The Bright Side escrita por Anna C


Capítulo 23
Decepção


Notas iniciais do capítulo

N/a: Pessoal, sinto muito pelas atualizações escassas. Minha vida anda muito caótica nos últimos tempos. Eu gostaria de ter mais tempo para as coisas que eu gosto, mas tem havido certas complicações. Para todos que me mandaram mensagens de apoio, questionando também se parei de escrever, a resposta é não, nunca vou abandoná-los. Este capítulo já está pronto há algumas semanas, mas eu ainda precisava revisar antes de postar (e é bem possível que ainda assim errinhos tenham escapado). Espero que possam ter paciência comigo, minha intenção é levar a história até o fim, mesmo que leve mais tempo que o planejado.

Courtney, obrigada pela recomendação fofa, o capítulo é dedicado a você!

Bom chá com biscoitos.



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Aquele era um grande dia para qualquer torcedor de Quadribol, um verdadeiro clássico estava a menos de uma hora de se iniciar: Holyhead Harpies versus Puddlemere United. Para o United, uma vitória poderia significar a consolidação no primeiro lugar do campeonato inglês, enquanto que para as Harpies, ganhar significaria ultrapassar os Bats na segunda colocação, deixando a disputa pelo título ainda mais acirrada, estando a poucos jogos de terminar.

Dada a importância da partida, Rose sequer se surpreendeu quando chegou com Hugo ao campo pela chave de portal e ouviu as arquibancadas já vibrando com entusiasmo, em expectativa para o jogo. Eles eram os últimos a aparecer do grupo e foram recebidos com sorrisos na entrada.

— Feliz ano novo! — foi a primeira coisa que ela disse e eles devolveram o cumprimento, cada um à sua maneira.

— Você conhece o Ben e a Elizabeth, certo, Rose? — Albus indicou os dois amigos ao lado da namorada. — E esse é meu primo Hugo, irmão da Rose.

Rose sorriu para eles, anuindo. Sim, lembrava-se dos dois. Eles estavam entre os amigos que foram à feira em Brighton no meio do ano anterior. Se Rose lembrava com clareza, era Ben que parecia bastante interessado na perspectiva de poder conhecer seu tio Harry. Elizabeth não havia dito muito aquele dia, mas fora ela quem desconversara quando Rose e o primo retornaram de sua rápida volta pela feira. Ainda não confiava neles.

“Preciso esquecer aquele episódio, já tem meses que aconteceu... Podem ter mudado desde então, não é?”, pensou, tentando manter os pensamentos positivos, e voltou sua atenção aos outros. Cumprimentou rapidamente Tracy e deu um abraço apertado em Lily e outro mais contido em Albus, evitando olhares enciumados. Quando era a vez de falar com Scorpius, parou em frente a ele com um sorriso.

— Você realmente não podia perder esse jogo, hein?

— É como eu te disse, não me perdoaria se desperdiçasse a oportunidade — Scorpius falou e acrescentou com um leve ar desdenhoso: — Ainda que nessas circunstâncias.

— Se por estas circunstâncias quer dizer eu e os outros, não acredito na sua queixa nem por um segundo. Admita, não seria nem metade tão empolgante se viesse só.

Ele deu os ombros.

— Isso nunca me incomodou antes.

Rose sorriu, pois sabia a verdade.

— Disse bem. Antes.

Scorpius respirou fundo como se a conversa o cansasse.

— Podemos subir logo? — perguntou ele para Albus.

—  Claro — respondeu Albus. — Tomara que os lugares que James nos arranjou sejam bons.

E, felizmente, eles eram. Nem muito acima, nem muito abaixo, os assentos eram muito apropriados para assistir ao jogo, ainda mais considerando a dificuldade que devia ter sido conseguir ingressos, que se esgotaram em apenas dois dias desde o início das vendas.

— Minha mãe está cobrindo o jogo na cabine da imprensa — comentou Lily com a prima. — Ela disse algo sobre irmos todos lá em casa depois para comemorar a vitória das Harpies. Ela parecia bem otimista, sabe? E, pessoalmente, espero que ela esteja certa, pois quero ganhar a minha aposta com o James.

— E o que vocês apostaram? — perguntou Rose. — Não sei se essas apostas fazem bem a vocês, os dois são tão competitivos de vez em quando...

— Ora, uma aposta nunca feriu ninguém, quer dizer, fora aquela vez que resultou no seu braço quebrado. Desculpe por aquilo... — Lily riu, envergonhada. — Bom, apostamos os galeões que ganhamos de natal dos nossos pais. E eu vou ganhar, já posso sentir! — Lily olhou para frente com vigor e um sorriso ambicioso nos lábios.

