The Bright Side escrita por Anna C


Capítulo 24
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Notas iniciais do capítulo

Preciso admitir, apesar de ser evidente: tenho grande dificuldade em terminar o que começo. E isso se aplica a todas as áreas possíveis da minha vida. É algo que preciso trabalhar, e acreditem, tenho me esforçado. Eu tenho este capítulo escrito há algum tempo, e já possuo o resto do enredo traçado. Talvez não seja o bastante para dar como garantia, mas espero contornar isso! Vamos até o fim desta vez.



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Com os olhos aflitos, Rose procurava pelo primo na plataforma 9¾ segurando Bichento III nos braços. Lily lhe mandara uma coruja tarde da noite, avisando que Albus havia chegado em segurança, porém, precisava falar com o garoto em pessoa sem nada para intermediar.

No fim das contas, suas suspeitas haviam se mostrado reais. Sinceramente, Rose queria muito ter estado enganada. Albus com toda certeza estava sofrendo além do que podia imaginar. Ao menos, quando dera-se conta de que suas amizades não eram exatamente o que pensava, ela já sentia que havia algo errado, mesmo que não quisesse aceitar. No caso dele, o garoto acreditava com sinceridade que seus amigos eram verdadeiros, sem jamais ter duvidado.

Será que se Rose tivesse dito algo as coisas seriam diferentes? Teria sido menos doloroso? Ou Albus dispensaria suas hipóteses? A verdade é que não conseguia se imaginar acusando Tracy ou algum dos outros de serem falsos, principalmente sem provas. Essas suposições sobre o que poderia ter sido feito serviam apenas para deixá-la mais angustiada e, decididamente, não fariam o primo se sentir melhor.

— Rosie!

A ruiva deu uma volta em si mesma, atrás da origem do chamado. Foi surpreendida quando Lucy pulou sobre ela, dando-lhe um abraço. Bichento III miou estressado, saltando do colo da dona.

— Lucy? Achei que não gostava muito de abraços. — Rose riu levemente, afagando os cabelos da prima. A alguns metros, ela viu seus tios Percy e Audrey conversando com outros pais.

— Eu... Eu só senti vontade, ok? — Lucy respondeu, sua voz abafada pelo tecido do suéter de Rose.

A mais velha estranhou.

—  Você passou o feriado com a família da sua mãe, certo? Como foi?

Lucy afundou ainda mais o rosto no suéter xadrez.

— Não quero falar sobre isso agora.

Rose estava mais preocupada que nunca com tal resposta. Havia algo errado.

— Que tal se nos despedirmos dos seus pais e, logo após isso, irmos atrás de uma cabine?

Lucy a mirou com seus grandes olhos castanhos por alguns segundos e depois anuiu com a cabeça.

x-x-x-x

Havia um pouco mais de uma semana desde a última vez que pisara naquele trem, mas por alguma razão, sentia-se muito diferente. Olhava para a foto tirada dois dias antes e não conseguia evitar uma pitada de saudade. O pai Richard acenava de pé ao lado do sofá, seu rosto um pouquinho sujo de fuligem, enquanto que Tony estava sentado ao lado da meia-irmã, esta no centro da figura sorrindo timidamente. Tony sorria energeticamente — na verdade, Coline lembrava que ele ria naquele momento — e lançava olhares furtivos e travessos à garota. Logo após a foto ter sido batida, ele lhe ofereceu um doce inocente que fez a cabeça de Coline inchar feito um balão. Devia saber que não podia confiar naquelas guloseimas dos bruxos britânicos.

Para se poupar de um acidente nos corredores, decidiu guardar a foto e  prestar atenção aonde ia, desviando dos alunos no seu caminho. De repente, viu alguns membros do clã Weasley-Potter, Louis entre eles. Eles interromperam a conversa que tinham imediatamente ao notá-la.

— Coline — Louis disse, os olhos azuis surpresos.

Hugo pigarreou, começando a empurrar Lily e a amiga Judy trem adentro.

