As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor. escrita por Yang


Capítulo 64
O recomeço.


Notas iniciais do capítulo

faltam apenas mais dois capítulos e a fic acaba gente... Fortes emoções haha



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#Narrado por Daniel#

Qual o maior e mais proporcional intervalo de tempo que existe na vida de alguém cuja função é dividir o passado do futuro? A minha resposta poderia ser óbvio, o presente, o agora. Mas eu respondo que não. O maior e mais proporcional intervalo de tempo que existe na vida de alguém é a morte do presente. Quando só te resta o passado e nada pode voltar. Quando seus pulmões estão tentando soltar o ar e não conseguem. Quando você corre em disparado, como se fugisse do passado e quisesse alcançar somente o futuro, o que está além, além do presente. Mas seu futuro vai embora às seis horas da noite, num voo para Nova Iorque.

Ainda são onze horas da manhã e eu combinei de passar a tarde na casa de Leandro, meu pai (e isso não soa mais estranho), e na casa da minha avó, junto com Catharina. Fazia um tempo que não nos reuníamos, e os dois queriam muito ver a barriga de Catharina e “falar” com Júlia, seja lá como.

– Falta tão pouco pra ela estar conosco. – disse minha avó passando as mãos nos cabelos de Cath.

Apesar de estarmos muito alegres com a reta final da gestação, Catharina apresentou um estado de saúde um tanto preocupante nas últimas consultas médicas. O sistema imunológico dela está fraco, e ela emagreceu nas últimas semanas. Ficou pálida e estamos tentando resolver isso, pois se ela não vai bem de saúde, Júlia também não. E isso me deixou com medo.

– Tem que se alimentar direito. Isso é perigoso. – alertou Leandro, sentando-se em sua poltrona preta que sempre estava no mesmo lugar.

Saí por um momento da sala e fui até meu quarto ver o estado das coisas que havia deixado. Na mudança para a casa de Eduarda, não levei tudo. Ainda tinha alguns livros da escola, alguns dos meus desenhos e até a caixa de tinta spray que usava com os meninos para pichar os muros. Olho para a caixa e sorrio. Foi um ano complicado, cheio de altos e baixos como uma montanha russa... E agora chegamos no ponto em que você vira de cabeça pra baixo e tem outra visão das coisas ao redor. E tem sangue descendo pro seu cérebro e você quer chorar.

– Daniel, você está bem? – pergunta Leandro entrando no quarto. Coloco a caixa em cima da cama e balanço a cabeça afirmando estar bem.

– Só estou vendo as minhas coisas. – respondo. – Daqui a pouco vou lá com vocês.

Leandro assentiu e saiu do quarto. Enquanto isso eu continuei ali, encarando cada centímetro do quarto, naquele silêncio horrível. Eu tenho tanta vontade de gritar, de chorar. Tenho vontade de acabar com tudo o que tem dentro desse quarto na esperança de que isso acabe com tudo o que tem aqui dentro de mim.

Pego a mochila que trouxe e tiro de dentro o caderno que Diana me dera. Decidi que terminaria de ler, mas queria ler em algum lugar onde houvesse um silêncio interminável como agora.

Enquanto folheio cada página, quase consigo ouvir a voz de Diana ocupando o lugar do silêncio. Consigo sentir o que ela sente a cada linha escrita. Dos trechos e frases do livro, vários me fizeram sorrir e chorar ao mesmo tempo. Era exatamente do feitio de Diana fazer as pessoas se sentirem assim, confusas e infinitamente... Encantadas.

As consequências que o ato “amar alguém” lhe trará são um tanto assustadoras. É verdade que, depois da nossa entrega, já não somos mais os mesmos. Uma parte nossa vai pertencer a outro alguém. A pior consequência é que essa parte você nunca terá de volta.”.

Li o esse trecho lembrando exatamente do dia em que nos conhecemos. Quem diria que a garota insuportável que fazia perguntas a mim, sentada na minha frente logo no primeiro dia de aula depois das férias, fosse me fazer estar deitado numa terça-feira à tarde lendo seu livro? E ainda por cima, apaixonado por ela?

“Um dia, talvez você entenda o porquê de certas coisas acontecerem na sua vida. E, quando esse dia chegar, você vai olhar pra trás e perceber que se aquilo não tivesse acontecido sua vida não teria valido a pena.”

E esse era um dos trechos mais surpreendentes para mim até agora. Me lembrei de Renan e de Felipe. Da morte de Renan e como tudo aconteceu com Cath. E pensei que um dia iria entender o porquê de tudo estar desse jeito.

“Os sonhos incontáveis de Grace” era exatamente como Diana: surpreendente, delicado e ao mesmo tempo feroz. Como se arrancasse de você as suas verdades mais duras. E a garota é literalmente a “Pequena Sonhadora”, e ela realmente faz jus ao título. Leio uma parte e deixo-o de lado para ir almoçar com todos, pois sei que se continuar isolado aqui, minha avó irá questionar tudo.

