As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor. escrita por Yang


Capítulo 8
Formem Duplas!




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/352699/chapter/8

#Narrado por Diana#

                                      O garoto que ontem estava bebendo e que, provavelmente, estava pichando muros, hoje está sentado bem atrás de mim, e eu estou evitando me mexer ou transparecer qualquer nervosismo.

                                      O professor que entrou na sala leciona sociologia. Ele faz a chamada e até então a sala está quieta. Ele se levanta e começa a escrever um texto no quadro. Agora sim, a sala que eu conheço acordou. Todos estão conversando e gritando. Algumas garotas praticamente dançando nas cadeiras e alguns garotos brincando de jogar bolinha de papel uns nos outros. Há uma explosão de fone de ouvido na sala. Eu sigo o ritmo, mesmo sendo errado e proibido, preciso me privar de gente que não sabe se comunicar sem mencionar um único palavrão.

                                      Começo a copiar o texto que se refere a leis e crimes. Uma parte dela faz referência à venda de bebidas alcoólicas para menores de idades. Isso me lembra Daniel. E novamente estou sentindo ódio de mim mesma por ficar mantendo o pensamento nele. Talvez as coisas ficassem mais fáceis se ele não estivesse sentado bem atrás de mim. E talvez eu copiasse mais rápido e sem errar se ele parasse de bater a droga do pé dele na minha cadeira. Não sei se essa ação é proposital ou apenas hábito, mas já está me irritando.

                                      Mais um parágrafo, e agora o texto refere-se sobre danos públicos e vandalismo. O texto acaba citando pichações como exemplo. Eu ouço um leve riso vindo de trás e sinto ser dele. Talvez ele esteja copiando o mesmo parágrafo. Ou se lembrando de ontem.

                                       – Tudo bem turma, eu vou copiar até aqui. – Diz o professor enquanto coloca o livro e o pincel sobre a mesa. - Bom, deixe-me explicar algumas coisas para vocês em relação à sociologia. Se me permitem a ousadia, retirem os fones de ouvido e guardem o celular de vocês. – Diz o professor se referindo a toda sala.

                                        Eu guardo por respeito e por interesse em saber sobre o assunto, mas parece impossível se concentrar em uma sala onde a palavra mais pronunciada começa com “f”, e essa palavra não é felicidade.

                                        – As leis foram criadas como forma de estabelecer ordem na sociedade. Cada país possui uma constituição. Cabe a nós cidadãos obedecê-las para não sofrer as consequências que envolvem multas, prisões e, em alguns países, morte. – Diz ele explicando para alguns alunos enquanto o resto contenta-se em conversar.

                                        Ele continua explicando o texto e por um momento me pego relembrando da cena ocorrida na noite anterior. Minha curiosidade é saber se Daniel pensa nisso também. Volto à atenção na aula.

                                        – Bom, quero que vocês tragam na próxima aula, leis e suas devidas penas quando não são cumpridas. Não vale citar as que estão nesse texto. Busquem na internet, jornais. Vale nota. Coloquem no caderno mesmo.

                                        O sinal toca e o professor sai de sala. A representante da turma vem à frente com um comunicado. Chama-se Luana.

                                        – Pessoal, ontem e diretora chamou os representantes das turmas para uma reunião. A escola está com um projeto para a criação de histórias. Aí vocês me perguntam “como assim?”. Bom, quem quiser participar vai escrever um livro, e esse livro vai ser escolhido por um grupo de jurados. O melhor ganhará prêmios, honras e outras coisas mais. – Diz ela.

                                        Isso me soa interessante. Posso pensar em escrever algum, pois mesmo sem querer demonstrar convencimento, eu me considero criativa o suficiente para elaborar esse tipo de coisa. Costumo pensar demais e muitas ideias minhas estão no papel há muito tempo. Preciso participar.

                                        – Quem tiver interesse em participar, basta comunicar o nome na biblioteca e assinar um formulário igual a este. – Diz ela enquanto apresenta um papel que carrega em mãos. Nesse instante a professora entra em sala.

                                        Parece-me uma boa oportunidade já que gosto tanto de escrever e citar poesias. Ler também é meu hobbie. Não vou desperdiçar uma chance assim, e mesmo que não leve a nada, não custa nada tentar.

