As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor. escrita por Yang


Capítulo 55
Consequências




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/352699/chapter/55

#Narrado por Daniel#

Minhas mãos tremiam e eu sentia o sangue ferver, minha cabeça latejar e os olhos arderem de ódio por Catharina e pelo que ela havia acabado de dizer.

- Eu fiz isso para o seu bem! Na verdade, para o nosso bem! – exclamava ela aproximando-se.

- Você é uma idiota! – gritei

Eduarda veio na minha direção e tentou me acalmar, convencer-me de que tudo ia ficar bem. Mas, naquele momento, a única certeza que eu tinha é a de que eu precisava falar com Diana e explicar o que havia acontecido, mesmo que ela não quisesse me ouvir.

- Daniel, concentre-se em outras coisas agora. Catharina está grávida, você não pode destratá-la assim. – disse Eduarda.

Olhei para Catharina que estava de cabeça baixa, tentando expressar tristeza como se aquilo fizesse com que eu sentisse pena dela.

- Eu odeio você. – disse a ela.

Catharina ergueu os olhos com lágrimas e depois virou-se em direção a escadaria da casa de Eduarda e subiu para o quarto. Fechou com tanta força que o som da batida da porta pode ser ouvido da sala.

- Ainda não engoli a história dela ficar aqui na sua casa. Já basta o fato dela estar grávida e agora ela morando aqui? Pô Eduarda, eu realmente estou farto de bancar o idiota pra essa garota. Você viu o que ela fez, você sabe do que ela é capaz. E a Diana... Agora ela nunca mais vai querer saber de mim.

- Repito: preocupe-se com outras coisas agora. Sabia que você não tem mais chances de passar de ano?

Revirei os olhos. Isso pouco importava pra mim. Era apenas a consequência de não ter diana na minha vida e então tudo decidiu dar errado.

- Daniel, você vai ter que fazer supletivo no próximo ano. Agora eu só peço que você procure se interessar em tirar a sua carteira de motorista e de fazer algum curso ou trabalhar. Não importa! Eu só não quero que fique como esses rapazes que engravidam moças e esquecem que tem uma vida além de ficar trocando fraldas.

- Vida? – questionei. – Que merda de vida é essa Eduarda? O que mais pode dar errado agora? Me diz?

Ela franziu a testa e depois abaixou a cabeça. Sorriu amargamente para o chão e ergueu o olhar de volta pra mim.

- Sabe Daniel, eu já passei por muitas tribulações nessa minha vida e nenhuma se compara a que eu estou vivendo agora. E eu não me refiro a você e a essa garota por terem feito tal irresponsabilidade. Me refiro a... – ela balbuciou as palavras e fez um silêncio que naquele momento corroeu todo o ar. – Isso não importa agora.

- Importa sim. Fala. – disse.

E novamente ela fitou o chão como se o que estivera prestes a dizer fosse inalcançável ou temível demais para eu saber agora.

- Eu estou com câncer. – disse ela com a voz rouca e falha, esmurrando em mim as palavras mais dolorosas que eu já pude ouvir na vida, jogando para longe as aflições erradas e trazendo pra perto as preocupações necessárias.

Eu não consegui descrever a sensação daquele momento, nem a realidade daquelas palavras. Saí da sala, da casa e de mim mesmo. Me afundei em pensamentos tão negativos e ruins. Perdi a fé em tudo.

Eu me vi sentando no banco de uma praça que eu nem ao menos lembrava como havia chegado até ali. Algumas crianças brincavam no parquinho ao lado e eu vidrado em um ponto qualquer do horizonte, vendo a tarde se tornar noite.

Senti algumas lágrimas quentes rolarem por meu rosto e eu me encolhi sozinho no frio, sentindo uma interminável vontade de morrer. Eu gritava por dentro sentindo o peito queimar, arder. Eu precisava de alguma coisa e não sabia do quê.

Uma pancada leve na cabeça me fez abrir os olhos. Olhei ao redor e vi um garoto de uns seis anos correndo até a minha direção, meio sem jeito e tímido, ele sorriu pra mim e disse:

- Me dá a bola? – apontava ele para o meu lado.

Uma bola preta e branca, parecida com uma que eu brincava quando criança estava do outro lado do banco. Estiquei o braço e entreguei pra ele.

- Toma aqui.

Ele pegou a bola das minhas mãos e riu.

- Desculpa pela tua cabeça tio, é que eu tava lá ó, brincando e aí caiu na tua cabeça sem querer. Eu chutei com muita força porque eu quero ser jogador de futebol. Só que a minha mãe nem deixa eu ser jogador de futebol, sabia tio? Ei, tu sabe jogar futebol? Eu sei.

Eu ri da forma como ele se expressava e depois uma voz feminina gritou para ele.

- John, vem aqui! – gritava uma mulher que cogitei ser a mãe dele.

- ó lá, minha mãe. Tchau. – ele correu com a bola até a direção da mulher que disse algo pra ele como “não é pra conversar com estranhos”.

