The Bright Side escrita por Anna C


Capítulo 22
O Jantar dos Weasley


Notas iniciais do capítulo

Muito, muito tempo. Eu levei tanto tempo com esse capítulo que acho que nada que eu possa dizer aqui vai justificar. Mesmo assim eu peço desculpas pela demora, porque nenhum de vocês merece esperar tanto assim para receber a atualização. O capítulo é bem longo, ainda que eu esteja incerta se isso ameniza as coisas. E agora são 4 da manhã e eu mal consigo raciocinar, só o que espero é que possam aproveitar esse cap. que custou em sair, mas enfim está aqui disponível para vocês lerem. O 22 é dedicado a Eloise e Lady Potter, que foram muito gentis em suas recomendações. Fazem com que eu me recorde de como algumas poucas palavras são capazes de elevar o espírito de uma pessoa.
Bom chá com biscoitos!



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— Sim, é verdade — Scorpius respondeu, de repente incapaz de olhar para o rosto da amiga.

— E por que você fez disso um segredo? — Rose perguntou, ainda confusa.

— Eu... Eu não achei que havia necessidade de contar. Afinal, o que muda isso? De fato, somos parentes. Você mesma tem dezenas de primos, não? É natural que eu tenha um.

Rose deu um risada, descrente. Do jeito que ele falava, fazia parecer que ela estava exagerando. Mas não era justo.

— Bom, muitas coisas mudam, na verdade. Tudo que você falou, o seu comportamento em relação ao Hewitt... Ao mesmo tempo em que faz algum sentido, não faz nenhum. Entendo que talvez tenha alguma antipatia por ele, esse tipo de coisa acontece em família, mas você mentiu. Todas as vezes que eu te fiz perguntas em que você teve a oportunidade de mencionar esse parentesco, você preferiu esconder isso. Por quê? Só porque achou que não “importava”? Me desculpe, Scorpius, mas acho que está ocultando a verdade mais uma vez de mim. E o nosso trato, aquele que fizemos no dia em que o Albus foi parar na enfermaria? Você se esqueceu?

O rosto de Scorpius ficou mais pálido, ele umedeceu os lábios antes de continuar a falar.

— Ocultar não é mentir.

A ruiva ergueu as sobrancelhas. Não era a primeira vez que ouvira aquilo, era? Mas quando... Não importava.

— Você não pode estar falando sério.

— Acontece que estou. Esse seu sermão é completamente desnecessário, você agora sabe o que há entre mim e ele: somos primos. Eu não o suporto, por isso, não incentivei nada entre vocês. E não te ocorreu que o seu querido Eric nunca comentou nada sobre isso?

Antes que Rose pudesse se voltar para o terceiro ocupante do quarto, este foi mais rápido.

— Mas que típico, querendo transferir a culpa para os outros — Eric soava pouco surpreso. — Só me mantive em silêncio, pois sei que nosso sangue em comum é algo que você despreza, mas imaginei que a essa altura você tivesse contado a ela, principalmente pela maneira que nosso encontro acabou aquele dia. Pensei que a houvesse proibido de me ver ou algo assim, e a Weasley tivesse sido gentil o suficiente para não falar.

Apesar de sua explicação, Eric não foi poupado da crescente revolta que borbulhava dentro de Rose.

— Como disse? Talvez eu não tenha escutado bem... Para deixar claro, nem que ele tivesse feito a maior das chantagens emocionais eu teria sido “proibida” de algo. Tomei aquela decisão por conta própria, está ouvindo? Sinto muito se meus motivos pareceram rasos para você, mas foram sinceros. Eu quis refletir melhor sobre toda a situação e, se deseja saber, ainda estou fazendo isso.

— O quê? — Scorpius exclamou subitamente. — Está de brincadeira, certo? Ainda está considerando sair com... ele?

A atenção da garota voltou para o loiro. Era verdadeiramente cômico como ele se via no direito de ficar indignado após ter confessado mentir sobre Eric aquele tempo todo.

E, afinal, seriam as objeções de Scorpius ainda válidas se tratavam-se apenas de implicâncias entre primos? Quando Rose pensava dessa forma, os argumentos do amigo perdiam força considerável, no entanto, Lena McLaggen também havia falado algo no tal dia do encontro. Ainda assim, Lena também não era exatamente um amor de pessoa, era?

O ponto era que Scorpius tinha mentido. E pensar que ela havia se sentido mal por ter escondido sobre o encontro, além da vez que mentira sobre a razão de ter entrado na sala comunal da Sonserina. Em ambas situações, esteve inteiramente errada, sabia disso, mas no fundo tinha o bem de Scorpius em mente. Entretanto, esse não era o caso do rapaz ao mentir para ela. Fizera aquilo por egoísmo.

— Eu não creio que você esteja em condições de dar palpite sobre o assunto — Rose retrucou numa voz tão seca que parecia nem pertencer a ela.

Aquele tom pegou Scorpius desprevenido e ele recuou um passo sem sequer notar. Porém, Rose notou, e foi quando se deu conta do desgaste que a situação lhe proporcionava.

— Já chega, eu vou embora. — Ela foi caminhando até a porta, passando reto pelos garotos. — Espero que gostem dos biscoitos.

— Espera, Weasley! — Scorpius chamou.

Ao abrir a porta, Rose olhou novamente para Scorpius, uma parte de si tentada a atender o apelo. Mas era uma parte bem pequena. A decepção predominava. Ela sentiu os olhos formigando, contudo, decidiu que não choraria. Pelo menos, não ali.

— Você estava preocupado que eu encontrasse alguém no caminho até o seu quarto, agora me lembro. Bom, já não é surpresa que se referia ao Hewitt, mas se por acaso eu encontrar seu pai no percurso até a saída, fique tranquilo, eu não vou falar nada sobre nós. Afinal, o que ele não sabe, não pode feri-lo.

“Ou pode?”

Ela deixou o quarto de Scorpius sem olhar para trás. Ele não viria atrás dela e Rose não esperava mais nada dele naquele momento.

x-x-x-x

A casa de Richard Ernest era peculiar, para dizer o mínimo. Mas o que era realmente estranho era a facilidade com que ela se sentia confortável ali. Aquele local representava o total oposto de tudo que a Sra. Chevalier prezava.

Para começar, a mãe de Coline era extremamente atenciosa com a organização e limpeza do lar, ao ponto de cuidar daquelas tarefas sem usar magia, que a seu ver, não dava conta do recado. Na residência Ernest, tudo que pudesse ser realizado com o auxílio de magia, assim seria feito. Na verdade, Coline achava extremamente prático e não censurava o pai por isso. Além disso, havia muitas quinquilharias espalhadas pela casa, desde jornais velhos até uma pantufa abandonada embaixo do armário da cozinha — a qual Richard pareceu bastante satisfeito em encontrar. Algo assim faria a Sra. Chevalier ter um ataque de nervos na melhor das hipóteses.

