As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor. escrita por Yang


Capítulo 7
Espere mais um pouco.




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#Narrado por Diana#

Preciso só entregar essas compras e finalmente posso ir pra casa. Meu avô me recebe, está calado, provavelmente porque passou o dia sozinho. Ele é do tipo de pessoa que gosta de ficar muito tempo isolado e sem conversar com ninguém, mas ainda assim quer que alguém fique ali com ele, mesmo que para fazer uma companhia muda. Ele e o meu pai não se falam ou se veem há muito tempo. Na verdade, desde que a minha avó morreu. Isso porque na época em que ela estava muito mal, morrendo por conta do câncer, meu pai não a visitou. Não foi ao velório e muito menos ao funeral. Ele estava ocupado demais com trabalhos da empresa, e precisava ter um bom relacionamento com o chefe dele ou então jamais seria promovido. Porém, isso magoou demais a todos, inclusive a mim e a minha mãe. Na época eu tinha apenas sete anos. Eles não conversam nem mesmo em datas comemorativas. Ficam distantes um do outro, sem trocar qualquer cumprimento. É realmente tenso, mas não adianta tentar convencer nenhum dos dois a fazer as pazes porque são cabeças duras demais.

                                  – Aqui estão as compras. Quer que eu lhe ajude em mais alguma coisa? – Pergunto a ele.

                                  Ele está sentado em uma cadeira de balanço assistindo algum programa na televisão. Ele não me olha. Fica quieto.

                                 – Então, eu já vou. Benção?

                                 – Deus te abençoe. Tranque a porta quando sair. – Diz ele. As únicas palavras que saíram da boca dele e foram até muitas para falar a verdade. Ele chega a parecer um tanto arrogante quando o conhece assim, rapidamente. Porém é o jeito dele, e todos da família já se acostumaram com isso.

                                 – Tudo bem. Até mais.

                                 Saio dali e tranco a porta da casa. Vou ter que passar novamente por aquele beco onde Daniel está. Eu só espero que ele não esteja mais lá. E o pior é que amanhã eu o verei novamente na escola. E não sei com que cara eu vou olhar pra ele, muito menos com que cara ele vai me olhar.

                                 Já estou bem próxima do beco e ainda não ouvi nenhum barulho. Ando devagar para evitar qualquer susto, e percebo que eles já não estão mais aqui. Foram embora. Mas os sprays e as garrafas de bebida estão todas aqui, espalhadas pelo chão. Só há um poste de luz iluminando todo o beco, e é praticamente forçando a visão que eu consigo enxergar as pichações no muro. Algumas frases, algumas letras esquisitas, e uns desenhos interessantes. Não sei qual deles pode ser o de Daniel. Nem sei se ele fez alguma pichação ou simplesmente veio acompanhar os amigos aqui.

                                 Olho para o meu celular e já são 21horas. Está tarde demais. Pelo menos na saída do beco a rua fica mais movimentada, e por sorte encontro um vizinho indo pra casa. Pode ser uma companhia agradável para qualquer garota que não queria ser sequestrada ou agredida por vândalos. Conversamos enquanto caminhamos até nossas casas.

                                  – Onde você estava Diana? Foi na casa do seu avô? – Pergunta ele, que a propósito chama-se Edgar.

                                   – É, fui levar umas compras. Meus primos e tios viajaram eu acho. Ele acabou ficando sozinho. A idade dele não permite que saia por aí fazendo compras. – Digo a ele. Começamos a rir.

                                   – Normal. Um dia todos nós chegaremos a essa idade. – Diz ele que aparenta ter uns trinta anos de idade.

                                   – Verdade. Mas e você? Voltando do trabalho?

                                   – É, e você nem sabe, acabei de ser assaltado bem próximo daquele beco em que você estava. – Diz ele com um daqueles sorrisos meio forçados.

                                   – Não me diga! Você está falando sério? E o que levaram de você? – Pergunto a ele assustada.

                                   – Só uns vinte reais que tinham na minha carteira e também o meu relógio de pulso. Era falsificado mesmo... – Diz ele. Começamos a rir. Ele tem senso de humor até quando as coisas não andam muito bem.

                                   – E o bandido estava armado?

                                   – Estava com uma faca pequena, mas se eu reagisse com certeza faria um estrago. – Ele respira fundo e continua. – Nem era um bandido do tipo “nossa, você me dá medo.” Na verdade, eram três adolescentes empolgadinhos. Queriam dinheiro provavelmente pra comprar drogas.

                                    – É, provavelmente. – Meu provavelmente soa pensativo. Três garotos. Uma hipótese se lança na minha cabeça. Poderia ser Daniel e os amigos dele? Não, eu estou julgando demais e pensando demais em um garoto que por sinal é um grande marginal. Exatamente como Flávia havia pensado.