 Pensei que um dia eu fui um garoto como ele, e agora eu teria que cuidar de uma criança como ele. Eu não estava preparado nem mesmo pra ouvir as verdades da vida, como por exemplo sua mãe lhe dizer que tem câncer. Isso não é legal e, decididamente, dói mais do que levar uma bolada na cabeça. Sem comparação.

Mas, de uma coisa eu tinha certeza agora: eu precisava parar de fugir. Sempre que algo estava realmente difícil, eu corria até meus pulmões arderem. Como agora, como antes e como sempre. Eu não queria que meu filho/filha tivesse uma visão errada de mim. Mesmo que “ser pai” ainda fosse algo da qual eu não me orgulhava e nem ao menos sabia como era ser, fugir era a primeira coisa que eu precisava mudar.

Antes de voltar pra casa da Eduarda, fui até a minha antiga casa conversar com a minha avó que sempre fazia chá quando eu tinha um problema. Eu nunca tomava, mas gostava do cheiro que o mate tinha.

- Que carinha mais triste. O que houve? – perguntou dona Amélia, derramando o chá na minha xícara.

A fumaça do chá subia, a xícara quente aqueceu as minhas mãos frias do clima do rio de janeiro.

- Tudo vó... Tudo.

- Sei que isso é muito difícil, mas você não pode perder a fé de que as coisas ficarão bem.

- Nada vai ficar bem. – disse. – Sabia que a Eduarda tá com câncer?

Ela levou as mãos até a boca, assustada, erguendo os olhos em lágrimas.

- Eu não acredito! Como assim?

E eu fui tentar explicar uma história que nem eu mesmo sabia.

Algum tempo depois, Leandro chegou e, surpreso com a minha presença, tentou conversar comigo. Digo tentou porque ele não conseguiu perguntar nada além de “você tá bem?”, “como vão as coisas?”. Depois ele entrou no quarto e eu não o vi mais.

Virei o rosto pra minha avó e ela tentou esboçar compreensão, mas eu não compreendia Leandro. Eu nunca o entendi.

- Sabe vó, mesmo sendo tão idiota e errado como eu sou, eu vou tentar ser pai pra essa criança que vai nascer, diferente do Leandro.

***

Voltei pra casa de Eduarda e a vi lendo um livro no sofá. Nos encaramos esperançosos e então eu a abracei. Ficamos ali no sofá a noite inteira e ela me contou tudo o que acontecera, como foi diagnosticada, que o câncer era no pâncreas e que ela estava fazendo tratamento. Eu me questionei sozinho por não ter percebido nada.

- Mas eu tenho boas notícias Daniel. As chances de cura aumentaram. – sussurrou ela.

Eu não sabia se aquilo era bom ou ruim. Ela tirou o aplique do cabelo e me mostrou as consequências. Depois sorriu.

- Eu fico parecendo um e.t sem cabelo. – disse ela rindo.

- Não. Continua bonita. – repliquei.

Ela colocou as mãos geladas no meu rosto e me deu um beijo na testa.

- Perdoa tá? Por ter escondido isso de você. Eu só não queria te preocupar com os meus problemas.

- Não esconde mais nada de mim. Eu só consigo confiar em você. – afirmei.

- Eu te amo filho, eu vou ficar bem. Promessa de mãe.

***

O despertador tocou na manhã seguinte. Eu já havia desistido de ir à escola. Meu certificado de reprovação estava estampado por todo lugar, mas Catharina ainda persistiu e continuou indo. Eu implorava que ela não subestimasse Diana, mas ela sempre ignorava o que eu dizia a ela.

No mesmo dia, quando ela voltou da escola, contou que todos estavam animados para a formatura que seria em duas semanas.

- A cor do vestido é vermelho. – disse ela na mesa enquanto almoçávamos.

- Podemos comprar o vestido quando quiser. – disse Eduarda.

- Vai mesmo a essa formatura? – perguntei.

- Minha mãe quer que eu vá e eu não vejo problema algum. Minha barriga ainda nem apareceu.

- E eu acho isso muito estranho. – comentei.

Catharina me encarou raivosa.

- Então você vai começar a me acompanhar quando eu for ao médico, papai. – replicou ela.

Nos encaramos com tanta raiva que a fome passou.

- Eu vou indo. – avisei levantando-me da mesa e jogando o guardanapo.

- Aonde você vai? – perguntou Catharina.

- Autoescola. – respondi.

***

Quando a aula acabou, fiquei esperando o ônibus passar, mas ao invés de ir pra casa, fui conversar com Diana. Minha alma clamava por falar com ela.

Bati na porta e Lucas atendeu. Ele nem ao menos piscou ou disse qualquer coisa. Ficou parado esperando a ficha cair.

- Eu... Eu... A Diana está? – perguntei.

- Não! – respondeu ele fechando a porta na minha cara.

Apoiei as mãos na porta e esperei a coragem de bater novamente.

- Ah Lucas, qual é! Eu preciso falar com ela! – gritei.

- Vai embora! – exclamou ele do outro lado da porta.

- Eu preciso cara, de verdade! Por favor! – implorei.

Houve um silêncio e alguns minutos depois Lucas abriu a porta.

- Ela não quer falar com você.

- Mas eu preciso falar com ela.