Outra coisa prezada na casa de Coline na França era a tranquilidade do lar, coisa que não encontrava ali em Oxford. Apesar de serem somente dois morando ali — três com a convidada —, o ambiente era um caos. Numa sala, um rádio esquecido ligado; na cozinha, uma panela chiando; num dos quartos, o sapo de Tony derrubava algo de uma cômoda; no porão, Richard testava um feitiço que resultava numa contida, mas ruidosa explosão. E, para acrescentar à cacofonia, Tony ria e gritava enquanto Coline corria atrás dele, numa brincadeira de pega-pega não planejada.

Tudo começou quando Tony roubou uma tortinha natalina com frutinhas do prato da meia-irmã. Era manhã de natal e o garoto estava a mil desde que tinha acordado, tendo já aberto seus poucos presentes e brincado com eles. No entanto, insatisfeito, foi ver o que Coline fazia. Ela estava comendo à mesa de jantar, sequer imaginando que seria interrompida. Quando o menor surrupiou uma de suas tortinhas, ela logo viu o olhar travesso no rosto do pequeno ladrão. Ela pediu gentilmente que ele devolvesse a tortinha e, ao ver que não seria obedecida, partiu para as cócegas.

Porém, Tony não se entregaria tão facilmente. Enfiou a torta inteirinha na boca e a engoliu.

— Você está encrencado, garoto! — falou Coline, começando aquela perseguição.

E Tony era bem ágil para seus onze anos, driblando a morena como se mal fizesse esforço, passando pela sala e pela cozinha. Saíram através da porta de trás, que dava no quintal. Coline logo notou a grama salpicada de gelo e tomou uma postura mais cautelosa, diminuindo a velocidade. Tony não foi tão cuidadoso.

O menino escorregou e caiu com um forte baque de costas.

— Tony! — Coline arregalou os olhos e foi socorrê-lo. — Tony! Você está bem?

Ele grunhiu em dor quando ela o ergueu, apoiando-o sobre suas pernas. Aquela brincadeira tinha sido uma ideia tão...

— C-Coline...

— Sim? Está doendo? Quer que eu chame o Richard?

— Coline, eu...

E, sem ter condições de prever o que aconteceria, a garota recebeu um amontoado de terra e grama gelada na lateral da face. Quando percebeu o que havia acontecido, Tony mostrou-lhe a língua e se desvencilhou, correndo para longe dela.

— Argh, seu... — limpou de qualquer jeito a sujeira do rosto. Já sem fôlego, ela ergueu os braços em rendição. — Ok, você venceu! Um a zero para você, Tony.

Tony fez uma expressão pensativa.

— Tudo bem, mas só se admitir que eu sou o supremo irmão mais novo, mais inteligente e mais rápido de todo o universo, incluindo Júpiter.

Ela estreitou os olhos.

— Isso não faz sentido nenhum. E Júpiter fica dentro do universo, até onde eu sei.

Tony bufou, seus olhos castanhos implorando para Coline entrar no espírito do jogo.

E ela não queria. Droga, o que estava fazendo brincando de fazer cócegas e pega-pega dois minutos antes? E seus planos de não se apegar ao menino? Mas havia algo... Era como se estivesse certo. Coline se sentia bem ali, apesar de suas expectativas serem baixas a princípio. Até mesmo a raiva que teve ao descobrir que os pais esconderam o meio-irmão por todo aquele tempo, até isso havia se dissipado nas primeiras horas. E isso a surpreendia, ainda mais considerando que continuava magoada com Louis pelo acontecimento de quase um mês antes. Como pudera deixar de lado tão facilmente desta vez?

Devia ter se dispersado por tempo suficiente para causar uma impressão estranha, pois a próxima coisa de que se deu conta foi do forte aperto em seu tronco, transmitindo-lhe calor. Tony a abraçava, ele era baixo para a idade como ela, sua cabeça acomodada logo abaixo do queixo da garota.

Ela ficou confusa com o gesto, permanecendo imóvel.

— Tony...?

— Eu estava só brincando. Não fica brava.

— Ah, er, eu não estou brava.

Como não se comover com a situação de Tony? Sem a mãe, o pai sempre ocupado com feitiços experimentais, nenhuma criança na vizinhança para brincar... Então, de repente, ele tinha a companhia de uma irmã de que não sabia da existência.

— É bom você estar aqui com a gente, Coline — ele disse de repente.

Antes que pudesse controlar os cantos da boca, ela já estava sorrindo. Também estava feliz por estar lá, mesmo que tudo ainda fosse muito confuso, mesmo que significasse que seus planos estavam falhando. Tudo que Coline menos queria era apreciar aquilo, então por que não conseguia evitar?

Sorrir para Tony era natural como respirar.

x-x-x-x

“Seus braços elevaram-se para o arco do céu, e desceram, trazendo a cerração com o ondular das mangas que pendiam. Cerração e silêncio pairavam...” Rose respirou fundo. Certo, mais uma vez. “Cerração e silêncio pairavam, sombrios, à volta...”

Não dava. Fechou o livro e o deixou na almofada. Era difícil se concentrar na leitura com aquela discussão no cômodo ao lado. Achou que após as festas de natal, as coisas estariam mais calmas, encontraria um pouco de silêncio e paz, porém, devia ter se enganado.

Farta daquilo, Rose levantou-se do sofá e foi investigar o que acontecia no hall de entrada.

Seus pais estavam ambos atropelando as falas um do outro com argumentos, nenhum escutando o outro. Era caótico e, certamente, não levaria aquela conversa a lugar algum.

— O que está havendo aqui? Por que estão brigando?

Hermione suspirou, frustrada.

— Não é uma briga, querida. Seu pai está exagerando... Eu só estava explicando a ele sobre o jantar de hoje à noite e sobre o nosso convidado especial.

— Convidado especial? Hermione, o que eu ainda não entendi é como isso foi acontecer. Aliás, senhorita Rose, não tem nada a dizer sobre isso?

Rose franziu o cenho, olhando para a mãe.

— Mas... Mas, mãe, eu não falei mais nada sobre aquilo, achei que tinha entendido que não ia mais rolar.

— Bom, filha, agora é tarde. Eu mesma fiz o convite através de uma coruja e o seu amigo já me mandou a confirmação. Achei que, por causa da situação peculiar, ele se sentiria mais confortável em vir caso recebesse um convite vindo direto de um de seus pais. E já está tudo preparado, Hugo até me inteirou do que pretende cozinhar, espero que o rapaz goste de massa...

Ron deu uma risada, incrédulo.