Hugo, ao lado da prima, inclinou-se um pouco para trás e sussurrou para a irmã:

— Ela me assusta quando sorri desse jeito.

Rose riu levemente.

— É a Lily, afinal — ela disse, conformada.

Sentado à direita de Rose e distante dos outros do grupo, estava Scorpius. Ele observava o campo todo com ansiedade, esta sendo característica dele quando o ponto era Quadribol.

— Com que frequência você assiste aos jogos ao vivo? — perguntou Rose por curiosidade.

— Assisto pelo menos a uns três por ano, mas viria até mais vezes se pudesse. É só que... Bom, se eu vier demais, posso acabar passando a impressão errada aos meus pais — Scorpius falou, sincero.

— Impressão errada? — ela não entendeu.

Scorpius pareceu um pouco arrependido de ter dito qualquer coisa. Agora era tarde para retirar o que dissera.

— Ah, você sabe, posso acabar transmitindo a ideia de que não ando me esforçando, que só estou pensando no lazer. Não é o tipo de coisa que quero que eles pensem de mim.

— Mas suas notas são ótimas e você até arranjou um emprego de férias no verão! Acho improvável que eles cheguem à conclusão de que está sendo relaxado.

O loiro olhou para ela por alguns segundos, mas depois focou na arquibancada da frente a dezenas de metros deles.

— E o Sr. Miller? — questionou Scorpius, desviando do tópico. — Teve notícias dele?

Rose desanimou.

— Não, mas creio que terei depois do feriado. Minha mãe assegurou que até a semana que vem ela consegue descobrir algo. Acha que ele está bem? — ela o olhou um tanto aflita.

— É claro — ele respondeu rápido, talvez até demais. — A razão disso deve ser tão sem importância que ele até esqueceu de avisar.

Rose estava descrente.

— Acho que sabe tão bem quanto eu que isso não é próprio do Sr. Miller. Seja o que for, aposto que ele precisou sair às pressas, esse é o melhor motivo que consigo encontrar para essa falta de explicações.

— Sendo franco, eu estou sem palpites a essa altura. Acho que é um pouco inútil especular sem maiores informações.

— Eu sei, sinto o mesmo. A solução é esperar para ver.

Meio sem jeito, Scorpius deu dois tapinhas no ombro de Rose em conforto.

— Tente ser paciente. — Ele continuava a olhar para frente, ligeiramente tenso.

Rose logo se lembrou da tal “dívida” que Scorpius alegara ter com ela dias antes, dizendo que a compensaria por todo aquele problema que ocorrera. Apesar de gostar de que Scorpius não tivesse receio em tocá-la e a confortasse, ela não queria que ele agisse contra sua natureza. Se fosse para fazer aquelas coisas, que fosse por vontade própria e não por dever.

— Estou feliz que estejamos bem outra vez — ela comentou, dando um sorriso simples mas verdadeiro, olhando para o rosto do amigo. Provavelmente, dizer aquilo de nada adiantaria para fazê-lo mudar de ideia sobre a dívida, mas aos poucos, quem sabe, ele fosse deixar aquela conversa de lado.

Scorpius resolveu fitá-la de volta e deu um sorriso mínimo, um pouco inibido. Rose deu-se por satisfeita.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                               

— Vamos manter as coisas assim, ok? — ela falou e, bem nesse momento, o som de cornetas começou a soar.

Os jogadores estavam prestes a entrar.

x-x-x-x

A partida já ocorria havia quase três horas e, ainda assim, mantinha-se emocionante. Os torcedores não estavam nem um pouco cansados, gritando a plenos pulmões de seus lugares. Então, o capitão do United berrou algo para a juíza e fez sinal de “tempo” com as mãos. A juíza apitou, decretando o intervalo.

— Isso está sendo incrível! — o amigo de Albus, o tal Ben, disse empolgado.

— É, mas eu estou ficando com fome — queixou-se a outra amiga Elizabeth.

— Eu também — admitiu Hugo, pondo a mão sobre o estômago.

— Não se preocupem, vou comprar algo para comermos — falou Albus. Rose lembrava-se de ter visto alguns vendedores ambulantes próximos à entrada.

— Ei, não esquenta, cara. Eu faço isso. — Ben se levantou.

Elizabeth também ficou de pé.

— Se for trazer muita comida, não dará conta sozinho. Eu te ajudo.

E os dois sumiram no meio da multidão que também deixava seus bancos. Tracy disse nem um minuto depois:

— Acho que vou ao banheiro bem rapidinho, Al. Pode guardar o meu lugar?