— Acho que esse é o momento em que a gente desaparece.

— Ai, tudo bem, não precisa ser grosso! — Lily resmungou puxando a amiga para longe do primo. Por cima do ombro, sussurrou ao loiro: — Boa sorte!

Louis aproximou-se da lufana, cauteloso. Coline podia ver que algo também mudara nele desde a última vez que o vira, mas não conseguia identificar o que era.

— Acho que precisamos conversar.

Ela olhou para os próprios sapatos.

— É, creio que sim.

Para terem mais privacidade, procuraram um compartimento vazio para se instalarem. Louis quase sentou-se ao lado dela por hábito, mas se refreou e ocupou o assentou à frente.

— Você passou o natal com a Margot? — Louis sempre chamara a mãe dela pelo primeiro nome, sendo provavelmente o único que a Sra. Chevalier permitia a fazê-lo.

— Não, fiquei em Oxford com o meu pai. Ela pediu que eu fosse lá, as coisas andam meio tensas no trabalho dela.

— Bom, faz parte de ser uma das melhores aurores da França, não?

— Ela vai ficar bem. Sempre fica.

Ficaram mudos por um tempo. Devia ser a primeira vez na vida que Coline presenciava Louis sem palavras. Com a voz neutra, ela disse:

— Você cortou o cabelo.

— Oh, é mesmo. — Ele passou a mão por detrás da cabeça, onde antes havia muito mais cabelo e agora apresentava um corte bem curto. — Hugo disse que eu estou começando a ter cara de homem de verdade. — Louis revirou os olhos ao reproduzir o comentário. — Eu queria que ele estivesse enganado, odeio essa história de me barbear.

Louis alisou distraidamente o próprio rosto, depois pareceu recordar do motivo de estarem ali. Olhou para a morena, preocupado.

— Coline, escuta, eu... Eu fui muito idiota. Aquele dia, no Duas Vassouras...

— Acho que eles chamam de “três” — retificou ela.

— É, isso. Ainda não sei todos os nomes... Lembra-se de quando a gente ia ao Pomme Verte e...? Tá, não vou ficar mudando de assunto. Me desculpa, Coline. Eu não devia ter feito aquilo sem te consultar. Sabe o que é, eu estou tão acostumado a fazer as coisas do meu jeito, que nem me passa pela cabeça o que os outros acham ou sentem. Mas ultimamente, eu ando vendo que não é bem assim... O meu poder veela acabou de vez, eu acho.

Coline ficou fitando-o por alguns segundos e logo levantou para se sentar ao lado dele. Louis deu licença prontamente, surpreso e feliz com o gesto.

— Louis, eu perdoo você. Mais do que ninguém, eu entendo o seu lado e o que te motivou a fazer aquilo, mesmo que tenha me magoado. Sei que não fez por maldade. Naquele momento, os meus sentimentos estavam muito confusos. Havia já um tempo que eu acreditava estar me apaixonando por você, porém tinha algo lá no fundo que me segurava, que dizia que não era bem isso.

Louis segurou-a pelos ombros de súbito.

— Eu juro, eu não tinha a menor ideia! Não se deve sair beijando as pessoas, agora tenho essa consciência, mas eu não teria feito isso se achasse que você poderia se chatear. Nem eu sou tão avoado a esse ponto!

— Esse seu hábito de beijar quem te dá vontade — falou Coline em tom reprobatório, mas sorria.

Louis sacudiu os ombros, como se admitisse.

— Bom, não vou mentir, já me aproveitei da minha influência antes. Mas com você é diferente. Quer dizer, agora que eu sou normal, eu não vou ter mais essas vantagem com ninguém, mas você sabe o que eu quero dizer.

— Sei, sim — Coline sorriu, acariciando uma das mãos que ele tinha sobre seus ombros.

— Então... — começou ele, parecendo incerto se prosseguia. — Você está mesmo apaixonada por mim?

Coline deu um longo suspiro, olhando para o rosto de Louis. Ela sentia que já sabia a resposta, no entanto, precisava confirmar.