— Como pode falar com essa naturalidade, como se isso se tratasse de um vizinho qualquer? Estamos falando de um Malfoy! Rose, isso é algum tipo de piada entre você e a sua mãe? Se for, é melhor confessar de uma vez, assim podemos rir disso logo e esquecer.

Olhando de um para o outro, Rose não sabia como responder. Não era para aquele jantar acontecer, na cabeça da ruiva, estava tudo cancelado. Mas a culpa era somente sua, devia ter sido explícita com a mãe sobre suas novas intenções.

— Eu sei que não mencionei antes, mas... Bem, o Scorpius tem sido um bom amigo para mim — com exceção da mentira recente. Ugh, aquilo era tão difícil. Ainda estava zangada com o loiro, mas se não havia mais volta, deixar uma má impressão do garoto poderia piorar tudo. Ron não perderia a oportunidade de mostrar a pouca simpatia que sentia por aquela amizade se Rose falasse mal de Scorpius.

“É só um jantar. Eu não preciso necessariamente perdoá-lo, mas não preciso fazê-lo sofrer também.”

— E desde quando?

Hermione deu um passo à frente.

— Francamente, Ronald! Sua filha pode ser amiga de quem ela quiser.

— Na teoria, sim. Mas de um Malfoy? Ela precisa de um motivo muito bom para isso.

Rose colocou-se entre os dois, dirigindo a atenção a Ron.

— Pai, eu conheço de cor todas as histórias do seu tempo de escola, lembro-me das coisas que falava sobre os sonserinos, mas posso afirmar que o Scorpius não é nada como aqueles sobre os quais você me falou.

Ron parecia pouco convencido, mas Rose não deixaria por aquilo mesmo.

— Certo, você quer motivo para sermos amigos? Bem, ele estava lá quando eu precisava. Ele me faz rir, como um bom amigo deve fazer. Pode parecer bobo, mas então, acho que amizades devem ser assim mesmo, não? Nós discutimos com alguma frequência, e nem sempre vemos o lado do outro... Mas... — Ela deu-se conta de algo. Era difícil defender Scorpius e ficar ressentida com ele. Falar daquela forma a fazia querer escutar o que ele tinha a dizer. Será que devia ter saído daquele jeito da mansão? — Mas, no final, fica tudo bem. Porque nada que o outro diz é por mal — não era? Então, por que só conseguia ver as mentiras de Scorpius como atos de egoísmo? — Só fazemos coisas ruins porque não queremos nos magoar.

“Porém, magoamos.”

As palavras de Rose eram tão cheias de contradições, que a faziam questionar vários pontos. A briga. As razões de Scorpius. Até mesmo, Eric Hewitt. Haveria afinal um lado certo ou errado? Quem ela achava que era para determinar aquilo? Ainda mais sem parar para escutar. Tirar conclusões era fácil, mas revê-las não permitia espaço para o orgulho.

Era difícil dizer se seu contraponto tinha convencido o pai. Ele estava atrasado para algum assunto no Ministério, por isso, não ficou muito mais para conversar. Havia, no entanto, um brilho de dúvida em seu olhar quando passou pela porta. Se isso era um bom ou mau sinal, Rose só descobriria algumas horas depois.

x-x-x-x

Scorpius estava incerto se estava aliviado por Hugo Weasley ter sido aquele a abrir a porta da casa. Provavelmente, era o membro da família que ele menos receava ver, porém, adiar o encontro com os demais era pior, não?

Hugo, que tinha as mangas da camisa arregaçadas e o rosto com leves resquícios de farinha, deu passagem para o loiro entrar.

— Malfoy, e aí, cara — falou casualmente. — Minha mãe está na sala de jantar logo ali e Rose deve estar descendo a qualquer momento. Eu preciso checar um negócio na cozinha, você pode esperar aqui pela Rose ou ir entrando, você quem sabe. Tranquilo?

E sem dizer mais nada, o Weasley mais novo sumiu casa adentro. Não que aquela recepção tivesse ajudado em muita coisa, mas ao menos Hugo parecia não ter nada contra ele. Era improvável que de fato gostasse da ideia de sua irmã andando com um Malfoy, porém sabia disfarçar bem caso sentisse uma grande aversão por ele. As chances eram de que não se importava tanto assim com a situação a ponto de ter uma reação mais notável.

Scorpius decidiu que também era neutro em relação ao irmão de Rose.

Ele caminhou até o cômodo indicado por Hugo e viu a Sra. Weasley ajeitando os pratos e talheres sobre a mesa. Quando o viu à entrada, ela arregalou os olhos e um sorriso se espalhou por seu rosto.

— Vejo que Hugo abriu a porta para você. — Ela contornou a mesa para conversar apropriadamente com ele. — Desculpe, estamos um pouco atrapalhados, eu estava quase terminando por aqui... Scorpius, é isso mesmo? — A mãe de Rose estendeu a mão para cumprimentá-lo.

Scorpius apertou a mão da morena, tentando sorrir. Aquelas situações que deviam ser comuns para todos os outros seres humanos ainda lhe causavam estranhamento. Será que um dia se acostumaria?

— É um prazer, Sra. Weasley.

— Ah, por favor, só Hermione.

— Bom, er, obrigado pelo convite. Hã, a Rose falou que a senhora gosta de ler...

Na outra mão, Scorpius carregava um embrulho. Ele entregou a Hermione, engolindo em seco. Ela quase se sobressaltou diante do presente inesperado.

— Ora, Scorpius... Isto é... Muito obrigada, foi bastante atencioso da sua parte. Vou abrir mais tarde se não se importar, pois sei que se olhar agora não poderei largá-lo tão cedo.

Scorpius ergueu os ombros. Era dela agora, ela devia fazer o que achasse melhor. Ou será que essa era uma forma educada de dizer que ele havia feito algo errado? A mãe de Scorpius sempre lhe dizia que não se visitava a casa de outras pessoas sem trazer alguma lembrança, era um questão de modos. Como era a primeira vez que Scorpius fazia aquilo, fez o que pôde sem orientação. Achou que fazia sentido dar o agrado a quem havia feito o convite. Ou devia ter trazido algo para o Sr. Weasley? Para Hugo que pelo jeito cozinhava a refeição? Ou ainda para Rose, sua amiga? Mas um presente para ela seria estranho naquelas circunstâncias, ainda estavam brigados. Aliás, onde estava ela?

— Aqui, pode me dar o seu casaco, vou pendurar. Se quiser lavar as mãos antes do jantar, tem um banheiro lá em cima, terceira porta à esquerda.

Lavar as mãos parecia bem inofensivo quando comparado a novas interações sociais, por isso, Scorpius seguiu prontamente o conselho de Hermione. A mãe de Rose parecia simpática, mas ele preferia não arriscar cometer uma possível gafe, se é que já não tinha. Nos poucos minutos que estava ali, já começava a ficar inquieto.