Ele sorriu para ela.

— Tenho a impressão de que seu lugar está seguro, afinal, os assentos são marcados, lembra?

— Ah, eu sei disso, só quero garantir que ninguém mais vai sentar ao lado do meu Albus.

Albus lançou um olhar curioso a ela.

— Eu não sabia que tinha ciúmes de mim assim.

“O Albus aparentemente não presta muita atenção”, pensou Rose. Já havia reparado no ciúme de Tracy tinha algum tempo.

— Sei que posso confiar em você, mas nas outras garotas eu não confio tanto... — Tracy deu uma risadinha e se ergueu. Antes de ir, inclinou-se e depositou um beijo um tanto longo nos lábios do namorado.

Lily e Hugo olharam furtivamente para Rose fazendo caretas, a garota com expressão de desgosto e o garoto parecendo estar bastante nauseado. Rose arregalou os olhos como se os advertisse, temendo que o primo os visse.

— Parem, vocês dois — ela sussurrou.

— Eu também não vou com a cara dela — murmurou Scorpius ao pé do ouvido de Rose. Ela sentiu um arrepio, quase se sobressaltando.

Então, olhou para o loiro com interesse.

— O que quer dizer, Scorpius?

Quando ele estava prestes a falar, Albus dirigiu-se a eles.

— E aí, vocês estão gostando? — ele sorria em expectativa.

— Com certeza! Obrigada por me chamar, maninho. Você é o melhor — Lily disse como se fosse eternamente grata, apesar de algo no tom dela não convencer.

— Bom, você invadiu o meu quarto bem na hora que eu decidia para quem mandar os ingressos e pegou dois deles, mas de nada — ele respondeu sendo honesto.

— Claro que me chamar era a escolha mais sensata. E eu convidei o Hugo porque se convidasse a Judy, ele me importunaria pelo resto do quinto ano. — Lily rolou os olhos.

— Nossa, valeu mesmo — resmungou Hugo, meio ofendido.

Rose se curvou um pouco para conseguir enxergar o rosto primo de onde estava.

— Obrigada pelo convite, Al. Estou me divertindo muito!

Albus sorriu para ela, contente. Em seguida, mirou Malfoy, que estava calado. Scorpius notou o olhar sobre si.

— O quê?

— Albus quer saber se você está apreciando o jogo — disse Rose, rezando para que o amigo se tocasse.

— É Quadribol, não é? Logo, a resposta é evidente.

Rose apoiou uma mão no ombro do loiro, tentando manter-se paciente.

— Sim, mas não teria alguma coisa que gostaria de acrescentar? Algo que queira dizer ao Albus?

Scorpius notou os semblantes ansiosos nos rostos de todos e tomou uma postura mais introvertida.

— Não entendo onde está querendo chegar. — Ele olhou para o lado oposto, sem se incomodar em ser abrupto.

Rose grunhiu, frustrada.

— Não tem nada com que se preocupar, Rose. Fico feliz que estejam todos se divertindo — Albus afirmou com sinceridade. Ela ainda estava descontente.

— Você é mesmo um teimoso! — Rose cutucou o braço de Scorpius com o cotovelo.

Albus se espreguiçou, seu corpo já ficando rígido por ficar tanto tempo no mesmo lugar.

— Sabem, acho que vou lá dar uma mão ao Ben e à Elizabeth. Estou precisando esticar as pernas.

Lily pigarreou audivelmente.

— Garotos, por que não vão com o Albus?

Hugo e Scorpius olharam para ela, incrédulos.

— Está falando sério? — Hugo ergueu uma sobrancelha. — Se está com tanta pressa para comer, vá você mesma.

Lily o fitou inquieta.

— Será que não é óbvio que eu quero falar com a minha prima a sós?

— Conversa de garotas no meio do jogo? Mesmo, Lily? — Hugo estava cético.

— A pausa ainda deve durar uns vinte minutos, o United está precisando urgentemente rever a estratégia de jogo. Anda, Hugo, não seja um pé no saco!

— Você sabe ser insuportável, hein... — Hugo se levantou contrariado.

Quando Scorpius não se moveu, Rose suspirou.

— Eu sei que essa é a última coisa que quer fazer, mas será bem rápido. Eu prometo — ela disse.

Scorpius estava pronto para recusar, contudo, após observar a expressão de Rose por alguns instantes, aparentou recordar de algo e cedeu sem dizer uma palavra.

Depois que os três sumiram de vista, Lily olhou para a prima, impressionada.

— Minha nossa! Como você conseguiu fazer isso só com um olhar?

Rose mordeu o lábio inferior, refletindo sobre como diria aquilo.

