Os dias que seguiram na escola foram torturantes. Evan espalhou o boato de que Enid tinha terminado com ele, não o contrário. E por isso as meninas a olhavam como se ela tivesse algum tipo de doença mental - deviam se perguntar "o que deu nela para terminar com aquele deus grego?".
Enid mantinha a postura não-estou-nem-aí, mas ela se importava. Não conseguia parar de pensar nele, no que ele disse. "Deixar a humana".
- Ei, Enid, você ainda está aí? - Gabe perguntou enquanto estacionava seu conversível decrépito numa vaga no cinema da cidade.
- O que você disse mesmo? - Enid perguntou fingindo estar interessada no que ela disse.
- Eu tinha dito: acho melhor a gente ver um filme de ação. - Gabe suspirou. - Você ainda está pensando naquele idiota, né?
Quando Enid contou para Gabe que tinha terminado com Evan ela decidira que Enid precisava esquecê-lo. Todos os dias livres elas passavam o tempo fazendo coisas diferentes. Naquele dia elas foram ao cinema.
- Vamos ver um filme de terror - disse Enid querendo mudar de assunto. - Viu aquele comercial na tevê? O filme "Mortos fora da tumba"?
Gabe fez uma careta, torcendo o nariz.
- Vamos vê-lo! - Enid saiu do carro.
Elas pegaram os tickets e entraram nas sessões, contra a vontade de Gabe.
Enquanto passavam os trailers de outros filmes dois meninos de no máximo vinte anos entraram na sessão. Gabe os olhou por dois segundos e depois cutucou Enid.
- Uh, olha só, meu radar está apitando! - Ela sussurrou.
Enid seguiu os olhos dela e revirou os seus, entediada.
- Hum.
- Ei! Olha só! Eles estão vindo para cá.
Mais de perto, mesmo no escuro Enid viu que um era de pele morena, olhos pretos e tinha um corpo enorme, forte. O outro tinha feições mais delicadas, parecia ter 18 anos, cabelos castanho claro e olhos verdes. Esse olhou para Enid e sorriu de leve, enquanto o outro observava Gabe com curiosidade e malícia.
Eles sentaram ao lado de uma senhora que estava ao lado de Gabe. Ela cutucou Enid de novo.
- Eles gostaram da gente - ela disse animadamente.
- Por mim... - Enid deu de ombros.
- Ai, amiga, você tem que esquecer o Evan. Que tal com o novinho? Ele é sexy.
- É, ele é até bonito, mas eu não quero ficar com ninguém.
Gabe revirou os olhos, ignorando a amiga e olhou para o moreno, que ficou flertando com ela.
O filme prosseguiu e Enid se interessou bastante nele. Algo nos zumbis comedores de cérebro a atraiu.
Depois de duas horas os créditos finais finalmente acabaram. Os meninos se aproximaram delas, fazendo Gabe sorrir abertamente e Enid querer ir para casa.
- Oi - disse o loiro, estendendo a mão. - Sou Robb. Esse é Joseph, meu amigo.
Gabe apertou a mão dele e a de Joseph, que a puxou para dar um beijo na sua bochecha. Eles caminharam juntos para fora da sala. Enid levantou as sobrancelhas, surpresa com a pressa deles, e continuou o caminho sozinha, até Robb se aproximar.
- Você ainda não me disse seu nome.
Enid sorriu forçadamente para ele.
- É... ah... Sara - ela mentiu.
Algo nos olhos de Robb fizeram-no brilhar. Ele riu de leve.
- Ouvi sua amiga te chamar de Enid.
Enid suspirou, derrotada.
- É.
Robb assentiu, entendendo o recado.
- Você não quer me conhecer - ele deduziu. - Tudo bem. Mas olhe só, meu amigo e sua amiga estão de dando bem.
Enid olhou para eles, que caminhavam juntos na frente, Joseph com os braços envolta dos ombros de Gabe.
- Ah. Ela gostou dele. - Enid respondeu, revirando os olhos.
- Ele também gostou dela. E eu de você.
Um minuto desconfortável de silêncio permaneceu entre eles, até Robb pigarrear e chamar o amigo.
- Ei, vamos comer no Barney? - Perguntou.
- Ah, claro, tudo bem - o outro respondeu e virou-se para Gabe. - Você vai amar, gata! A comida é incrível, como você.
Gabe riu pelo nariz, sem graça. Enid sentiu nojo.
- Ei, você vai comer com a gente né? - Robb perguntou tocando o ombro de Enid.
Ela observou a mão dele e depois o casal. Já eram mais de nove da noite e ela queria ir para casa.
- Hum, não sei... - respondeu, enfim.
- Ah, por favor, não me faça segurar vela! - Robb fez biquinho, sorrindo timidamente.
Enid pensou por alguns segundos. Gabe ainda namorava Josh, e ela não fazia ideia do porquê de ela estar agarrada ao Joseph. Então era bom que ela ficasse, para impedir que eles ficassem.
- Ok. Eu fico.
Robb sorriu e seu rosto iluminou. Enid ficou presa a ele por alguns segundos, esquecendo-se do mundo ao seu redor. Robb era lindo.
Eles entraram numa lanchonete na esquina da rua. Uma lanchonete que parecia mais um bar antigo, a estrutura caindo aos pedaços, o interior era fedorento - uma mistura de bebida, suor e vômito - e todo revestido em madeira escura. Não tinha nenhum garçom, apenas um barman que estava ocupado limpando um copo com uma toalha e tinha um olhar vazio, e uma mulher que parecia muito determinada em fritar todos aqueles salgadinhos gordurosos.
Só tinham mais três clientes em mesas separadas bebendo sozinhos.