Fez conforme as instruções e chegou ao banheiro. Enquanto enxaguava as mãos, começou a repensar melhor toda aquela situação. Por Merlin, teria sido prudente aceitar aquele convite? Não sabia bem o que os pais de Rose sabiam sobre eles, sobre aquela amizade, mas era certo que a ideia do jantar não tinha sido de Rose. Ao menos, se de fato era, não podia ter sido algo recente, não após aquele desentendimento entre eles. Na realidade, ele achou tudo bem inesperado e questionava se não havia algum tipo de truque que passara despercebido.

No entanto, apesar das dúvidas, a água fria de alguma forma parecia fazê-lo voltar ao foco. Independente de como aquele convite havia chegado a ele, o fato era que agora estava lá e com um objetivo claro em mente. O seu eu de meses atrás veria aquilo como insanidade completa, como Scorpius Malfoy poderia ter ido à casa de alguém para acertar as coisas? Ele teria considerado aquilo como humilhação, uma triste falta de respeito por si mesmo. E, por mais que uma parte dele quisesse acreditar naquilo e assim desaparatar dali naquele mesmo instante, Scorpius tinha consciência de que estava errado.

“Não. Droga, não.” Como poderia deixar as coisas daquele jeito? Rose merecia mais que isso. Certo, talvez o Scorpius de antigamente achasse sua atual posição absurda e patética, porém isso de pouco importava pois ele não era mais assim. Estava longe de estar apreciando o momento, mas sabia o que tinha de fazer e não fugiria.

“— Você não é um covarde.” Rose disse a ele naquele dia, no topo daquela torre de Hogwarts.

E ele queria muito que ela estivesse certa.

Foi quando alguém bateu na porta.

— Hugo, é você? Isso não hora daqueles seus banhos intermináveis, está ouvindo?

Oh não, era Rose! O que ele diria? O que fazer em seguida? Olhou ao redor do banheiro como se fosse encontrar uma solução atrás da toalha de rosto ou das escovas de dente. Droga, o que estava fazendo? Aquilo era pura sandice, e todo aquele pensamento sobre manter o foco?

Ele não ia entrar em pânico, que absurdo. Isso estava fora de questão.

— Hugo, por favor, escolha um dia melhor para implicar comigo...

Scorpius abriu a porta, interrompendo Rose.

— Scorpius! — ela exclamou, os olhos esbugalhados de surpresa. Então, pareceu lembrar que deveriam estar de mal um com o outro e fechou um pouco a cara. — Eu não queria interromper você, achei que fosse meu irmão aí.

Precisava pensar em algo para dizer. Haveria algo conveniente a ser dito?

— Rose, o seu amigo sonserino chegou... — Hugo subia as escadas para avisar, no entanto, ao ver a cena, deu um sorrisinho malicioso. — Pelo jeito, você já sabe. Enfim, o jantar está pronto.

— Ok, vamos para a sala de jantar.

— Sabe, o papai ainda não chegou... Acha que ele está enrolando de propósito? — provocou o quintanista quando Scorpius passou por ele na escada, logo atrás da ruiva.

— Hugo, você não está ajudando! — Rose ralhou com ele, ainda que não estivesse propriamente defendendo o amigo. Ela puxou Scorpius pela manga da camisa, apressando-o.

Naquele momento, a porta da frente se abriu e Rose congelou, forçando Scorpius a parar também. Era o Sr. Weasley. Levou um momento para que o homem os notasse ali nos degraus da escada mas, quando isso aconteceu, seu olhar foi do rosto assustado de Rose para a expressão confusa de Scorpius, fixando-se finalmente na mão da filha que ainda segurava a manga do convidado. Rose foi rápida em se afastar e descer o que faltava da escada.

— Papai! — ela sorriu, porém, Scorpius podia notar seu nervosismo. Abraçou o pai carinhosamente — Você enfim chegou.

Scorpius sentiu alguém cutucar seu ombro. Hugo fez sinal para que ele fosse em frente. Hesitou.

— Relaxa, ele não vai te jogar um Crucio ou coisa assim... Eu acho — o mais novo sussurrou, algo em seu tom denunciava o quanto a situação o divertia.

Ele não poderia evitar aquilo por mais muito tempo. Dirigiu-se até o hall de entrada e parou em frente ao pai e a filha.

— Sr. Weasley, eu...

— Vejo que estavam falando sério sobre esse jantar — ele não parecia falar com Scorpius, mas estava olhando diretamente para ele. — Bom, eu estou com fome, vocês não? Vamos para a mesa.

O Sr. Weasley fez como disse, deixando os outros para trás. Rose parecia aflita olhando por onde o pai passara e depois para Scorpius. Esse seria o momento em que, se as coisas estivessem normais, ela se desculparia. Entretanto, o clima ainda era de tensão. Ela suspirou em frustração e seguiu para a sala de jantar.

— Complicado, cara... — Hugo enfim chegou ao andar térreo, com uma expressão fingida de pena. — Parece que a pior noite da sua vida acabou de começar.

Hugo deu um tapa de consolação nas costas de sonserino e foi se juntar à família.

Só então Scorpius se deu conta no que havia se metido.

x-x-x-x

Por Merlin, Morgana, Dumbledore e todos os outros bruxos lendários que já haviam passado pela Terra, aquele jantar estava sendo bem mais difícil do que Rose previra. Já tinha imaginado que o pai bancaria o pior anfitrião possível e que Scorpius, devido à falta de tato e habilidade social, pouco faria para aliviar sua própria situação. O real problema era que em outras circunstâncias ela quem deveria ser a mediadora entre eles, mas não podia assumir essa posição.

“Que coisa, Scorpius, por que você teve que mentir?” ela lançou um olhar para o loiro, sentado no lugar bem à frente. Ele não notou ou fez não notar, dando toda sua atenção à refeição que Hugo preparara.

— Filho, essa deve ser a melhor massa que você já fez — comentou Hermione. — Sabe, Scorpius, o Hugo cozinha desde os dez anos. Ele sempre teve jeito para a área gastronômica.

— Mãe... — Hugo resmungou, recusando-se a ser motivo de conversa.

— Ora, o que tem de errado em falar sobre seus talentos? Todo mundo é bom em alguma coisa.

— Você diz isso porque é boa em tudo!

— E você diz isso porque nunca viu ela subindo numa vassoura — disse Ron, bebendo de seu copo. A esposa retrucou dando um tapa no ombro dele.

— Tem sorte de minha varinha estar na sala, Ronald Weasley.

Hugo e Ron riram baixinho, e Rose quase se deixou dar um sorriso. Mas, ao olhar para frente, qualquer traço de bom humor sumiu.