                                    Caminhamos por mais algum tempo e logo chegamos à rua da nossa casa.

                                    – Tchau Diana! Cuide-se garota. – Diz ele enquanto atravessa a rua.

                                    – Tchau!

                                    Entro em casa e a primeiro momento não encontro minha mãe na sala. Sigo para a cozinha.

                                    – Mãe? Cheguei! – Aviso enquanto abro a porta e jogo a chave sobre a mesa da cozinha.

                                    Não demora muito e ela aparece com o celular dela na mão.

                                    – Acabei de falar com seu pai. – Diz ela num tom de voz calmo e tentando transparecer superação.

                                     – E como foi? – Pergunto.

                                     – Ele ligou pra dizer que vem aqui na quarta-feira. Nós três teremos uma conversa.

                                      Ótimo! Os céus ouviram o meu clamor. Finalmente teremos um diálogo descente. Frente a frente. Os três. E cada um agora vai jogar seu ponto de vista sobre essa situação. Era tudo o que eu queria. Finalmente vou esclarecer minhas dúvidas e quem sabe esses dois se reconciliam e voltamos a ser a família que éramos antes.

                                      – Tudo bem, realmente precisamos conversar. Os três. – Digo a ela.

                                      – Verdade. Agora só espere mais um pouco. Logo todas as suas “queixas” serão resolvidas e todos os lados da história contados. – Diz ela me olhando em um tom de alerta, como se algo ruim estivesse para acontecer. Porém, eu ignoro.

                                      Estou feliz demais, e animada. Por um momento esqueço o susto que tomei naquele beco ao encontrar Daniel. Só mais dois dias e eu finalmente vou poder saber de tudo o que aconteceu com meus pais. O motivo do divórcio, as brigas e os “enigmas”.

                                      – Eu vou tomar banho. – Digo a ela.

                                      – Seu jantar está aí na mesa. Não estou com fome, então não vou jantar com você hoje.

                                      Na verdade, desde o divórcio ela não tem se alimentado direito. Dá pra percebe que ela emagreceu demais ultimamente. Perdeu a vontade de fazer coisas que fazia antes como pintar as unhas ou fazer penteados no cabelo. Antes ela sempre fazia tranças no cabelo, e quando as soltava formava belos e volumosos cachos. Ela ficava linda pro meu pai todos os dias, não só em datas comemorativas, mas sempre que ele chegava do trabalho ou então quando saiam juntos. Ela queria que ele não esquecesse nunca a beleza dela. Eu sinto que mesmo assim ele nunca esqueceu.

                                      – Tudo bem mãe. – Digo em um tom triste e desapontado por jantar sozinha mais um dia.

                                       Ela se retira. Vai para o quarto e eu fico ali, sozinha. Ainda não aprendi a esconder melancolia. Sirvo a comida no meu prato como se fosse obrigada a fazer aquilo. Absolutamente sem vontade de comer. Mas eu preciso, porque de fraca nessa casa já basta a minha mãe.

                                       A comida passa seca por entre a minha garganta. Apenas duas colheradas e eu já estou mais que satisfeita. Pelo menos meu organismo diz isso.  Jantar nunca mais foi agradável. Parece mais um ritual de tortura quando sento à mesa e vejo os lugares que antes eram ocupados pelos meus pais vazio.

                                       Meu pai está distante. Minha mãe também. Ambos se esqueceram de que eu preciso deles. Preciso deles para sorrir, para me sentir especial e acima de tudo pra ser feliz. Isso pode parecer clichê, mas não é. São três vidas jogadas fora. E a mais atingida aqui é a minha. Eu estou tentando suportar ao máximo tantas portas fechadas na cara, e tantas meias palavras e meias verdades. Meios fatos e meios diálogos. Estou cansada de receber metade de alguma coisa dos dois, quando ambos juntos me fazem mais inteira e mais feliz. Quero minha família de volta.

                                       Retiro meu prato da mesa e começo a lavar a louça. Percebo que já está tarde e preciso tomar banho para ir dormir. Aula amanhã cedo, e um dos meus problemas precisam ser resolvidos. Ou não.

                                        Estou um tanto despreocupada em relação a Daniel. Já sei que ele não gosta nem um pouco de mim e eu também não gosto nem um pouco dele. Estamos quites, e podemos ficar assim até o fim das nossas vidas. Eu não preciso da amizade dele, tampouco dele. Essa história que inventei com Flávia de que “precisamos aproveitar um pouco” foi uma péssima ideia. Estava tudo ótimo antes disso, mas agora eu passo grande parte do tempo pensando em que momento eu fiz um garoto me odiar tanto assim. Eu nem me importo com essa coisa toda de “agradar a todo mundo”. Isso é impossível demais. Não sou o tipo de amizade dele. Provavelmente ele não é o tipo de amizade pra mim. Somos diferentes demais, e mesmo aquela frase dizendo “os opostos se atraem”, nesse caso atraiu ódio e repulsa de ambas as partes.