— Eu quero testar uma coisa. Posso? — ela perguntou, um pouco corada.

Louis estava meio confuso.

— Hã... Pode, eu acho?

Dada a permissão, Coline chegou mais perto do amigo, até que estivessem sentados colados um do lado do outro. Devagar, ela se debruçou ligeiramente e apoiou uma mão no rosto do garoto. Então, tocou os lábios de Louis com os seus.

Essa era a ideia que tinha do seu primeiro beijo com ele, muito diferente do que de fato acontecera. Louis era gentil desta vez, apoiando uma mão em sua nuca e usando a outra para afastar seus cabelos do rosto de forma afetuosa. Aquele beijo era terno e calmo, talvez até demais.

Quando se separaram, ficaram sem dizer nada por alguns segundos, meio acanhados, olhando para todos os cantos da cabine menos um para o outro.

— É, eu acho que cheguei a uma conclusão — falava Coline. — Eu o amo, sim, Louis, como meu melhor amigo. Eu fui precipitada antes, acho que acabei confundindo o que sentia.

Louis expirou, aliviado.

— Obrigado, Merlin.

— Espero que não se ofenda, Lou.

— O quê? Não mesmo — Louis riu.

— Se serve de consolo, você beija bem — disse Coline, dando os ombros.

— É o que dizem. — Ele deu um sorriso nada modesto. — Você também não é nada ruim nisso. Quase me arrependo de levar esse fora... — O loiro tombou para o lado dela como se fosse beijá-la novamente.

Em bom humor, Coline empurrou o rosto dele para o lado oposto.

— Certo, eu vou ver se reconsidero — ela ria. — Estou tão feliz. Queria tanto que fizéssemos as pazes, há tanto para te contar.

— As coisas legais acontecem só quando eu estou ausente? Isso é muito injusto.

— Louis, você nem faz ideia...

x-x-x-x

— Entre aqui, Luce. — Rose indicou a entrada de uma cabine à menor.

Elas se sentaram em bancos opostos, Bichento III pôde enfim voltar para os braços da setimanista.

— O que houve? Será que eu posso fazer alguma coisa para ajudar?

Lucy pegou uma madeixa do cabelo e começou a brincar com ela.

— Não, Rose. Não pode.

— Mas o que foi? Olhe para mim, Lucy.

Torcendo a boca, Lucy se endireitou no banco e obedeceu a prima.

— É que todo mundo só conseguia falar da Molly o feriado todo.

— Aconteceu algo com ela? — Rose franziu as sobrancelhas.

— Bom, sim. Ela não podia mandar cartas desde que foi nessa última viagem por causa de uns problemas no ministério de lá, eu não entendo muito dessas coisas. Meus pais estavam preocupados e eu também, para falar a verdade.  De repente, bem na noite de natal chegou uma carta.

— Como ela está? Se machucou? É grave!? — mil pensamentos terríveis atingiram Rose de uma vez só. Se algo sério tivesse ocorrido, os tios teriam comunicado o resto da família, não teriam?

Lucy deu um resmungo.

— Não é nada disso, tenta ficar calma. — Após respirar profundamente, Lucy revelou o grande segredo: — A Molly vai se casar.

Os olhos de Rose se arregalaram tanto que fizeram a prima se encolher, um pouco assustada. A mais velha levou ambas mãos ao rosto para cobrir a boca e fez Bichento III se queixar num miado irritado pela segunda vez no dia.

— Meu Deus! Isso é sério? A Molly está noiva?!

— Sim, e eles tiveram essa mesma reação. Um grande exagero, ugh — Lucy retraiu o lábio superior em asco. — Ela deve ser louca por casar com um fulano qualquer que conheceu há dois meses! Achei que pelo menos o meu pai teria algum bom senso e veria a loucura que é essa história. Mas sabe o que ele disse, Rose? Que estava ansioso para conhecer esse cara! Então, eu percebi que era a única pessoa normal naquela casa. — Lucy cruzou os braços, inconformada.