— É uma história meio longa, mas para resumir, Scorpius pensa que está em débito comigo. Uma grande bobagem, não dê atenção.

— Como não? Nunca vi aquele garoto daquele jeito. Aliás, Hugo me contou ontem na festa de fim de ano sobre o jantar na sua casa.

Um pouco irritada, Rose fez um lembrete mental para puxar a orelha do irmão mais tarde. Não que não confiasse na prima, mas havia dito algumas coisas bastante pessoais naquela noite. Nem mesmo Albus sabia sobre os acontecimentos recentes ainda. “Pelo menos foi para a Lily”, ponderou, decidindo que desta vez o deslize fora mínimo.

— Se tudo o que Hugo me disse era verdade, Malfoy tem sido um grande amigo. Estou feliz por você, Rosie. — Lily sorriu.

Ouvir a outra grifinória dizer aquilo a tranquilizou. Sorriu de volta.

— Nada é perfeito, mas sim, ele é um grande amigo.

— No entanto, tem uma coisinha que venho pensando aqui com os meus botões...

Rose riu do jeito com que ela mudava de assunto.

— E sobre o que anda matutando, Lily Luna?

— Tudo bem, não se zangue, mas... Você já considerou o Malfoy sob uma luz diferente?

— Luz? Estou um pouco confusa.

— Eu sei que não é uma questão sobre a qual a gente conversa muito e é meio abelhudice minha mesmo, porém eu estava meio curiosa. Até onde tenho conhecimento, o último garoto de que você gostou foi aquele menino trouxa do seu bairro.

De súbito, o rosto de Rose ficou muito quente. Então, era sobre isso que Lily queria conversar. O tal garoto de que ela falava havia sido um namorico bobo no verão antes do quarto ano, mas depois que ele se mudou, Rose perdeu contato. Entretanto, cogitar Scorpius como...?

Para o espanto de Lily, Rose caiu na gargalhada.

— Foi engraçado? — Lily estava mais aturdida do que a prima alguns segundos antes.

— Você tem cada ideia, viu... — Rose limpou uma lágrima no canto do olho.

— Eu estava falando sério. Por que não?

Rose gaguejou um pouco antes de conseguir formular uma resposta.

— Nós somos amigos. Seria como namorar o Albus.

— Bom, várias garotas na escola gostariam disso para o desprazer da querida Tracy... — comentou Lily com falsa inocência.

— Sei que me entendeu. E minha experiência recente com garotos não me dá vontade alguma de pensar em romance, isso eu garanto.

Os olhos de Lily assumiram um brilho sequioso.

— Você saiu com alguém, é?

Acanhada, Rose encolheu os ombros.

— Não exatamente...

— Ah, me conta, Rosie! Por favor!

Avaliando as opções, Rose percebeu que revelar a Lily sobre os últimos ocorridos de nada mudaria a situação, ao menos, não para pior. A curiosidade dela seria saciada uma vez que contasse e talvez até ajudasse Rose a se conformar um pouco mais, estando ainda sensível sobre aquele assunto.

“Cedo ou tarde, terei de superar.”

— Certo, eu vou te contar, mas já vou logo avisando que não há final feliz...

x-x-x-x

Será que estava levando toda a história de dívida longe demais? Scorpius temia estar parecendo um perfeito idiota para todos. Mas o que havia feito com Rose não poderia ser ignorado com tanta facilidade, seria injusto. Ela merecia mais de um amigo, principalmente considerando as amizades decepcionantes que tivera no passado. Além disso, Rose também era sua primeira amiga verdadeira. Falhar com ela seria como se anunciasse ao mundo sua completa incompetência.

Aparentemente, Rose de fato o perdoara, agia de modo natural com ele. Mas ainda não estava feliz por inteiro, ele tinha tal impressão. Seria algo em sua voz? Talvez no olhar. Nessas horas, Scorpius desejava ter adquirido mais conhecimento sobre as pessoas e como funcionavam ao longo dos anos. Se não tivesse se isolado a vida toda, quem sabe soubesse interpretar melhor os sinais que a ruiva lhe dava e resolvesse de uma vez o conflito.

“E adianta de algo eu ficar me lamentando?”, ele reconhecia que nada podia fazer no momento. Não mais do que já estava fazendo. Na primeira oportunidade que enxergasse, tomaria alguma atitude.

Ao terminarem de descer as escadas, depararam-se com uma enorme fila.

— Isso tudo é pra ir ao banheiro?! — Hugo estava chocado.