                                        Contente por pensar assim, eu tomo um banho rápido e me lembro de uma das coisas que aprendi com eu pai. Na época que em que ele trabalhava para um jornal da cidade, um jornal pequeno e que quase ninguém lia, ele escreveu uma matéria sobre um político que estava concorrendo a prefeito na época. Em uma parte da matéria ele fez um comentário que não agradou a comissão do candidato a prefeito. Falou algo como “(...) Só teremos no poder um homem que mal sabe amarrar seu próprio cadarço.”. Meu pai acabou sendo idolatrado por uns e odiado por outros. Isso porque todos os comentaristas políticos não jogavam as cartas na mesa. Eram medrosos demais para escrever as verdades por trás da democracia ou então eram subordinados com dinheiro sujo para escrever matérias positivas. E quando isso aconteceu, quando todos viram que um único homem havia ofendido todo um partido político, diversos julgamentos começaram. O candidato a prefeito saiu espalhando mentiras sobre meu pai e fez com que ele fosse demitido.

                                        Daí se tira a ideia de que não importa o que você faça ou a opinião que tenha a respeito de alguma coisa. Qualquer pessoa ignorante e pequena o suficiente vai caluniar você, desrespeitar você, porque é isso que as pessoas fazem quando não possuem argumentos.

                                       Coloco meu pijama e sigo pra cama. São mais de dez horas da noite. Terei grandes dificuldades de acordar disposta amanhã. Ajusto o despertador, fecho os olhos e finalmente descanso total.

                                        Aquela sensação de mal fechar os olhos e já acordar. Estou sentindo ela exatamente agora. Parece que eu não dormi absolutamente nada. Meu despertador não para de tocar e sinto que a minha mãe está prestes a aparecer no quarto me mandando desligar ele. Com muita dificuldade consigo fazer o barulho cessar.

                                        Levanto-me da cama e saio do quarto. Já ouço o barulho de televisão ligada vindo da sala. Minha mãe já deve estar acordada. Ela deve ter passado a noite em claro, sem fechar os olhos pra descansar. Não dorme, não come, não vive. Um ótimo exemplo pra mim.

                                        – Bom dia. – Digo a ela que está deitada no sofá, encolhida e de pijama, calçando as pantufas que meu pai lhe deu no ano passado.

                                        – Bom dia Diana. – Diz ela com a voz cansada e fraca. Ela não olha pra mim, está entretida demais com o programa de culinária que está passando.

                                        Começo a me arrumar para ir à escola. Passo pela frente da televisão três vezes e ela nem sequer move os olhos. Nem deve estar prestando atenção em nada. Isso talvez seja um modo dela compensar a falta do que fazer.

                                        – Eu me esqueci de fazer café. – Diz ela em alerta.

                                        – Tudo bem, eu me viro com o chocolate em pó e algumas bolachas. – Aviso a ela num tom um tanto aborrecido enquanto sigo para a cozinha.

                                        Preparo tudo em cinco minutos. Como, bebo e lavo. São 6h40, já preciso pegar a minha mochila e seguir para pegar o ônibus. Saio sem me despedir da minha mãe. Isso foi cruel da minha parte, mas acho que ela nem se importa mais com isso.

                                        Sigo em direção ao ponto de ônibus que fica bem na frente do supermercado. Em pouco tempo ele passa, e logo estou na frente da escola onde ainda não encontrei Flávia. Lembro-me agora que fiquei de conversar com ela pela internet ontem, mas acabei dormindo demais.

                                        O portão já está aberto. Sigo para a minha sala e já me deparo com Catharina, bem na porta da sala conversando com algumas meninas. Passo por elas sem dar bom-dia. Sinto que esqueci a minha educação em casa hoje, junto com a minha mãe.

                                        Pelo horário, Flávia já deveria ter chegado. Estou pensando se ela vai vir ou não. Envio a ela uma mensagem.

                                       “Ei, já estou na escola, cadê você?”.

                                       A campa bate e todos os alunos entram. A sala está lotada e há poucas cadeiras hoje, inclusive a que Daniel sentou ontem está ocupada, e não sei por que estou me preocupando com isso. O professor entra, e alguns minutos depois Daniel chega. Ele procura lugar pra sentar perto de Catharina, porém não encontra. E como um golpe maldoso do destino, existe uma cadeira vaga bem atrás de mim e é nessa direção que ele vem. Ele segue de cabeça baixa e passa por mim sem me olhar.

                                       Meu celular toca, é uma mensagem de Flávia.

                                      “Não vou hoje, desculpa. Tive um problema, depois te conto. Beijos.”                 

                                          


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