As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor. escrita por Yang


Capítulo 62
O perdão




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#Narrado por Daniel#

O tempo tem passado de uma forma avassaladora. As coisas tem acontecido tão rapidamente que mal tenho tempo de pensar em algo significativamente bom pra mim. Júlia está perto de nascer. Catharina mudou quanto a tudo. Talvez os hormônios ou o sentimento de mãe a tenham tornado uma pessoa melhor. Diana viaja daqui a alguns dias, e eu estou rendido, com as mãos atadas em relação a isso. Eduarda está me persuadindo a fazer uma faculdade o mais rápido possível, e eu nem ao menos consigo pensar no que realmente quero fazer.

– Não gosto de nenhum desses cursos da lista. – digo, enquanto folheio o panfleto de uma das universidades que irão abrir vestibular.

– Daniel, deve ter algo que goste de fazer. – insiste ela.

– Dirigir. Mas não tem faculdade pra isso. – afirmo, levantando do sofá e colocando o panfleto sobre a mesa de centro.

Eduarda suspira e senta-se colocando uma almofada sobre o colo.

– Olha Daniel, deve ter algo que você ame fazer. Algo que signifique sua essência. Não é possível que um rapaz tão jovem não consiga pensar além. Vocês são tão criativos... Catharina já deixou claro que vai fazer faculdade ano que vem, e eu darei total suporte. – diz ela.

– Ela quer fazer enfermagem, não é? – pergunto sem certeza.

– Sim, sua esposa quer fazer enfermagem... E você vem me dizer que sabe “dirigir”. Me poupe filho. – responde ela com o tom de voz irritado.

– Eu vou pensar no que fazer, prometo. – digo, saindo pela porta de casa.

Toda essa incessante onde de mudanças e decisões estão me confrontando. Eu só queria um auxilio. Alguém que me desse alguma luz. Essa pessoa sempre fora Diana, mas agora... Ela estava prestes a ir embora e ocupada com as coisas a serem resolvidas. E eu tinha que resolver as minhas coisas também.

Fui até a casa da minha avó para conversar com ela. Algum conselho ou alguma direção me serviriam de base para decidir o que fazer. Todos estavam cobrando essa coisa de fazer faculdade, pois era importante não só pra mim quanto para o futuro da Júlia e de Catharina. A minha “família”.

Cheguei até lá rápido. Estacionei o carro logo na frente e esperei que alguém viesse me receber, mas apenas Salomão latia. Algum tempo depois, Leandro veio abrir a porta.

– A vovó tá em casa? – perguntei.

– Ela precisou sair, por que? – respondeu ele. Estava aparentemente sóbrio, o que era estranho e bom ao mesmo tempo. E estava com a barba feita, e vestindo uma roupa consideravelmente descente para quem estava em casa numa tarde.

– Precisava falar com ela, mas volto outra hora. – respondi dando meia volta.

– Espere. Por que não entra para conversarmos? – sugeriu ele.

Olhei em volta e quase não acreditei.

– Conversar sobre o quê? – indaguei colocando as mãos no bolso da calça e encarando-o.

Leandro suspirou e abriu mais a porta.

– Sobre o futuro. O seu futuro.

Era como se aquelas palavras soassem como uma luz.

***

Leandro nunca foi o tipo de pai que puxa o filho pra sentar no sofá e conversar sobre as coisas que o estão afligindo. Nunca me parou durante os doze ou dezesseis anos pra falar sobre sexo ou drogas, ou más influências (ou sobre pichar muros nas ruas). Essas coisas foram sempre ditas por minha avó, mas nunca exerceram muito peso sobre as minhas escolhas. E este foi o resultado.

Pela primeira vez o cara cujo nome está registrado na minha certidão de nascimento como “pai” me puxou para conversar sobre o futuro. Nada em relação ao passado. Nenhuma bronca sobre “não deveria ter feito sexo sem preservativo. Nem deveria ter feito sexo.”. Nenhuma autoajuda do tipo: “ei, a vida segue e isso passa.”. Apenas conversar sobre o futuro. Sobre o que viria.

Uma das coisas que eu posso particularmente considerar relevante nessa posição que os pais tem sobre os filhos é exatamente isso: saber do futuro mais do que nós mesmos. Como se nossos pés estivessem cravados no agora, no presente, enquanto eles estão com o corpo inteiro vivendo o futuro.

– Então... O futuro. Sobre o que posso falar dele? – disse enquanto Leandro arrumava a cadeira para se sentar.

– Já decidiu se vai ou não fazer faculdade? – perguntou ele sentando-se.

– Eu não quero fazer. Mas Eduarda e dona Amélia insistem que preciso. Acho que trabalhar é mais importante. Não quero viver pra depender da Eduarda e dos pais de Catharina. – respondi.

– Trabalho é importante, eu confesso. E estudar também. Não tem ideia do que fazer? – questionou ele.

– Não sei, tenho até ideia, mas... Tenho medo. – respondi.

– Medo de quê?

– De não conseguir.

– Se tiver medo, realmente não vai conseguir nada. – aconselhou ele enquanto me olhava fixamente nos olhos.