                                        A professora Clarissa senta-se a mesa e inevitavelmente encara Daniel. Eu sei disso porque ela está olhando para a direção em que estou sentada.

                                         Controlo-me para não virar a cabeça para trás e olhá-lo. Depois de um tempo ela para de encará-lo. Sinto um alívio. Aquilo estava começando a me assustar. Sei bem que essa professora não gosta tanto assim dele, mas diferente dos outros professores essa faz questão de desafiá-lo.

                                         – Bom dia turma. – Diz ela cumprimentando a classe.

                                         – Bom dia. – Respondem todos com um péssimo ânimo de quem acorda cedo e está pouco interessado em estudar matemática.

                                        Diferentes das outras matérias e dos outros professores, na aula dela todos os alunos fazem questão de ficar quietos. Não sei se por temerem ser expulsos da sala como aconteceu ano passado com Henrique, um dos alunos mais bagunceiros da escola, ou por que realmente querem aprender alguma coisa. Acho que a professora Clarissa é uma daquelas pessoas que não precisam exigir respeito para serem respeitadas.

                                         – Eu não cheguei a passar nada na última aula devido ser retorno das férias e poucos alunos virem pra escola. Mas hoje vamos começar um novo assunto. Abrão o livro da página quarenta.

                                         Era geometria espacial. Sou péssima com desenhos, sou péssima com números, sou péssima em gráficos. Péssima em qualquer coisa além de dois mais dois.

                                         Enquanto passo os olhos pelos desenhos que estão no livro, não percebo quando a professora se aproxima da cadeira de Daniel. Apenas quando ela encosta o quadril perto de onde estou sentada.

                                         – Daniel? – Pergunta ela, chamando a atenção ao garoto que parece estar dormindo. Eu viro minha cabeça discretamente para trás tentando entender o que está acontecendo.

                                         Ele levanta a cabeça lentamente. Estava mesmo quase dormindo. Ele a olha e incrivelmente diz a ela:

                                         – O que você quer?

                                         Ela não parece surpresa com o desrespeito, diferente de mim que mal consegue acreditar no que acabará de ouvir. Não foi nem as palavras que me assustaram, e sim a intensidade delas, e como elas soaram agressivas.

                                         – Onde está seu livro? – Pergunta ela no tom de voz mais calmo que se possa ter.

                                         Ele não responde. Faz uma careta dando a entender que não tem o livro.

                                         Ela olha em volta e mais dois alunos também não tem o livro.

                                         – Pelo visto você não é o único irresponsável. – Diz ela.

                                         – Que pena. Agora ao invés de arranjar um livro, você terá que arranjar três. Parabéns! – Diz ele ironicamente a ela enquanto solta um riso fraco que acaba em segundos.

                                         – Não vou arranjar livro pra nenhum de vocês três. Não é responsabilidade minha. O máximo que posso fazer é deixar vocês formarem duplas com quem possui o livro. Eu mesma não vou sujar minhas mãos e cansar meus pés indo até a biblioteca pra pegar três livros que logo mais estarão perdidos.

                                         Todos da sala começam a rir da ironia de ambos. Um acaba sempre contrariando o outro. Um acaba sempre sendo melhor que o outro. É difícil escolher por quem torcer. É difícil saber quem tem os melhores argumentos e quem é mais sarcástico.

                                         Viro minha cabeça novamente para frente. Não quero que ele note minha presença ali. A professora toca em meus ombros. Eu a olho. Ela sorri e diz:

                                         – Faça dupla com esse garoto Diana, por favor. Não quero me estressar mais do que já estou. – Ela segue em direção aos outros dois alunos que estão sem livro para formar as suas duplas.

                                         Estou sem reação alguma. Olho lentamente pra ele e tento não demonstrar surpresa. Minhas mãos estão suando e eu começo a ter um mini ataque cardíaco. Não é o fim, mas isso está me assustando. Não sei bem o que fazer.

                                         Ele se levanta da cadeira e a põe ao lado da minha. Senta-se aborrecido pela situação. Eu só consigo encarar o livro. Evito até mesmo respirar. Estou à beira de um colapso e ainda não entendi bem o porquê de estar agindo dessa maneira. Um garoto nunca me assustou ou amedrontou. Um garoto nunca me deixou mal. Porque diabos esse está me deixando louca?