— E quanto a você, Scorpius? Tem um talento em especial ou algum hobby no seu tempo livre? — perguntou Hermione.

Scorpius baixou os talheres e ergueu a cabeça para falar.

— Eu... jogo Quadribol.

— Sério? Está no time da sua casa?

— Sim.

— Então, deve ser muito bom, acredito. Ron também era do time da escola no nosso tempo, ele jogava como goleiro.

— Scorpius é artilheiro — Rose acrescentou da forma mais neutra possível. Afinal, precisava dizer algo ou levantaria suspeitas.

O amigo a olhou, parecendo surpreso por um instante. Depois desviou o olhar, algo semelhante a pesar trespassou seu rosto.

— Ok, tudo bem, eu não ia falar nada, mas depois daquele jogo contra a nossa casa, seria injusto eu deixar passar — dizia Hugo. — Quer dizer, eu não sei bem o que acho de você, Malfoy, mas uma coisa eu vou admitir: no Quadribol, você é foda.

— Hugo! Isso é jeito de falar?! — censurou a mãe.

— Foi mal...

— Ah, é mesmo, Scorpius? — Ron se referiu pela primeira vez ao convidado e algo como um alarme na cabeça de Rose começou a disparar. — Você é tão bom assim?

Certo, desde que Scorpius mantivesse uma postura discreta tudo correria bem.

— Hum... Sou sim. Sou muito bom. Ótimo, eu diria.

Rose quase deixou a cabeça pender para frente e mergulhar no molho do macarrão. “Seu... Seu... Que parte do ‘discreto’ é tão complexa de entender?”, pois arrogância definitivamente era a forma mais rápida de sabotar qualquer boa impressão que seu pai pudesse ter dele.

— Bom, há uma diferença entre ter uma vassoura de alta qualidade e ter talento, como deve imaginar.

— Eu uso uma Firebolt IV, é verdade. Mas isso não parece ajudar muito, por exemplo, o artilheiro dos Cannons, Jules Blekinsop, que mesmo tendo a melhor vassoura do mercado não consegue marcar dois gols na temporada inteira.

— Como é?! — Ron estreitou os olhos em indignação.

— Ih, não fala dos Chuddley Cannons, cara... — recomendou Hugo em atraso.

— O que Scorpius claramente quer dizer, Ron, é que o equipamento não é necessariamente o motivo dele em se considerar um bom jogador. Aliás, é excelente que tenha tanta autoconfiança. Quando se trata de esportes, pessimismo é um fator determinante para a derrota — Hermione sorriu para o loiro de modo encorajador.

— É evidente que não considera os Cannons como oponentes à altura para os... Para quem você torce?

— Ballycastle Bats, o melhor time da Grã-Bretanha, é óbvio.

— “Óbvio”, não é? Mas estão com dificuldade para tomar o título do Puddlemere esse ano, hein? Talvez devessem admitir que os favoritos da temporada nem sempre merecem todo mérito que recebem.

— Bem, não é o meu time que está na última colocação. De novo. E de novo.

— Olha, escuta aqui, moleque...

— Ei! — Hermione levantou a voz, franzindo a testa. Depois, respirou fundo e tentou um sorriso. — Que tal mudarmos o assunto para algo mais... tranquilo? Ah, já sei. Falem um pouco sobre o seu trabalho nas férias. Foi quando ficaram amigos, certo, filha? Como foi isso?

— Nós... Er, hã... Acho que começou quando passamos a almoçar juntos — ela respondeu, esperando que aquilo bastasse.

Contudo, Hermione ainda a olhava aguardando por algo mais, enquanto que o pai fazia o mesmo mas aparentando estar pouco impressionado. Hugo comia silenciosamente, olhando do pai para a irmã em nítida expectativa.

— Nós começamos a conversar e... foi meio que isso. Não há muito para dizer — isso era omitir quase tudo que acontecera, porém não vinha ao caso agora. Ao menos, não era conveniente se queria se manter imparcial.

— Entendi, então, vocês foram encontrando assuntos em comum e logo ficaram amigos — supôs Hermione.

— Para falar a verdade, a gente não tem tantos interesses semelhantes — admitiu Rose. — Digo, se for assim, o Albus e ele com certeza têm mais sobre o que conversar.

— Ah é, o Albus anda com vocês ultimamente também — adicionou Hugo.

— Albus? Ele está no meio disso? — Ron questionou em suspeita.

— “Disso”? — Rose não entendeu bem.

Ron suspirou, exasperado.

— Querida, seja sincera comigo, está bem? Sobre o que se trata toda essa cena? Está tentando provar algo a mim e à sua mãe se fazendo de amiga dele? Você mesma disse que os dois sequer têm algo em comum e que vivem brigando.

— Sim, isso de briga eu falei hoje de manhã, mas eu também disse que...

— É, eu lembro, falou que não era “de propósito” e toda essa coisa. Eu acredito em você, de verdade, Rose, mas não significa que isso tudo te faça bem. Só o fato de ter mencionado essas discussões frequentes, eu fiquei preocupado. Isso não é algo do seu feitio, filha. Nunca ouvi você falando nada sobre brigas com suas outras amigas.

Rose tentou falar alguma coisa, mas não foi capaz. Eles não sabiam nada sobre a história com Lena, Olivia e Lauren. E como poderiam? Rose jamais lhes dissera uma palavra ruim a respeito delas, uma única queixa sequer.

— Não é como se não brigássemos o tempo todo na época da escola, certo? — contrapôs Hermione, pouco convencida.

— É claramente diferente, Hermione. Aliás, Rose nunca mais falou nelas. Se acabou se distanciando delas por causa de um Malfoy, talvez devesse parar um segundo e pensar se está tomando as decisões certas.

E, de repente, ela sentiu um nó na garganta que a forçou a crispar bem os lábios para impedir os olhos de lacrimejarem. Era uma enorme mentirosa. Fingira todos aqueles anos para os pais que suas amizades eram ótimas e que elas a faziam feliz, quando na realidade tudo pelo que torcia nos últimos tempos era para que as férias chegassem logo e assim pudesse passar seus dias na Floreios e Borrões, ignorando os problemas. Ainda desejava desesperadamente que as garotas aceitassem seus convites, é claro, mas pelo menos podia se esquecer daquilo por algumas horas enquanto estivesse na companhia do Sr. Miller e de Austin.

Mal conseguia culpar o pai por pensar de tal maneira, afinal, por um longo período, ela fez questão de que ele assim pensasse. Trazia um certo conforto saber que seus pais estavam despreocupados, que não tinham conhecimento dos conflitos que se passavam logo ali ao lado. Não queria ser vista como um desastre ambulante até dentro de casa, não queria que a olhassem diferente por não conseguir fazer amigos de verdade.

