremia violentamente, a consciência desligando-se pouco a pouco do mundo. Olhou de Purah para Myra, que voltara para sua forma vermelha.

— Sabe, vocês não têm sentimentos. No fim, mesmo eu posso entendê-la e tu apenas acreditas que podes. Tu és frio e ela tem tanto calor... Hexabelle tem tanto calor que te irá lhe queimar. Ela nunca mais te pertencerá. — O exército infantil ia pouco a pouco desaparecendo, apenas uma dezena ainda permanecia. Caminharam até o corpo de Purah, portando flores vermelhas. Elas ajeitaram o corpo do anjo e enfeitaram-no com suas flores. Deram as mãos e formaram um círculo ao redor do falecido. — Veja isso como um favor.

— Isso o quê, Myra? — Aquele sorriso novamente. Quais eram as verdadeiras intenções do Vício?

— As asas arrancadas. Agora poderá cuidar dela, sem que ela fuja de você. Ou talvez o corpo do anjo. As crianças irão protegê-lo até que possa buscá-lo. Depende da sua visão de favor. — Retirou-se do local. Não havia nenhum sinal de Lucy, sabia que não deveria confiar nela, afinal. Sua sorte era que Lucy não entendia... Lucy dormira tanto tempo que não tivera tempo de entender aquelas criaturas. A pior coisa que poderia acontecer a um anjo era a confusão. E Theliel era o mais confuso dos anjos.


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