Ainda um pouco aturdida com as notícias, Rose começou a imaginar Molly, a mais aventureira de todos os primos, num vestido de noiva feito princesa como o que Victoire usara na primavera passada. Era irônico, afinal, era logo Molly que gostava de usar só regata e shorts, mas ainda assim adorável. Então, o noivo, que deveria ser um cientista sarcástico ou um explorador destemido, a esperaria no altar com os olhos impacientes e...

“Espera um pouco aí!” Rose conteve aquela linha de pensamento. “Nunca fui romântica desse jeito, no que estou pensando?” Ela abanou a cabeça como que para espantar aquelas ideias esquisitas. Voltou-se para a pequena e viu o rostinho zangado desta. Sorriu de lado, compreendendo.

— Lucy, são ótimas notícias. Sei que já sofre com a falta de atenção de todos e agora teme que seus pais se esqueçam de você por causa da sua irmã, mas não poderia estar mais errada. Agora, Molly vai começar a construir a própria vida e, pode ter certeza, as pessoas vão ter tempo de sobra para você depois que ela estiver casada.

— Que nem elas tinham antes de tudo isso? — retrucou Lucy com sarcasmo.

— Você vai ver. Tio Bill e Tia Fleur ficaram com o coração tão mole depois que Victoire casou que até deixaram o Louis mudar de escola! O mesmo acontecerá com os seus pais. Digo, você não precisar ir para Beauxbatons, mas o fato é que eles vão estar mais sentimentais, eu te asseguro.

Foram interrompidas pelo ruído da porta se abrindo.

— Finalmente, eu estava quase decidindo escolher qualquer cabine e... — Scorpius resmungava, mas parou ao notar a primeiranista. — Eu não vi que você estava acompanhada de uma anã. Vou embora.

— Calma, Scorpius! — Rose se esticou o suficiente para agarrar a barra do casaco do garoto quando ele estava prestes a ir. — Não precisa sair, a Lucy é minha prima.

Scorpius olhou outra vez para a sonserina.

— Não foi ela que chutou você naquele dia que eu ensinei os primeiranistas?

— Precisamente — Rose deu uma risadinha, constrangida. — Mas são águas passadas. Senta aqui! — ela chegou para um lado e deu palmadinhas no lugar vago à sua esquerda.

— Só para você saber, eu não sou uma anã — Lucy disse em azedume, observando o loiro se sentar, a felina Sienna entrou pouco antes de ele fechar a porta corrediça.

— Tem certeza? — ele questionou, meio entediado. Virou-se para Rose. — Enfim, eu queria avisar que...

— É! Tenho sim! — respondeu Lucy. — Aliás, eu conheço uma senhora anã muito legal, ela tem uma lojinha no Beco Diagonal. Você não devia ficar usando isso como um insulto!

Scorpius ergueu uma sobrancelha, incrédulo.

— Você tem noção de que sou pelo menos quarenta centímetros maior que você e no mínimo seis anos mais velho, não é?

Lucy bufou, pouco impressionada.

— E você tem noção de que eu não estou nem aí para o seu tamanho e idade, certo? Eu cresci com dez primos mais velhos, você é como um mini-pufe comparado a isso.

Quando Scorpius estava para retrucar, a gargalhada de Rose o cortou. Ele olhou para amiga visivelmente irritado.

— Quer parar?

Ela riu por mais algum tempo, mas logo que começou a sentir uma pontada no abdômen, percebeu que exagerara e se controlou.

— Desculpa, desculpa. — Rose limpou lágrimas que escapavam pelos cantos dos olhos. — De qualquer forma, eu deixaria a Lucy em paz se fosse você, Scorpius. A sua dignidade corre um sério risco de ser destroçada.

Scorpius deu um riso de desdém, enquanto Lucy sorria vitoriosa, acariciando Sienna deitada no chão de barriga para cima.

— Falando sério agora... — Rose pigarreou, tentando transmitir seriedade. — Você queria me dizer o quê?