Isso era pedir demais?

— Sr. Weasley — chamou Scorpius subitamente e todos olharam para ele. — Faz muito tempo que vocês dois não conversam, não é?

— Perdão?

— Não estou perguntando para parecer intrometido. Na verdade, eu tenho mínimo interesse nos assuntos particulares alheios. Mas acontece que, pelo que acabou dizer, ficou bem claro que não faz ideia do que acontece na vida dela.

— Você ouviu isso, Hermione? Ele está me provocando, você está vendo.

A mãe de Rose parecia procurar algum argumento, mas a forma direta usada por Scorpius ao fazer aquela afirmação dificultava nessa tarefa. Desta vez, não havia mal-entendido, ele realmente queria dizer aquilo.

— Não é provocação — Scorpius rebateu.

— A Rose sempre foi muito sincera conosco, foi como a criamos. Então, um Malfoy aparece de repente para dizer o contrário? Acha que isso não é uma provocação? — o pai começava a se irritar de verdade, Rose podia ver. Era um claro insulto ser contrariado sobre algo que ele tinha como um fato, ainda por cima, sob seu próprio teto. E por um Malfoy.

A ruiva queria abrandar a situação, mas seria impossível sem confessar que Scorpius estava certo. E isso poderia ser um golpe ainda pior.

— Eu só estou comentando sobre o que vejo. Se isso ofende o senhor, não há nada que eu possa fazer.

— Isso está ficando interessante... — Hugo murmurou.

— Cuidado com o território onde pisa, garoto. Rose é minha filha, eu a conheço desde que nasceu, sei bem o que é melhor para ela.

— Rose sempre foi tão alegre — complementava a mãe um tanto na defensiva, olhando para a filha. — Se estivesse com problemas, teria nos dito... Certo, meu bem?

Estavam falando com ela agora. Precisava dar uma resposta.

— Talvez ela tivesse medo da reação de vocês — Scorpius foi mais rápido. Virou-se para Rose e a olhou com seriedade. — Diga a verdade. Eu sei que me odeia nesse momento, mas conte a eles.

“Contar?”

À sua frente, estava uma nova face de Scorpius que ela sequer imaginava existir. Ele estava desafiando seus pais porque sabia dos fatos, porque vira que seu sofrimento fora real, porque a ajudara a sair daquela situação. Ele os desafiava porque era seu amigo. Estava arriscando nunca mais receber outro convite, mas conhecia Scorpius bem o suficiente para saber que ele estimava mais uma verdade brutal que uma mentira pelas boas impressões. “Será mesmo?” De repente, a mentira dele pareceu ganhar um novo sentido. Ela soube que estava disposta a escutar a versão do loiro. Notou, enfim, que Scorpius não havia vindo para remendar o seu erro apenas. Quem sabe fora injusta ao considerá-lo tão egoísta. Ele estava ali por ela também.

Rose sentiu uma coragem descomunal a preencher, um tipo de coragem diferente da que sentiu no dia em que decidiu aprender a voar. Entretanto, não se deixava enganar. Nada tornaria aquilo mais fácil de ser dito.

Levantou-se, sua cadeira produzindo um rangido ao ser afastada.

— Eu menti para vocês — reconheceu ela. — Scorpius é o primeiro amigo que eu faço em muitos anos. Albus e eu éramos muito unidos no passado, mas nos distanciamos quando entramos em Hogwarts. E lá... Bom, a verdade é que eu não menti só para vocês, mas para mim mesma também. Eu realmente acreditava que o que eu tinha com as minhas colegas era uma amizade. Mas há alguns meses, eu percebi que amigos são mais do que um grupo de pessoas que aturam a sua companhia ou que te dão alguma atenção. E preciso confessar que talvez não tivesse chegado a essa conclusão se o Scorpius não me ajudasse a ver isso. Ok, talvez ele nem sempre tenha feito isso da maneira mais sutil, mas foi essencial. Eu precisava de alguém que falasse comigo sem delicadeza, que não tivesse medo de ferir meus sentimentos. E eu fico feliz que ele tenha feito isso, pois assim eu pude acordar — e havia mais uma coisa que precisava desabafar. — Acho que eu nunca agradeci de verdade por tudo que fez, por isso, obrigada, Scorpius. Eu ainda estou magoada, mas ao contrário do que você afirma, eu não te odeio. Você continua sendo meu melhor amigo.

Melhor amigo? Saíra antes que ela pudesse refletir sobre aquilo. Scorpius estava tão sem palavras quanto os outros. Será que havia exagerado? Sim, Rose ainda recordava a situação na Mansão Malfoy, mas era incapaz de ignorar todo passado. E o importante era que fora honesta de uma vez por todas. Ele sabia o que ela sentia agora. Aliás, todos ali.

— Ah, saquei, por isso que estavam agindo tão estranho — iniciou Hugo com sabedoria. — Vocês brigaram. Deixa eu adivinhar, ele não gostou dos biscoitos. Se for isso, quem vai se ofender sou eu, poxa.

— Hugo, não se meta no assunto dos outros — Hermione advertiu. — Rosie, eu não fazia ideia. Como fomos descuidados, nem percebemos que havia algo acontecendo... Eu sou definitivamente uma mãe tão...

— Mãe, não! — retrucou Rose com rapidez. — Isso é minha culpa, eu fiz de tudo para que não percebessem.

— Eu não percebi — Hugo deu os ombros.

— Vê? Vocês não tinham como saber e ponto final. Entende agora, pai? — Rose se virou para o homem. — Ele é importante para mim. Agora sei reconhecer um amigo verdadeiro e posso afirmar com toda certeza que Scorpius é nada menos que isso, incluindo seus defeitos e tudo. Se você ainda assim não gostar dele, eu não me importarei, porque eu gosto com a sua aprovação ou sem ela.

E o momento do veredito final chegara. Todos os olhares pousaram sobre Ron Weasley, que tomou uma postura pensativa. Rose não fazia ideia do que se passava na mente dele, poderia ser qualquer coisa. Estaria prestes a entrar em colapso, ou teria no final das contas compreendido?

— Desculpe, Rose, mas não é possível.

— Ron... — Hermione começava a falar.

— Por favor, Hermione, eu preciso dizer isso. Ela foi sincera e eu tenho de ser também.

Rose sentiu um aperto no peito e baixou a cabeça.

“É claro, deveria saber.”

— Garoto — ele chamou Scorpius. — Vai realmente deixar minha filha ficar fazendo toda essa propaganda a seu favor e não vai nem retribuir? Da forma como eu vejo as coisas, quem deveria ser grato aqui é você! Tem noção da sorte que é ter a amizade da minha Rosie? Está bem claro que nem todos conseguem enxergar o valor que ela tem, por isso, eu não aprovo essa história a não ser que eu comece a ver mais apreciação da sua parte.