                                         A professora vem à frente da sala e começa a explicar o assunto. Não consigo entender nada porque meu pensamento está se misturando aos detalhes da noite anterior. Olho discretamente para baixo e vejo os pés dele impacientes batendo no chão e fazendo um barulho irritante demais. Isso deve ser hábito. Era exatamente o que ele estava fazendo ainda a pouco na aula de sociologia.

                                        Percebo que o livro está longe afastado demais pra ele enxergar qualquer coisa, mas acredito que ele nem esteja interessado. Nem eu estou. Por incrível que pareça eu acabo por me enganar.

                                        – Ei garota, ela já está na página quarenta e dois. – Diz ele para mim.

                                         Eu levanto a minha cabeça e olho para ele. Ele está sério, e esbanja todo aquele ar de antissocial. Ajeito o livro de forma suficientemente boa para ambos conseguirem acompanhar. Viro a página e ele surpreendentemente começa a rir discretamente. Eu o encaro e então ele me diz.

                                         – Você é medrosa.

                                         Não há expressão alguma no rosto dele. Apenas seus olhos encarando os meus. E eu sinto raiva. E ele transmite aborrecimento enquanto nos olhamos. E não há uma trégua. Ninguém pisca e ninguém sequer treme. As únicas palavras que saem da minha boca parecem as mais imundas que eu já cuspi.

                                          – E você é um ‘marginalzinho.’

                                          O sinal toca e continuamos nos encarando. Eu fecho o livro e guardo na bolsa. Olho para frente da sala ignorando o garoto que ainda insiste em me confrontar. Ele se levanta e pega no meu ombro falando em um tom baixo e ameaçador.

                                          – Você não me conhece garota!

                                          No momento em que eu ia desafiá-lo, a professora de biologia entra na sala. Daniel já não está mais tocando ou olhando para mim. Ainda estou perplexa com tudo o que acabará de acontecer. Em três anos nessa escola nunca cheguei a ser ameaçada ou a ter um inimigo. E agora, um garoto encrenqueiro e arrogante estava prestes a me dar algum tipo de lição. Estou tão angustiada que esqueci até mesmo o nome dessa professora. Deve ser Sara, ou Soraia, ou sei lá.

                                           - Bom dia turma. – Diz ela calorosamente. Está animada, e isso é interessante e quase difícil de acreditar. Ela começa a escrever no quadro a data e o seu nome fica logo abaixo da matéria. E ela não se chama Sara ou Soraia, e sim Samantha.

                                           Quase dez minutos fazendo a chamada, entre interrupções e desavenças dos alunos. Percebo que Daniel continua a bater o pé inconsequentemente na minha cadeira. Isso me irritou durante duas aulas seguidas, e ele continua a repetir. Estou prestes a ter um colapso nervoso. A primeira vez que me estressei com alguém o suficiente para perder a cabeça foi aos nove anos.

                                            Lembro que eu havia ganhado um livro, e estava muito ansiosa para começar a lê-lo. Deixei ele sobre a mesa de cabeceira do quarto do meu avô. Depois que voltei para buscá-lo, vi meu primo de doze anos rasgando ele. De propósito! Ele deve me odiar até hoje porque quando eu vi aquela cena, desci até o quarto dele e quebrei o celular dele. Depois do celular, eu atingi com um bastão de basebol órgãos um tanto sensíveis demais para os homens. Foi a primeira vez que fiquei de castigo. E agora é a primeira vez que estou desejando o bastão de basebol novamente.

                                            A professora está falando alguma coisa sobre o corpo humano. Não estou conseguindo me concentrar em absolutamente nada. Percebo que Catharina olhou para trás discretamente. Não sei se está tentando me observar ou chamar a atenção de Daniel. Mas ela não deve estar conseguindo. Já está na terceira tentativa, e nós duas já nos olhamos três vezes. Ela então solta o cabelo que estava preso com um daqueles elásticos para cabelo. Ele é grande, e com certeza maior que o meu. Ela começa a penteá-lo com as mãos. E agora não sei por que não consigo parar de observá-la.