— Antes de ser interrompido — Scorpius lançou um olhar incisivo à garotinha em frente a eles. —, eu estava dizendo que vi o seu primo Potter.

Os olhos de Rose perderam qualquer resquício de divertimento para adotar um quê de inquietude.

— E o que disse a ele? Ou melhor, o que ele falou?

— Nada.

— Como nada?

— Eu disse que o vi, não que conversei com ele. Nunca que eu iria até lá por vontade própria perguntar sobre o estado dele, ainda não enlouqueci a esse ponto.

Rose contraiu os lábios numa linha reta, irritada.

— Será que pode deixar esse maldito orgulho de lado uma vez na vida? Scorpius, você sabe que ele deve estar muito chateado e uma palavra amiga nessas horas pode fazer toda a diferença.

— Você que entende desses assuntos, eu não tenho nada a ver com isso. Além do mais, parece que ele estava cumprindo os deveres de monitor, estava ocupado.

Rose balançou a cabeça, frustrada.

— Não podemos dar as costas a ele, não nesse momento. Ele precisa de nós mais do que nunca.

— E por que você insiste em me incluir nessa equação? Já falei, não vou me meter nessa história — disse Scorpius.

Se antes Rose estava irritada, agora ela estava verdadeiramente zangada, sua expressão não deixava dúvidas. Lucy recolheu as pernas junto ao corpo e abraçou os joelhos, como se tentasse se proteger. Scorpius não foi tão sábio.

— Você! — Rose apontou para ele. — Trate já de parar com essa história! Nos últimos meses, Albus tem sido nada menos que um ótimo amigo para você e, mais do que isso, sem esperar nada em troca. Se esperava algo, era no máximo que você desse uma chance para a amizade dele. E o que você faz? Pisa! Pisa nele, pisa nos problemas dele como se fossem nada! Ele está sofrendo, ouviu? E você sabe disso. Eu sei que só está bancando o difícil, porque é o que você está acostumado a fazer, mas só dessa vez, larga dessa babaquice e retribui um pouco!

Tanto Lucy quanto Scorpius estavam chocados com o sermão. Quando percebeu que se exaltara e que estava até ofegante, Rose recolheu o dedo que apontava para a face do amigo e olhou para próprio colo, envergonhada.

 Então, seus olhos começaram a marejar. Lucy ficou furiosa.

— Você fez ela chorar! — A menor se levantou e foi abraçar a prima.

Scorpius estava imóvel, ainda abalado.

— Eu... Eu não disse nada — foi tudo que ele conseguiu proferir.

Rose fungou, negando com a cabeça.

— Não é isso. É que eu estou preocupada com o Al.

— Tudo bem, a gente fala com ele. Também não precisa fazer esse drama — Scorpius disse com uma postura totalmente diferente e bastante desconcertado.

— A primeira coisa que faremos ao chegar a Hogwarts? — questionou Rose, pegando um lencinho que Lucy tirara do bolso e oferecera-lhe.

— Claro, apenas pare com isso — ele parecia transtornado até em olhar para ela.

Rose sorriu contente, enxugando o rosto.

— Está bem.

Lucy fez um careta para Scorpius, mostrando a língua.

— Bobo — disse a primeiranista em censura.

“É tarde demais para mudar de cabine?”, pensou Scorpius consigo mesmo, sentindo um clima indesejável se apoderando do estreito compartimento.

x-x-x-x

Por um lado, Albus estava um pouco aliviado por ter passado o trajeto todo de volta à escola longe daqueles que o conheciam, com exceção do pessoal da monitoria. Preferiu focar nas obrigações ao ter de conversar com os outros.

Ele sabia que estavam ficando preocupados. Em sua casa, havia aquela atmosfera anormal, perguntava-se se Lily havia contado aos outros o que acontecera no jogo. Pelo menos, ninguém foi falar com ele quando chegou ou perguntou qualquer coisa na manhã seguinte. Ainda estava processando tudo, com pouca paciência para o resto.