***

Enquanto almoçamos, todos estão conversando a respeito de Catharina precisar se alimentar direito. E mal toco na comida. Meus pensamentos estão soltos e vagando em algum lugar onde Diana, nesse exato momento, está terminando de colocar as últimas coisas que faltavam na mala e se preparando para ir ao aeroporto. Ir embora.

“Serão apenas três meses” – penso. Mas eu sinto que não será apenas isso. Diana é literalmente incrível e qualquer editora que se preze apostaria nela.

– Não é mesmo, Daniel? – pergunta uma voz ao fundo. – Daniel?! – me assusto e olho ao redor e percebo que todos estão me encarando na mesa. Eu não prestei atenção na conversa nem um pouco.

– o que foi? – pergunto.

– Nós que queremos saber o que foi. Você tá bem? – pergunta minha avó.

– Tô. – respondo secamente e me retiro da mesa indo pro quarto, sem me importar com o que eles podem pensar.

Voltei pro quarto, mas dessa vez decidi não continuar lendo. Sentei no chão e encostei as costas na cama. Peguei o celular junto com o fone de ouvido e comecei a escutar todas as músicas no volume máximo. Fechei os olhos e acabei adormecendo na posição mais desconfortável possível. E fiquei assim por tanto tempo que quando finalmente acordei, Catharina estava na cama lendo o caderno que Diana havia me dado.

– o que está fazendo? – perguntei levantando assustado e tirando o fone dos ouvidos.

Cath fechou o caderno e o deixou de lado.

– Apenas lendo. – respondeu ela. – O exemplar original... Literalmente original. – continuou.

– Não devia ter lido. – disse. – olhei para o relógio do celular, eram três horas. – dormi demais.

– Ela te deu quando? – perguntou Cath, olhando para o caderno.

– Faz uns dias. – respondi pegando o caderno. Ela apenas suspirou e ficou esfregando as mãos uma da outra e depois sorriu sem jeito.

– Ainda a ama, não é? – ela me olhou nos olhos como se esperasse apenas outra confirmação para suas certezas.

– Nunca escondi isso de ninguém. – disse sentando ao seu lado. – Eu tentei amar você, mesmo. Mas eu te amo com o maior respeito do mundo. Respeito pelo fato de que uma parte minha está dentro de você... mas outra parte minha está com Diana. E eu sou isso que você vê hoje, um cara sem partes nenhuma.

– Não diga isso, Dan... Quando olho pra você, ainda penso no garoto sonhador que pichava muros. Você sempre foi especial. Não é a toa que Diana se apaixonou por você. E eu também.

– A diferença é que eu consiga sonhar mais alto quando estava perto dela. Agora eu só penso em simplesmente fazer uma faculdade e trabalhar pra conseguir sustentar você e Júlia. Isso não é errado, mas sendo sincero... – olhei para Cath e suspirei. – não era isso que planejei para mim.

– Mas acabou acontecendo e a culpa em grande parte é minha.

– Nossa culpa. Mas sabe, não considero a Júlia uma culpa. Sei que tem um propósito por trás dela... Um dia saberemos.

Catharina sorriu e tirou de dentro do bolso da calça um colar. E para minha surpresa, era o colar de Diana.

– Reconhece, não é? – perguntou ela mostrando o colar. A palavra “sonhadora” engrandecia-se na pequena corrente que a segurava. – antes que pense que eu roubei, ela quem me deu.

Segurei o colar e sorri.

– Por que ela te deu? – perguntei.

– No dia do lançamento do livro dela, ela me deu na hora que estava fazendo a dedicatória. Disse que Júlia é quem deve usar. Estou guardando até ela ficar grandinha.

– Guarda, ela vai adorar. Sei disso.

Catharina levantou-se e me olhou nos olhos por tanto tempo que fiquei constrangido.

– Anda, vem cá. – disse ela me chamando para perto. Ela me abraçou de um jeito que nunca fizera antes, e eu me senti confortável pela primeira vez. – É Júlia te abraçando, ok? É a Júlia te abraçando e dizendo que tudo vai ficar bem. Mas você não pode se prender aquilo que não te faz feliz.

Ela me soltou e puxou minhas mãos para a sua barriga.

– Estou sentindo algo mexer. – disse assustado.

– É sua filha, seu idiota. – afirmou ela rindo. – E eu quero que você seja um homem feliz outra vez, pois ela vai precisar de um pai feliz. De pais felizes. E eu sei que não vai ser feliz comigo. Então, estou dando a você a liberdade de ter sua última chance.

Eu olhei para Cath sem entender uma vírgula do que ela havia acabado de falar.

– O que quer dizer com isso? – questionei.