— Não, eles vão comprar comida. Olhe melhor, tem alguns com dinheiro na mão — apontou Albus. Então, seu olhar recaiu sobre um grupo mais a frente. — Ei, são eles ali, não? Ah, parece que a Tracy os encontrou também. Que bom, achamos bem rápido!

Quando Albus começava a caminhar na direção do outro trio, Hugo o segurou pela manga do casaco.

— Calma aí, Al. Quero testar uma coisa.

Ele tirou dos bolsos duas... orelhas? Elas eram ligadas por um longo fio.

— O que é isso? — perguntou Albus. — Parece algo que o Tio George venderia na loja.

— E costumava ser, mas hoje ele vende uma versão bem mais aprimorada e com um design diferente. Orelhas extensíveis! Essas aqui são relíquias, achei lá na casa da vovó ontem. Acho que são feitas para ambientes fechados, mas vai que funcionam...

— Espera, o que pretende fazer com isso?

— Ora, espionar! E o que mais faria? — Hugo falou, esfregando as orelhas no casaco grosso como se aquilo melhorasse sua performance. — Beleza, agora, levita uma até os seus amigos e vamos ouvir o que eles estão falando.

— Como é?! — exclamou Albus. — Nem pensar! Isso é desrespeito.

— Ah, Al, deixa o papo sobre ética e bons modos para a minha mãe. Vai, eu não posso usar a varinha, tenho quinze anos.

— E por que eles dentre todas as pessoas aqui?

— Eu nem sei quem são esses aí, por que iria querer escutar a conversa deles?

Apesar disso, Albus não compactuou com o primo. Restou a Hugo sua última alternativa.

— Malfoy, ajuda aí, cara.

Scorpius riu, fazendo pouco caso.

— Eu não vou me meter nisso.

— Escuta, se me ajudar, eu faço uma publicidade positiva sobre você para o meu pai. Ele pareceu mais tranquilo no fim daquela noite, mas sabe-se lá até quando essa paz vai durar... A Rose ficaria muito chateada se ele voltasse a desaprovar a amizade de vocês...

Para ser justo, Scorpius tinha de admitir que Hugo era muito bom em manipular as pessoas, estava quase impressionado. Por outro lado, ele tinha vontade de torcer o pescoço do quintanista ali naquele mesmo momento por insinuar arruinar todo o progresso que fizera até agora e, ainda por cima, como consequência, magoar a própria irmã. Será que ele teria mesmo coragem de fazer aquilo só para testar um brinquedo estúpido? Scorpius estava incerto se gostaria de testar os limites do garoto.

— Do que estão falando? Que noite foi essa? — Albus indagou, interessado.

Não, Scorpius não iria se explicar para o Potter, não mesmo. Se Rose quisesse contar mais tarde, o problema era todo dela.

Scorpius se absteve de explicar, pegando a varinha do bolso e lançando um feitiço da levitação sobre uma das orelhas.

— Isso! Valeu! Agora, manda uma delas lá para frente onde eles estão. — Indicou Hugo, animado. — Só toma cuidado para não verem. Não que uma orelha flutuante seja uma visão tão estranha assim...

O sonserino supôs que, para evitar interferência de outras conversas, a orelha precisava estar o mais perto possível dos três em questão, o centro sendo a posição ideal. No entanto, parecia quase impossível colocá-la bem no meio, então ele teve de improvisar. Deu um jeito de enroscar a orelha no meio do cachecol felpudo de Tracy.

— Eu não gosto dessa história... — disse Albus com olhar de reprovação.

— Ei, fica quieto ou não escuto — Hugo chacoalhou a orelha, pois o som falhava.

Após alguns segundos, o som ficou estável.

— ...E aquela hora que Dickson desviou do balaço? Foi fenomenal, muita agilidade. — Era a voz de Ben e era possível ver seus lábios se movendo da distância que estavam.

— Eles são verdadeiros profissionais! Ainda bem que o Albus nos chamou — comentou Tracy, que estava de costas para os garotos.

— É, o único detalhe chato é que ele não chamou o Steve e os outros — reclamou Elizabeth.

— Exato. Foi logo chamar os parentes? Além daquele Malfoy... — completou Ben.

Elizabeth fez um som de exasperação.

— Nunca vi um cara tão azedo na vida. Aposto que só porque é bom no Quadribol pensa que é superior a nós, os reles mortais. Que sem noção...

— Eu não sei do Malfoy, mas a Rose ficou amiga dele nesses últimos tempos. Não foi tão surpreendente ela ter sido chamada — disse Tracy.

