As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor. escrita por Yang


Capítulo 9
Príncipe sem cavalo.




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#Narrado por Diana#

Cheguei em casa cedo, antes mesmo da minha mãe sair para o trabalho. Ela começa hoje em um novo turno. Ela trabalha como vendedora em uma loja de eletrodomésticos. Não é o que ela esperava para si mesma há uns dez anos atrás, mas ela usa parte do dinheiro para pagar um curso de culinária. Ela encontrou uma nova paixão, bem diferente do jornalismo: cozinhar.

- Chegando a essa hora? O que aconteceu? – Pergunta ela surpresa.

- Os dois últimos professores faltaram e então liberaram a turma.

- Hum. – Disse ela.

Segui para o banheiro, precisava tomar banho e depois ligar pra Flávia e saber o que aconteceu para ela ter faltado hoje.

Meu telefone começa a tocar, e eu ainda estou tomando banho. Isso começa a me irritar. Da última vez quem tinha me ligado era o meu pai, e eu não consegui atender, mas ganhei um belo hematoma. Agora, poderia ser ele ou Flávia, e eu estava com medo de correr, escorregar e parar no hospital.

- Filha, o telefone! Seu almoço tá na mesa. Você só precisa esquentar mais tarde, eu já vou indo. – Disse a minha mãe se despedindo. Ouvi a porta da sala bater. Ela havia saído e meu celular continuava tocando.

- Que saco. Nem me trouxe o celular! – Gritei para mim mesma.

Saí correndo do banheiro novamente, molhando toda a casa, e dessa vez consegui atender o telefone. Era a Flávia.

“- Alô? Diana?” – Disse ela.

“- Oi mana, me desculpa a demora. Eu tava tomando banho.”

“- Claro, sem problema. O Murilo me avisou que vocês saíram cedo.”

“- Foi isso mesmo. Mas me diz, porque você faltou hoje?”

“- Eu torci meu pé andando de bicicleta.”

Não contive a vontade de rir, e gargalhei no telefone.

“- De novo Flávia! Quando você vai perceber que não sabe andar de bicicleta?” – Disse a ela.

“- Olha quem fala...”

E nós duas rimos. E isso foi absolutamente legal. Esqueci por um momento como os amigos conseguem afastar nossos problemas para longe em alguns instantes de gargalhadas e conversas. Eu estava mais animada do que nunca.

“- Mas, vai dar pra você ir a escola amanhã?” – Perguntei.

“- O médico falou que não foi nada grave. Eu até consigo andar, mas dói um pouco. Vou tentar convencer meus pais a me deixar ir. E então te aviso por mensagem.”

“- Tudo bem então.”

“- Eu perdi alguma coisa importante hoje?” – Perguntou ela.

Tive vontade de falar sobre o diálogo nada convencional com Daniel hoje, mas não quis me abater por isso. Não me preocupei mais. Afinal, foi apenas um palavrão. Doeu apenas na forma como ele se portou comigo. Tentei ser amiga dele, mas isso está bem longe de acontecer.

“- Não perdeu nada. Só avisaram de um projeto sobre escrever um livro...” – Disse a ela.

“- Hum, não tenho tempo pra isso. Eu tenho irmãos!”- Disse ela.

Rimos novamente, e eu decidi me despedir. Ainda bem que lembrei do livro. Precisava começá-lo. Já tinha ideias em mente e muitos textos meus salvos no computador. De vez em quando batia uma nostalgia, um drama vindo de sabe Deus onde, e eu simplesmente passava tardes e noites escrevendo sobre o que eu considerava me perturbar. Fiz até uma lista de sonhos, metas, planos e objetivos. Essa eu fiz questão de imprimir, e guardei dentro de uma caixa de bugigangas que fica debaixo da minha cama. Lá estão meu primeiro livro, uma foto dos meus avós paternos e eu, uma foto da cidade de Nova York, DVDs de musicais da Broadway que eu ganhei da minha avó, antes de ela falecer. Ela amava musicais, e amava Nova York. Nunca conheceu a cidade dos sonhos dela. E esse acabou virando um sonho para mim. Dentro da caixinha também tem uma foto dos meus avôs maternos. Eles moram em outra cidade agora, e eu nunca os conheci. Eles nunca quiseram saber de mim, e a minha mãe não faz questão que eu os conheça porque eles já deixaram bem claro que eu só fiz atrapalhar a vida da minha mãe. Mas tudo bem.