Catharina pegou o caderno e abriu na parte onde eu havia parado de ler.

– Leia até o final. E depois, faça o que seu coração estiver gritando. E vai ser isso que eu e Júlia vamos querer que você faça. – disse ela saindo do quarto. – E você tem apenas 1 hora.

A porta se fechou atrás dela, e a única coisa que vi foi o sorriso de Cath, como se dissesse “tá na hora de ir atrás do seu sonho”.

Abri o caderno e devorei o restante dos capítulos manuais e depois, um epílogo que não continha no livro. E lá estava a resposta que precisava. E lá estava o meu sonho dizendo que ainda dava tempo de ir atrás.

***

Talvez o fim seja apenas uma metáfora. Pois nada nunca tem um fim, mas apenas um começo. Quando alguém morre, seu corpo começa a se decompor e outros processos naturais começam a partir daí. Quem pode dizer as infinitas possibilidades de começo que existem depois do fim?

Quando se acaba de ler um livro, acredita-se que ele termina. Você o fecha e o coloca na estante, mas ele não teve um fim. Ele está apenas guardado, a espera que alguém o recomece. Livros nunca acabam, eles recomeçam.

Daniel, somos como um livro. Algumas pessoas estão inacabadas. Outras, em processo de finalização. Algumas estão sendo reeditadas porque encontraram muitos erros ortográficos em seu meio. Outros estão tão desgastados em sua capa que ninguém nem ao menos faz questão de ler, e ignoram o conteúdo que há dentro. Assim como um livro, acreditamos que nossa vida e que nossas histórias um dia chegam ao fim. Será mesmo? Quem pode provar o que há depois do céu? E depois daquelas estrelas que estão a milhões de anos luz de nós? Quem pode dizer que o universo possui fim?

Um dia, alguém sorriu para algum livro empoeirado na prateleira e decidiu lê-lo. E descobriu que a poeira e o mofo eram apenas detalhes. O que havia dentro daquele livro era incrível. Era único e não havia em outro lugar. Um dia, alguém sorriu para outro alguém que estava parado na vida, completamente machucado, e decidiu ajuda-lo. E descobriu que os machucados eram apenas detalhes. O que havia dentro daquela pessoa era incrível. Algo que jamais vira em outra pessoa.

Não importa o título do livro, o capítulo inicial ou o título que os capítulos carregam. Importa o que o livro diz. Importa o que você diz. Importa o que você carrega dentro de si mesmo. Já li pessoas ruins e livros ruins, e acredito que ambos assemelham-se. Apesar de livros serem feitos de matéria-prima e as pessoas de matéria-viva, muitas vezes encontramos coisas ruins dentro delas. É um risco e todos nós corremos esse risco.

Há essa enorme biblioteca por todos os lugares. Enormes prateleiras. Pequenos livros e grandes livros. Uns chegam a assemelhar-se a enciclopédias, e outros são verdadeiros manuais de instrução, como nossos pais...

Mas, o que importa é você e seu livro. E o seu fim. Um dia eu tropecei no livro mais rude e grosso que já encontrei até agora. Mas era um livro muito bonito por fora, mas logo o julguei. Imaginei que, provavelmente, estaria cheio de besteiras por dentro e neguei por algum tempo lê-lo. No entanto, um dia, quando eu estava completamente encharcada de lama, esse livro me fez rir. E eu decidi que era hora de conhecê-lo.

Os primeiros capítulos foram tão chatos, mas agora eu via a história por trás de toda aquela capa grossa e rude. E vi que tinham páginas inacabadas e páginas tão amassadas que doía em mim saber que alguém tinha feito isso com o livro... Com você.

Mesmo assim Daniel, você quis reescrever os capítulos inacabados. E foi a melhor coisa que você já fez. E eu agradeço por ter me permitido estar no meio das linhas, em muitas de suas páginas. Agradeço por ter colocado tantas vírgulas nos nossos parágrafos. Por ter me permitido ser um capítulo lindo. Eu amei escrever essa parte com você. Eu amei e amo você. És o meu livro favorito, mas não acabou e nem vai acabar.

Casmurro, não volte para a prateleira. Não volte! Está entendendo? Continua... Escreve, apaga, reescreve. Rabisca como esse caderno rabiscado, mas não volte à prateleira. Tem gente que precisa ler você! E tem eu, que te amo o suficiente pra lê-lo quantas vezes for preciso e ainda assim encontrar algo novo em cada capítulo já lido.

Sem ponto final, Daniel. Sem epílogos agora. Sem prateleiras. Sem poeira outra vez. Eu quero amor nesse livro. E se preciso for, eu quero uma continuação...

Você é meu livro. E o fim é apenas uma invenção de quem teve medo de começar.

E esse não é o fim. É apenas o recomeço.”

– Nosso recomeço. – sussurrei.


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