Foi um dos primeiros a pegar uma das carruagens, dividindo a sua com alunos do terceiro ano que desconhecia. Depois, já no castelo, faltou ao jantar e ficou no dormitório.

A esmagadora decepção acabou por deixá-lo um tanto apático. Ele sabia que estava mal, mas não conseguia se permitir a sentir a dor. Só podia pensar na cena que presenciara, revendo-a centenas de vezes na mente e, ainda assim, estava completamente entorpecido, como que sob o efeito de uma poção calmante extra potente.

Estaria em negação? Albus entendeu o que acontecera e não estava nem um pouco disposto a falar com Ben, Elizabeth e os outros. Não havia o que ser dito, estava muito claro. Logo, aquilo não poderia ser bem classificado como uma rejeição da realidade. Porém, havia uma parte de si que gostaria de dispensar os fatos. Era inacreditável que alguém pudesse se aproximar de outra pessoa por razões tão egoístas, tão desonestas. Ou talvez fosse ingênuo demais. Talvez as pessoas fossem de uma natureza sórdida, digna de repúdio. Seria ele próprio capaz daquilo? Começava a pensar que sim. Jamais contestou a amizade daquelas pessoas, aquele desapontamento mostrava como humanos eram criaturas voláteis, inspiradas por motivos escusos.

Ele ouviu quando Ben e Steve entraram no quarto e logo ficaram quietos, provavelmente notando as cortinas fechadas ao redor da cama de Albus. Ele teve o ímpeto de sair dali e mandar azarações para todos os lado, no entanto, era mais racional que isso. Manteve-se em silêncio e eventualmente os garotos foram dormir, apagando as luzes.

Sentia-se muito patético, mas não sabia como proceder. Haveria uma maneira digna de sobrepujar a situação? Fora tão estúpido aquele tempo todo, provavelmente nenhuma integridade lhe sobrara.

Na manhã seguinte, tinha uma reunião da monitoria antes da primeira aula. Acordou bem cedo, tanto que havia apenas mais quatro pessoas no Salão Principal tomando café da manhã além dele, somente o Professor Butler ocupava a mesa dos professores. Ao chegar à sala dos monitores, encontrou companhia.

“Mas é claro, só podia ser”, olhou para a garota em descrença total. Por acaso alguém estava conspirando contra ele e o forçando a enfrentar todos os seus demônios de uma vez?

Normalmente, ele teria desejado a ela “bom dia”, mesmo que por pura etiqueta. Mas não o faria hoje. Sentou-se numa cadeira distante dela e pegou um livro qualquer da mochila para ler enquanto esperavam.

— Você contou? — a voz de Lauren quase o fez pular da cadeira.

“Que droga, Finnigan. Quer me matar?” Precisou de apenas alguns instantes para entender a pergunta.

— Claro que não. Eu disse que não diria nada — falou Albus, mantendo sua atenção no livro.

Mais alguns minutos de silêncio e, de repente, Albus fechou o livro com força e o colocou sobre a mesa. Lauren olhou para ele com infinitesimal curiosidade.

— Eu vou te fazer uma pergunta, Finnigan — disse Albus, deixando pouco espaço para recusa ou desvio de assunto.

Lauren piscou os olhos, fitando-o. Ele teria coragem de encará-la até o fim desta vez.

— Por que você me ajudou aquele dia que fui mordido pela farosutil?

A expressão dela era imperturbável.

— Você já deveria saber graças ao que meu pai te contou. Ele me disse sobre o que conversaram. Eu serei curandeira ao deixar Hogwarts.

Albus riu brevemente, pouco convencido.

— Isso é outra coisa que não faz sentido algum para mim. Você? Uma pessoa tão... tão fria, tão insensível sente vontade de ajudar os outros? Então, por que foi tão cruel com a minha prima? É muito contraditório.

— Recusar a amizade de Rose não me torna à prova de sentir empatia por pessoas necessitadas. Só porque ajudei você não significa que eu tenha interesse em ser sua amiga também. Eu faria isso por ela ou por qualquer um. Mas realmente, isso não faz de mim uma pessoa boa.