— Que seja, mas os ingressos podiam ter sido gastos de forma bem melhor, estou dizendo... — insistia Ben. — Eu sei lá, o Albus não é mais o mesmo. E ele me enrolou sobre aquela história de conhecer o pai dele. Disse que ia chamar a gente nesse feriado para depois mandar uma carta falando que anda muito ocupado. Deve pensar que sou otário para acreditar...

— Ei! Não fala assim dele! — vociferou Tracy.

Elizabeth riu. Era possível enxergar um sorriso no rosto de Ben.

— Você virou uma namorada protetora, Trace? Que lindo — Elizabeth disse em clara zombaria.

 — A gente gosta do Al, você sabe disso. Mas o fato de ele ser um Potter não dói... — falou Ben.

— E eu me lembro muito bem de como você ficou animada quando pensou que conheceria Harry Potter, o menino que sobreviveu e tudo mais. Agora que está com o Al, resolveu ficar convencida, é? Você não disse que ele nem te apresentou para a família dele ainda? Eu baixaria a bola se fosse você.

Albus não olhava para Scorpius e Hugo, mas imaginava que a expressão dos dois devia ser semelhante àquela que ele próprio sustentava, deviam estar boquiabertos. No entanto, ele tinha certeza de que o que estava sentindo era algo que lhe pertencia somente.

— Chega — falou Albus com a voz grave, incaracteristicamente autoritário.

Hugo e Scorpius foram surpreendidos pela ordem, demorando alguns segundos para captar. Albus ficou impaciente.

— Solta essa merda agora! — Ele arrancou a orelha enfeitiçada das mãos do primo e a jogou no chão.

Praticamente todos que estavam por perto perceberam a inquietação e começaram a olhar, curiosos. Hugo ergueu os braços em rendição, enquanto que Scorpius guardava discretamente a varinha.

Foram precisos apenas mais alguns segundos até que Ben, Elizabeth e Tracy notassem os outros três. A princípio, não compreenderam, Ben acenou para eles como se tudo estivesse perfeitamente normal. Todavia, quando os olhares de Tracy e Albus se cruzaram, ela prendeu a respiração. Ele ouviu, ele ouviu, era possível ver os lábios dela proferindo. Elizabeth e Ben entreolharam-se em pânico, seus rostos ficando pálidos.

— Albus! — Tracy berrou, começando a andar em direção aos três garotos.

— Dane-se isso tudo — murmurou Albus com uma expressão de decepção. Ele olhou para o primo e para Scorpius rapidamente, depois para a namorada. — Eu vou dar uma volta.

O moreno deu as costas e rumou para a saída do estádio.

x-x-x-x

— Eu não acredito! Mas que criatura terrível faria isso com a minha prima? Eu vou.. Eu vou... Argh! Quando voltarmos à escola, tratarei de fazer uma visitinha nada agradável àquele maldito nas masmorras! — Lily comprimiu as feições em raiva, os punhos bem cerrados.

— Por mais revoltante que seja, eu prefiro deixar esse assunto esfriar por conta própria — confessou Rose. — Fico chateada, mas não há o que fazer.

— Claro que há! Eu conheço algumas azarações que aprendi com a minha mãe, elas vão ensinar uma lição a ele!

Rose sorriu paciente.

— Sei que suas intenções são as melhores, Lily, mas vamos deixar por isso mesmo, está bem? Eu levei um fora, o Hewitt não foi muito legal... É só. Pelo jeito, sou um desastre até nessas horas — brincou Rose, rindo e colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha.

Contudo, apenas ela parecia enxergar a graça na situação. Lily estava com a fisionomia dura e séria. Rose sentiu-se compelida a parar de rir.

— Eu vou te pedir uma coisa, Rose — a mais nova falava, encarando-a. — Pare de pensar dessa forma. Certo, talvez você tropece e derrube coisas com mais frequência que a maioria. O que isso tem a ver? Se esse idiota fez isso com você, é porque não sabe o grave erro que cometeu. Você é incrível, de verdade. Não deixe que um babaca desses faça você crer no contrário.

Por um segundo, Rose ficou sem saber o que responder. Depois, até tentou formular uma frase elaborada, mas de sua boca saiu apenas um murmúrio descrente e desanimado.

— Você não acredita em mim, não é? Isso sim é meio engraçado, pois você mudou tanto de uns meses para cá... Eu nunca a vi tão confiante como nos últimos tempos. Sempre a estimei a distância, sempre admirei suas qualidades, mas se eu tiver que ser muito sincera, algo que eu não enxergava era segurança. Isso me entristecia, porque eu não entendia como você podia se colocar para baixo daquela forma. Vivia de cabeça baixa quando pensava que ninguém estava olhando. Então, de repente, você melhorou. — Lily sorriu, seus olhos castanhos eram gentis. — Seja lá o que aconteceu fez você ganhar outro olhar. Mas agora, nesse momento que falou “eu sou um desastre”, eu vi aquela carinha insegura de novo. E acho que ela jamais combinou muito com você.