Voltando a caixinha, que nem é tão pequena para ser chamada assim, ela guarda um colar muito bonito que eu ganhei da minha avó paterna. A propósito, ela se chama Helena. Ela me deu no meu aniversário de um ano. Minha mãe nunca me deixou usar para ir à escola com ele porque temia que eu fosse roubada. Ele tem um pingente onde está escrito “sonhadora”. Engraçado, eu mal sabia falar e minha avó já sabia exatamente como me definir por inteira. Talvez eu deva começar a usá-lo, mesmo sem a minha mãe saber.

Mas de todas as coisas que estão dentro da caixinha de bugigangas, uma é mais que especial: uma carta que ganhei quanto tinha treze anos. Foi a primeira carta que ganhei de alguém. A carta era de um menino. Sim, eu tive um admirador secreto. Ele nunca me disse o nome dele, e essa foi a primeira e única carta que recebi dele. Encontrei ela na minha bolsa, na minha antiga escola. Lá, ele dizia o seguinte:


Querida Diana,

Sinto incomodar você com uma carta, mas entenda meu motivo nada peculiar: estou apaixonado por você. É difícil admitir, e mais difícil ainda saber que talvez você não sinta o mesmo por mim. Pois bem, me deixe dizer os motivos que me levaram a gostar de você...

Sabe quando as coisas em volta, e as pessoas, e o mundo inteiro só faz sentido quando você encontra alguém que faz tudo ter sentido? É meio difícil de entender, talvez porque você nunca se apaixonou por alguém eu acho. Mas devo confessar que você parece mais uma princesa dos contos de fada. É sério, não ria.

Gosto do seu sorriso. E da sua pose séria quando alguém fala algo absurdamente idiota. Gosto quando você vem pra escola com aquela fita azul envolta do cabelo. E eu gosto de te ver lendo. Você lê todos os dias, e isso é quase extraordinário. Você é extraordinária. E eu sou um medroso.

Não posso ficar com você. O ano está acabando e eu sei que você não vai continuar nessa escola. Mas, se um dia o destino conspirar ao nosso favor, ficaremos juntos. E eu vou olhar em seus olhos e dizer o quanto você está linda, por que você é linda. E precisa entender isso de uma vez por todas.

E antes que eu esqueça, lembre-se de mim como o “Príncipe sem cavalo!”. E talvez, no dia em que eu finalmente tiver um cavalo eu encontre você.

Com amor,

Príncipe sem cavalo”


E então a carta termina. E eu nunca a mostrei a ninguém, nem mesmo a Flávia que estudava comigo nessa escola na época. Na verdade, sempre estudou, desde que tínhamos seis anos. Eu saí da escola porque meu pai queria que eu me formasse na mesma escola que ele. Então nunca mais recebi carta de ninguém. E juro que não faço a mínima ideia de quem seja o meu príncipe sem cavalo. Eu espero que ele já tenha encontrado outra princesa. Não sou namorável.

Decido almoçar antes de começar a escrever qualquer coisa. Acabo de me lembrar de que meu pai virá aqui amanhã e tudo finalmente será esclarecido. Já estou imaginando os dois voltando a morar juntos, até porque sinto isso desde sempre e não me conformo de jeito algum que eles não se amem mais. Isso é patético.

A comida estava muito boa hoje, minha mãe realmente decidiu caprichar em algo, finalmente. E eu estou precisando descansar, ler alguma coisa e depois começar o projeto de escritora amadora. E por falar nisso, eu nem sequer li o formulário.

O formulário diz que a história pode ser um romance, uma comédia, um livro de opinião, ficção ou aventura. Deviam colocar que podia ser qualquer coisa exceto erótico. Ficaria mais rápido ler. Diz também que não deve conter palavreado de baixo calão.

- Que droga... – Digo a mim mesma.

Diz que não pode conter gírias, nem abreviações e nem linguagem imprópria, que é a mesma coisa que palavras de baixo calão, mas provavelmente a pessoa que escreveu isso não sabia.

Termino de ler o formulário e vejo o prazo de entrega dos originais: cinco meses. O projeto será finalizado antes de as aulas acabarem para dar tempo de serem lidos e avaliados pela comissão julgadora. Eu preciso começar.

Abro o Word e começo a ler os meus outros textos. Preciso de inspiração e ideias. Preciso da história, dos personagens, do lugar, do sentido. Algo me vem à mente de forma súbita, mas dá tempo certo para as primeiras linhas começarem a ser escritas. Já sei exatamente como os meus personagens se chamarão, e já sei exatamente que histórias terão. E ela começa exatamente assim.

Oito de Maio de 1997. Nasce uma pequena sonhadora.”

E dali por diante, nasceu em mim uma pequena escritora.







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