— Ao menos nisso concordamos.

— Foi por isso que decidiu bisbilhotar a minha vida? Para compreender como posso ser tão má?

— Eu não estava bisbilhotando, fui apenas devolver uma coisa sua.

— Ambos sabemos que isso é mentira, Potter. Espero que esteja satisfeito. Por favor, não volte a perturbar a mim ou ao meu pai.

— Não tenho interesse algum em você, está ouvindo? — Albus pôs-se de pé, nervoso. — Aliás, em pessoa nenhuma. Ninguém presta, é uma grande perda de tempo acreditar no contrário.

— Você vai se arrepender de dizer isso.

Albus estreitou os olhos para a garota.

— Como é?

— É simples — respondeu ela. — Há pessoas ruins e pessoas boas e não tem como saber quem é o quê quando os conhece. Isso significa que vai se magoar de novo, e de novo, e de novo... Mesmo se decepcionando, você não pode evitar tentar outra vez. Estará sempre renovando as suas esperanças. — Ela ajeitou os óculos. — Frustrado hoje. Otimista amanhã. Não creio que possa impedir esse ciclo eterno, Potter.

Aquilo havia sido bem inesperado. Um pouco aturdido e pensativo, Albus voltou a se sentar.

— Isso é um pouco incoerente — opinou Albus após alguns segundos. — Se a natureza das pessoas é tentar, por que você é exceção à regra? Por que evita todo mundo?

Lauren ficou calada um pouco, refletindo se responderia aquelas perguntas mais pessoais. Rendeu-se.

— Há uma razão para ninguém desistir. Todos acreditam pertencer ao grupo bom. Diferente do resto, eu sei bem que pertenço ao outro grupo. Não acha que é irresponsável ter o meu conhecimento e arriscar comprometer pessoas como a Rose? Se tivesse o poder de prevenir o sofrimento alheio, por que haveria de fazer o exato oposto?

Se ele estava entendendo direito, Lauren afirmava reconhecer que era uma pessoa ruim e que, ao rejeitar sua prima, fazia um favor a ela. Ela havia insinuado algo semelhante numa conversa naquela mesma sala no início do ano letivo.

“— Você deve ser a pessoa mais repulsiva que eu já conheci.

— Se é este o caso, não deveria estar aliviado por Rose ter se cansado de mim?”

Albus realmente achou que ela estava usando um tom debochado naquela hora, mas teria sido no fim das contas sincera? Além do comportamento de Lauren para com Rose, ele não tinha muito o que depor contra ela. E se esse comportamento era baseado apenas na crença de estar fazendo o bem à ruiva, não estaria Lauren indiretamente tentando ser uma boa pessoa?

O cérebro do grifinório estava entrando em pane. Por sorte, dois monitores adentraram a sala para aliviar a tensão.

— Ei, Albus, você estava meio para baixo ontem. Está melhor, cara? — perguntou um deles.

Albus fez um aceno pouco energético com a cabeça em afirmação.

— Estou.

No entanto, ele se sentia mais perdido que nunca.

x-x-x-x

Rose espichava o pescoço da mesa da Grifinória toda vez que via alguém cruzando as grandes portas a fim de ter a primeira refeição do dia. A verdade é que nem sabia se veria Albus passar por ali, talvez ele já tivesse tomado o café havia horas.

— Não se preocupe, Rosie. Cedo ou tarde, ele vai dar as caras — disse a prima Lily no assento à frente, com um sorriso esperançoso.

— Não sei, viu — Hugo parou de conversar com seus amigos e inclinou-se sobre a mesa com ar de troça. — Eu nunca achei que o Albus fosse do tipo melodramático, mas ficar se trancando no quarto é um pouquinho patético até nessas circunstâncias.

— Hugo! É do meu irmão que estamos falando, ouviu? Judy, você que está do lado desse tonto, dá um tapa nele.

Judy, sentada entre os primos, olhou desconcertada para amiga.