Rose fitou a cadeira em frente à sua por alguns instantes, refletindo sobre as palavras que acabara de ouvir. Sorriu para a prima em seguida, ainda um pouquinho hesitante, mas também mais alegre.

— Eu sinto mesmo que melhorei. É só que velhos hábitos são difíceis de matar.

— Sim, eu sei. Mas não pode se deixar abater por eles. Sabe o que acho? Que você teve é sorte! Melhor foi ter descoberto logo que esse Hewitt tinha más intenções e se livrado desse estorvo. Escuta bem. — Lily pegou as mãos de Rose, apertando-as firmemente com as suas. Sentindo a urgência no tom da prima, Rose dedicou toda a atenção a ela. — Não tem nada de errado com você. Isso não é só mais uma demonstração de azar. Aconteceu o que tinha de acontecer. Há tantos outros garotos por aí, eu mesma me apaixono por um diferente a cada mês!

As duas riram, ambas mais descontraídas.

— É verdade, oras. Mas o meu ponto é que dentre esses vários outros, tenha certeza de que haverá aqueles que saberão enxergar você como de fato é. E nenhum, nenhum mesmo vale que você se deprecie. Eu sequer preciso listar tudo que acho de você, todas as suas virtudes, pois, cara! Você é Rose Weasley! Isso é tudo que precisa saber.

Por mais incentivadora que fosse a prima, Rose ainda achava que ela exagerava um pouco. Seu tom deslumbrado não condizia com a imagem que Rose tinha de si. Ainda assim, a quintanista possuía pontos bem válidos. Ficar se queixando daquela forma a fazia se sentir vagamente como nos anos anteriores. Era um sentimento de inferioridade do qual queria distância, acolhê-lo de novo de tal forma trazia uma sensação frustrante de involução.

— Gente!

Subitamente, Hugo apareceu correndo, mal se incomodando em desviar das pessoas no caminho. Scorpius vinha logo atrás em passo mais lento, mas ainda aparentava apressado e aborrecido.

Rose soltou as mãos da prima e ficou de pé, preocupada de imediato.

— Hugo! O que houve? — ela logo notou que faltava alguém ali. — Onde está o Albus?

— Nós fomos atrás, mas...

Hugo não aguentou e parou para recuperar o ar, tempo suficiente para que Scorpius alcançasse o grupo. Ele olhou para Rose, infeliz por ter de comunicar as notícias.

— O Potter sumiu.

x-x-x-x

No exato instante em que desaparatou, sentiu algo se agarrando ao seu casaco. Estava concentrado demais para repelir o que fosse, a imagem vívida das ondas arrebentando nas rochas e do capim balançando por causa do vento preenchendo sua mente.

De olhos fechados, ele agora sentia a brisa gelada e o cheiro do mar, o ruído de alguma ave marinha ao longe. Então, veio o som do choro. Sem se mover, ele disse:

— Vá embora, Tracy.

O aperto na parte de trás de seu casaco aumentou.

— Não! — ela protestou.

— Eu quero ficar sozinho.

— Estou nem aí! Não vou a lugar algum!

Albus suspirou, esgotado. Abriu os olhos finalmente, deparando-se com as águas de uma praia no sudeste de Cornwall. Fora o primeiro lugar que conseguira pensar onde provavelmente não encontraria ninguém. Estivera ali havia alguns verões e lembrava-se de ter apreciado a tranquilidade do local. Era uma paisagem bonita, em outra ocasião, ele ficaria contente apenas contemplando. Porém, naquele momento, sua mente estava entorpecida demais para isso.

— O que eles disseram não era verdade, Al! E-Eu não ligo se o seu pai é o inventor da poção do sono ou se derrotou um bruxo maligno, me importa apenas você!

— E você já sabia disso? O que o Ben e a Elizabeth realmente pensavam?

Tracy largou o casaco do namorado, contornou-o e pôs-se cara a cara com ele. Este continuava a encarar o horizonte.