Lucas pensou por um tempo e finalmente me deixou entrar.

- Ela tá no quarto. – disse ele. – Vou chamá-la.

- Não precisa. Eu vou até lá.

Segui para o quarto de Diana e abri a porta devagar. Ela estava lendo um livro que não consegui ver o nome. Os olhos dela fitaram os meus e ela fechou o livro.

- O que você tá fazendo aqui? – perguntou ela indignada ao se levantar.

- Eu precisav...

- Vai embora! – gritou ela me interrompendo.

- Eu preciso falar com você!

- Eu não quero ouvir a sua voz, eu não quero ver você! Sai daqui!

Ela começou a me empurrar em direção a porta, mas eu segurei seus braços com força e a impedi. Havia lágrimas nos olhos castanhos de Diana, marcados por um cansaço tão grande quanto o meu.

- Você precisa me ouvir. – disse.

- Eu não quero! – insistia ela.

Então, as lágrimas rolaram pelo rosto dela e soluçando ela me abraçou. Na verdade, ela caiu nos meus braços, sem jeito e totalmente frágil. Eu me vi sendo o porto seguro dela de novo.

- Por quê você fez isso comigo? – perguntava ela, quebrando tudo o que havia por dentro de mim.

- Eu sinto muito. Eu sei que nem devia estar aqui, que nem devia estar falando com você. Eu não mereço isso. É que eu te amo tanto, eu...

- Não, você não me ama Daniel!

Senti o corpo gelar enquanto chorava. Ela saiu dos meus braços, como se estivesse rejeitando.

- Eu não quero que me trate assim. Eu errei, eu sei! Me perdoa, mas não faz isso comigo. Tipo, foi errado, eu sei. Posso repetir isso quantas vezes quiser, mas eu fiz aquilo na besteira, na idiotice. Mas eu te amo, não diz que isso é mentira. Não é.

- Você me traiu com ela. Como você pôde?

- Eu estava furioso. Com raiva de você! Com raiva de mim!

- Isso não é desculpa. Isso não muda nada!

- Diana, eu não posso mais continuar sem você. Nada vai pra frente se você não está comigo. Por favor, eu faço qualquer coisa, mas não me deixa.

Ela continuou em pé, na minha frente, chorando como uma criança, ouvindo as batidas do coração acelerar enquanto eu tremia por dentro e por fora.

- Eu não te amo mais. – disse ela.

- Mentira! Mentira! Você me ama, eu sei disso! – exclamei, indo em sua direção e segurando seu rosto próximo do meu e a abraçando. Ela me empurrava, mas eu sabia que aquela rejeição era uma farsa.

- Vai embora! Por favor, vá embora. – dizia ela.

- Eu não vou. Não sem você dizer que me ama e que me perdoa porque é isso que eu preciso ouvir.

- Eu não amo mais... – os olhos chorosos me fitaram e ela continuou me empurrando.

- Eu amo você. Lembra quando eu disse que eu precisava de você? Que nada nesse mundo se comparava ao que eu sentia por você? Eu ainda sinto, tudo aquilo.

- Você jogou tudo fora Daniel.

- Não, não, não! Tá tudo aqui ainda, você só precisa admitir e eu largo tudo pra ficar com você.

Ela soltou-se novamente e virou as costas, olhando na direção contrária a mim.

- Eu pensava que um dia iria sofrer por amor. Todo mundo sofre, não é? – disse ela virando-se novamente. – Mas, eu me pergunto: “pô, vale apena mesmo? Viver pra alguém assim, que um dia vai partir seu coração?”. Aí você apareceu, e eu não pensava mais assim. Não pensava em nada além do bem que você me fazia. Eu queria que aquela chuva tivesse durado a tarde inteira pra eu poder continuar conversando com você, mesmo suja de lama. Eu queria que naquela noite, lá no muro, as horas passassem devagar pra eu poder ficar ali, sendo a tua companhia. Queria que passássemos a noite inteira dançando naquela festa, até nossos pés implorarem por descanso. Queria que “use somebody” fosse a nossa música, e não uma lembrança dolorosa como agora. E hoje, quando eu lembro de tudo isso e quando eu penso em você... dói. Dói demais, Daniel.

Ela fez uma pausa e eu procurei palavras para defender qualquer coisa que fizesse sentido pra mim.

- Acabou, Daniel. Acabou. Tudo acaba um dia. Isso aqui acabou também.

Ela passou por mim e saiu do quarto. Eu não tinha mais nada pra dizer. Eu encarei o nada até Lucas aparecer.

- É melhor você ir embora. – disse ele.

- cara, eu já apanhei muito na minha vida, mas nada se compara a tudo isso.

- Amor é uma consequência. Ou todas as consequências.

- Eu estraguei tudo! – continuei.

- Lamentar, sentir pena de si mesmo, nada disso vai ajudar Daniel. Vá pra casa, descanse. Deixa as coisas se estabelecerem. E faça um favor pra ela: se você a ama, desapareça da vida dela de uma vez.

- Não posso. – disse.

- Tente.

Neguei novamente ao seu pedido e sai daquela casa com mais mágoa do que quando entrei


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.