Houve um instante de silêncio.

— Er... oi? — Hugo foi o primeiro a se manifestar. — Isso quer dizer que não vai expulsá-lo da casa?

— Seu pai não faria isso com um convidado — Hermione disse, uma pitada de dúvida arruinando a credibilidade de sua frase.

— Bom, eu não farei promessas. Mas ele vai ficar bem, desde que faça o que eu disse. Então, o que está esperando? É a sua vez de mostrar um pouco de gratidão!

Rose percebeu pela expressão de Scorpius que talvez ele preferisse a ira de seu pai a ter de participar daquela cena bizarra. No entanto, apesar disso, após ponderar um pouco, ele começou a falar.

— Weasley, eu...

— Weasley?! — Ron interrompeu. — E você se considera amigo dela? Chame-a pelo nome, francamente... E pelas calças de Merlin, ela está de pé, o mínimo que deveria fazer é se levantar também para falar de igual para igual.

— Pai!

— O que foi? Estou apenas garantindo que a justiça seja feita por aqui.

— Está constrangendo ele, isso sim... — disse Rose entredentes.

Meio a contragosto, Scorpius se ergueu da cadeira. Ela estava surpresa por ele não corar, pois se fosse a situação inversa, ela estaria mais vermelha que os próprios cabelos.

— Eu sou grato por ser minha amiga... Rose.

Rose sorriu meio sem graça, assentindo. “Não acredito que meu pai o obrigou a isso...”

— Que adorável... — debochou Hugo, revirando os olhos. — Para finalizar com chave de ouro, vocês deviam se abraçar ou algo assim, hein?

— NÃO! — Ron exclamou, sobressaltando os demais. — Já está de bom tamanho. Aliás, minha comida está ficando fria, é melhor focar no prato.

E depois de toda aquela conversa incomum, Rose percebeu que não estava mais irritada com Scorpius. Ela só gostaria de saber a verdade por trás de tudo e sentia que, desta vez, quando perguntasse, obteria uma resposta real.

Quando o jantar chegou ao fim, Hugo sumiu escadas acima, alegando ter algumas coisas para fazer. Hermione deu um breve abraço de despedida em Scorpius e enfatizou que ele seria bem-vindo a retornar a casa. Ron finalmente apertou a mão do garoto, deixando ambas Rose e a mãe satisfeitas.

— Você vai desaparatar daqui? — questionou Rose.

— É, acho que sim.

— Eu vou sair com você, espera aí, só preciso de um casaco.

Rose tirou de um dos ganchos ao lado da porta um sobretudo longo e preto, depois o vestiu. Inesperadamente, Bichento III passou por entre suas pernas, fazendo-a tropeçar na barra do sobretudo. Por sorte, acostumado com aqueles acidentes e com os reflexos aprimorados graças a eles, Scorpius a segurou a tempo. O pai da garota, de repente, teve um ataque de tosse que por coincidência não cessou até que os dois se separassem.

Já do lado de fora, Rose chamou Scorpius para se sentar no banco de madeira da varanda.

— Ah, droga, está úmido — resmungou ela.

— Como você se esquece assim de que é uma bruxa? — ele sacou a varinha e usou um feitiço para secar o banco.

Ela ficou ruborizada e nada disse, sentando-se junto a ele.

— Acho que esse é o momento em que eu me explico, não é? — perguntou Scorpius, sua respiração produzindo vapor assim como a da amiga. Estava uma noite bem fria.

— Agora é uma hora tão boa quanto qualquer outra. É claro que não vou arrancar a verdade de você ou algo do gênero, mas... Você quer me contar?

Levou um instante para que ele voltasse a falar.

— Nós nunca nos demos bem, meu primo e eu. O ponto é... eu não podia falar.

— Por quê?

— Porque... era uma coisa besta de quando éramos mais novos. Eu sou a pessoa que menos gosta de ter um parentesco com ele, mas eu não teria feito tanto caso em outras circunstâncias. Pode crer nisso, Eric não é tão legal quanto parece. Ele sabe lidar bem com pessoas ao contrário de mim, mas não se engane, ele tem um outro lado bem menos afável.

Era difícil contestá-lo, considerando que ele conhecia o primo havia muito mais tempo que ela. Não fazia ideia de que trato de infância seria aquele, mas ele estava sendo claramente sincero, Rose via em seus olhos. Ter mantido sua palavra por tantos anos era surpreendente, fosse aquele trato qual fosse.

— Bom, eu compreendo que vocês tivessem algum tipo de acordo, não sei se tratava-se de uma aposta, ou uma promessa, ou... Acho que isso já não é da minha conta. E esse nem é o problema real, agora que vejo o quadro geral... Mas eu preciso saber de uma coisa.

Ele ficou mais tenso.

— O quê?

— Por que não me falou o que pensava dele de verdade? Eu não sei, se você tivesse me dito antes, talvez eu fosse mais cautelosa.

— Seria impossível sem dizer a verdade inteira.

— Não, você poderia...

Scorpius grunhiu em frustração, ficando de pé.

— Droga, será que não vê? Para impedir você de sair com ele, eu teria que basicamente dizer a você que ele nunca esteve interessado e que o único objetivo dele era usá-la para me atormentar.

As palavras de Scorpius acertaram Rose como se fossem uma pilha de tijolos. A princípio, ela sequer podia se mover, registrando bem o que ouvira. Entretanto, logo veio a dor.

— Merda, eu sabia que não devia ter falado, não desse jeito. Ei, não precisa ficar assim... Ele... Ele é um idiota.

Rose não queria chorar. Se aquilo tudo era a verdade, a última coisa que deveria fazer era legitimá-la com suas lágrimas. Mesmo assim, doía muito. Sentia-se tão tola, tão manipulável.

— A única idiota sou eu. Eu agi como uma tonta, parecendo toda encantada por ele, quando, às minhas costas, ele provavelmente estava rindo da minha cara.

— Isso é minha culpa. Eu cogitei contar, mas depois pensei melhor e considerei que ele pudesse descontar em você de alguma maneira. Além disso, não dei tanto crédito a você no começo, achei que fosse uma das suas fantasias, quer dizer...

— Uma das minhas bobagens, eu entendo — ela sorriu tristemente. — Talvez eu estivesse inventando uma proximidade onde não existia. Não seria a primeira vez, certo? Eu tenho um histórico que depõe contra mim.

— Não é isso. Ah, mas que droga, Weasley...

Rose riu sem sinceridade.

— Sabe, acho que um fora direto teria sido mais fácil de receber.

— Escuta, eu fui meio bruto na forma que eu falei isso, não foi bem o que eu...