                                            Mais exercícios pela frente. E eu estou implorando aos céus que Daniel tenha o livro de biologia porque sinceramente, não estou nem um pouco animada para fazer dupla com ele novamente.

                                            Então, termino o exercício que pareceu pra mim a coisa mais fácil que já fiz até agora. Nível de “circule as vogais” ou qualquer coisa parecida. E por incrível que pareça, fui a primeira e única a entregar esse exercício.

                                            O sinal toca, e já está na hora do intervalo. Vou ficar na sala, sozinha, até porque Flávia é minha companhia, e hoje ela decidiu não vir. Ainda preciso entender o motivo da falta dela. Problemas familiares? Duvido muito. Talvez ela só estivesse se sentindo mal. Mas eu espero que ela esteja bem, porque preciso de gente sã agora.

                                            Pego meu celular e os fones de ouvido. Estou escutando minha música favorita. É de uma banda de rock americana, “Kings of Leons – Use somebody”. Ela é um pouco velha, mas meu pai disse que música boa não envelhece. A propósito, foi ele quem me fez escutar essa música. Depois criei carinho pela banda. E agora estou sendo interrompida por Daniel e seus pés irritantes novamente.

                                            Viro minha cabeça para trás e retiro os fones de ouvido. Percebo que ele está escutando música também. E percebo que somos os únicos na sala. E um flashback passa na minha cabeça. Ele me olha incomodado e pergunta:

                                            - Perdeu alguma coisa?

                                            - Sim, minha concentração, porque a merda do seu pé não para de bater na minha cadeira! – Disse estressada. Eu estava no meu limite.

                                            - Que boquinha suja para uma garota. – Disse ele sarcasticamente.

                                            Devia confessar, ultimamente estava falando palavrões demais. Sempre que perco a cabeça, ajo assim.

                                            Ele recolheu os pés e se sentou normalmente na cadeira. Não agradeci. Me virei e continuei a escutar minhas músicas. Assim que me acalmei, os pés dele voltaram a bater na cadeira. Foi o cúmulo. Eu me levantei e gritei:

                                            - Você tem algum tipo de problema, idiota?- Minha cara não tremia e só depois de falar isso a ele, percebi que estava exagerando demais. Ou não.

                                            - Foda-se garota! – Disse ele calmamente.

                                           Percebi que nesse momento alguns alunos tinham entrado na sala. Outros estavam na porta e começaram a rir. Decidi sair daquele lugar sem pronunciar uma mísera palavra.

                                           Lembrei no caminho do bebedouro que eu devia ir a biblioteca buscar o tal formulário para participar do projeto. Assim que cheguei para assinar a ficha, a senhora responsável pelo projeto percebeu que eu não estava bem. Eu tremia para assinar o cadastro. Eu queria chorar e não sabia bem por que. Na verdade eu sabia, mas não queria compartilhar com ninguém. Só queria a Flávia. Ela me diria algo como “ele é um idiota, não fica assim”, e isso bastaria.

                                           - As regras do projeto estão atrás do formulário. Leia tudo antes de começar sua história. – Disse a bibliotecária.

                                           - Tudo bem. Obrigada.

                                           Retornei a sala, e percebi que já tinha muita gente lá. O sinal já tinha tocado, mas não havia professor na sala. Segui para o meu lugar sem olhar para Daniel. Fingi estar lendo o formulário. Assim evitaria mais tensão e ódio.

                                           A representante da turma seguiu novamente para frente da sala e começou a falar:

                                            - Os professores dos dois últimos tempos faltaram... – Nesse instante, a sala começou a berrar de alegria. – Calma gente! Se ficarem gritando desse jeito nós não seremos liberados. Que droga! – Disse ela em alerta. Os alunos se acalmaram e nesse instante a pedagoga da escola entrou na nossa sala e pediu que nos retirássemos.

                                            - Não terá mais aula para vocês hoje, podem ir pra casa.

                                            Todos se levantaram, e eu esperei um pouco antes de sair. E por incrível que pareça, Daniel fez o mesmo. Quando eu estava saindo pela porta, ele me empurrou levemente com os ombros, o suficiente para avisar que não se esqueceu de mim.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.