No mesmo momento que Enid pisou naquele lugar quis sair. Ela olhou para Gabe, pensando que talvez ela também não gostasse do lugar e sugerisse ir ao Dooh-Wah-Wah, que não era tão longe dali, mas ela estava absorta em Joseph.
Eles entraram e logo a moça vestida com um vestido meio gasto e avental veio recebê-los. Ela tinha uma expressão cansada.
- O que vão querer? - ela perguntou.
- Para nós duas cervejas. - Joseph se adiantou. Gabe assentiu.
- Para nós...? - Robb olhou para Enid, pedindo uma ideia.
- Para mim refrigerante light - ela pediu. - Alguém vai ter que dirigir.
- Para mim uma cerveja também. Preta, de preferência. - Robb pediu afinal.
Eles sentaram numa mesa perto da porta. Enid ficou olhando lá para fora se sentindo muito arrependida de estar ali. Aquele lugar estava destruído e dava medo. Além de haver algo muito estranho no jeito que a mulher só fritava e o homem limpava o copo ritimadamente por minutos.
- Onde vocês estudam? - Gabe perguntou, enfim longe dos braços de Joseph.
- Na Hamilton School. - Robb respondeu.
Hamilton School era uma escola no lado norte da cidade, era uma escola pública e com má fama. O apelido dela é "Máquina de Bandidos".
- Nós estudamos na Morrison High! - Gabe respondeu, feliz.
As sobrancelhas de Joseph levantaram.
- É no lado nobre da cidade - ele comentou olhando para as duas. - E é uma escola particular.
- Uhum. - Gabe assentiu. - É sim. Lá é muito legal.
As cervejas chegaram, junto com o refrigerante de Enid. Quando finalmente o copo de todos se encontrou vazio, Enid aproveitou para se despedir.
- Temos prova de espanhol amanhã, precisamos ir - ela disse.
Gabe fez biquinho e assentiu.
- Eu te ligo, gata. - Joseph disse piscando para Gabe.
- Tchau meninos.
Enid jogou uma nota de cinco dólares na mesa e saiu puxando Gabe para longe dali. Ela só se sentiu segura dentro do carro, entrando na rua de sua casa.
Algo naqueles meninos estava errado, e Enid tinha medo de descobrir.

Na escola, no dia seguinte, Gabe só sabia falar em Joseph. Disse que ele a chamara para sair e que ele era lindo, e tinha belos olhos, e que era lutador, e blá blá blá.
No intervalo do almoço Enid sobressaltou-se ao ver Vine caminhando pelos corredores da escola. Ela sorriu para ele, acenando.
- O que faz aqui? - perguntou.
Ele deu de ombros.
- Vim ver o Evan. Ele me chamou.
Enid o observou atenciosamente. Algo nos olhos de Vine geravam desconfiança.
- Algo errado? - ela perguntou.
Vine olhou em volta. Alguns poucos alunos estavam ali, indo para o refeitório. Ele se aproximou de Enid e falou no ouvido dela.
- Acho melhor você vir também.
Ela o seguiu pelo corredor indo até a sala da aula de economia. Lá dentro Evan se encontrava mexendo no celular, parecendo enviar uma mensagem.
- Cheguei. - Vine anunciou.
Evan não tirou os olhos do celular e gesticular para que ele sentasse.
- Eles me mandaram uma mensagem há poucos minutos dizendo que o trato... - Os olhos de Evan levantaram e ele olhou para Enid, levantando uma sobrancelha. - O que ela faz aqui?
- Acho que ela devia estar aqui também.
Enid olhou para Evan. Ele era o mesmo de antes. Vestia jeans, blusa gola V listrada e um colete de couro por cima, e usava boné de aba reta e tênis Adidas branco. Impecável. Charmoso. Sexy. Ele revirou os olhos e voltou a olhar o celular.
- O que está acontecendo? - Enid perguntou.
Eles ficaram em silêncio. Enid bufou.
- Caramba, se Vine acha que eu devo estar aqui também eu preciso pelo menos saber que diabos está acontecendo! - ela argumentou.
Evan a observou metodicamente. Depois deu de ombros e continuou a falar.
- Lullaby me mandou uma mensagem dizendo que o trato estava desfeito - ele explicou.
- Por quê?
- Eles fizeram um trato de cinco dias com o Evan e como ele não entregou o pai durante esses dias...
- Espera! - Enid quase gritou interrompendo Vine. - Você ia entregar seu pai?
- Ia. - Evan respondeu naturalmente.
- E você sabe onde ele está?
Evan balançou a cabeça, negando.
- Não consegui encontrá-lo, e agora eles disseram que o trato está desfeito.
Enid pensou por alguns segundos.
- Mas isso é preocupante? - ela perguntou. - Eles vão tentar te matar de novo?
Dessa vez Vine que falou.
- Esse não é exatamente o problema. Na verdade eles também disseram que vão atingi-lo de um jeito diferente. E não sabemos como.
Nesse momento o celular de Enid tocou anunciando que uma mensagem chegou. Era de um número desconhecido.
Quando abriu a mensagem e leu o pânico tomou conta de Enid.
"Venha buscá-la. Mas venha sozinha."
A foto de uma loira amarrada e amordaçada numa cadeira vinha logo depois do aviso. Ela levou as mãos ao coração ouvindo-o bater descompassado.
- Evan... - ela balbuciou. - Olha isso.
Ele olhou para o celular e mostrou ao Vine.
- É claro, eles iam atrair Enid para atrair você, Evan - disse Vine.
- Vamos ter que fazer alguma coisa... - Evan disse, olhando para Enid.
- E rápido... - ela disse sentindo as lágrimas descerem no rosto. - Gabe corre perigo.