— Não importa realmente — Rose deu os ombros, a voz desanimada e um pouco fria. Isso pegou Scorpius de surpresa. — Mas é claro que eu deveria saber. Quando um cara como Hewitt é legal e se interessa por mim, só pode haver algum tipo de truque. Por um instante, tinha me esquecido de que sou a garota mais azarada de Hogwarts. Algumas coisas não mudam.

A ruiva olhou para o amigo de pé e ele desviou o olhar. Talvez pudesse ter sido mais delicado ao revelar aquilo a ela, mas aquele era Scorpius, sensibilidade não era exatamente seu forte. Estava demasiado chateada e agora nem sabia mais se um pouquinho desse desapontamento não era devido ao rapaz à sua frente. Porém, ficar jogando a culpa em si ou nos outros, de que isso adiantaria?

— Eu... — ela recomeçou hesitante. — Scorpius, eu não quero que fiquemos brigados. Estou tão cansada. Tivemos um jantar agradável apesar dos pesares e eu só queria que essa noite pudesse acabar bem. Por isso, desta vez falando sério, será que podemos ser honestos um com o outro e dar um fim nesse mal estar?

Em silêncio, Scorpius encostou-se numa coluna da varanda e assim permaneceu por um tempo, reflexivo. Finalmente, ele inspirou fundo, preparado para falar.

— Nunca pensei que me veria nessa posição, mas eu sinto que estou em dívida com você. Não sei ainda como, porém vou compensá-la.

Rose deu um suspiro cansado.

— Você entendeu errado. Não se trata de estar devendo, ok? Só não desejo mais esse tipo de conflito entre a gente.

— Bom, talvez seja o que pensa, mas para mim é sim uma dívida. Essa situação... Eu sei o que poderia ter feito e agora você também sabe. Você está acostumada a pegar todo e qualquer tipo de culpa para você, então, só dessa vez, deixe isso comigo, está bem?

Ela fez menção de dizer algo, mas desistiu, depositando as mãos sobre o colo.

— Isso significa que estamos de bem de novo? — Rose questionou.

— Não estamos quites, mas sim, acho melhor darmos essa história por encerrada — Scorpius parecia decidido, no entanto, infeliz. Ela também estava. Por que não podiam apreciar as pazes recém-feitas?

“Eu espero não ter de falar com o Hewitt novamente” pensou consigo mesma. Contudo, algo lhe dizia que talvez tivesse que confrontá-lo mais uma vez. A história não estava tão bem finalizada como Scorpius decretara.

Por enquanto, era hora de seguir em frente. Além disso, havia mais uma dúvida a perturbando.

— Aliás, naquele dia — dizia Rose. —, pouco antes de toda essa coisa acontecer... Você beijou a minha testa. O que significa?

Scorpius pareceu engasgar por um instante. Rose não tinha como ter certeza devido à escuridão, mas podia arriscar que ele estava um pouco corado. Fora uma pergunta muito abrupta?

— É só uma coisa que minha mãe costumava fazer quando eu era menor e ficava chateado. Não interprete mal.

— E de que forma ruim eu poderia interpretar? Foi uma surpresa, mas também foi doce da sua parte. Fez com que eu me sentisse um pouco melhor na hora.

Ele não disse nada àquilo. Rose sorriu, o clima da conversa tendo atenuado.

— Eu deveria ir — disse Scorpius.

Ela assentiu, compreensiva.

— Tem razão, eu não quero que seus pais se preocupem.

— Você vai ao jogo de ano novo?

— Ah, o Albus também chamou você, hein? Legal. Eu acho que vou, sim.

— Bom, é o jogo do ano, eu não me perdoaria se perdesse. Ainda que tenha sido um convite do Potter.

— Ora, achei que vocês estavam mais amigos...

Scorpius fez uma careta.

— Talvez, sei lá, não quero que fiquem criando expectativas.

Rose balançou a cabeça em reprovação, apesar de achar a situação um tanto cômica.

— Tudo bem, nos vemos lá, então.

Ela se ergueu do banco e foi até ele.

— Vai ser diferente daqui para frente.

Ficaram alguns momentos em plena quietude, fitando um ao outro. Era como se ainda houvesse algo a ser dito e, ao mesmo tempo, mais nenhuma palavra precisasse ser proferida. Será que fazia sentido? De repente, Scorpius deu um passo adiante e a puxou para um abraço desajeitado. Rose fora pega desprevenida pelo gesto, mas aceitou e abraçou-o de volta.

“Ele quer me compensar”, lembrou. O loiro sabia que ela gostava daquele tipo de expressão de afeição, ainda que ele próprio não estivesse completamente confortável com isso. Mas este abraço já era uma melhora e tanto quando comparado ao primeiro. Ainda havia alguma hesitação por parte de Scorpius, entretanto, fora por iniciativa sua. Isso não podia ser ignorado. Por Merlin, estávamos falando de um garoto que não dizia uma palavra gentil a ninguém até seis meses antes.

O calor do abraço era tão confortável que, quando precisaram se afastar, Rose estremeceu levemente.

— Adeus, Weasley. — Scorpius distanciou-se alguns passos para desaparatar.

— Ei, me faz um favor? — pediu ela subitamente.

Ele ergueu as sobrancelhas.

— Que favor?

— Siga a sugestão do meu pai. Me chame pelo nome.

Scorpius sorriu de lado e, após encarar o chão por um instante, mirou-a outra vez.

— Boa noite, Rose.

E ele desapareceu no ar gélido de inverno.


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Notas finais do capítulo

Eu sei que talvez não seja um final de capítulo tão alegre como alguns gostariam, mas nas dadas circunstâncias, acabei achando essa a forma mais apropriada de finalizar o jantar. Mas calma, Scorpius e Rose estão bem apesar de tudo e teremos algumas interações entre os dois no capítulo seguinte. Aliás, acho que pelo fim desse diálogo vocês já devem ter uma ideia do que vai ocorrer no 23, certo? Alguns personagens ausentes neste vão retornar, incluindo alguns sumidos desde os primórdios da história.

Uma mini prévia:

"— Tem uma coisinha que venho pensando aqui com os meus botões...
Rose riu do jeito com que ela mudava de assunto.
— E sobre o que anda matutando, Lily Luna?
— Tudo bem, não se zangue, mas... Você já considerou o Malfoy sob uma luz diferente?"

Enfim, mais uma vez, desculpem a demora. Como ainda tenho um mês de férias, espero poder adiantar alguns capítulos e evitar esse problema que tive. Melhor aproveitar a inspiração antes que ela suma sem avisar! Obrigada sinceramente àqueles que ainda estão comigo, vocês são incríveis e muito mais do que eu mereço. Sem vocês, não há TBS. Está decidido: vamos até o fim desta história!

Beijos!