— Eu não vou bater nele. Vai que ele resolve se vingar depois.

— Apesar de não precisarmos desse senso de humor maldoso — Rose mirou o irmão com desaprovação. —, tampouco precisamos de violência nesse momento. Ele vai aparecer uma hora, eu sei que vai.

Contudo, outra coisa aconteceu. Uma coruja cinza sobrevoou a mesa dos grifinórios e deixou uma carta para Rose, o envelope pousando sobre o bolo em seu prato.

— Carta tão cedo? — questionou Hugo, franzindo a testa.

Rose chacoalhou de leve a carta, numa tentativa de tirar os farelos dela. Então, olhou o remetente. Seus olhos se esbugalharam.

— Nossa, você está legal, Rose? — Lily ficou preocupada.

Mas ela não podia perder tempo. Abriu a carta e começou a lê-la de imediato:

“Cara Rose,

Deve estar estranhando notícias após todo esse tempo. Imagino que, desde que eu viajei às pressas para o Cairo, muito do trabalho da loja tenha sobrado a você e ao Malfoy. Por favor, perdoe-me por isso! Sei que o Sr. Miller explicou as circunstâncias, mas fiquei com um pouco de peso na consciência. Era uma oportunidade irrecusável, como deve imaginar, e sendo esse meu sonho desde pequeno, sequer hesitei em aceitar o convite inesperado da equipe do Professor Spurling. Minhas economias ajudaram muito!

Como estão as coisas aí? Espero que seu sétimo ano esteja sendo bom, os N.I.E.M.s não são moleza! Aqui está tudo ótimo, praticamente perfeito, porém darei detalhes mais para o final desta carta.

Sobre essa demora para dar sinal de vida, a culpa não é minha. O ministério do Egito está passando por reformas e o sistema de correio estava bloqueado até esta semana. Finalmente, as coisas parecem estar se acertando e agora posso mandar cartas para você, para os meus avós, bom, para todo mundo.

Aqui é verdadeiramente incrível. Foi nos dado acesso a sítios arqueológicos abandonados e fizemos descobertas muito interessantes. O professor crê que estamos perto de encontrar evidências concretas da passagem de Ankhetitat, uma bruxa conhecida apenas em lendas regionais, mas que parece ter de fato existido. Ela teria sido uma animaga altamente versada em transfiguração humana. Enfim, não sei se esses assuntos a interessam, por isso, não vou me alongar. Caso queira saber mais detalhes, me avise na resposta, estarei anotando o atual local do nosso acampamento.

Falando em acontecimentos afortunados, eu encontrei mais do que apenas estudiosos geniais e artefatos notáveis nesta viagem. Há alguns meses, tive a enorme honra de conhecer sua prima, Molly Weasley. Ela é uma garota fenomenal. Nunca conheci alguém tão espetacular e audaciosa quanto ela. Pode soar inesperado, mas o fato é que tivemos uma conexão praticamente instantânea. Para encurtar a história, creio que encontrei nela minha outra metade. Sempre sonhei com as aventuras que teria em minhas expedições, mas jamais previ que isso poderia acontecer. Há mais além disso: estamos noivos. Quem fez a proposta foi Molly, apesar de não ser surpresa ela quebrar tradições e ter ideias espontâneas. Claro que esse noivado ainda durará um bom tempo, provavelmente só nos preocuparemos com preparativos ao retornarmos à Inglaterra. Até lá, ficaremos aqui com as relíquias deixadas pelos antigos e com o clima penoso.

Molly deve escrever cartas à toda família, então talvez, quando ler isso, já saiba das novidades. O seu tio Percy é legal? Acha que ele me aceitaria como genro, ainda mais nessas condições peculiares? Eu posso estar soando apreensivo, mas na verdade isso tudo me diverte. A vida é recheada de estranhas coincidências, não concorda?

Mande um “olá” ao Malfoy por mim. Ele pode não ir muito com a minha cara, mas mesmo assim eu vou com a dele.

Um grande abraço,

Austin Hover.”


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