– Gosto de engenharia. – falei sorrindo.

– Não tinha essa opção na universidade que você viu? – perguntou ele sem entender.

– Tinha... Mas eu não quero fazer um uma universidade particular. Quero tentar uma federal. Por isso quero que me dê um tempo pra estudar antes de decidir isso.

Vi um esboço de sorriso no rosto de Leandro, um sorriso que juro, era de orgulho.

– Tem meu apoio. Se esse era o empecilho de fazer faculdade, saiba que apoio você totalmente a fazer numa federal. – disse ele.

– Então vou conversar com Eduarda. E espero que ela entenda. – afirmei suspirando.

– E quanto à Júlia... Em pouco tempo ela nasce. Como está quanto a isso? – questionou ele preocupado.

– Tô... Nervoso. – respondi.

– E Diana? – perguntou ele. Eu sabia que ele iria acabar perguntando por ela.

– Deve estar bem. – disse levantando do sofá e preparando-me para ir pra casa.

Leandro levantou-se junto comigo e ficamos parados por um tempo.

– Eu tinha mais uma coisa pra falar, mas... Não sei como. – continuou ele, tão nervoso quanto eu.

– Se não conseguir falar, tudo bem. Mas enfim, obrigada Leandro, pelos conselhos. – disse.

– Pai. – continuou ele. – me chame de pai. – Leandro disse, balbuciando com as palavras. Ele suava, como se estivesse fazendo algo impossível até aquele momento.

– Como assim? – perguntei sem entender.

– Qual é, Daniel... Eu sou seu pai. E isso de ficar me chamando pelo nome já dura anos. Eu sei que fui uma pessoa ausente demais da sua vida, mesmo morando com você, mesmo depois de tudo... Mas eu quero ter a chance de poder mudar isso. Eu vou ser avô cara, avô! E quero que a Júlia me chame de avô. Eu quero. – disse ele, com a voz trêmula e respiração ofegante. – quando eu vejo Catharina com aquela barriga enorme, não tem como não pensar em Eduarda quando estava grávida, esperando você. Eu quis ser pai naquele momento, até ela ir embora e me deixar com você. E então você me lembrava tanto ela...– ele continuou e agora se aproximava de mim. Leandro colocou a mão sobre meu ombro direito e me balançou, como se quisesse me puxar para um abraço, mas estivesse temendo as consequências disso. – Eu quero ser pai agora. Um pai de verdade pra você.

Eu mal conseguia respirar e aquela altura ambos estávamos rendidos a algo que nenhum de nós jamais tinha sentido antes: perdão. Lembrei que Leandro nunca fora um pai que eu pudesse dizer “me inspiro em você” ou “você é meu herói”. Mas ele foi pai, do jeito torto dele.

– Não sei o que dizer. – disse pausadamente e de cabeça baixa.

– Eu... – ele tremeu em sua voz e em seu corpo, e agora começava a chorar desesperadamente. – Eu amo você, filho! – Leandro estava caindo em choro, pousando os braços ao redor de mim, me abraçando tão forte como eu nunca fora abraçado por alguém antes. – Me desculpe!

Eu o abracei, pois estava realmente emocionado. Estava espantado também. Um mistura de sentimentos estava pairando naquela sala. Na mesma sala que tempos atrás discutimos e brigamos. Na sala onde aprendi a tocar violão com ele. Na sala onde assistíamos a jogos em silêncio. Na sala onde eu o via acordar de ressaca e mal humor. Era meu pai, em todos os momentos foi meu pai. E eu o amava apesar de tudo. Eu o amava por tudo.

– Me desculpe, pai... Me desculpe! Eu nunca fui um filho... – ele me interrompeu.

– Não, não diga isso. Não diga que nunca foi um filho bom. Você teve motivos pra agir do jeito que agia, e eu sempre fui o culpado por isso. Mas agora eu estou te vendo crescer e quer participar disso. Como pai e não como “Leandro”. – disse ele.

Nos olhamos, ambos em lágrimas e sem jeito após o abraço.

– Então vamos tentar consertar as coisas juntos. – disse.

– Juntos. – ele assentiu.

Ficamos em silêncio, enxugando as lágrimas na camisa e o suor também. Logo depois ele riu.

– Por favor, não conte isso a ninguém. – continuou ele, dando um tapinha nas minhas costas.

– Pode deixar. Será nosso segredo.

***

Ao chegar em casa, Eduarda estava descansando e Catharina também. Fui ao quarto e peguei o caderno que Diana havia me dado. Desci para a sala e comecei a ler. Ela escrevia tão bem... Havia anotações, textos e frases. Algumas páginas ao meio começava o manuscrito do livro dela. Eu não queria ler, pois seria estranho. Seria como se ela estivesse ali, mostrando o que tinha de melhor só pra mim. E na verdade, ela não estava ali.

Fechei o caderno e o deixei dentro da minha mochila. Tomei banho e decidi dormir também. Naquele fim de tarde, sonhei com Diana. No sonho, ela estava indo embora, e se despedia de mim. Acordei quase chorando, não dormi mais.


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