— Vou te falar a verdade — ela disse entre soluços. — Eu sabia, sim. E... E, em algum momento, eu já pensei como eles e os outros do nosso grupo. Achei que seria emocionante ser sua amiga apenas por causa do seu nome, mas eu mudei! Já faz muito tempo que eu o vejo somente como Albus. No momento em que deixei essas idiotices de lado, comecei a enxergar como você era atencioso, bondoso.... — Tracy segurou seu rosto, tentando fazê-lo olhar para ela.  Ele relutou um pouco, mas acabou cedendo. Seus olhos verdes estavam impassíveis. — Sim, bondoso, carinhoso... Dei-me conta de como era maravilhoso por si só. Foi quando me declarei para você. Após isso, senti vergonha de mim mesma. Eu sabia, sempre soube, que não o merecia, não após ter tido pensamentos tão fúteis. Contudo, você foi atrás de mim e me aceitou. Senti como se tivesse recebido uma nova chance. Eu quis remendar o meu engano, eu quis de verdade!

Soluçando ainda mais alto, Tracy jogou-se contra o peito de Albus, acomodando o rosto úmido logo abaixo de seu pescoço. Ele permaneceu imóvel.

— Estou tentando ser uma pessoa melhor, ser menos frívola e egoísta. Eu sei que você tem direito a alguém melhor, mas meus sentimentos são reais, eu realmente me apaixonei por você.

Ficaram alguns minutos naquela posição. Tracy continuava a chorar, porém tentava se acalmar, enxugando a face com a manga do próprio casaco. Já Albus, ainda parecia uma estátua. Isso estava inquietando a garota.

— Não me odeie, Al — sussurrou ela, suplicante.

— Eu não te odeio — ele quebrou seu silêncio. — Estou apenas muito desapontado.

— Sei disso, e você tem toda razão. Somos uns vermes detestáveis, todos nós.

— Ouvir você se desprezando não me traz conforto algum se é o que pensa.

— Eu penso tudo errado, eu sei. Mas um pensamento está certo. — Tracy ergueu a cabeça e voltou a fitá-lo. — Albus, eu o amo. Nunca senti isso por ninguém, juro de coração. Sou a pior namorada do mundo, infelizmente sou, mas estou sendo sincera agora e quero você comigo.

Enfim, Albus deixou o semblante inexorável se desfazer. Ele enrugava a testa em perplexidade, escolhendo as palavras a dizer.

— Não entendo... Esses anos todos, foi só por causa de um sobrenome?

 Todos os momentos que antes o deixavam confuso estavam ganhando sentido. Por isso que todos eram tão solícitos à sua volta, por isso aquelas meninas haviam pedido uma foto dele com Louis. Por isso que às vezes estranhos agiam de forma incomum perto dele. Nervosos, mas animados. Não era por Albus, na verdade. Nunca fora.

— Isso não importa mais. Eu amo você, amo só você. — Tracy começava a puxá-lo para se sentar na areia. Como um boneco, ele se deixava levar.

— Um nome idiota... Um nome imbecil...

— Sim, é só um nome, não tem importância. — Ela mexia delicadamente nos fios de cabelo rebeldes e bagunçados pelo vento do rapaz.

— Você mentiu, Tracy.

— Me perdoe, eu sou uma tola sem conserto. Não vou mentir, nunca mais. — Tracy abraçou seu braço. — Eu prometo. Fique comigo.

— Está errado.

— Fique, Al.

— Eu queria poder.

— Você pode. Fique aqui comigo.

Com as lágrimas já secando nas bochechas, Tracy plantou um beijo no pescoço de Albus, depois outro em sua face.

— Fique, sim — ela cochichou em seu ouvido. — Eu quero que fique.

Ele massageava as têmporas com uma das mãos, como se aquilo fosse clarear seus pensamentos ou deixá-los menos insuportáveis.

— A ignorância realmente pode ser uma bênção — comentou Albus mais consigo mesmo do que com a garota.

— Esqueça isso, esqueça tudo...

— Não dá pra esquecer.

— Dá, sim. Mesmo que só por um instante.

A ideia de esquecer era um devaneio agradável. Ele se deixou iludir por aquele breve momento, mesmo que a realidade estivesse à espreita, aguardando sua vez de reinar.

 


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Notas finais do capítulo

Vocês acham que o Albus perdoou a Tracy ou está apenas em choque? Quem sabe, as duas coisas? Creio que a maioria já sabia que esse momento ia chegar cedo ou tarde, desde o capítulo 5. Acham que o Albus vai conseguir manter a postura otimista de sempre depois dessa decepção? E o feriado dos nossos queridos chegou ao fim. Agora, de volta à escola, é de se supor que as coisas estarão bem diferentes para muitos deles.

Um pequeno preview:

“— Eu não estava bisbilhotando, fui apenas devolver uma coisa sua.

— Ambos sabemos que isso é mentira, Potter. Espero que esteja satisfeito. Por favor, não volte a perturbar a mim ou ao meu pai.”

Obrigada por lerem e até o próximo.